Uma verdadeira servidora pública
A investigação criminal, com Joana Marques Vidal no vértice supremo do Ministério Público, deixou de fingir que os ilícitos de ricos e poderosos não existiam.
Com ela, impôs-se a sensação generalizada de que ser influente e endinheirado não é passaporte para escapar às malhas da justiça.
Com ela, terminou enfim a inércia no combate à corrupção, um dos cancros que corroem a democracia.
A mudança deveu-se, em larga medida, à orientação que imprimiu à Procuradoria-Geral da República durante seis anos, entre Outubro de 2012 e Outubro de 2018. O Governo poderia ter proposto a sua recondução ao Presidente da República, a quem cabe designar o titular máximo da acção penal, mas nove meses antes do fim do prazo a ministra da Justiça, Francisca Van Dunen, garantiu que isso não iria acontecer.
Foi então nomeada Lucília Gago, com desempenho diferente. No PS, hoje criticam-na muito: parecem esquecidos que foi António Costa a propor ao Chefe do Estado a sua designação. Deve estar bem arrependido. Mas na altura, convém recordar, a obsessão máxima dos socialistas era afastar Joana Marques Vidal.
Assim o fizeram.
Por amarga coincidência, a ex-Procuradora-Geral da República acaba de falecer, horas após a sua sucessora ter concedido enfim a primeira entrevista do seu mandato, a três meses de cessar funções. Seis anos de silêncio - atitude insólita, que colide com múltiplos apelos de vários quadrantes à transparência da justiça.
Apelos feitos em vão: nem transparente nem célere. Nem justa, dirão alguns.
Joana Marques Vidal, tratada com desconsideração pelo poder político de turno, merece ser lembrada com gratidão cívica nesta hora de doloroso recolhimento para os seus familiares. Se alguém se comportou à altura dos exigentes desafios do verdadeiro serviço público, foi ela. Oxalá pudéssemos dizer o mesmo de muitas mais.