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Delito de Opinião

Borges: maior depois da morte

Pedro Correia, 15.06.11

 

É possível fazer a lista dos cem melhores livros de todos os tempos? Parece que sim. Mesmo que se trate de uma lista como esta, elaborada pela Newsweek, que coloca E Tudo o Vento Levou em 16º lugar e a Bíblia em 41º, o que não deixa de ser insólito. Ou esta, que resultou de uma parceria entre o Le Monde e a FNAC, o que talvez justifique a disparatada aparição do Astérix cinco lugares acima do Ulisses, de Joyce.

E é possível fazer a lista das cem melhores frases iniciais de livros? Parece que sim também: esta, por exemplo, da American Book Review. Que não esquece o inesquecível arranque d' O Estrangeiro, de Camus: «Aujourd'hui, maman est morte. Ou peut-être hier, je ne sais pas. J'ai reçu un télégramme de l'asile: Mère décédée. Enterrement demain. Sentiments distingués. Cela ne veut rien dire. C'était peut-être hier.» Ou o quase insuperável começo d' A História de Duas Cidades, de Charles Dickens: «It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair.» Ou a célebre frase inicial d' O Grande Gatsby, de Scott Fitzgerald: «In my younger and more vulnerable years my father gave me some advice that I've been turning over in my mind ever since.» Já para não falar do início da Lolita, de Vladimir Nabokov: «Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul Ou do modo como Tolstoi começou a escrever a sua imortal Anna Karenina: «As famílias felizes são todas parecidas, mas cada família infeliz vive a infelicidade à sua maneira.»

Sem dúvida um dos melhores começos é o dos Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez: «Muchos años después, frente al pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía había de recordar aquella tarde remota en que su padre lo llevó a conocer el hielo.» E sem esquecer a magnífica frase de abertura d' A Metamorfose, de Kafka: «Als Gregor Samsa eines Morgens aus unruhigen Träumen erwachte, fand er sich in seinem Bett zu einem ungeheueren Ungeziefer verwandelt.» Mas sinto-me levado a concordar com Jorge Fernández Díaz, que escreve no diário argentino La Nación: o parágrafo inicial d' O Aleph, obra-prima de Jorge Luis Borges, fica-nos gravado na memória para sempre: «La candente mañana de febrero en que Beatriz Viterbo murió, después de una imperiosa agonía que no se rebajó un solo instante ni al sentimentalismo ni al miedo, noté que las carteleras de fierro de Plaza Constitución habían renovado no sé que aviso de cigarrillos rubios; el hecho me dolió, pues comprendí que el incesante y vasto universo ya se apartaba de ella y que ese cambio era el primero de una serie infinita.» Verdadeiramente excepcional.

O autor de Ficciones morreu há 25 anos. Mas «Borges se agranda después de Borges», como justamente titulava o El País. De quantos autores seus contemporâneos se pode hoje dizer o mesmo?

Imagem: retrato do artista quando jovem