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Delito de Opinião

Galamba: o naufrágio anunciado

Pedro Correia, 14.11.23

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Foto: Miguel A. Lopes / Lusa

 

«Tenho todas as condições para participar neste governo.»

João Galamba, 29 de Abril

«Tinha, tenho e terei todas as condições, continuo a fazer o meu trabalho.»

João Galamba, 16 de Maio

«Não, não tenciono demitir-me.»

João Galamba, 10 de Novembro

 

O mais inapresentável dos ministros do quase extinto governo Costa pediu ontem a demissão. Três dias depois de João Galamba ter garantido, na sala das sessões da Assembleia da República, que tal ideia nem lhe passava pela cabeça. Por aqui se vê a solidez das convicções deste fervoroso marxista (tendência Groucho).

A demissão, desta vez, foi aceite - senão mesmo instigada - pelo primeiro-ministro resignatário. Seis meses depois de António Costa, numa das mais patéticas opções que alguma vez assumiu ao leme do Governo, ter decidido amarrar o seu destino político ao do desatinado titular das Infraestruturas. Comprando assim um inútil conflito com o inquilino do Palácio de Belém.

O Presidente da República, que já nem podia ouvir falar em tal emplastro, apressou-se a exonerá-lo. Reforçando certamente a sua convicção de que a vingança se torna um prato mais saboroso quando é servido frio, como neste caso aconteceu.

 

Se me permitem, aproveito o balanço para recordar alguns textos que fui aqui publicando sobre o agora exonerado, que sai sem deixar saudades.

Os acontecimentos posteriores acabaram por me dar razão.

 

A TAP é o maior partido da oposição (3 de Maio): «Naturalmente, agora que a guerra entre Belém e São Bento deflagrou, Marcelo Rebelo de Sousa não fará a vontade a António Costa: vai dissolver, sim, mas apenas no momento em que entender. Que será, não por coincidência, quando der menos jeito ao primeiro-ministro. (...) Costa pagará com juros a sua bravata de ontem, comportando-se perante os portugueses como se comesse Marcelo de cebolada a pretexto de segurar in extremis um dos ministros mais desacreditados do actual elenco, algo tão desproporcionado que soa a falso desde o primeiro minuto.»

 

Contributos de Belém para o epitáfio político do quase ex-ministro Galamba (5 de Maio): «O discurso mais duro que recordo de um Chefe do Estado em Portugal desde Novembro de 2004, quando Jorge Sampaio anunciou a dissolução da Assembleia da República, pondo fim ao executivo de Santana Lopes.»

 

Difamação (15 de Maio): «Galamba imaginou-se por momentos na pele de Donald Trump no reality show televisivo The Apprentice, em que berrava no fim "You're fired!Acontece que em Portugal é diferente. Ninguém perde o vínculo laboral só porque um patrão berra "Estás despedido!". Muito menos no Governo. Muito menos num governo cheio de "sensibilidade social" que acaba de aprovar uma pomposa "agenda do trabalho digno"

 

"Opera buffa" (18 de Maio): «Nada tão grave, em toda esta série de rocambolescos episódios que têm como protagonista o inimitável João Galamba, como confirmar que os serviços de informações da República Portuguesa agem como guarda pretoriana do Governo. Podia ser apenas uma questão de abuso do poder socialista, mas é mais do que isso: tornou-se uma questão de regime. De irregular funcionamento das instituições. Isto já não é um governo: é uma opera buffa. Com final anunciado.»

 

Nave de loucos (19 de Maio): «A impreparação, a imaturidade e a irresponsabilidade do ainda ministro transformaram este governo numa nave de loucos.»

O diabo chegou mesmo: está já aí

Pedro Correia, 09.11.23

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João Galamba e António Costa: cumplicidade muito para além das conveniências políticas

Foto: António Cotrim / Lusa

 

Durante anos, com ar de gozo, António Costa foi fazendo graçolas sem nível com uma frase apócrifa atribuída a Passos Coelho dizendo que afinal «o diabo não chegou».

Falou de mais, falou cedo de mais

O diabo chegou mesmo.

Para ele, que está a ser notícia em toda a Europa pelos piores motivos.

Para o malogrado governo da maioria absoluta, que durou menos de dois anos e ficará na história política deste período como um dos piores de sempre - basta incluir o Galamba para merecer tão pouco invejável título. 

E para Portugal, claro. Como as estatísticas comprovam. Oito anos depois, Costa abandona o Governo deixando o País com a maior carga fiscal de sempre (36,4% do PIB), a maior dívida de sempre (282 mil milhões de euros), o maior número de compatriotas sem médico de família (1,7 milhões), o pior mês da história do Serviço Nacional de Saúde (este em que agora vivemos, segundo declarou o insuspeito director executivo do SNS), 583 mil utentes em lista de espera para consultas, 253 mil inscritos em lista de espera para cirurgias, 32% dos pacientes atendidos para lá do tempo recomendado, 43,3% de portugueses em risco de pobreza antes de transferências sociais. E o mais que se verá.

O diabo anda aí à solta, António. Como agora até tu experimentas na pele. Lamento imenso, mas estavas mesmo a pedi-las.

A viagem prossegue

Sérgio de Almeida Correia, 11.07.23

Retirado o Capitão de cena, regressa o ministro Galamba ao palco. Desta vez tendo como pano de fundo a desclassificação de 101 dos 105 documentos classificados "preventivamente" a título confidencial.

A notícia do Público fala por si. E também pelo ministro. 

Ao contrário dos documentos "confidenciais", que necessitaram de ser desclassificados, o ministro já não precisa de ser classificado ou desclassificado.

A actuação de Galamba enquanto ministro há muito que é transparente e está para além de desclassificada porque se tornou politicamente inqualificável. 

Não faço a mínima ideia quando é que esta nave de loucos em que se tornou o XXIII Governo Constitucional irá parar. Nem como; apesar de estar certo de que com a velocidade que leva, com todas portas hermeticamente fechadas, o primeiro-ministro vai conseguir manter lá dentro aquele membro da tripulação enquanto a nave for percorrendo, sem rumo, o espaço sideral.

Espera-se que um dia pare por falta de combustível.

Mas até lá, e por agora, para desconsolo de muitos, daquela nave só se sai cuspido. Por uma ruptura no casco, o que é pouco provável numa nave tripulada por uma maioria absoluta, ou por colisão com a realidade quando reentrar na atmosfera terrestre. Inclino-me mais para esta última hipótese.

Casca dura e miolo elíptico

Pedro Correia, 08.06.23

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Segundo a Porto Editora, as três palavras mais procuradas na Infopédia durante o mês de Maio foram estas: galamba, idadismo e burgo.

Galamba, para quem não sabe, é «uma variedade de amêndoa algarvia, de casca dura e miolo elíptico alargado de tonalidade clara». Uma das mais conhecidas é a galamba-de-Boliqueime.

Talvez o ainda ministro João Galamba, com a falta de noção que o caracteriza, se sinta lisonjeado com tanta notoriedade. Não podemos negar-lhe o regozijo: é bem merecida.

"Ameaça ao Estado de Direito com pernas"

Pedro Correia, 20.05.23

 

«Uma das primeiras responsabilidades de um ministro é defender o Estado. O ministro é um servidor de topo do Estado: a sua primeira obrigação é não lesar a imagem do Estado. Segunda obrigação: ser leal com o seu primeiro-ministro. Terceira obrigação: lealdade para com os seus colegas.»

 

«Temos de reconhecer que as cenas que chegaram ao público ocorreram no Ministério das Infraestruturas, não noutros ministérios. São trapalhadas que têm o seu epicentro naquele ministério. O ministro tem de ter o sentido da realidade e perceber que a sua obrigação é poupar os seus colegas às consequências deste episódio político lamentável.»

 

«A novela do Ministério das Infraestruturas é toda ela do Governo. Quem é o guionista? O Governo. Quem é o elenco? O Governo. De quem é a produção? Governo. Efeitos especiais? Governo. É tudo do Governo. Alguém tem de ter mão no Governo. Alguém tem de ter mão, em especial, no Ministério das Infraestruturas, que está praticamente em estado de sítio.»

 

«Tudo é mais ou menos inverosímil. As versões variam o suficiente para resolver pontas soltas. A última foi esta das fotocópias nocturnas - uma coisa absolutamente extraordinária. Só falta dizer que as adjuntas são todas testemunhas de que ele tem um isqueiro e uma máquina fotográfica.»

 

«Quando se lembraram de classificar os documentos? Quando perceberam que tinham de enviá-los para os deputados. É nesse momento que é feita a classificação, aliás por sugestão do próprio Frederico Pinheiro. Agora veja-se o racional disto: os documentos foram classificados por irem parar àquele órgão irresponsável e perigoso que é a Assembleia da República, feita com todas as potências externas, incluindo Lufthansa e British Airways. "Querem ver que os documentos classificados ainda chegam às mãos dos deputados? Não! Vamos já contactar o SIS, perante este risco iminente..." História absolutamente caricata.»

 

«Ainda ninguém conseguiu perceber porque é que as adjuntas consideraram necessário puxar a mochila de Frederico Pinheiro, em acção directa: "Este não sai daqui com a mochila!" Sem lhe tocarem - foi uma operação feita com pinças.»

 

«Esta história foi protagonizada por um bando de irresponsáveis que num determinado momento entraram num processo de histeria, perderam a noção do que estavam a fazer, tomaram más decisões - e não há nada a apurar. Isto é apenas um triste espectáculo.»

 

«Então este "perigoso gatuno" é que decidia? Isto cabe na cabeça de alguém? Quando o adjunto que era o único que [ali] verdadeiramente conhecia esta matéria, tendo a competência de acompanhar o dossiê TAP, era a pessoa que mais sabia do assunto, era o especialista do assunto, ao fim de meses, levar o computador justifica "roubo, roubo!" - com a Polícia Judiciária; "risco de segredos nacionais" que ainda vão parar à Assembleia da República - vai o SIS. Senhoras a puxar mochilas. Edifício bloqueado. Uma chefe de gabinete que diz que o telemóvel é dela, que ela é que o paga, que tem acesso às listas das chamadas. Isto é possível? Esta chefe de gabinete é uma ameaça ao Estado de Direito com pernas!»

 

«O Estado de Direito não foi criado para proteger o Estado dos Fredericos Pinheiros. O Estado de Direito foi criado para proteger os Fredericos Pinheiros do Estado.»

 

Sérgio Sousa Pinto (deputado do PS), ontem, na CNN Portugal

 

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Galamba até parece ser o adjunto dela

Pedro Correia, 20.05.23

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«Tenho uma grande jurista. A minha chefe de gabinete é uma extraordinária jurista.»

«Eu remetia para as declarações da chefe do meu gabinete.»

«A justificação dada ontem pela chefe do meu gabinete parece-me bastante razoável.»

«Como já foi dito, e foi ontem dito pela chefe do meu gabinete e repito...»

«O que eu posso dizer é o mesmo que disse ontem a minha chefe de gabinete.»

«Toda essa matéria foi ontem amplamente descrita e eu subscrevo tudo o que disse ontem a chefe do meu gabinete.»

«Telefonema da minha chefe de gabinete... mensagem da minha chefe de gabinete... todo este fio de tempo que foi ontem amplamente descrito pela minha chefe de gabinete...»

 

Declarações do ainda ministro João Galamba, anteontem e ontem, à comissão parlamentar de inquérito

 

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Verdade feita a martelo

Paulo Sousa, 19.05.23

Vivemos numa época frequentemente designada como de pós-verdade. Pouco a pouco, com o avançar dos anos, a verdade deixou de ser uma entidade objectiva e estanque para se tornar numa construção nunca terminada. Talvez a verdade nunca tenha sido absolutamente objectiva, mas a plasticidade que lhe tem sido imposta aproxima-nos assustadoramente de uma distopia orwelliana.

Recordando aquele dizer infantil em que se devolve uma acusação com um poderoso “quem o diz é quem o é!”, chegamos a um ponto que “quem afirma é que domina a narrativa”. Perante muitas afirmações em simultâneo, o vencedor será o mais convicto. E assim, ficamos reféns dos mais convictos manipuladores.

Na história do século XX encontramos vários momentos, sempre associados a regimes hediondos, em que a verdade esteve efectivamente sob coacção, em que foi torturada e despida, tendo as suas vestes sido usadas pelo entrudo da mentira. 

Ontem, na comissão de inquérito à TAP, assistimos a mais um episódio que encaixa na triste trajectória que caracteriza os tempos que vivemos.

 

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Foto Expresso

“Reconstruir a verdade dá trabalho”

João Galamba, 18 de Maio de 2023

Nave de loucos

Pedro Correia, 19.05.23

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Foto: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens

 

Admitiu não ter lido na íntegra o plano de reestruturação da TAP. Mostrou ignorar o protocolo de segurança no Ministério das Infraestruturas para casos de emergência e não fazer a menor ideia de como se classifica um documento oficial. Apontou, entre os motivos que o levaram a exonerar Frederico Pinheiro por telefone, o facto de este «tirar fotocópias a horas impróprias». Reconheceu que toda a documentação mais relevante - incluindo dez documentos classificados como confidenciais! - estava no computador deste adjunto, que trabalhou desde 2017 em gabinetes de três governos socialistas. Confiava nele ao ponto de o ter reconduzido como elemento de ligação entre o ministério e a administração da TAP e de não contar com mais ninguém, no seu gabinete, que percebesse a fundo deste tema - por sinal o mais importante de quantos tem para gerir. Espantosamente, três semanas depois, ainda não substituiu o adjunto exonerado. 

E que mais? Na noite de 26 de Abril, a sua chefe de gabinete ligou por iniciativa própria aos serviços de informações, accionando a intervenção do SIS - à margem das normas legais - para recuperar um portátil, na via pública, perto da meia-noite. Comunicou aos deputados que naquele serão alucinante falou em poucas horas, sobre o mesmo assunto, com o ministro da Administração Interna, com o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, com a ministra da Justiça e (já de madrugada) com o primeiro-ministro. Mobilizando a PSP e a Polícia Judiciária, além do "James Bond tuga".

Quase meio governo em estado de alerta máximo por causa dum computador portátil. E António Costa apanhado a mentir. Sabe-se agora que o titular das Infraestruturas lhe deu nota sobre a intervenção da "secreta", quando a 1 de Maio o primeiro-ministro havia garantido aos portugueses: «Ninguém no Governo deu ordens ao SIS.»

Eis o resumo do longo depoimento - mais de sete horas - de João Galamba, iniciado às 18 horas de ontem, na comissão parlamentar de inquérito à TAP, e terminado já nesta madrugada. Penosa sessão, que torna ainda mais deplorável a presença no Governo deste ministro a quem o Presidente da República já tirou o tapete mas que António Costa tem insistido em segurar, num incompreensível assomo de insanidade política.

Porque a impreparação, a imaturidade e a irresponsabilidade do ainda ministro transformaram este governo numa nave de loucos.

Enquanto decorre a novela

Paulo Sousa, 18.05.23

A novela da CPI sobre a TAP vai batendo recordes de audiência. Mesmo quem não costuma acompanhar os assuntos políticos, anda pregado ao écran. Cá em casa, até já se sugere que se encomendem os serviços da Daenerys Targaryen, e de um dos seus dragões, para tratar deste governo.

Ao mesmo tempo, António Costa observa, silencioso e incógnito, os combates de vida e de morte entre diferentes membros do seu governo. O mote do mestre dos analgésicos é “doa a quem doer”, desde que não olhem para ele.

O ruído mediático é tanto, que facilmente passará despercebido os números divulgados sobre o SNS. O número de utentes sem médico de família aumentou 29% num ano.

A IL propôs uma alternativa ao colapso do actual SNS e os beneficiários da ADSE desataram-se a rir.

Imaginemos que as banais e frequentes análises ao sangue, realizadas por privados que competem entre si pelo serviço, dependiam também de um qualquer centro de saúde, ou hospital. Alguém acredita que receberia por email os resultados, meia-dúzia de horas depois da recolha de sangue? Agora imaginemos que o mesmo se aplicava a uma normal consulta médica.

O enquistamento ideológico das forças conservadoras não lhes permite imaginação para tal. Eles, os ditos humanistas, estão bem e os outros que se amanhem. Os números confirmam que Portugal é dos países onde a as despesas com saúde privada mais pesa no bolso das famílias, o que mostra como é deficiente o Serviço Nacional de Saúde e como se banalizou a lógica de que uma assistência médica eficaz depende da capacidade financeira.

Hoje, o walking dead Galamba vai ser ouvido na CPI sobre a TAP. Continua a novela e por isso esqueçamos as centenas de dias necessários para se conseguir uma consulta no SNS.

"Opera buffa"

Pedro Correia, 18.05.23

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Como jornalista, acompanhei centenas de sessões parlamentares. Nunca vi nada como aquilo que aconteceu ontem.

Um ex-adjunto do Governo, que durante quatro anos desempenhou funções de inegável responsabilidade no Ministério das Infraestruturas, descreveu várias cenas ali ocorridas no dia 26 de Abril. Todas dignas de um filme de série B. Foi exonerado por chamada telefónica pelo ministro, que berrou com ele e o insultou em termos grosseiros («Demito-te para não te dar dois murros», terá dito), viu-se sequestrado pela chefe de gabinete e três assessoras, trancaram-no na garagem onde tinha a bicicleta, teve de ser ele próprio a chamar a PSP para conseguir sair do edíficio.

Mais: quase à meia-noite, um suposto agente do SIS contactou-o para ele devolver o computador portátil de serviço que levara do gabinete para dele extrair ficheiros pessoais. O tal sujeito ameaçou-o dizendo que ele próprio (007 Tuga) estaria a ser «muito pressionado» para reaver tão precioso objecto. E - conforme ficou lavrado em acta na comissão parlamentar de inquérito à TAP - terá dito, ao jeito de intimidação pidesca de outros tempos: «É melhor resolvermos isto a bem, senão pode complicar-se...»

Perto da meia-noite, à porta da residência do visado.

 

Nada tão grave, em toda esta série de rocambolescos episódios que têm como protagonista o inimitável João Galamba, como confirmar que os serviços de informações da República Portuguesa agem como guarda pretoriana do Governo.

Podia ser apenas uma questão de abuso do poder socialista, mas é mais do que isso: tornou-se uma questão de regime. De irregular funcionamento das instituições.

Isto já não é um governo: é uma opera buffa. Com final anunciado.

 

SUGESTÕES DE LEITURA:

Galamba não deu dois socos em Frederico, mas esmurra Costa até ao KO. Da Ana Sá Lopes, no Público.

João "dois socos" Galamba e um gabinete em roda livre. Do João Miguel Tavares, no Público.

Galambices

Pedro Correia, 17.05.23

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Foto: Lusa

 

«No actual quadro de percepção criado na opinião pública, apresento o meu pedido de demissão em prol da necessária tranquilidade institucional.»

2 de Maio, na carta ao primeiro-ministro em que apresentava a demissão do cargo ministerial

 

«Tinha, tenho e terei todas as condições, continuo a fazer o meu trabalho como sempre fiz, com grande empenho.»

Ontem, em declarações aos jornalistas em Mangualde, com capacete de "engenheiro" na cabeça

Difamação

Pedro Correia, 15.05.23

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António Costa chamou ladrão, em duas ocasiões diferentes, ao ex-adjunto do gabinete ministerial de João Galamba. O próprio titular das Infraestruturas fez o mesmo, visando Frederico Pinheiro, que há sete anos exercia funções no Governo e nele confiavam ao ponto de ter no seu computador portátil de serviço os planos "secretos" de privatização da TAP que o Executivo socialista persiste sem revelar aos portugueses.

Chamaram-lhe ladrão por ter sido autor de um "furto" (sem violência) ou de um "roubo" (furto violento) - com notória falta de rigor, acusando-o de reter indevidamente "propriedade do Estado". Afinal não terá havido nada disso. O computador não foi furtado nem roubado: foi devolvido pelo ex-adjunto a alguém que se fez passar na via pública por funcionário do SIS - em aparente violação da lei, pois um elemento do SIS não deve identificar-se como tal nem sequer junto dos familiares mais próximos.

Na Assembleia da República, o próprio director do SIS confirma a inexistência de crime. Terá sido ele a tomar a iniciativa de recuperar o computador portátil, algo impossível - também face à lei vigente - se estivesse em causa um furto ou um roubo, pois o SIS não tem poderes de investigação criminal, ao contrário do que sucede com a Polícia Judiciária, a PSP e a GNR.

Acresce que o cidadão difamado, Frederico Pinheiro, era à data dos acontecimentos membro de pleno direito do gabinete de Galamba. Mantinha acesso irrestrito ao computador e ao telemóvel de serviço, pois a sua exoneração só produziu efeitos a 10 de Maio,. Muito após os factos que lhe foram imputados pelo ainda ministro

Galamba imaginou-se por momentos na pele de Donald Trump no reality show televisivo The Apprentice, em que berrava no fim «You're fired!»

Acontece que em Portugal é diferente. Ninguém perde o vínculo laboral só porque um patrão berra «Estás despedido!». Muito menos no Governo. Muito menos num governo cheio de "sensibilidade social" que acaba de aprovar uma pomposa "agenda do trabalho digno".

Para todos, não só para os outros. O exemplo deve vir de cima.

Contributos de Belém para o epitáfio político do quase ex-ministro Galamba

Pedro Correia, 05.05.23

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«A autoridade, para existir, tem de ser responsável. Onde não há responsabilidade, na política como na administração, não há autoridade, respeito, confiança, credibilidade.»

 

«Como pode um ministro não ser responsável por um colaborador que escolhera manter na sua equipa mais próxima, no seu gabinete, a acompanhar - ainda que para efeitos de informação - um dossiê tão sensível como o da TAP, onde os portugueses já meteram milhões de euros, e merecer tanta confiança que podia assistir a reuniões privadas preparando outras reuniões, essas públicas, na Assembleia da República?»

 

«Como pode esse ministro não ser responsável por "situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis" (as palavras não são minhas) suscitadas por esse colaborador, levando a apelar aos serviços mais sensíveis da protecção da segurança nacional, que aliás, por definição, estão ao serviço do Estado e não de governos?»

 

«Como pode esse ministro não ser responsável pelo argumentário público sobre aquilo que afirmara o seu subordinado revelando pormenores do funcionamento interno e incluindo referências a outros membros do Governo?»

 

«A responsabilidade política e administrativa é essencial para que os portugueses acreditem naquelas e naqueles que governam. Não se resolve apenas pedindo desculpa pelo sucedido. A responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer: é pagar por aquilo que se faz ou se deixou de fazer.»

 

«Foi por tudo isto que entendi que o ministro das Infraestruturas devia ter sido exonerado. E que ocorreu uma divergência de fundo com o primeiro-ministro. Não sobre a pessoa, as suas qualidades pessoais, até o seu desempenho, mas sobre uma realidade muitíssimo mais importante: a responsabilidade, a confiabilidade, a credibilidade, a autoridade do ministro, do Governo e do Estado.»

 

«A responsabilidade dos governantes não foi assumida, como devia ter sido, com a exoneração do ministro das Infraestruturas.»

 

Excertos do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa ontem à noite, no Palácio de Belém. O discurso mais duro que recordo de um Chefe do Estado em Portugal desde Novembro de 2004, quando Jorge Sampaio anunciou a dissolução da Assembleia da República, pondo fim ao executivo de Santana Lopes.

Agora é que vai doer

Sérgio de Almeida Correia, 04.05.23

Rodrigo Antunes:LUSA.jpeg(foto: Rodrigo Antunes/LUSA, daqui)

A decisão do primeiro-ministro de manter em funções – admitamos por hipótese académica que contra a vontade do próprio – o ministro das Infra-estruturas, João Galamba, marca o fim de um ciclo e o início de outro, numa espécie de bailado a dois tempos.

Pouco importa saber se, como dizem alguns articulistas, os portugueses foram colocados perante uma encenação, ou várias produzidas todas ao mesmo tempo. Certo é que, desde ontem, a coabitação entre o Presidente da República, um encenador nato, e António Costa mudou de figura.  

Se, por um lado, tivemos uma afirmação de princípio e de liderança por parte do líder do governo, por outro passamos a ter um Presidente enfiado numa camisa-de-onze-varas. 

Convenhamos que Marcelo Rebelo de Sousa, até agora, e penso apenas no segundo mandato, tem sido igual a si próprio, discursando aqui e ali, lançando avisos e atirando reprimendas, dando uma no cravo e outra na ferradura sempre que pode, distribuindo sorrisos e selfies pelo povinho, colocando-se sempre no centro das atenções, como se fora um exímio e contentinho bailarino, com o seu palco e o seu público, muito popular e em permanente exibição, tão depressa embarcando num corridinho para logo a seguir envergar colete, cinta e barrete e fugir para um fandango, antes de se embrenhar num vira e receber os aplausos das moçoilas rosadas e viçosas. É a sua pele, é a sua natureza, e contra isso pouco ou nada se pode fazer. 

António Costa, foi e continuará a ser criticado pela sua decisão. Porém, neste momento, depois de tudo o que assistimos, a presença de Galamba no Governo, tirando o facto de se ter tornado num nado-morto político, pouco ou nada o afectará. Nem ao desempenho do Executivo.

A borrada está feita, não há como esconder o urso com um lençol, e o remédio é, sem esquecer a monumental galambada e a vaia que lhe sucedeu, seguir em frente e procurar tirar partido da conjuntura para segurar as finanças públicas e colocar o país num patamar superior, controlando a inflação, criando emprego, "inventando" um aeroporto para as cercanias de Lisboa, enfim, fazendo render o maná de fundos europeus colocados à nossa disposição com horizonte numa remodelação cada vez mais indispensável. 

O fantasma da dissolução poderá continuar a pairar por aí, sem prejuízo de Montenegro – não se riam – estar embrenhado na preparação, de “forma preliminar”, de um novo governo, em caso de eleições antecipadas, o qual admite ser minoritário (vd. Diário de Notícias, de hoje, p. 5), o que diz bem sobre a sua figura, noção de estabilidade política, confiança que pode transmitir aos portugueses numa altura de crise como a que atravessamos – só pode ter estado à conversa com Miguel Relvas e o Santana da Figueira – e a ideia (qual?) do que poderá vir a fazer nessas circunstâncias.

Bem sei que o líder do PSD se reuniu com Rui Rocha, mas depois daquela outra manifestação, misto de ingenuidade política e espírito de surf fácil, de que a Iniciativa Liberal começa ultimamente a dar mostras, com a visita de um tal de Tiago Paiva à Assembleia da República, que acabou com um pedido de desculpas e um vídeo no YouTube, não será fácil recuperar o que tem vindo a perder em tão pouco tempo para conseguir dar uma imagem de um pouco mais de seriedade para quem aspira ser o fiel da balança.

Chega, Bloco de Esquerda e PCP continuarão sem saber muito bem o que fazer. Se o primeiro se dedica às suas especialidades, berrar sem sentido enquanto promove garraiadas parlamentares e os marialvas lançam piropos e insultam quem passa, já o BE continua à procura de uma liderança e de uma agenda, vendo “a juventude” do PCP discutir, na mesa dos fundos, a queda do Muro de Berlim e as teses para o próximo congresso.

O panorama não é brilhante. Prever o futuro também não é a minha praia.

O baile ainda não acabou, o espaço não abunda no palco e há muita gente aos saltos. Porém, de uma coisa poderemos estar todos certos: não vai ser fácil perceber quem, a partir de agora, estará disposto a querer brincar aos governos antes de sair de cena, de ser “remodelado” ou de ir a votos.

Bem sei que agora será mais difícil ver o Aramis do brinco por aí, de espada em riste, em duelos de norte a sul, sendo por isso mais difícil admitir que algum dia chegará a superior geral dos jesuítas do Rato. Mas se ainda tiver aspirações a tal, convém que não se esqueça que Augusto Santos Silva já está de volta da Ucrânia, não se sabendo quando irá à Venezuela; Carlos César tem uma especial apetência por microfones; o ministro Adão e Silva, além de especialista em rock alternativo, possui uma vasta experiência a virar discos nas noites de Lisboa, e o SIS pode sempre voltar a emitir um comunicado se lhe disserem que de uma janela de São Bento saiu um computador a voar. Ele que se cuide.

Quanto ao Costa, a partir de agora é usar um capacete. Daqueles amarelos das obras. Já o tenho visto com alguns, e sempre a rir-se. Até ver.

A TAP é o maior partido da oposição

Pedro Correia, 03.05.23

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Como é óbvio, António Costa decidiu ontem romper a relação institucional com o Chefe do Estado só com um objectivo: forçá-lo a dissolver sem demora a Assembleia da República e a convocar eleições legislativas antecipadas.

Com a dissolução, cai a legislatura. O que implicaria o fim prematuro da comissão parlamentar de inquérito à TAP, de longe o maior pesadelo do primeiro-ministro. Ao ponto de podermos hoje dizer que o maior "partido de oposição" ao poder absoluto do PS tem a sigla TAP.

Se o inquérito parlamentar em curso chegar ao fim, os actuais sintomas de agonia do governo irão acentuar-se - como vêm alertando socialistas mais atentos, incluindo Carlos César, Alexandra Leitão, Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto.

 

Naturalmente, agora que a guerra entre Belém e São Bento deflagrou, Marcelo Rebelo de Sousa não fará a vontade a António Costa: vai dissolver, sim, mas apenas no momento em que entender. Que será, não por coincidência, quando der menos jeito ao primeiro-ministro

Só depois de Costa engolir até à última gota as conclusões do inquérito parlamentar à TAP - onde ainda irão desfilar Pedro Nuno Santos, Hugo Mendes e João Galamba, entre outras luminárias socialistas metidas até ao pescoço na monumental trapalhada em que a gestão desta empresa pública se tornou. 

 

Costa pagará com juros a sua bravata de ontem, comportando-se perante os portugueses como se comesse Marcelo de cebolada a pretexto de segurar in extremis um dos ministros mais desacreditados do actual elenco, algo tão desproporcionado que soa a falso desde o primeiro minuto. Entrámos numa nova etapa, nada edificante: um dos piores conflitos institucionais de que há memória entre um Governo e um Presidente - logo este, que durante cinco anos quase levou o Executivo ao colo. Episódio digno de figurar em qualquer antologia da ingratidão.

De Gaulle dizia que o poder usa-se, não se delega. Mas Costa é fraco aprendiz do velho general: a bravata irá sair-lhe cara. Mais cedo do que pensa.