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Delito de Opinião

Talvez seja melhor refrear o entusiasmo

Pedro Correia, 25.07.24

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Com espanto, vejo à minha volta aqui por Lisboa vários devotos de Donald Trump seguirem com maior fervor a pré-campanha presidencial nos EUA do que alguma vez terão acompanhado uma campanha qualquer em Portugal.

Talvez isto seja sintoma de que somos já irremediavelmente colonizados pelos norte-americanos. Não apenas do ponto de vista cultural, mas do ponto de vista político. E nem falta até quem gostasse de ver transposto para este nosso cantinho ocidental da Europa o sistema eleitoral lá dos States.

Lamento, mas estou no campo oposto. Detestaria ver por cá uma lei eleitoral capaz de permitir a eleição para a Casa Branca de alguém que recolheu menos meio milhão de votos do que o rival (aconteceu com George W. Bush em 2000, contra Al Gore) ou até menos três milhões de votos (aconteceu com Trump em 2016, contra Hillary Clinton).

 

Entretanto, a esses meus amigos que andam tão entusiasmados com Trump ao ponto de jurarem que será «ainda mais fácil derrotar Kamala Harris do que Joe Biden», gostaria só de lhes lembrar o seguinte: dos 18 presidentes norte-americanos do século XX, sete foram vice-presidentes.

Eis os seus nomes:

Theodore Roosevelt

Calvin Coolidge

Harry Truman

Lyndon Johnson

Richard Nixon

Gerald Ford

George Bush.

 

Cinco republicanos, dois democratas. Equivalem a 38% do total.

Durante um século. Em número suficiente para desenhar uma tendência.

Quem pensar que é irrelevante, estará muito enganado.

Eis um tema que motivará certamente dezenas de textos no DELITO DE OPINIÃO nos próximos três meses. Ainda a procissão mal chegou ao adro.

Não é um homem vulgar

Sérgio de Almeida Correia, 24.07.24

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A decisão do presidente Biden de se retirar da corrida presidencial e desistir de concorrer às eleições de Novembro para tentar a renovação do mandato foi a todos os títulos um acto de grande dignidade e nobreza política.

Pressionado por alguns dos membros do seu próprio Partido Democrata, depois de vários deslizes, sempre vistos, tal a frequência, como mais do que simples lapsos, e na sequência de uma desastrosa prestação televisiva no debate de 28/06/2024 com Donald Trump, onde foram notáveis as suas dificuldades e se percebeu que não estava na posse de todas as faculdades de que fez uso nos últimos cinquenta anos da sua vida pública, Joe Biden fez a análise que se impunha e tomou a única decisão que um político de estatura, um homem de Estado e decente podia subscrever, renunciando à reeleição.

Como já alguém escreveu Biden não é "an average Joe". 

Com o seu gesto, old Joe relançou as hipóteses de eleição de um presidente da sua área política.

A indicação de Kamala Harris, vice-presidente, como sua escolha para ocupar o lugar mostrou ser uma jogada hábil que ficará agora dependente de confirmação com a sua nomeação como candidata pela convenção do partido e do resultado que as urnas ditarem lá mais para a frente.

A eventual eleição de Kamala, mulher inteligente, com formação académica, reputação profissional intocável e experiência política, cuja campanha para procuradora na Califórnia foi ademais, anteriormente, financiada pelo próprio Trump, que viu nela as qualidades necessárias,  pode ser o impulso decisivo para ser dada continuidade ao trabalho do velho Biden, mantendo os Estados Unidos da América nos carris do republicanismo, da herança democrática e devolvendo elevação à política interna e segurança à externa, em prol de um mundo mais justo, mais equilibrado e com menos armas.

Quanto ao mais, vamos aguardar para ver qual a disponibilidade de Trump para se apresentar em debates com Kamala. Ele que disse que seria mais fácil derrotá-la do que a Biden.

Para já, o cafre desavergonhado que irá representar o Partido Republicano deverá começar a ficar preocupado com as sondagens. O velho sem capacidades, posto que qualidades nunca as teve, passou a ser Trump.

E não lhe será fácil, desta vez, agarrar Kamala por ali, por onde ele dizia que seria mais fácil. Esta não é igual a algumas das outras, não está numa situação de dependência. E aprendeu na sua vida profissional a lidar com escroques.

Biden fora da corrida: era inevitável

Pedro Correia, 21.07.24

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Joe Biden anuncia o abandono da corrida à reeleição presidencial, imitando o que fez Lyndon Johnson em 1968. Com uma diferença significativa: nesse ano, o inquilino da Casa Branca desistiu a 31 de Março, enquanto o actual chefe do Executivo norte-americano só o fez hoje. A um mês da convenção do Partido Democrata, favorecendo claramente o candidato republicano, Donald Trump.

Numa aparente confimação da perda acelerada das suas capacidades cognitivas, Biden terá sido dos últimos a perceber o óbvio ululante: não reúne condições mínimas para exercer funções políticas que ultrapassem o fim do mandato presidencial, que termina a 20 de Janeiro.

De algum modo, tudo isto se inscrevia na esfera do inevitável. O que me levou há três dias a escrever isto: «A capa da Economist, tão cruel para Biden, tem forte carácter premonitório. Antecipa o que acabará por acontecer tão cedo quanto possível. Antes que seja tarde de mais.»

Claro que as coisas podiam - e deviam - ter ocorrido de outra maneira. Mas elaborar teses sobre este dramático Verão político dos democratas norte-americanos é tarefa para historiadores futuros, não para os palradores das pantalhas que passaram toda a semana a garantir por cá que o prazo para haver outra solução já se esgotara e a recandidatura de Biden iria mesmo por diante.

Enganaram-se redondamente. O que não os impedirá de passar as próximas semanas a palrar a um ritmo ainda mais frenético, como se fizessem alguma ideia sobre o que realmente ali se passa. 

 

Leitura recomendada:

How Biden will be replaced and what's next now that he's dropped out, no Washington Post.

O caduco contra o proto-mártir

Pedro Correia, 18.07.24

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Algumas capas de revista funcionam como editoriais. Sem sequer necessidade de imprimirem palavras. Esta, da Economist, surgiu a 6 de Julho com o título «Não é maneira de dirigir um país». Nela não figura o rosto de Joe Biden, nem isso é necessário: todos captam de imediato a mensagem. Cruel, sem dúvida. E dolorosa. Um andarilho com o selo presidencial dos Estados Unidos. Que andam muito desunidos. A tal ponto que não falta quem fale em guerra civil de baixa intensidade e até num novo processo separatista, semelhante ao que em 1860 levou à sangrenta secessão dos Estados sulistas. Com as armas viradas para dentro, não para fora.

É óbvio que Joe Biden deixou de reunir condições físicas e anímicas para concorrer a novo mandato de quatro anos naquele que é o mais desgastante cargo político do planeta. Já assim era antes do seu patético desempenho no frente-a-frente televisivo com Donald Trump e dos disparates em catadupa que foi debitando na recente cimeira da OTAN, em Washington. Em Novembro - mês do próximo escrutínio presidencial - terá 82 anos. Idade mais do que suficiente, em qualquer parcela do mundo civilizado, para um cidadão usufruir da reforma a que tem pleno direito. Por todos os motivos, incluindo este, é o momento de dar lugar a alguém ainda jovem. Convém recordar que até hoje o mais idoso inquilino da Casa Branca foi Ronald Reagan: tinha 78 anos incompletos quando cessou funções.

Esta reflexão, repito, já era necessária antes da tentativa de assassínio de Donald Trump, sábado passado, na Pensilvânia. Desde então, tornou-se imperiosa. Aquela saraivada de tiros de que o antecessor de Biden escapou à tangente, quase incólume, alterou todo o clima psicológico da vida pública nos EUA, com inevitáveis reflexos na pré-campanha eleitoral. O recandidato republicano beneficia agora de evidente dinâmica de vitória. Um político caduco contra um proto-mártir: o tabuleiro tornou-se muito desequilibrado. A mudança no campo democrata é quase obrigatória. As pressões nesse sentido vão-se acentuando, como ficou patente ao longo do dia de ontem.

Neste contexto, a capa da Economist, tão cruel para Biden, tem forte carácter premonitório. Antecipa o que acabará por acontecer tão cedo quanto possível. Antes que seja tarde de mais.

A saúde de Biden

Pedro Correia, 23.02.23

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O médico do Presidente dos EUA, com a devida autorização de Joe Biden, divulgou um boletim muito detalhado sobre o estado clínico do inquilino da Casa Branca. Que parece em excelente forma, para quem tem 80 anos.

O documento foi difundido pela CNN e pode ser visto e analisado aqui.

Exemplo de clareza e transparência, condimentos fundamentais num sistema democrático. Temos muito a aprender com isto.

 

O tigre de papel

Pedro Correia, 24.02.22

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A humilhante retirada do EUA e das "potências" europeias do Afeganistão só encorajou o ditador russo na sua estratégia - há muito delineada - de invadir e ocupar países soberanos que não se verguem à sua tutela, seguindo um guião que parece imitar o de Hitler na sua concepção de "espaço vital". Não a pretexto de reunir os povos germanófonos, mas russófonos. Não já de uma raça suprema, mas de um povo iluminado pela luz divina. Daí a Constituição em vigor na Rússia entoar hossanas à pátria «unida por uma história de mil anos, preservando a memória dos antepassados que [lhes] transmitiram os ideais e a fé em Deus».

Se esta concepção de relações internacionais prevalecesse, veríamos todo o nosso continente incendiar-se, com reclamações territoriais permanentes de parte a parte - de Gibraltar a Istambul, passando por Estrasburgo e Trieste. Como aqui escrevi em 1 de Setembro de 2009, ao cumprirem-se 70 anos do início da II Guerra Mundial, «a Europa é uma construção política demasiado frágil para podermos adormecer confiados em sonhos de paz perpétua» 

 

Putin ataca em larga escala a vizinha Ucrânia, despejando-lhe incontáveis mísseis de médio alcance, convicto da impunidade. Na certeza de possuir o maior arsenal atómico do planeta - exemplo supremo da razão da força, indiferente a qualquer força da razão. E tem a vantagem, relativamente ao genocida alemão, de estar sentado no chamado "Conselho de Segurança" da ONU, com direito de veto a qualquer decisão que possa lá tomar-se. Numa manifestação suprema de cinismo, aliás, invocou o artigo 51.º da Carta das Nações Unidas para ordenar a tomada da Ucrânia pelas armas. Imagine-se Hitler com idêntico poder formal de paralisar qualquer acção contra si próprio no inútil palácio de vidro em Nova Iorque...

Hoje na Ucrânia - após ter reduzido a Bielorrússia a um protectorado-fantoche, amanhã na Roménia e na Moldávia, depois de amanhã nos Estados bálticos e na Polónia. Quase numa repetição mimética do criminoso expansionismo nazi naquela terrível década de todos os perigos, há quase um século.

 

Os trágicos acontecimentos que presenciamos, vendo devorar uma nação europeia com 43 milhões de habitantes, não se esgotam nas três frentes de guerra na Ucrânia. Está em curso um sismo de máxima magnitude na geopolítica mundial, com a formação de um eixo Moscovo-Pequim, análogo ao pacto estabelecido em 1940 por Hitler e o seu fiel vassalo Mussolini (representado nos nossos dias por Lukachenko, o grotesto ditador bielorrusso) com os sinistros mandarins de Tóquio. Que mergulhou o mundo num cataclismo à escala planetária.

Poucos já se surpreenderão se o o drama ucraniano desta manhã venha a repetir-se num futuro próximo em Taiwan, com idêntica retórica imperialista e nacionalista a justificar as brutais acções de canhoneira. 

 

Num dia futuro, quando os historiadores fizerem o relato destes dias, aludirão ao prólogo. Escrito em Cabul, no Verão passado, quando os EUA bateram em retirada por ordem do patético "comandante supremo" em Washington, deixando aquele povo abandonado à sua sorte, engolido em novas trevas.

Demonstrando assim ao mundo inteiro que o autoproclamado "líder do Ocidente" mais não é do que um tigre de papel. 

Cabul, Agosto de 2021

Pedro Correia, 18.08.21

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Saigão, 1975: a história repete-se

 

É fatal, nestas ocasiões: vejo mil tudólogos a poisar nas pantalhas declarando-se especialistas em temas internacionais - e no drama do Afeganistão em particular. Não tardam a aparecer os relativistas militantes, sugerindo que devemos respeitar as «diferenças culturais» e o direito de cada povo a eleger os seus representantes. Como se alguém tivesse eleito ou viesse a eleger a turba talibã. Como se não houvesse o dever moral, da nossa parte, de declarar criminoso todo o poder que pretende legitimar-se à margem dos direitos humanos, exibe a todo o momento a supremacia dos canhangulos e transforma a palavra divina em instrumento de terror.

Nestes instantes, nunca faltam à chamada aqueles que, instalados no conforto ocidental, concentram as suas críticas no Ocidente. Por ter inaugurado no Afeganistão um «Estado falhado». Para desfazer dúvidas, basta no entanto perguntar aos afegãos se preferiam viver nesse «Estado falhado» que lhes trouxe inédita liberdade durante 20 anos - correspondendo a uma geração inteira - ou se preferem viver agora novamente sob o domínio cavernícola dos talibãs.



Nem é preciso perguntar. Eles - e elas, sobretudo - estão a responder há semanas, abandonando o país em massa. Como podem. Por vezes sem levarem mais nada senão a roupa que têm vestida.

Quem não consegue fugir, teme o pior.

Como a estudante universitária que alude às «faces hediondas dos homens que odeiam mulheres»: já são eles a mandar de novo. Ou a juíza que desempenhou estas funções durante dez anos e se confessa apavorada perante a perspectiva de se abrirem as portas das prisões cheias de reclusos a reclamar vingança.

Não há lugar para elas - nem para muitas outras - nas evacuações de emergência que prosseguem há 72 horas, com cada um a tratar de si, deixando para trás a multidão de heróis quotidianos que concretizaram vinte anos de frágil mas efectiva liberdade no Afeganistão. Já hoje, um avião militar australiano levantou voo de Cabul com apenas 26 pessoas tendo espaço para transportar 128.

Caso para perguntar: ninguém mais merecia ir a bordo?



Quanto a Joe Biden, nada de novo. Reedita o triste papel desempenhado por Gerald Ford em 1975, em Saigão, e Jimmy Carter em 1980, em Teerão. Limita-se a repetir, com menos poder de síntese, o que Henry Kissinger declarou há 46 anos, a propósito do Vietname caído às mãos dos comunistas: «A boa notícia é que a guerra terminou. A má notícia é que a perdemos.»

Mais do mesmo. O actual inquilino da Casa Branca terá direito a um belo rodapé nos futuros manuais de história.

O Progresso do Retrocesso na América

José Meireles Graça, 13.04.21

Este artigo de Helena Garrido é aterrador porque a autora não é geralmente tida como uma feroz esquerdista. Mas parece, senão vejamos: A propósito de uma máxima que que Ernâni Lopes enunciou em tempos, diz que

Trajetórias em excesso num sentido, conduzem depois a efeitos em sentido contrário. Para simplificar, o liberalismo iria a dar lugar a intervencionismo.

Que aos papas conservadores costumam suceder, mais tarde ou mais cedo, papas “progressistas”, e conservadores novamente, é um dado; e que os eleitorados podem oscilar, nas nossas cansadas e cínicas sociedades democráticas, entre dirigentes mais à esquerda e mais à direita, idem, se não for por mais nada porque as pessoas se fartam de ver as mesmas carantonhas a incumprir os eldorados que prometeram.

Cabe lembrar porém que não faltam exemplos de países governados durante décadas do mesmo lado do espectro, até ao dia em que circunstâncias da mais diversa índole (crises económicas, tendências demográficas, movimentos migratórios, entre uma miríade de outras) levam a uma mudança. A famosa social-democracia nórdica foi, em alguns países daquela área como em muitos outros, ultrapassada logo que o crescimento começou a diminuir, e a dívida a aumentar; do lado direito tivemos o salazarismo e marcelismo durante décadas aqui, ainda que sem democracia, e temos há décadas governos de esquerda mais ou menos carregada, com a possível excepção de Passos; nos EUA (com as devidas distâncias: tomáramos nós alguns presidentes ditos de esquerda) os ciclos, se existem, são muito curtos – Clinton, que era de esquerda, foi sucedido por Bush filho, que era de direita, a quem sucedeu Obama, um esquerdista de todo o tamanho, sucedido por Trump, que de esquerda é que não era, e agora a pomba Biden, que não deve saber bem o que é, o que significa que é de esquerda, no caso demento-folclórica.

Podia pôr aqui uma data de mapas comparativos, indo buscar exemplos para firmar o meu ponto. Abstenho-me por preguiça e porque acho dispensável essa manobra académica de abundar em desenhos para ilustrar os preconceitos, a ver se passam por ciência.

Portanto, de liberalismo que dá lugar a intervencionismo, estamos conversados, não porque necessariamente não possa às vezes ser assim noutros lugares, mas porque a nossa dita direita é com frequência de esquerda, o que significa que a alternância se tem dado entre bastante intervencionismo e muito. O que se explica por razões históricas, perfis sociais e outros factores, mas desaconselha estes voos comparativos com outras geografias.

Prosseguindo: … propostas que a nova administração norte-americana está a fazer, de recuperação da economia e do seu financiamento, e das posições que estão a ser assumidas pelo FMI, nomeadamente em matéria de impostos.

Não era de esperar outra coisa do ticket vencedor. E até se podem antecipar cenários para as futuras eleições: ou a economia americana, que tem ciclos como as outras, estará de saúde e Biden (mais provavelmente Kamala) reganha, se entretanto não tiver sido estrangulada a singular vitalidade dos EUA, ou o contrário. Por pudor, não esclareço qual é a minha verdadeira previsão.

Isto serve para ilustrar a tese do artigo? Não parece. E o que significam para nós estas americanices? Alguma coisa, indirectamente. Muito, se Biden conseguir infectar o resto do mundo com os seus disparates multinacionais. Que disparates são esses?

… a administração Biden colocou em cima da mesa uma proposta, que enviou a 135 países, e que aborda os dois pilares da negociação: a definição de uma taxa de imposto mínima global sobre os lucros das empresas de 21%  e a criação de uma taxa sobre as vendas em cada território nacional de empresas que são fundamentalmente tecnológicas e que conseguem fugir aos impostos – uma batalha antiga entre os EUA e, por exemplo, a União Europeia, e que tem levado à opção de múltiplas taxas.

Um imposto global?! E como fica a concorrência fiscal entre países, que é a garantia de não ficar todo o mundo social-democrata e de haver pressão para os Estados não congelarem nas suas posições relativas de desenvolvimento, escolhendo versões diferentes de gestão dos impostos? E a China? E a Rússia? E, e, e? Esta história é uma velha batalha da UE dentro do “seu” território, que tem sempre perdido. Os EUA querem generalizá-la ao mundo. Boa sorte lá com isso.

Não será fácil, nomeadamente a taxa mínima global. Países como a Irlanda, a Holanda e o Luxemburgo têm vivido à custa desta falta de entendimento global e serão dos grandes afectados por esta medida de imposto mínimo.

Realmente, e não são os únicos – até mesmo dentro do EUA há estados com fiscalidades completamente diferentes e alguns muito atraentes para capitais de todo o mundo, incluindo suspeitos. E dizer que países como a Irlanda e os outros “têm vivido à custa etc.” é bem capaz de ser um passo maior do que a perna. Talvez a verdade seja o contrário: o terem fiscalidades atraentes é um sintoma de gestão pública inteligente, que mereceria ser copiada por quem lhes inveja a prosperidade. A escolha de impostos altíssimos é, se validada pelos eleitorados, legítima; e se consagrada por tratados um abuso anti-democrático.

As iniciativas de Biden estão a merecer o aplauso de economistas como Paul Krugman que no New York Times dá o exemplo da Irlanda para mostrar como a estratégia de reduzir impostos se tem revelado um fracasso enquanto meio para atrair empresas que geram emprego. E Joe Biden tem sido bastante assertivo, no sentido de defender o aumento de impostos. A falar do seu plano de infraestruturas, reporta o Político, disse: “Estou farto e cansado de ver pessoas comuns a serem espoliadas”.

Olha o bom do Krugman: ganhou um prémio Nobel e a partir daí só diz praticamente tolices (as taxas de desemprego irlandesas estão aqui, se bem que haja estudos sábios a demonstrar o ponto daquele guru como se os dirigentes irlandeses não soubessem o que lhes convém). Com frequência as mesmas que o nosso Bloco, pelo que I rest my case. Biden vai retirar incontáveis milhões da economia e voltar a despejá-los mas com gestão pública – é coisa lá deles, hão-de sobreviver e por estes lados, entretanto, a esquerda meneia a cabeça seborreica com aprovação.

A mudança de abordagem fez-se igualmente sentir no FMI que no seu Fiscal Monitor vem defender o aumento de impostos e até a criação de um imposto temporário a recair sobre os negócios que lucraram como a crise, como por exemplo as farmacêuticas ou algumas tecnológicas.

A gente conhece a tese e há dias Vítor Gaspar, o do brutal aumento de impostos, veio dizer não sei quê neste sentido. Primeiro, o FMI expectora tradicionalmente coisas contraditórias, dependendo de quem fala, mas convém ter presente quem é o maior sócio (mais de 16%, em 190 países, a esmagadora maioria tendo menos de 1%. O nosso Mário Centeno fala melifluamente por 0,44%). De modo que é natural agradar ao novo vizir, sem levar a sério muito deste discurso porque é apenas uma agência multinacional a dar palpites. De resto, o exemplo das farmacêuticas é particularmente infeliz: fizeram, ao contrário dos governos, um brilhante trabalho, razão pela qual devem ser penalizadas. Excelente sinal para o futuro.

Em Portugal o tema do aumento de impostos a incidir sobre os que ganharam, ou não perderam, com a pandemia, foi lançado pela economista Susana Peralta numa entrevista ao Jornal I. O debate centrou-se muito na expressão que usou “burguesia do teletrabalho”, mas o espírito da proposta parece ir ao encontro do que agora é proposto pelo FMI.

Li na altura e fiquei com a impressão que, se foi isso, é natural porque Susana é uma figura de esquerda. Mas intuí, mais do que li, que haveria ali alguma disfarçada reserva quanto à bondade das medidas covidescas: já que uma parte da população as aprova mas não sofreu qualquer diminuição de rendimento, que apoie quem foi prejudicado. O que não seria bem a mesma coisa. De resto, este ponto de vista já havia sido explicitamente defendido por Aguiar-Conraria, salvo erro em artigo no Expresso, a que não tenho acesso.

Os três parágrafos seguintes têm a ver com o agravamento das desigualdades, um tema caro a todas as pessoas de esquerda e praticamente irrelevante para mim. Explico:

O progresso económico assenta na desigualdade económica, do mesmo modo que não há corrente eléctrica sem tensão. Todavia, o Estado é preciso para, além das funções clássicas, garantir acesso a cuidados de saúde a todos, educação (o modo de fazer isto é também motivo de clivagem esquerda/direita, mas não curo disso agora) e outros bens públicos. A isto há que somar a ajuda aos desvalidos por razões de humanidade e dignidade, mesmo que com isso se penalize a economia: não é civilizada uma sociedade que convive com a miséria, numa espécie de darwinismo social. Isto não é porém a mesma coisa que combater a desigualdade per se. E quando se está a falar de aumento de impostos convém ter presente que sobem, mas dificilmente baixam porque entretanto se enraizaram clientelas dependentes que votam, e serviços de dívida que investimentos desastrados não pagam. Aliás, a exploração da inveja (um sentimento que, no discurso público, se ausentou oficialmente para parte incerta) também desempenha o seu papel. Deletério, mas com o qual é realisticamente necessário contar, o que é diferente de tomar a nuvem por Juno.

Helena conclui:

Porque no caso português, nos últimos anos, o discurso do combate aos excessos do liberalismo não passou disso, de palavras, enquanto fomos vendo degradar-se a educação e a saúde.

Quais excessos do liberalismo? O que temos tido, e há muito, é excessos de socialismo. Que Helena Garrido quer aprofundar, um direito dela.

E que eu não quero – um direito meu.

Esperança

Sérgio de Almeida Correia, 21.01.21

3313.jpg(Kevin Lamarque/Reuters)

Our history has been a constant struggle between the American ideal that we are all created equal and the harsh, ugly reality that racism, nativism, fear, and demonization have long torn us apart. 

The battle is perennial. 

Victory is never assured.

Through the Civil War, the Great Depression, World War, 9/11, through struggle, sacrifice, and setbacks, our "better angels" have always prevailed. 

In each of these moments, enough of us came together to carry all of us forward.

And, we can do so now. 

History, faith, and reason show the way, the way of unity.

We can see each other not as adversaries but as neighbors.

We can treat each other with dignity and respect.

We can join forces, stop the shouting, and lower the temperature.

For without unity, there is no peace, only bitterness and fury.

No progress, only exhausting outrage.

No nation, only a state of chaos.

This is our historic moment of crisis and challenge, and unity is the path forward.” (Joe Biden, 46th President of the USA)

 

Chris Wallace, o incontornável jornalista que, entre outros prémios, venceu três Emmy, disse ter sido o melhor discurso que ouviu na tomada de posse de um presidente dos EUA.

Eu não sei se terá sido. Não tenho nem a memória, nem a experiência, nem o conhecimento de Wallace.

Admito, no entanto, que seja essa a verdade para quem, sendo filho de Mike Wallace, acompanha a política do seu país pelo menos desde que em meados da década de 60 do século passado, como adjunto daquele que foi “o homem mais confiável da América”, Walter Cronkite Jr., cobriu a II Convenção Nacional do Partido Republicano.

Mas não custa perceber, mesmo para quem não segue regularmente o que se passa na vida pública dos EUA, que depois de quatro anos caóticos na Casa Branca, em que a ignorância, o nepotismo e a loucura andaram de braço dado com a mentira, a irresponsabilidade, a trafulhice e a vigarice, o simples facto de se sentir que existe um regresso à norma, às instituições, à racionalidade e à civilidade constituem um respirar fundo, um aliviar da tensão e um reagrupar de energias para fazer face a um difícil futuro.

A tomada de posse de um Chefe de Estado é sempre um momento solene, prenhe de simbolismo, incerteza e esperança.

Esperança nos homens e nas instituições. Esperança nas exigentes tarefas de manutenção da paz, também no equilíbrio entre as diferentes instituições e os poderes que representam. Esperança na capacidade dos povos e das nações superarem a adversidade e construírem algo de útil em que todos se possam rever, sem que se desprestigie a história, se arrisque a confiança no presente e se hipoteque a que um dia se espera que seja a herança do futuro.

Quaisquer que venham a ser as contingências do dia-a-dia da vida política norte-americana ou as vicissitudes das suas relações externas, num mundo que atravessa uma crise profunda, num país dilacerado pela pandemia, pelo racismo sistémico e socialmente desequilibrado, o apelo de Biden à unidade e aos princípios fundacionais da democracia que tanto entusiasmou Tocqueville, constituiu o mais poderoso estímulo para a reconstrução de um país fracturado e a abertura de uma nova página no relacionamento internacional dos EUA, com o regresso deste a uma agenda de responsabilidade e ao convívio internacional através da imposição de um rumo definido.      

Não será fácil juntar os cacos deixados pelo seu antecessor, restabelecer um diálogo sereno e profícuo nas duas câmaras do Congresso, e encetar um caminho nas relações externas que permita a recuperação da confiança dos parceiros e o respeito de adversários e inimigos declarados.

Ciente da magnitude da tarefa que o espera, com o apoio de uma mulher que é o melhor exemplo do espírito de compromisso que emergiu de Filadélfia, Biden começou pelo mais difícil, pelo apelo à unidade nacional.

Saber se conseguirá levar a carta a Garcia é outra questão, para a qual só teremos resposta definitiva dentro de quatro anos.

Por agora, sabemos apenas que começou uma viagem e que todos, dentro e fora dos EUA, esperam da dupla Biden/Harris quase o impossível. De que ainda assim o mais fácil era começar por fazer esquecer, o que conseguiu, o troglodita a quem sucedeu. E esse só por si seria um bom começo.

E se Joe Biden usasse bigode?

Pedro Correia, 09.12.20

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Há 110 anos, o inquilino da Casa Branca era um republicano de grande corpulência e bigodes farfalhudos chamado William Howard Taft. A imagem dele, vista pelos olhos actuais, é totalmente anacrónica: Taft (na foto em baixo) foi o último presidente dos EUA a poupar nas lâminas de barbear.

Os 18 líderes norte-americanos que se seguiram, de Woodrow Wilson a Donald Trump, apresentaram-se aos eleitores de face escanhoada. Barba, pêra ou um prosaico bigode ficaram desde então arredados do número 1700 da avenida Pensilvânia, em Washington.

Com o atraso sempre habitual nestas coisas, os políticos europeus adoptaram a moda americana. Desde logo no Reino Unido, onde o rei Jorge V, falecido em 1936, foi o último monarca a usar barba, outrora um indispensável adereço da aristocracia britânica. Os filhos que lhe sucederam, Eduardo VIII e Jorge VI, disseram adeus aos pêlos faciais: patilhas, cavanhaques ou bigodes retorcidos tornaram-se símbolos de outros tempos, associados a vultos oitocentistas como Otto von Bismarck e Giuseppe Garibaldi.

 

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Apesar de tudo, o bigode resistiu mais tempo no Reino Unido. O último chefe do Governo a usá-lo foi Harold Macmillan, um conservador que abandonou o poder em 1963. Seis anos depois, os franceses viam partir do palácio do Eliseu o general Charles de Gaulle, último chefe do Estado gaulês militar, último chefe do Estado gaulês com bigode.

Mais finos ou mais exuberantes, os bigodes estiveram associados ao poder totalitário. Talvez isto explique o facto de todos os líderes políticos subsequentes a Hitler e Estaline, na Alemanha e na Rússia, terem optado pela lâmina de barbear. Foi logo assim com o primeiro chanceler alemão do pós-guerra, Konrad Adenauer (1949), e com o homem que em 1953 substituiu Estaline no Kremlin, Nikita Krutchov. E assim tem sido com todos os outros de então para cá, mais à esquerda ou mais à direita.

 

Hoje seria quase impensável um político obeso e de grandes bigodes, como Taft (1857-1930), vencer uma eleição presidencial ou legislativa. Embora esta seja a regra, há sempre uma excepção que a confirma: José María Aznar, um homem de baixa estatura e farfalhudo bigode, foi primeiro-ministro em Espanha entre 1996 e 2004. Isto apesar de a pilosidade infranasal estar associada à longa ditadura do país vizinho: Francisco Franco e outros destacados membros da sua ditadura ostentavam bigode.

Hoje as ditaduras estão fora de moda. E os bigodes também. Até na América Latina, onde outrora pontificavam tiranos como Trujillo, Stroessner, Videla e Pinochet (que usavam bigode). Ninguém gosta de ser associado a elas, ainda que de forma subliminar. Excepto os déspotas venezuelano e nicaraguense, Nicolás Maduro e Daniel Ortega, que de algum modo confirmam a regra. Ou, no continente europeu, o ditador da Bielorrússia, Aleksandr Lukachenko.

O próprio Aznar - que passou a viajar com frequência aos EUA - rendeu-se, dizendo adeus ao bigode. De Taft aos nossos dias foi uma longa caminhada.

 

Portugal: de D. Pedro a Santana Lopes

 

Em Portugal, o último chefe do Estado com bigodaça foi o marechal Óscar Carmona, falecido em 1951. Todos os dirigentes militares da ditadura instalada em 28 de Maio de 1926 – como Gomes da Costa, Mendes Cabeçadas e o próprio Carmona – ostentavam esse enfeite facial.

A moda vinha de trás: os últimos reis portugueses, de D. Pedro IV a D. Manuel II, usavam um bigode bem característico da dinastia de Bragança. E entre os sete presidentes da breve I República (1910-26), apenas o almirante João Canto e Castro, inquilino de Belém durante alguns meses, de 1918 a 1919, tinha a cara barbeada. Tal como viria a suceder com todos os presidentes e primeiros-ministros pós-25 de Abril.

António Guterres chegou a usar um típico bigode mexicano e Pedro Santana Lopes, nos seus verdes anos, gostava de aparecer de barba. Mas ambos se apresentaram de face escanhoada quando chegaram ao poder.

Em política, o que parece é.

Acabou a bebedeira

Sérgio de Almeida Correia, 25.11.20

Aos poucos, o circo das eleições presidenciais estadounidenses vai chegando ao fim.
Passada a fase do folclore, dos foguetes, do barbecue e da bebedeira, perdidas que foram mais de quarenta acções judiciais nos tribunais federais, num deplorável espectáculo de sombras em que se seguiu um guião escrito por um fantasma e com executantes medíocres, por cujo rosto escorria a tinta mais ordinária, chegou a hora da ressaca.
Torna-se evidentemente natural que a bebedeira não poderia ser eterna, pois todos sabemos que, também, nem o amor o é, sendo assim natural que assentada a poeira as coisas comecem a regressar à normalidade.
É verdade que nada voltará a ser como antes. Trump está politicamente morto, aguardando-se agora as exéquias. Obama não voltará; os Clinton e os Bush fazem parte dos livros de história. A página virou-se.
Neste momento, o palco pertence a Joe Biden. E por muita desconfiança que se pudesse ter relativamente às suas propostas, às suas capacidades físicas e intelectuais e à composição da equipa, o que ontem se viu justifica a mais fundada das esperanças.
Num discurso curto, claro e bem articulado, alinhavando as linhas de força da política interna e externa dos EUA para os próximos quatro anos, rodeado de gente devidamente qualificada, experiente e de uma honradez a toda a prova, Biden foi capaz de fazer em poucos minutos o que há mais de quatro anos não se via: apresentar um discurso de Estado sem floreados, mentiras, graçolas de mau gosto e ignorância.
No ouvido ficou-me a frase de que “America leads not only by the example of power, but by the power of the example”, o que não sendo tudo diz muito.
A partir de Janeiro veremos o que acontece, mas o simples facto de passar a haver um programa e uma agenda na Casa Branca, depois de quatro anos de bacanal político, delírio, insânia e balbúrdia melbrookiana são afinal uma pequena prova, se não da existência de Deus, pelo menos de que também a loucura não é eterna.

E este é um excelente sinal para o futuro. Para todos nós que ainda acreditamos nalguma coisa antes de nos levarem para a vida eterna.

Gringos

José Meireles Graça, 18.10.20

Não vi o debate entre Trump e o snowflake Biden.

Mas com relatos e comentários de amigos, desamigos e consultores de vária pinta, nacionais e estrangeiros, cujos artigos me chegam via internet, foi como se tivesse visto.

Fiz bem em entreter-me com outras coisas. Que é humano, compreensível e inevitável ligar à empatia que têm ou não os candidatos. E o meu candidato é tão transparentemente grosseiro e primário que se torna difícil defendê-lo, e um sacrifício ouvi-lo.

A famosa pergunta “compraria um carro usado a este homem?” foi, parece, usada para castigar Nixon na campanha eleitoral que levou à eleição de Kennedy. E quando muito mais tarde o mesmo Nixon chegou à presidência veio a confirmar com o caso Watergate que comprar-lhe um carro usado era um negócio de alto risco. De Trump, realmente, pode-se legitimamente suspeitar que até o seu handicap no golfe seja uma vigarice, de modo que comprar-lhe um carro também não parece uma ideia muito atilada.

Sucede que Kennedy ficou na memória como o cabeça de uma casa real que os tão igualitaristas americanos nunca tiveram, e o autor de frases grandiloquentes mas ocas (“ask not what your country can do for you – ask what you can do for your country”), ou de desafios espectaculares e empolgantes significando muito e realizando nada (“Ich bin ein Berliner”). Deixou saudades e, fossem outros os tempos, tinha perfil para um D. Sebastião americano. Já Nixon ninguém recorda com saudade, mas foi um excelente presidente.

Mas isto que nos interessa, a nós portugueses? Seja o presidente o Francisco ou o Manuel, estamos condenados a estar do lado americano porque isso é do nosso interesse, e quem quer que seja o ungido sempre as instituições americanas defenderão, com maior ou menor lucidez, o deles. Portugal, um vago país situado algures no norte de África, se é que não está lá para o meio do continente negro, ainda por cima com menos autonomia que a Lusitânia no tempo dos Romanos, significa quando muito a necessidade de insinuar aqui uma ameaça pouco discreta, e ali um aceno com uma mão-cheia de dólares. Os locais borram-se com a primeira, e são muito sensíveis à segunda.

Porém. Porém.  Trump é o candidato do anti bem-pensismo. Não dá nada para o peditório do MeToo, do Antifa, da destruição das universidades americanas pela rasoira do conformismo progressista, da importação de uma imaginária social-democracia nórdica que lhe mataria o dinamismo económico, nem das discriminações positivas que vão instalando, em nome da igualdade, um sistema de apartheid. Nenhuma dessas coisas nem das outras que compõem o ramalhete do esquerdismo travestido de progresso da humanidade que entre nós tem o seu principal representante nos dementes do Bloco e, edulcorado, no PS.

De modo que Biden é o candidato da esquerda portuguesa, acolitada no caso por uma mole de idiotas úteis que julgam que não lhe estão a fazer o jogo; e Trump, dentro do campo democrático, o contrário disso.

É assim que quem, por detestar compreensivelmente o homem, precisar de boas razões, poderá talvez lembrar-se de que: não ganhou o Nobel da Paz mas não bateu o record, que detém Obama, de assassinatos políticos selectivos em países longínquos;  não iniciou guerras nem andou pelo mundo, como os neocons, a despejar bombas com o louvável propósito de converter os bombardeados à democracia; estabeleceu boas relações com ditadores que não deixariam de o ser se as relações fossem más; identificou a ascensão da China como o principal problema do futuro, com isso alertando salutarmente as democracias; deu passos sérios para a paz no Médio Oriente e na península coreana, ignorando os avisos de peritos em geoestratégia fajuta; tentou desvalorizar a Covid, que cedo intuiu não ter a perigosidade que vários interesses racionais e medos irracionais lhe conferem, procurando evitar que os danos colaterais fossem maiores do que os propriamente ditos; e combateu o Estado regulamentar, um cancro que mina as economias.

Era melhor se abandonasse o Twitter, não falasse de improviso, contratasse uma boa equipa para lhe redigir discursos, guardasse as gabarolices para o grupo de amigos em Mar-a-Lago e jogasse mais golfe.

Mas é o que há. Podia ser pior. Como Biden, por exemplo.