Maurizio Cattelan
Takashi Myrakami
Nunca se chega tarde a uma exposição que ainda tem as portas abertas. Façamos, então, bicha para entrar no Palácio da Ajuda, a ver o que por lá fez Joana Vasconcelos (JV).
E o que ela faz parece desagradar em partes iguais a pólos contrários. Os mais recuados que ao fim de quase um século de transfiguração ainda vêem a arte como um gesto virtuoso e idealista (consumado na deliciosa expressão “isto até uma criança fazia”) e os “vanguardistas” que olham para a rutilância e a “facilidade” (é só aspas…) de JV, enfim o seu apelo não-crítico ou pseudo-crítico, de sobrolho franzido e dedo denunciador. Em ambos os casos, em vez de se ficarem pelo singelo e humilde gosto/não gosto, que é sempre a melhor e mais silenciosa maneira de fruir as coisas, os irascíveis despejam razões quase sempre pouco racionais e análises quase sempre repletas de meras opiniões judicativas, para exibirem o seu desapego, dir-se-ia desassossego, face ao trabalho de JV.
Para todos os efeitos, é um crédito mínimo de JV o de reconhecidamente integrar e ser um expoente de uma fileira de artistas contemporâneas que levaram à risca o conceito de uma arte “popular e de massas”. Desígnio que foi tão querido ao neo-realismo (com um lastro diametralmente oposto, convenhamos) e tão magistralmente executada por Andy Warhol, o mestre supremo da ambiguidade que até à morte deixou por decidir se era um génio ou um imbecil, de tal modo tudo nele resultava impenetrável – um “idiot savant”, em conclusão.
Longe vão os tempos em que André Breton cunhou com o nome de Salvador Dali o anagrama “avida dollars”, estigmatizando o seu comercialismo e a sua indiferença às grandes causas do século, num gesto se calhar ultrapassado e desmentido pelo tempo, mas que o establishment da crítica Benjaminiana ainda hoje teme reconsiderar. Indiretamente essa desforra será perpetrada pelos trabalhos de JV, de Damien Hirst, de Maurizio Cattelan (o “provocador gratuito” que respondeu à encomenda da Bolsa de Milão esculpindo um punho com o dedo do meio levantado) ou de Takashi Murakami, que fez com as suas figuras ao estilo “manga” uma linha de produção estética, capaz de curto-circuitar a ideia de raridade em arte.
Não deixa de ser assinalável que no curto período de um século Portugal tenha saído da sua histórica irrelevância artística (salvo as raríssimas excepções que confirmam a regra) com os nomes de Amadeo Souza Cardoso, Vieira da Silva, Paula Rego e agora JV, a única do lote que (ainda) não é estrangeirada.
Sigamos para bingo.