Eleições europeias
1. Nas próximas eleições europeias repetirei a opção que fiz nas últimas eleições - é a ressalva para situar este postal.
2. Os partidos vêm apresentando as suas listas de candidatos. Imprensa e cidadãos optam não tanto por vasculhar os róis de candidatos e talvez ainda menos as propostas eurocentradas dos partidos - os ditos "programas eleitorais" e, mais relevantes, os fluxos de posições sobre a "Europa" que cada partido vem assumindo. E preferem centrar-se nos nomes sonantes apresentados e, principalmente, nos cabecilhas das candidaturas.
Não é espúria essa atenção nos nomes cimeiros, pois podem ter significado político. O anúncio que Moreira de Sá é "lugar-tenente" (segundo na lista) do CHEGA indiciará algo - como aqui aflorei: dentro do PSD há uma corrente ("passista", se se quiser o facilitismo) que pugna por uma conjugação com a direita "profunda". E o processo de escolha do cabecilha do LIVRE - o partido parlamentar que mais cresceu nas últimas eleições - também é relevante, pois denotativo do carácter "sonso" (demagógico, entenda-se) do partido celebrizado pela ex-deputada Katar Moreira, o qual se vem apresentando como "o primeiro partido de esquerda que não vem do marxismo", como há algum tempo ronronava o militante Sá Fernandes, ex-candidato do MDP/CDE.
Também é significativa a opção do ADN, partido que mais cresceu nas últimas eleições - porventura devido à remanescente iliteracia popular, a causar ter o partido octuplicado a sua votação. Ao escolher a protuberante Joana Amaral Dias aquele partido garante alguma atenção popular (ela própria recordou que o eleitorado a reconhecer por já a ter visto "de biquini"). E assim afronta não só as acusações de recolher votos "distraídos" desconhecedores, mas também as acusações de "misoginia" que lhe foram endereçadas pelo activista Mamadu Ba.
Mas convém lembrar que a hierarquia dos candidatos nem sempre explicita a sua importância para os partidos proponentes, pode derivar apenas de estratégia ("comercialização") política ou de cosmética. E recordo que nas últimas eleições o PS deixou no topo da sua lista os antigos ministros socratistas Pedro Marques e Maria Manuel Leitão Marques, indiciando serem os nomes com maior peso político. Mas depois fez eleger Silva Pereira (o braço-direito de Sócrates) como vice-presidente do PE, ainda que ele tivesse sido (apenas) o terceiro da sua lista, demonstrando assim que era ele, afinal, o mais relevante candidato.
3. O nome que mais polémica causa é o de Bugalho, o indicado para a encabeçar a lista do PSD - partido que vem seguindo o paradigma PCP, o de se apresentar como "coligação" CDU agregando-se a irrelevâncias políticas. Eu sorrio com este desejo patente em Montenegro: afirmar-se como o Frederico Varandas da política, arriscando um "all-in" na contratação de um putativo novo Rúben Amorim.
Mas é notória a reacção negativa a este nome, desde a direita "profunda" à esquerda: nos murais de Facebook (inclusive de responsáveis de altos institutos estatais) abundam as acusações de que o nóvel candidato apenas procura "tacho" - o "são todos iguais" reina -, e os gozos com o seu apelido. É o tom "CHEGA" a entrar no domínio dos "quadros" intelectuais e a demontrar-se no ambiente PCP e circundantes... E, em tom mais curial, as acusações de que os seus comentários políticos estavam sobredeterminados por uma agenda pessoal (como se fosse caso único...). Sobram ainda acusações à "transferência" de um jornalista para a "política", algo interessante por um feixe de razões: 1) o homem não é exactamente jornalista, é "comentador" (comentadeiro, melhor termo para a viçosa actividade); 2) os jornalistas não são militares, não lhes está vedada a actividade partidária e, ainda menos, eleitoral; 3) a transumância, explícita e implícita, entre "jornalismo" e "política" é constante.
Mas o caso mais interessante é o da opção do PS, encabeçando-se com Marta Temido. Surpreende um pouco pois é consabido o estado deslizante dos serviços estatais de Saúde. Desde há anos (na era pré-COVID, para ser explícito) que os profissionais do ramo consideravam ser ela uma má ministra da Saúde - mesmo que não reduzissem os problemas do SNS à acção da ministra ou a questões estritamente contemporâneas. No período do COVID a ministra tornou-se muito visível - até simpática para muitos, pois presença quotidiana na tv e dotada de "boa imagem". Nisso fazendo esquecer a atrapalhação do Estado (não só dela mas também dela) nos meses precedentes à vaga no país, e obscurecendo a sua incapacidade real de induzir adequações gerais nos serviços durante a pandemia. Fazendo esquecer a sua participação durante 2020 e 2021 no fluxo de erráticas decisões governamentais relativas aos constrangimentos à mobilidade populacional (e ilustro isso com aquele episódio tétrico de ridículo do "Natal com compota caseira").
Todos fizemos por esquecer isso, essa irrazão governamental (e presidencial), que teve Temido como um dos dínamos fundamentais. E todos querem esquecer que em finais de Janeiro de 2021 Portugal se tornou por mais de uma semana o pior país do mundo - em termos absolutos - em infecções e mortos diários. Independentemente dos vírus não obedecerem aos ditames governamentais, isso bem mostrava a atrapalhação que reinava no governo.
Convém ilustrar a situação - para além das afinal sempre argumentáveis estatísticas: cerca de um mês depois daquela tétrico pico português grassou um terrível surto de COVID na gigantesca Índia, que encheu as notícias internacionais. Na TV o comentador (já agora, antigo jornalista e antigo político) Paulo Portas referiu-se à "catástrofe indiana". E na Índia havia 11 vezes mais mortos diários do que houvera em Portugal naquele final de Janeiro de 21, após os atrapalhados ziguezagues governamentais do segundo semestre de 2020. 11 vezes mais mortos diários, numa população 140 vezes maior. E era uma "catástrofe"...
Naquele pico que nos alcandorou ao pior lugar na luta contra o COVID, Temido foi entrevistada na RTP. E respondeu desabridamente às difíceis questões que lhe foram postas. Logo Morgado Fernandes - um antigo jornalista que passou a trabalhar na política, decisão que lhe é perfeitamente legítima, já agora - a apodou de "Super-Marta", dada a rispidez demonstrada diante da comunicação social. E nesse seu "Super-Marta"! teve um enorme sucesso, o epíteto generalizou-se. Apesar da tétrica realidade.
Depois veio o processo de vacinação. Sob tutela de Temido logo se encetaram os desmandos: importantes líderes do PS, autarcas do PS (e não só, e não só...) de imediato trataram de vacinar os seus "entes queridos", torpedeando a confiança da população no difícil mas urgente processo. E ainda depois, cruzada a era Covid, agudizou-se a situação do SNS. Temido, a tal Super-Marta, saiu do governo.
E agora, anos passados, e após Santos ter anunciado - na noite da derrota eleitoral - que iria "renovar os quadros do partido", Temido, qual Super-Marta, é escolhida para encabeçar a lista nacional de candidatos do PS. A "narrativa" vinga. Apesar da realidade que foi o passado.
E os adeptos do PS? E os seus parceiros, aqueles da velha geringonça? Entretêm-se a gozar com os "alhos e os bugalhos". Sem pudor? Não. Sem pingo de Razão.