Pergunta para queijo
O "estrume" de João Galamba é menos grave que as bofetadas de João Soares?
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O "estrume" de João Galamba é menos grave que as bofetadas de João Soares?
Foto: António Pedro Santos / Lusa
Em Abril de 2016, o primeiro-ministro exonerou o titular da pasta da Cultura, lançando-lhe um solene aviso: os membros do Executivo «nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo». Isto porque João Soares, em escrita ligeira de Facebook, prometera umas "bofetadas" (retóricas) em dois comentadores que o haviam criticado.
«Costa põe João Soares na ordem e obriga-o a pedir desculpa», apressou-se a titular o Diário de Notícias.
Quatro anos depois, ignorando as suas próprias advertências, Costa comporta-se com uma leviandade que, em comparação, remete a do ex-ministro da Cultura à gaveta das traquinices infantis.
Perante pelo menos três jornalistas do Expresso, em frase à margem de uma entrevista mas que ficou registada numa gravação remetida (por dolo, irresponsabilidade ou negligência profissional) por aquele semanário a dois canais televisivos, o chefe do Governo disse esta frase, aludindo aos médicos que prestaram serviço em Reguengos de Monsaraz: «É que o presidente da ARS mandou para lá os médicos fazerem o que lhes competia. E os gajos, cobardes, não fizeram.»
Foram palavras proferidas off the record, mas não deixam de ser indignas de um primeiro-ministro - sobretudo de um primeiro-ministro que já tinha sido profundamente infeliz em Junho, quando afirmou que a escolha de Lisboa como palco da Liga dos Campeões era «um prémio para os profissionais da saúde» que há seis meses combatem o Covid-19 em Portugal. Como se a pandemia tivesse alguma coisa a ver com o futebol.
O Costa de 2020 devia seguir o conselho do Costa de 2016: um primeiro-ministro nem à mesa do café deve deixar de se lembrar que é membro do Governo.
Eu, se fosse o João Soares, recordava-lhe isto agora.
Azeredo Lopes viu-se enfim forçado a cessar funções como ministro da Defesa. Marcha com imenso atraso depois de se ter coberto de ridículo em todas as intervenções públicas a propósito do inenarrável folhetim de Tancos, que pôs em causa a autoridade do Estado e manchou a instituição militar. Incapaz de retirar as consequências políticas que se impunham no momento exacto, o inapresentável ministro foi-se arrastando no posto sem perceber que já ninguém o levava a sério. Sai empurrado pela pressão dos editorialistas de turno e obviamente por intervenção do Palácio de Belém, que já tinha sido decisivo para fazer eclipsar de cena outra figura inapresentável, a ex-ministra da Administração Interna.
Permitam-me a autocitação, que surge a propósito. A 11 de Julho de 2017, escrevi estas linhas no DELITO: «Constança de Sousa e Azeredo Lopes, detentores de pastas ministeriais ligadas à soberania e representação do Estado, estão a mais no Executivo. Ela desde o dia 18 de Junho, ele desde o dia 30. O facto de se manterem em funções constitui uma prova viva da existência de um inaceitável padrão de duplicidade ética neste Executivo.»
Ela agarrou-se ainda mais três meses ao umbral da porta, ele manteve-se à deriva durante 15 meses, incapaz de reconhecer que não reunia condições mínimas para permanecer em cena, dada a sua manifesta fragilidade institucional. Como se não tivesse havido incúria do Estado nos dramáticos incêndios florestais de Junho, como se a honra e a dignidade das Forças Armadas fossem questões menores.
Cada vez aprecio mais João Soares, o único ministro deste Governo que saiu pelo seu pé, sem ser empurrado. Pelo simples motivo de ter prometido duas bofetadas a um par de comentadores no Facebook.
Podem acusá-lo de muita coisa, mas jamais de duplicidade ética. Disse o que disse, arrumou as gavetas do seu gabinete e foi-se.
Procuro sócio investidor para lançar uma versão GPS com a voz do João Soares a ameaçar os condutores das viaturas que não respeitam as regras de circulação em rotundas.
Com um editorial um pouco mais musculado do que na véspera, o Público saudou ontem a demissão de João Soares, considerando que se tratou da "única saída digna" para o efémero ministro da Cultura. Foi pena o jornal ter descoberto isto com 24 horas de atraso - facto tanto mais insólito quanto estavam em causa ameaças a dois conhecidos colunistas do matutino. No editorial anterior, recorde-se, o Público nunca exigiu a demissão de Soares. E chegou mesmo a escrever que a eventual saída deste ministro "podia trazer mais dissabores do que sossego a António Costa", algo que mais ninguém concluiu.
O anónimo editorialista da edição de ontem não deve portanto ser o mesmo anónimo editorialista de sexta-feira. Porque o mais recente já escreve que "fora do governo, por mais 'salutares bofetadas' que prometa aos seus detractores, [Soares] não será uma sombra para a governação".
O Público, em editorial, desmente-se a si próprio. Tudo está bem quando acaba bem.
Depois do momento "agarrem-me se não eu vou-me a eles" no Facebook (a internet é mesmo o palco de todos os trolls) e do pedido de desculpas tão desastrado como fanfarrão, só restava mesmo a João Soares sair do governo pela porta pequena. De resto, nem passaria por outra. Não tendo a educação de um Carlos da Maia ou o génio de um João da Ega, só lhe restaria mesmo ser o Dâmaso Salcede destes tempos curiosos em que vivemos. Um papel que, diga-se de passagem, serve muito melhor as suas competências do que o de ministro da cultura.
Foto Miguel A. Lopes/Lusa
Depois de um ministro (Carlos Borrego) ter sido forçado a abandonar o Governo de Cavaco Silva por contar uma anedota de mau gosto e de José Sócrates ter apontado a porta de saída a outro ministro (Manuel Pinho) por simular um par de cornos em plena sessão parlamentar, dirigindo-se a um deputado da oposição, João Soares deixou de ter condições para permanecer no Governo após ter escrito o que escreveu no seu Facebook. Foi a primeira baixa no Executivo de António Costa, há pouco mais de quatro meses em funções, e certamente aquela que o primeiro-ministro menos lamentará: é tranquilizante, para ele, saber que existe um troublemaker a menos no Conselho de Ministros.
A demissão foi tornada pública só ao fim da manhã de hoje. Mas tornou-se irreversível logo ontem à noite, no momento em que Costa pronunciou as seguintes palavras: "Já recordei aos membros do Governo que, enquanto membros do Governo, nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo." O português pode não ser primoroso, convenhamos, mas o significado político desta expressão era inequívoco: restava a Soares remover os pertences pessoais do seu gabinete.
O que espanta, lendo os jornais desta manhã já após o anúncio da saída do ministro da Cultura, é a assombrosa frouxidão do editorial do Público - afinal o diário que deveria sentir-se mais visado no polémico texto de João Soares. Duplamente visado, aliás, pois o agora ex-governante prometia dar bofetadas a um par de colunistas deste matutino, Augusto Seabra e Vasco Pulido Valente.
Esperava-se que hoje o jornal reagisse em termos enérgicos. Pura ilusão. A anónima pena de turno ao editorial calça luvas de pelica, enverniza a prosa e nem lhe ocorre exigir ao chefe do Governo que ponha termo à curta carreira ministerial de Soares. Pelo contrário, chega ao ponto de escrever: "Afastar João Soares do Governo podia trazer mais dissabores do que sossego a António Costa." Prometer "bofetadas" e condicionar seriamente a liberdade de crítica de dois dos seus mais antigos colaboradores não basta, pelos vistos, para indignar hoje o jornal que Vicente Jorge Silva fundou.
Raras vezes tenho lido um editorial tão timorato e conformado - espelho, só por si, da profunda crise do jornalismo português. Felizmente Costa nem sequer o leu.
Discurso viril matinal, sms farronqueiro pela tarde e pedido de desculpas de espinha dobrada ao terminar o dia. As grandes proclamações facebuquianas de honra inchada e bochecha rosada de marialva são baratas. Em contrapartida, a única atitude vertical depois do esbofeteamento público às mãos de Costa não avança ou só virá de empurrão. João Soares (ainda) não se demitiu. E é pena. Até que se demita o país continuará privado de um mau escritor de novelas eróticas.
O mais desanimador é que não se imagina, sem schadenfreude, nenhum deles em postura ameaçadora, de sabre em riste, ou a vibrar a ponta do florete a provocar o adversário. À lambada é um bocado faia, não? Mas, pronto, o fado também já é cultura.
No tempo do Eça ainda havia assuntos que entre cavalheiros se podiam resolver à bengalada. Também havia quem os fosse resolver na cozinha. Com a criadagem. Mas hoje em dia há quem queira resolvê-los à bofetada, naqueles se incluindo o delito de opinião. Mas a bem dizer, com um nível destes, isto só lá vai à morteirada. E não sei se será suficiente.
Há atitudes que são tão más e tão inaceitáveis numa democracia e num governo democrático que não se pode perder tempo a explicar ou a procurar razões para a acção, sob pena de ficarmos todos estúpidos.
Pede-se encarecidamente ao espírito do marido da Maria Luís Albuquerque que abandone logo que possível o corpo do Senhor Ministro da Cultura.
Há uma qualidade que eu tenho que reconhecer a João Soares: o descaramento. Estou convencido que mais ninguém deste Governo ou de qualquer outro se atreveria a demitir sem qualquer justificação o Presidente do CCB, António Lamas, apenas para nomear um seu actual adjunto para o lugar, Elísio Summaviele, com relações muito próximas com o Ministro. Outros Ministros tremeriam sequer de pensar em fazer algo semelhante, aterrorizados com a acusação de estar a arranjar jobs for the boys. Já João Soares não quer saber. Por isso, convida Lamas a demitir-se na praça pública e, quando ele não obedece, demite-o em pessoa, gerando um dever de indemnização para o Estado. Qual a razão invocada? Precisamos de "uma solução alternativa, capaz, de alguém com experiência, bastante mais jovem, com provas dadas, nomeadamente ao nível de responsabilidades públicas num ministério". Naturalmente um retrato do novo nomeado. Quanto ao currículo do anterior, professor catedrático do IST, com inúmeros cargos públicos desempenhados, e já objecto de altas condecorações, naturalmente que para nada conta. A política está feita destas coisas e ninguém pode esperar reconhecimento pela sua dedicação à coisa pública.
Mas há pelo menos alguém na nossa política que tem sentido de humor. O Bloco de Esquerda anuncia que quer um concurso público internacional para escolha do Presidente do CCB, embora avise que o próprio Summavielle "poderia ser um dos candidatos". Digno do Yes, MInister. Ah, Ah, Ah!!!
Na semana em que o PS trouxe de volta os feriados religiosos, o senhor ministro da cultura pediu ao Altíssimo um milagre para ter mais meios para o seu ministério e revelou que a senhora sua mãezinha, se fosse viva que Deus a tenha, votaria em Maria de Belém. O Diabo seja cego, surdo e mudo, mas parece-me que já estivemos mais longe de ser visitados pelo Chávez em forma de passarinho.
Tenho o hábito de dizer que a realidade supera sempre a ficção. É assim no amor, no desgosto, na angústia, na raiva, no medo. E no ridículo. E ninguém melhor que o nosso Ministro da Cultura, João Soares, para validar esta tensão dicotómica entre o ficcionado e o real – embora não pelas razões que possa imaginar, caro leitor.
O responsável pela pasta da cultura tem um alter-ego escritor. Até aqui nada de extraordinário. A maravilha começa quando temos presente que o faz sob os pseudónimos Hans Nurlufts e John Sowinds. Não lhe dizem nada? Não tem importância, o Observador explica: “O primeiro é uma junção de Hans/Johan, o equivalente a João, com Nur (só/somente) Lufts (ares) – João Só Ares, portanto. O mesmo nome que podemos aplicar a John Sowinds.” A destreza criativa investida nos pseudónimos é, no mínimo, sublime. Mas enfim, haja indulgência e entendam-se estes pseudónimos como prova do carácter bonacheirão do autor, bem como da louvável capacidade para não se levar demasiado a sério.
Porém, a história não fica por aqui. A obra de Nurlufts e Sowind é diversificada, há naturalmente muita política, mas não se pode menosprezar a atenção dada ao erotismo. Os exemplos são muitos e só o decoro (e alguma vergonha alheia) me impele a ser parco em transcrições. Ainda assim, atente-se apenas neste pequeno excerto:
“Pero sólo en Barcelona surgió la oportunidad de que me abriese tranquilamente sus bellas piernas y que me dejase admirar su coño.
En esa época ella se había rapado el vello, de una forma simétrica y rectangular, prolongando en vertical el recorte de los labios de su coño."
Em suma, um ministro português chamado João Soares, sob os pseudónimos Hans Nurlufts e John Sowinds, dedica-se à escrita em castelhano (ou assim parece) de cálidas aventuras político-eróticas. Não há mente na ficção literária capaz de se lembrar de um personagem como este.
Em “Morrem Mais de Mágoa”, Saul Bellow escreve “ser visto literalmente drena a humanidade de cada um”. Certo. Mas João Soares certamente não precisava de tanto para escapar do jugo opressor da sua realidade.