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Delito de Opinião

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (2)

Cristina Torrão, 10.01.25

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A viagem de Jette (Iéta), que se propôs ir da Alemanha até Portugal a cavalo, começou da melhor maneira, a 8 de Setembro do ano passado. Teve sorte com o tempo. Houve mais sol do que o costume e as temperaturas mantiveram-se amenas durante todo esse mês. Além disso, o Norte da Alemanha é plano, facilitando o avanço, e o alojamento estava planeado para a primeira semana.

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A fim de não cansar demasiado a Pinou, que carregava com a bagagem, Jette não passava os dias num galope desenfreado, como gostamos de imaginar. Na maior parte das vezes, limitava-se a uma marcha lenta e descontraída. E, não raro, desmontava e caminhava ao lado do animal, guiando-o pela rédea. Fazia também muitas pausas, a fim de que as duas pudessem descansar e alimentar-se.

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Passado uma semana, Jette tinha vencido cerca de 160 km por terrenos aprazíveis, cheios de erva fresca para a Pinou. Encontrava-se na pequena localidade de Wunstorf, no dia 15 de Setembro, e os pais e o namorado foram passar o fim-de-semana com ela.

Jette encetou a viagem na segunda-feira, mas, apesar do tempo continuar bom, caiu numa onda de tristeza, depois de ter estado com os entes queridos. Sentia, todos os dias, faltar-lhe a motivação para continuar.

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O facto de já não ter alojamentos reservados, tornou-se, porém, vantajoso. Livrara-se da obrigação de vencer determinada distância, a fim de alcançar um destino marcado. E encontrar um local para dormir revelou-se mais fácil do que o esperado. As pessoas que Jette ia encontrando pelo caminho faziam-lhe perguntas e, inteirando-se da sua história, gostavam, geralmente, de a ajudar. Logo lhe indicavam um local, em determinada aldeia, onde ela poderia pernoitar, com estábulo para a Pinou. Essas casas de lavradores nem sempre tinham um quarto à disposição para ela, mas autorizavam-na a montar a sua tenda nalgum relvado, ou a dormir numa roulotte, caso a tivessem. Por vezes, convidavam-na para jantar.

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Havia outras surpresas agradáveis. Num dia, estavam ela e a Pinou a fazer uma pausa, quando um carro parou à sua frente. Depois das perguntas habituais, Jette foi convidada a deslocar-se à quinta dessas pessoas, onde lhe ofereceram maçãs e água para a continuação da viagem. Num outro dia, passando por uma pequena localidade, viu uma gelataria e resolveu comer um gelado. Um homem abordou-a, ao vê-la acompanhada de um cavalo, e, ao saber dos seus planos, fez questão de lhe pagar o gelado, surdo às tentativas de recusa da moça.

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Ir às compras, de vez em quando, era inevitável e, à boa maneira western, Jette amarrava a Pinou à entrada dos estabelecimentos, suscitando olhares estupefactos. Normalmente, porém, as pessoas eram simpáticas. Pediam-lhe autorização para as fotografar e algumas até se atreviam a fazer festas à égua. Nestes, como noutros casos, não lhe era possível evitar passar pelo meio das localidades. A sua presença suscitava sempre grande surpresa e interesse. Nem toda a gente a encarava satisfeita, mas não a molestavam.

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Depois de duas semanas de jornada, e ainda na sequência da ressaca provocada pelo encontro com os pais e o namorado, Jette confessou, no seu diário de viagem (Tag 14), estar a ser extremamente cansativo. Todos os dias se tinha de adaptar a novos locais e responder às mesmas perguntas, além de se lhe depararem constantes desafios. Depois de encontrado alojamento, tinha de cumprir muitas tarefas, até poder descansar: livrar a Pinou de toda a bagagem, tratar da alimentação da égua e, por vezes, limpá-la, antes de se tratar a ela própria.

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Por vezes, tinha ainda de montar a tenda. De manhã, em sentido inverso: desmontar a tenda, tratar da Pinou e dela, reunir toda a bagagem, selar a Pinou e carregá-la. Por outro lado, escreveu ela, era igualmente interessante conhecer locais e pessoas diferentes todos os dias. E aprendia algo a cada desafio. No fundo, era esse o sentido da viagem: amadurecer a cada nova experiência.

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Deparava constantemente com obstáculos, obrigando-a a grandes desvios, por vezes, significando voltar vários quilómetros atrás, apenas para os recuperar em seguida. Certa vez, preparava-se para atravessar uma auto-estrada e encontrou a ponte fechada por motivo de obras. Lá lhe indicaram uma alternativa, mas também isso lhe custou vários quilómetros.

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Numa zona de ribeiros, deu com várias pontes barradas com um pequeno poste. Tratava-se de um percurso pedonal e de ciclistas e os postes evitavam que as pontes fossem usadas por motorizadas ou outro tipo de veículo a motor. Mas impediam igualmente a sua passagem com a Pinou. E Jette pensou que uma família em passeio com um carrinho de bebé veria o seu avanço igualmente barrado.

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Em dias de muita chuva, dava com caminhos impossíveis de serem passados devido à grande quantidade de lama. Jette receava que a égua escorregasse e partisse uma perna. Via-se constantemente obrigada a procurar alternativas à rota planeada, daí esta sua viagem ser bem mais longa do que feita pela auto-estrada, ou mesmo por uma estrada nacional.

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Apesar de todas as canseiras e desânimos, Jette prosseguia. E, ao 21º dia de viagem, a 28 de Setembro, chegou a Krefeld, cidade de 240.000 habitantes, na Renânia do Norte-Vestfália. Jette fez quase 570 km para lá chegar. De Hamburgo a Krefeld, pela auto-estrada, são cerca de 400 km.

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A atravessar o rio Reno numa barcaça (ferry)

 

Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas se podem encontrar no diário de viagem de Jette:

https://www.instagram.com/jette.horse.journey/

@jette.horse.journey

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (1)

Cristina Torrão, 03.01.25

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Jette é uma alemã de vinte anos, moradora nos arredores de Hamburgo e cuidadora da égua Pinou.

Muitas meninas alemãs são fascinadas por cavalos, uma fascinação que começa pelos cinco ou seis anos de idade. As escolas de equitação proliferam e o sexo feminino está em clara maioria, tanto a nível de alunos, como de professores. As crianças mais pequenas iniciam a sua aprendizagem com póneis.

Muitas vezes, essa fascinação acaba por desaparecer na adolescência. Caso se mantenha, os pais com mais posses compram cavalos para as filhas e alugam lugares nos estábulos das escolas ou de quintas. As moças pertencentes a famílias, cuja situação financeira não permite tal aquisição, prontificam-se a cuidar dos animais e a limpar os estábulos em troca da prática gratuita de equitação.

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Jette (pronuncia-se Iéta) trata da Pinou desde 2023. No ano passado, porém, a dona da égua resolveu mudar-se para Portugal, para os lados da Bemposta, alguns quilómetros a norte de Castelo Branco. Penso que essa senhora terá mais animais e não sei pormenores da mudança. Sei que ela não levou logo a Pinou, deixando-a num estábulo conhecido e aos cuidados de Jette, até organizar o seu transporte.

Depois de completar o liceu, Jette ainda não decidiu como continuar a sua vida. Muitos jovens alemães tiram um ano para viver no estrangeiro, ou exercer alguma actividade relacionada com serviço social, no seu país, antes de prosseguirem os estudos. Jette passou quase três meses na Nova Zelândia, no ano passado, a cuidar de cavalos e a dar aulas de equitação. E tenciona tornar a ir. Entretanto, regressada à Alemanha, no Verão, a mãe sugeriu-lhe, em tom de brincadeira: “porque não levas tu a Pinou, fazendo uma viagem a cavalo até Portugal?”

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A ideia não mais saiu da cabeça de Jette. E contactou a dona da Pinou que, depois de reflectir uns dias, lhe respondeu: “Faz isso, então, se é o que queres”.

Decidida a provar a si própria e aos outros de que seria capaz, Jette começou a treinar mais intensamente com a égua e a preparar a viagem. Os pais e o namorado colaboraram, discutindo os planos com ela. Iniciando-se a jornada em Setembro, e como seria irrealista atravessar os Pirenéus no Inverno, o pai prontificou-se a levá-la de carro através da França, até Bilbao, caso ela realmente conseguisse atravessar a Alemanha, de Hamburgo até à fronteira francesa, no Saarland (quase 1000 Km, na rota escolhida por ela; a viagem na auto-estrada é 300 km mais curta).

Reservaram dormidas para a primeira semana, em locais de turismo rural, com distâncias de 30 a 40 km entre eles. Depois, Jette teria de se desenvencilhar sozinha, munida de uma tenda, deixando o destino decidir. Os pais e o namorado comprometeram-se igualmente a ir buscá-la, fosse onde fosse, caso ela se achasse incapaz de prosseguir, ou algo lhes acontecesse (a ela e/ou a Pinou).

A 8 de Setembro de 2024, Jette iniciou a viagem da sua vida.

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Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas são retiradas do diário de viagem de Jette:

https://www.instagram.com/jette.horse.journey/

@jette.horse.journey