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Delito de Opinião

Fazer das fraquezas força

Jorge Sampaio

Pedro Correia, 23.09.21

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Na tarde de quarta-feira, houve unanimidade na Assembleia da República: por uma vez, as bandeiras partidárias estiveram em convergência. Quando todos os grupos parlamentares expressaram voto de pesar pelo falecimento de Jorge Fernando Branco de Sampaio, falecido faz hoje oito dias, com 82 anos incompletos. Esta posição em nenhum momento pareceu mero registo formal: percebeu-se que era um gesto sentido de um extremo ao outro do hemiciclo.

Eis talvez o maior dos legados do antigo Presidente da República: demonstrar aos compatriotas que é possível pertencer de corpo inteiro a uma facção política sem jamais encarar as restantes como inimigas, sem rebaixar um adversário, sem deixar de atender aos argumentos opostos.

Jorge Sampaio, Presidente da República entre 1996 e 2006, era por temperamento e formação um gentleman, educado na matriz anglo-saxónica. No início da década de 50, quando residia com os pais em Londres, a mãe levou-o a assistir a uma sessão na Câmara dos Comuns protagonizada pelos conservadores de Winston Churchill e os trabalhistas de Clement Attlee. Ver e escutar aqueles dois estadistas que haviam integrado o governo de coligação em Londres durante a II Guerra Mundial foi mais que uma aula prática de política: foi uma lição de vida.

Se todos os jovens aspirantes ao exercício de funções públicas tivessem este privilégio nos anos decisivos em que se molda um carácter, o debate entre nós seria muito menos crispado, cultivaria o argumento persuasivo, deixaria de roçar o insulto. Metas cada vez mais utópicas nesta era das “redes sociais”, transformadas numa espiral de gritaria em sessões contínuas.

Sampaio aproveitou bem o que aprendeu naquele dia. E soube aplicar esta lição ao longo do seu percurso, iniciado no activismo universitário durante a ditadura e culminado na década em que exerceu funções presidenciais, sob o mote “Não há portugueses dispensáveis.” Mesmo quando traçou linhas divisórias com clareza. Em 1974, ao abandonar o Movimento de Esquerda Socialista, em defesa do reformismo contra a febre revolucionária. Em 1985, quando não hesitou em apoiar a candidatura presidencial de Mário Soares, moderada e europeísta, contra os radicais de esquerda congregados em torno de Salgado Zenha. Em 2004, ao considerar esgotado um Governo que empossara com extrema relutância, devolvendo a palavra aos eleitores, naquela que foi a mais controversa decisão do seu mandato em Belém.

Deixa-nos um exemplo de “elevação na discordância”, como sublinhou um dos intervenientes na sessão parlamentar em que foi homenageado a título póstumo. E também uma permanente atenção ao que ocorre no mundo. Como ficou evidente quando já muito frágil, na véspera do seu internamento hospitalar, alertava em artigo no “Público” para o drama afegão. Proclamando, em tom imperativo: “A solidariedade não é facultativa: é um dever.” Singular modo de fazer das fraquezas força quase até ao último sopro dos seus dias.

 

Texto publicado no semanário Novo

«Não na distância. Aqui, no meio de nós. Brilha»

Pedro Correia, 21.09.21

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É preciso morrer um Presidente da República para ouvirmos Mozart e recitação da melhor poesia nos nossos canais de notícias. Aconteceu domingo passado, no claustro do Mosteiro dos Jerónimos, perante os restos mortais de Jorge Sampaio. Cerimónia sóbria e digna, que enobrece o Estado português: mal vai o país que seja incapaz de honrar aqueles que bem o servem.

Foi um momento admirável, a vários títulos. E as televisões estavam lá para mostrar. Por instantes alheadas das doses infindáveis de música pimba e das intermináveis tricas em torno da equipa do Benfica que preenchem horas e horas e horas de emissão.

Vera e André Sampaio, que muitos de nós recordamos adolescentes, quando o pai desempenhava funções como secretário-geral do PS e presidente da Câmara de Lisboa antes de ser eleito Chefe do Estado, tiveram intervenções comovidas e comoventes. Agradecendo a presença das personalidades ali reunidas, com destaque para o Rei de Espanha, e as expressivas mensagens de Timor-Leste recebidas em vídeo.

Sampaio, que em vida dividiu águas no seu próprio partido, ergueu-se post mortem como traço de união entre portugueses de diversos matizes. Foi o seu último serviço prestado à República que jurou servir.

Lá estava, a confirmá-lo, o actual inquilino do Palácio de Belém. Marcelo Rebelo de Sousa – que teve o primeiro grande combate político da sua vida numa corrida autárquica em Lisboa em que foi derrotado por Sampaio, já lá vão 32 anos – mostrou-se à altura da circunstância com outra notável peça oratória. Na linha da que já pronunciara no 25 de Abril.

«Para Jorge Sampaio, Portugal nunca foi uma abstracção. Nunca foi uma fortaleza fechada, egoísta e distante. Para Jorge Sampaio, foram – um a um – os milhões de portugueses», declarou o católico Marcelo neste vibrante elogio fúnebre ao ateu Sampaio, enterradas as contendas do passado.

É nestas ocasiões que os melhores repórteres, atentos e cultos, fazem a diferença. «Atrevo-me a destacar, nesta cerimónia, as intervenções dos filhos, porque herdaram claramente do pai a eloquência e a capacidade de, num dos dias mais difíceis das suas vidas, falarem ao coração do país», observou Débora Henriques, destacada pela SIC para a cobertura das exéquias nos Jerónimos. Com palavras precisas e sentidas, bem pronunciadas e que fogem à vulgaridade.

Palavras adequadas naquela manhã de luto marcada por outros momentos carregados de simbolismo. A recente viúva Maria José Ritta já no cemitério do Alto de São João, beijando a bandeira nacional que o Estado português lhe entregou das mãos de Marcelo. A maestrina Joana Carneiro dirigindo a Orquestra Sinfónica Portuguesa em trechos que certamente emocionariam o melómano Sampaio. Maria do Céu Guerra recitando tão bem o magnífico poema de Jorge de Sena, autêntico hino à transcendência perante a fragilidade humana: «Uma pequenina luz bruxuleante e muda / Como a exactidão, como a firmeza, como a justiça, / Apenas como elas, / Mas brilha. / Não na distância. Aqui, / No meio de nós. / Brilha.»

 

Texto publicado no semanário Novo

Ainda Sampaio

João Pedro Pimenta, 17.09.21

Ainda sobre Jorge Sampaio, já quase tudo se disse, de bom, sobretudo, e de mau, bem menos, e merecido. Mas gostaria de acrescentar um ponto sobre o político que pela postura carreira e até a cor do cabelo poderia perfeitamente ser um parlamentar trabalhista britânico. Acerca do momento mais polémico da sua presidência, a nomeação de Santana Lopes e a dissolução do Parlamento seis meses depois, convocando as eleições que depois dariam o poder a Sócrates, relembro que apesar das críticas que a direita lhe teceu então, ficaram ainda assim aquém das que a esquerda lhe disparou ao decidir convidar Santana a formar governo. Provavelmente a maioria acha hoje que ele faria melhor em convocar logo eleições (e o PSD em escolher a então segunda figura do governo, Manuela Ferreira Leite, para o liderar, quatro anos do que sucedeu mais tarde). Mas decidiu não o fazer e com isso atraiu a fúria da esquerda. Ferro Rodrigues demitiu-se da liderança do PS nesse mesmo dia, indignado com a decisão presidencial. Saramago disse que "a democracia acabara em Portugal". Francisco Louçã retorquiu que era "o princípio do fim do 25 de Abril". Na festa do Avante desse ano usaram-se t-shirts anti-Sampaio. E como na noite seguinte, precisamente, morreu de súbito Maria de Lurdes Pintassilgo, não faltou quem dissesse explicitamente que tal se deveria ao desgosto da decisão de Sampaio. Em suma, provavelmente nunca nenhuma figura da esquerda (nem da direita) portuguesa atraiu tanto os ódios do seu espectro político como Jorge Sampaio. Curiosamente, muitos destes correligionários aplaudiram dez anos depois a constituição da "geringonça", que, tal como no governo Santana, se baseava numa maioria parlamentar.

Que o "cenoura", como carinhosamente lhe chamavam, descanse em paz.

Um homem bom

José Meireles Graça, 14.09.21

Um homem bom, culto, educado, sensível, afável, inteligente – um Senhor, resumiu uma amiga minha que não suspeito de excessivas simpatias socialistas.

Outro que estimo, esse sim socialista toda a vida, mas da variedade rara que não é cega para os defeitos nem das pessoas, nem do seu partido, nem do regime, abundou num panegírico obviamente sentido.

Alguns amigos meus escorreitamente de direita mas com reflexos condicionados (são a maior parte, enquanto dos não amigos a quase totalidade) precipitaram-se a cascar no falecido porque era, e sempre agiu como, um homem de esquerda, esquecendo a convenção que manda não dizer mal dos mortos aquando do seu passamento.

As convenções não existem por acaso: esta que obriga à contenção garante-nos que quando chegar a nossa vez ninguém vai para o velório roer-nos na pele; e lembra aos crentes que todos são igualmente filhos de Deus, e aos não-crentes que todo o homem, por detestável que seja, tem um lado bom.

De modo que enquanto fui lendo e ouvindo o desparrame de elogios dei provas de louvável inacção, excepto no mural de uma outra amiga, em que não resisti (mas estou arrependido) a dizer: Sim, falava um inglês óptimo, vestia bem e toda a vida foi um socialista convencional, com as ideias convencionais da espécie que foram evoluindo sempre no sentido de se aceitar hoje o que se rejeitou ontem. Se a esperança média de vida estivesse nos 150 anos teria acabado por ser liberal, com a condição de o liberalismo ter entretanto ficado obsoleto.

A amiga referida acima desancou-me. E, sem a contestar, prometi que algum dia diria o que realmente penso do homem, desassombradamente. Será hoje.

Não ponho em dúvida que Jorge Sampaio fosse o ser humano admirável que os que o conheciam pessoalmente descrevem. E portanto a mim talvez me conviesse, numa existência paralela, para sogro, ou genro, ou amigo, ou conviva de jantar, assim como lhe poderia comprar um carro usado, pedir um favor com a certeza de, se estivesse na mão dele, mo conceder, ou fazer-lhe eu um favor a ele se mo pedisse e igualmente eu pudesse anuir, com a certeza de não abusar. Creio até que da sua experiência de vida seria possível retirar não digo utilidade mas satisfação da minha curiosidade, e iluminação de alguns passos dos sucessos abrileiros ou até da minha ignorância nesta ou naqueloutra matéria.

Mas o que era pessoalmente um político só tem interesse na medida em que ilumine passos de um percurso, não serve para aquilatar dos méritos ou deméritos das escolhas que fez e das decisões que tomou. Quando muito, poderá ser útil para acepilhar algumas rugosidades de interpretação, mas não mais (estes dois verbos, “aquilatar” e “acepilhar”, foram aqui metidos a martelo para agradar a uma outra amiga, dilecta, que os detesta pelo uso imoderado que deles fazem magistrados em sentenças pomposas).

Sucede que sobre Sampaio, no tempo em que o seu ponto de vista contava, fui expectorando algumas opiniões, à medida que o próprio ejaculava as dele.

Por exemplo, sobre a dissolução da AR, a pretexto da falta de gravitas e auctoritas do então primeiro-ministro, na realidade um expediente para alcandorar ao poder o seu partido, que era maioritário nas sondagens, chamava a atenção para o precedente criado; a propósito de uma entrevista em que o celebrado alinhavava umas banalidades contava aqui a história da sua famosa frase para a História: Há vida para além do défice!; e comentava um artigo no Público em que o preclaro confiava a sua aflição com o Brexit e se aliviava das suas cogitações sobre o futuro da União Europeia, do mundo, de Portugal e mais um par de botas

Concluía este último assim (eu, não ele): Temos que ver, temos que falar!

Que só não é um resumo da sua vida porque algumas vezes tomou decisões (corajosas, dizem os admiradores): quando se decidiu candidatar à liderança do PS, à Câmara de Lisboa e à presidência da Républica, ou quando aderiu ao PS após abandonar o MES e fundar outra irrelevância esquerdosa, a Intervenção Socialista. Decisões corajosas e iniciativas de um ominoso pioneirismo como a aliança com comunistas para obter o colar de presidente da Câmara, na qual se distinguiu por não ter feito absolutamente nada digno de registo.

E há muito mais? Não há, excepto acrescentar talvez que, parece, também tocava piano.

Suspeito que era, como músico, ainda mais medíocre do que como político. Isto se se achar, como eu acho, que não vale a pena ter muitas vitórias se elas forem sempre em desserviço do país.

Jorge Sampaio em Moçambique

jpt, 11.09.21

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[Fotografia de Jorge Brilhante]

Votei três vezes em Jorge Sampaio, uma para presidente de Lisboa e duas para presidente de Portugal. E pude assistir à sua visita a Moçambique em Abril de 1997, e aqui o recordo nessa época, muito justificadamente condecorando a tão saudosa Maria Inês Nogueira da Costa, excepcional directora do Arquivo Histórico de Moçambique, na presença do embaixador Ruy Brito e Cunha (encoberto) e do então jovem Mia Couto, ladeando pinturas de Malangatana e Noel Langa.
 
Essa visita foi um verdadeiro sucesso, promovendo um efectivo "degelo" nas relações entre os dois países. Algo que, como é evidente, correspondeu à postura de Chissano. Mas também muito se deveu a ele próprio, pelo empenho e cuidada afabilidade e também pela excelente equipa de assessores que organizara em Belém, a qual muito bem soube gizar o que então era fundamental. Sampaio voltaria a Maputo em 2001, então para uma cimeira da CPLP, um cenário multilateral que lhe dava uma agenda menos pressionante sendo então óbvio que ali se sentia imensamente bem, num afectivo "em casa".
 
Morreu ontem, aos 81 anos. Quaisquer críticas a algumas das suas decisões políticas suspendem-se agora. Que é o curial quando morre um homem probo.
 

Sem peso nos ombros

Maria Dulce Fernandes, 11.09.21

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Era um dia frio de Inverno, apesar de o despontar de um sol radiante conferir um pouco de calor ao acontecimento.

Estava prevista a inauguração de um trabalho em azulejo executado pelos estudantes da Casa Pia de Lisboa, Colégio de Pina Manique, na zona do jardim ao lado do McDonald's.

Seria o Presidente Jorge Sampaio a inaugurar a produção, que contaria também com a presença de vários ministros, do presidente da Junta de Freguesia e do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, à data o engenheiro Carmona Rodrigues.

Servir um Porto de Honra aos participantes estava na ordem do dia. Depois de todos os trâmites com a segurança e dos preparativos para a função e após a chegada da cobertura televisiva e de todo o circo mediático que a envolve, começaram a juntar-se os participantes no evento. Como muitos dos demais intervenientes, o nosso Presidente da República chegou simpático e elegante no seu sobretudo azul escuro, distribuíndo cumprimentos na sua simpática e composta maneira de estar. Para mim só tinha um problema, que mexia tremendamente com a minha-espécie-de-POC, trazia imensa caspa nos ombros. Olhei e voltei a olhar e desviei o meu raio de visão, mas raios! foi mais forte do que eu. Avancei sem aviso prévio na direcção de S. Exa. e tratei de lhe começar a sacudir a caspinha dos ombros. Não sei do que é que eu estava à espera, mas a segurança travou-me imediatamente o braço criminoso, malgrado os meus protestos de querer apenas aprimorar a imagem do chefe da nação.

O nosso Pesidente, assim que percebeu a situação, conhecendo-me o suficiente para não me confundir com um Buíça, deixou claro ao zeloso segurança que “esta Senhora tem  autorização para me limpar o casaco sempre que achar necessário." Foi uma risota pegada! Mas a verdade é que o Presidente Jorge Sampaio falou, naquele dia, para a comunicação social sem qualquer peso nos ombros.

Deixou boas recordações como Presidente e como a excelente pessoa que sempre foi.

De todos, e conheci-os a todos, os inquilinos de Belém, este foi e sempre será o meu Presidente favorito.

 

Imagem Visão/Sapo

Jorge Sampaio (18/09/1939 –10/09/2021)

Sérgio de Almeida Correia, 10.09.21

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(créditos: José Sena Goulão/LUSA)

 

No momento em que recebo a triste notícia do seu passamento, limitar-me-ei a deixar aqui aquilo que há alguns anos escrevi a seu respeito a propósito da atribuição do Prémio Nelson Mandela.

Pese embora as divergências, e foram muitas, a começar por Macau, e o modo como muitas vezes olhei para a sua  desconcertante acção política, não tenho mais nada a acrescentar, até porque defeitos todos temos, e com maior ou menor esforço procuramos combatê-los e melhorar.

As qualidades na medida certa é que ninguém as tem, mas alguns esforçam-se muito por tê-las nessa medida. E ele foi um deles.

Portugal tem imensa falta de cidadãos de corpo inteiro. Sentirei a sua ausência num mundo cada vez mais materialista e desprovido de valores.

 

"Entendo, por isso mesmo, que aquilo que deve ser valorizado na atribuição a Jorge Sampaio do Prémio Nelson Mandela 2015 é o que desde sempre o caracterizou e valorizou a sua acção aos olhos de todos: falo do seu empenho na afirmação dos valores da civilização – democracia, direitos humanos, cultura, educação, paz – através de uma cidadania activa. E é isto aquilo que também o aproxima do exemplo e da herança do homenageado que deu nome ao prémio.

A coragem na luta pela afirmação da justiça, a defesa dos direitos políticos, que são também e acima de tudo direitos de cidadania, a entrega pro bono do seu saber e da sua acção aos injustiçados desta vida, a procura da decência na pós-modernidade e na sociedade do risco de que Ülrich Becker falava, o desapego aos valores materiais, tudo isso faz parte das suas marcas. Jorge Sampaio é e sempre foi um institucionalista, como o foram à sua maneira Gunnar Myrdal, John K. Galbraith ou Jean Monnet, no sentido de atribuir valor ao papel desempenhado pelas instituições, por quem as serve nos cargos e nas interacções que por uns e outros podem ser geradas na construção de sociedades equilibradas. Mas sendo-o, ao contrário de muitos outros cuja acção também será meritória, sempre desvalorizou o penacho institucional, a mordomia parola, a pose afectada. Porque nenhum de nós, nenhuma nação, nenhum homem está sozinho neste mundo. E os homens servem as nações e as suas instituições para interagirem, para se entenderem, para afirmação colectiva e bem-estar dos povos, não para deleite egocêntrico ou puro exercício diletante.

O papel de Jorge Sampaio na afirmação universal das regras do jogo democrático, casos da Turquia e de Timor-Leste, bem como a sua intervenção nos debates e problemas que interessam e que afectam as sociedades contemporâneas – HIV-AIDS, combate à corrupção, reformas para combater o flagelo das drogas e do seu tráfico, defesa dos direitos das crianças e dos mais carenciados, luta contra a tuberculose, apoio aos estudantes sírios refugiados para poderem prosseguir os seus estudos –, sempre na procura de soluções inclusivas, foi incontornável, granjeando-lhe prestígio, estima e reconhecimento por parte da comunidade internacional. Como portugueses, só temos que nos sentir honrados com o seu trabalho." (in Ponto Final, 24/07/2015)

Incontinência verbal

João Sousa, 29.08.21

"O Chefe de Estado revelou ainda ter estado com Jorge Sampaio há 20 dias, num jantar de amigos que acontece anualmente, tendo-o achado "cansado e prostrado". - sobre declarações de Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas na sexta-feira.

Lucky Luke disparava mais depressa do que a própria sombra. Marcelo, perante um microfone ou uma câmara de televisão, entra em frenesim e a sua boca é mais rápida do que o seu próprio cérebro. Mas aquilo é coisa que se diga?

80 anos de Sampaio no Público

jpt, 16.09.19

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O antigo presidente Jorge Sampaio cumpre 80 anos e o jornal "Público" dedicou-lhe bastante espaço. Grande entrevista, artigo encomiástico de um seu colaborador, inúmeros depoimentos de personalidades conhecidas. Eu simpatizo com Sampaio: esteve duas vezes em Moçambique, com elegância e competência. É um grande sportinguista (condição não suficiente mas que me impulsiona o apreço). Mas não é sobre ele que boto. É sobre o jornal. E sobre quem lá trabalha.

No café acabo de folhear o "Público". Leio em vigorosa diagonal as várias páginas sobre o antigo presidente da república, antigo presidente da câmara de Lisboa e antigo secretário-geral do PS. Não há uma única alusão ao momento crucial da sua presidência. Quando - no exercício dos seus legítimos poderes - demitiu um governo maioritário e abriu caminho à ascensão ao poder do seu sucessor no PS, José Sócrates. Não há uma única alusão a isso, repito. Nem uma única reflexão sobre o processo subsequente, de degenerescência do poder político. E da degenerescência do próprio PS, e da esmagadora maioria dos seus apoiantes (alguns dos quais são meus amigos reais e devem ler isto, sabendo, claro, do quanto os desprezo apesar da entristecida amizade que ainda lhes dedico), reduzidos a apoiantes nada envergonhados da roubalheira. A qual continua, neste incessante esforço de esconder e fazer esquecer a cumplicidade de todo o aparelho socialista e dos seus "companheiros de estrada" (e dos prostitutos a la Jugular) com a criminalização do Estado.

E o que temos agora, nas vésperas de mais umas eleições, controlado que já está o aparelho judicial, calados que estão os pequenos núcleos contestatários ou meramente analíticos na imprensa estatal (vejam o que aconteceu ao "Sexta às 9" na RTP, suspenso no período eleitoral pela nova direcção de informação, ali colocada - exactamente como Sócrates fazia com a imprensa toda - para controlar os danos da ladroagem do aparelho socialista)? O que temos agora? O jornal "Público" a fazer o frete ao PS, a produzir "amnésia organizada", a reforçá-la.

A propósito de Sampaio tudo o que haveria para saber sobre o "Público" e seus profissionais, e colaboradores cúmplices, está dito.

 

Patrocínios

Sérgio de Almeida Correia, 26.03.17

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Vasco Pulido Valente (VPV) escreveu, e eu não tenho razões para duvidar, pois que ainda nem sequer tive acesso à obra, que o 2.º volume do livro contendo a biografia de Jorge Sampaio, um ex-Presidente da República, tem entre os seus patrocinadores empresas privadas e fundações cujo nascimento, pelo menos num caso, e cujas acções, em ambos e também em relação a PT e à Mota-Engil, têm gerado controvérsia e crítica em vários sectores da sociedade portuguesa.

No entanto, creio que VPV falha clamorosamente num ponto. Vendo o nome do autor do livro que surge na lombada, verifica-se que não foi Jorge Sampaio quem o escreveu, mas sim José Pedro Castanheira. Tratar-se-á, é certo, de uma biografia autorizada pelo próprio, só que isso não faz de Sampaio o autor do livro. E o autor certamente que não estava inibido de procurar obter os patrocínios que entendesse necessários à publicação, nada havendo que o impedisse de assim proceder. A não ser, talvez, ter avisado o biografado sobre os patrocínios que angariou, coisa que não sei se fez. Nem se o biografado, tendo sido informado, os aprovou. 

De qualquer modo, ao dizer que Sampaio é o autor do livro, VPV enganou os seus leitores. E isso é feio.

Em todo o caso, confesso que não esperava ver Jorge Sampaio, pessoa por quem tenho apreço e admiração pela sua acção como cidadão e político, metido nessa embrulhada do livro e dos patrocínios. Depois de o ter mantido e de ter sido enganado pelo último governador de Macau, já era tempo para Jorge Sampaio deixar de ser ingénuo.

Evocação das Lajes.

Luís Menezes Leitão, 08.05.16

Há uma coisa que impressiona na política portuguesa e que é os políticos não terem consciência da sua pequena dimensão. A Portugal foi solicitado que albergasse nas Lajes a cimeira da guerra no Iraque apenas porque era geograficamente o local mais conveniente para a deslocação de Presidente dos EUA, do Primeiro-Ministro inglês e do Chefe do Governo espanhol. Não havia qualquer intenção de arrastar Portugal para a decisão ou de lhe dar qualquer papel na mesma. Miguel Portas percebeu isso muito bem quando disse que não sabia se Durão Barroso ia ser o porteiro ou o mordomo na cimeira, mas que uma dessas duas coisas seria certamente. Durão Barroso quis manifestamente ser mais que isso, falou numa cimeira 3 + 1, e esforçou-se imenso para aparecer na fotografia, mas a nível internacional a sua imagem foi cortada e ninguém lhe deu maior estatuto do que o de anfitrião da cimeira, ou seja, nenhum.

 

Como neste momento a memória da cimeira das Lajes caiu em desgraça, Durão Barroso achou que deveria partilhar o opóbrio da cimeira com Jorge Sampaio, dizendo que ele teria concordado com a mesma. Este obviamente não se deixou ficar, e lá publicou umas evocações presidenciais, para, segundo ele diz, "fazer uma breve revisitação dos anos 2002-2003 deste século, determinantes que foram para o caos que hoje se vive no plano internacional". Nessa "breve revisitação" sacou de todos os seus registos, acusando Durão Barroso de crimes tão hediondos como o de ter memória selectiva (!) e de o ter acordado às sete da manhã com esta questão (!!). Não nega ter efectivamente concordado com a cimeira, talvez devido ao facto de ter acordado estremunhado nesse dia, alegando, porém, que a sua concordância foi para evitar "abrir um conflito institucional que em nada serviria o país". Mais vale de facto evitar um conflito institucional no país do que uma cimeira no país para organizar a guerra no Iraque.

 

Mas mesmo assim Jorge Sampaio acusa Durão Barroso de ter organizado a cimeira nas suas costas, uma vez que a mesma foi realizada 48 horas depois, e "não é preciso ser-se perito em relações internacionais para se perceber que eventos deste tipo não se organizam num abrir e fechar de olhos". Se Jorge Sampaio acha que 48 horas, num período de crise internacional, correspondem a um abrir e fechar de olhos deve ter um sono muito profundo.

 

É assim claro que Jorge Sampaio concordou com a organização da cimeira nas Lajes. Ele próprio o reconhece, mas também diz que não tinha que ter concordado, uma vez que "não é necessário ser-se constitucionalista, para se perceber que não cabe ao Presidente autorizar ou deixar de autorizar actos de política externa". Mas entende contraditoriamente que "o Presidente tem o direito constitucional a mostrar a sua discordância perante a condução da política externa e não está obrigado a acatar, sem intervenção e passivamente, decisões assumidas pelo Governo". Afinal em que ficamos?

 

Temos assim uma verdadeira guerra do alecrim e da manjerona sobre uma questão absolutamente ridícula: se a cimeira não fosse nas Lajes, mas nas Bermudas, nos Barbados, em Cabo Verde, ou até num porta-aviões a meio do Atlântico, a guerra teria sido evitada? É óbvio que não. Abrir esta discussão neste momento é por isso absolutamente ridículo. Os portugueses têm coisas muito mais sérias com que se preocupar.

A folha viçosa.

Luís Menezes Leitão, 17.12.15

Vasco Pulido Valente tinha justamente escrito há uma semana o seguinte sobre a candidatura de Sampaio de Nóvoa: "O dr. Nóvoa apresenta como a sua maior credencial o facto de Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio lhe darem a sua bênção e o seu apoio. Mas nenhum dos três se explicou ainda a esse respeito e o país continua sem saber o que eles, com a sua suposta clarividência, viram naquela tristíssima personagem".

 

Agora o Dr. Jorge Sampaio aceitou o repto e já nos esclareceu as razões desse apoio. Segundo ele, "o esforço que Nóvoa tem desenvolvido mostra abertura de espírito, uma correcta interpretação dos poderes presidenciais e os grandes ideais por que se bate são coisas fundamentais num Presidente da República". Se o critério é este, não entendo o que distingue Nóvoa de 99,99% da população portuguesa em idade de votar, que seguramente também tem "abertura de espírito", entende quais são os poderes presidenciais, e tem ideais. Quem não os tem?

 

Pareceria assim que Jorge Sampaio entende que apoia Nóvoa como podia apoiar um desconhecido qualquer para presidente. Isso só nos faria concluir pela absoluta irrelevância do cargo que em tempos ocupou. Mas não. Ele acha que "as eleições presidenciais são muito importantes, Abril já foi há muito tempo e as pessoas esquecem-se”. Parece assim que o objectivo da candidatura é permitir aos mais esquecidos que se recordem dos bons velhos tempos de Abril. Tal só demonstra que eu tive razão quando escrevi aqui que a razão destes apoios é o candidato lhes recordar as suas maiores paixões da juventude, a luta intransigente pelos gloriosos amanhãs que cantam, o que o torna irresistível para políticos com mais de 75 anos.

 

Vítor Bento disse uma vez com razão ser absolutamente intrigante que "uma parte importante da classe política considere, ao fim de 40 anos de regime, que a Presidência da República - que em caso de crise grave é o último fusível do regime - é o local ideal para se perder a virgindade política". Mas Jorge Sampaio explica que "um Presidente da República não é uma folha seca, é alguém que tem de ter princípios e valores que defende a Constituição e está recheado de vivências". Jorge Sampaio explica assim aos portugueses que apoia Nóvoa porque o considera uma folha viçosa. Isto só me faz lembrar quando o Dr. Jorge Sampaio anunciou que havia mais vida para além do orçamento. Se me permitirem o trocadilho, eu diria que nesta candidatura há muito viço e pouco siso.

Soares e Sampaio devem estar orgulhosos desta herança

Sérgio de Almeida Correia, 18.02.14

Por opção, falta de tempo e outras razões que ao caso não vêm, tenho evitado escrever, pouco que seja, sobre a cidade que catorze anos depois recuperei como minha primeira morada. Não sei quando voltarei a debruçar-me sobre ela com o cuidado de outrora, mas há dias em que um tipo tem mais dificuldade em conter-se.

Podia haver mil e uma justificações para a Assembleia Legislativa de Macau ter chumbado, pela segunda vez, um diploma visando a protecção dos animais, esses seres com os quais repartimos o espaço e o ar no planeta que nos coube em sorte, que não falam, e que apesar de todos os seus defeitos entraram com os nossos antepassados para a arca de Noé.

Mil e uma excluiria, penso eu, ver deputados a perguntar se matar um frango constitui uma infracção, se o diploma iria "criminalizar" os actos de reprodução animal na via pública, ou como tratar as ofensas "dos cães contra os seus donos". Mas convenhamos que apresentar como razão para inviabilizar um projecto de diploma contra a crueldade sobre os animais que os "cães não sabem conversar, às vezes têm de ser fechados", leva-me a duvidar da sanidade de alguns "deputados". E, mais do que isso, leva-me a interrogar sobre o que andaram os portugueses a fazer nesta terra durante cinco longos séculos. Sobre o que ficou para trás de Abril de 1974 não valerá a pena perder tempo. Sobre o que se fez para a frente sim.

Talvez que aquela pergunta pudesse ser respondida pelos governadores de Macau do pós-25 de Abril e, em especial, pelos Presidentes da República que foram responsáveis pelas suas nomeações após 1986.

Simplificando, tudo se pode resumir a duas curtas perguntas: (i) foi para este espectáculo que nos é oferecido década e meia volvida sobre a transferência da Administração, que Pinto Machado, Carlos Melancia e Rocha Vieira, em especial este último pelo tempo que se manteve em funções, estiveram em Macau?; (ii) foi este o sentido da autonomia de Macau que Portugal e a RPC tinham em mente quando assinaram a Declaração Conjunta e se congratularam com a aprovação da Lei Básica da RAEM?

Porque não há nada tão mau que não possa piorar,

João Campos, 27.10.12

Jorge Sampaio tem estado particularmente falador nas últimas semanas - quase todos os dias sai uma declaração nova do ex-Presidente da República sobre a austeridade, sobre os desvarios do governo em funções ou sobre outra coisa qualquer. Sampaio, para todos os efeitos, foi uma nulidade durante a sua estadia em Belém. Em 2004, conseguiu, por motivos ainda hoje insondáveis (e provavelmente injustificáveis) dissolver um Parlamento eleito e derrubar um Governo de maioria, no conveniente momento em que o PS já se tinha livrado de Ferro Rodrigues e estava recuperado da luta fratricida entre Alegre, Sócrates e Soares (o mais novo). A má campanha social-democrata e o acesso de brilhantismo aritmético de Vítor “eu-calculo-o défice-à-centésima” Constâncio (porventura o português que melhor exemplifica o Princípio de Dilbert) fizeram o resto. Enfim, para a posteridade Sampaio legou não só uma série de discursos indecifráveis e a prestidigitação política acima referida, mas também a famosa frase “há vida para além do défice”. Pois há - o problema é que essa vida é, passe a expressão, uma bela merda. E como se não bastasse o défice e a crise e o mau futebol do Benfica (ou do Sporting), ainda temos que o aturar, como se não tivesse também já passado pelo poleiro e contribuído para o desastre. Haja paciência. 

Reflexão do dia

Pedro Correia, 09.02.12

 

«No princípio de Abril de 2008, o antigo presidente Jorge Sampaio deslocou-se à Universidade de Aveiro para um doutoramento honoris causa. Pregando um sermão fértil em agitação interior, Sampaio avisou que não alinhava no "campeonato das lamúrias". E acrescentou que Portugal precisava de "uma iniciativa privada que não esteja sempre com lamúrias". Durante os dez anos em que ocupou o Palácio de Belém, Sampaio bateu-se ardorosamente contra a lamúria e os lamurientos. (...) Triste destino de Passos Coelho. Caso se chamasse Jorge Sampaio, teria a vida mais facilitada. Os seres humanos de todos os credos iriam compreender. (...) Só que Passos Coelho não é Sampaio. Também não é José Sócrates, que no seu tempo fez uma expedição ao Oeste, elogiando os agricultores da zona por "não ficarem na lamúria". Vergonha, José. Aí, na mansidão do seu lar parisiense, não se arrepende de ter infantilizado cruamente os nossos agricultores vítimas de tantas inclemências? Onde pernoitavam os santos de agora quando fomos expostos a tamanha insensibilidade?»

Pedro Lomba, no Público