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Delito de Opinião

Facto internacional de 2023

Pedro Correia, 17.01.24

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TERRORISMO DO HAMAS E VIOLENTA RÉPLICA DE ISRAEL

Este foi, por destacada maioria, eleito o Acontecimento internacional de 2023 pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: o conflito bélico iniciado a 7 de Outubro com um sangrento ataque de centenas de milicianos do Hamas a civis no sul de Israel, incluindo velhos, crianças e até bebés - atrocidades nunca antes registadas neste país, independente desde 1948. Morreram cerca de 1200 pessoas e centenas de outras foram raptadas e sequestradas, permanecendo muitas em cativeiro nos túneis da Faixa de Gaza. «Foi o nosso 11 de Setembro», repetiu-se em Telavive.

A resposta do Governo de unidade nacional logo constituído em Israel, sob a liderança de Benjamin Netanyahu, foi duríssima e também sangrenta, merecendo a condenação categórica do secretário-geral da ONU e de grande parte da comunidade internacional. Com a evacuação forçada de metade da população palestina residente em Gaza e a morte de milhares de civis a pretexto da perseguição aos membros do Hamas, armados e apoiados pela ditadura teocrática de Teerão.

O conflito, ainda sem solução à vista, tem vindo a ampliar-se, adquirindo dimensão regional. Já com repercussões no Líbano, na Síria (onde se mantém a guerra civil iniciada em 2011), no Iraque, no Irão e no Iémene (outro país em prolongada guerra civil), de onde partem brigadas terroristas que têm condicionado as rotas dos navios no Mar Vermelho, também transformado em palco bélico. Com graves repercussões no abastecimento de bens à Europa, via Canal do Suez.

Já lhe chamam uma nova guerra israelo-árabe - como aconteceu em 1948, 1967 e 1973. Mas esta parece ter contornos mais amplos, como comprovam os navios de guerra norte-americanos e britânicos que agora navegam no Mediterrâneo Oriental e pelas zonas mais tensas do Mar Vermelho. 

 

Eis duas opiniões dos participantes na votação, resumindo esta tragédia em cascata que volta a enlutar a velha Palestina dilacerada por lutas milenares:

«O terrorismo do Hamas provocou uma resposta também com contornos terroristas de Israel.»

«Mesmo quando as causas são justas, os fins nem sempre justificam os meios, muito menos quando os meios envolvem o terror e a morte de inocentes.»

 

Como sempre acontece no DELITO DE OPINIÃO, é possível votar em mais do que um tema. O segundo mais mencionado foi esteeclosão da Inteligência Artificial. Assinalando o lançamento do ChatGPT e tecnologias similares. «Ainda está por compreender - ou sequer imaginar - o alcance do impacto que as nossas vidas vão sofrer», observou um dos participantes na votação.

Registaram-se ainda votos isolados na Cimeira do Clima no Dubai, na resistência ucraniana ao invasor russo, pelo segundo ano consecutivo, e na rebelião do grupo Wagner e morte de Prigójin que sobressaltou durante alguns dias o regime ditatorial de Vladimir Putin.

 

Figura internacional de 2023

Pedro Correia, 08.01.24

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VOLODIMIR ZELENSKI

Segunda vitória consecutiva do Presidente da Ucrânia como Figura Internacional do Ano aqui no DELITO. Do quase anonimato, Volodimir Zelenski. tornou-se celebridade à escala mundial. Pelo pior motivo possível, certamente, na opinião dele. Por ser um herói involuntário que soube manter-se de pé e liderar o seu povo agredido por Moscovo. É fácil presumir que nada disto estava nos seus planos quando se candidatou à presidência, em 2019.

Zelenski, que em 2022 teve um triunfo esmagador na votação do blogue, desta vez venceu por maioria simples.

Eis algumas das justificações apresentadas por quem votou nele:

«Essencialmente, pela capacidade de resistência.»

«Apesar de outros conflitos graves [em 2023], não pode ser esquecido.»

«Quem sabe o que sucederá, caso a Rússia ganhe a guerra.»

Enfim, um conflito gravissimo iniciado com a invasão decretada por Vladimir Putin, em 24 de Fevereiro de 2022, e que se mantém neste início de 2024. Sabe-se lá até quando.

 

E quem mais?

O segundo lugar coube à presidente da Comissão Europeia. Ursula von Der Leyen, que já tinha sido eleita Figura do Ano em 2020, esteve perto de revalidar esta distinção. «Interventiva, sem dúvida», houve quem dissesse, justificando ter votado nela.

A tal frase - provavelmente apócrifa - atribuída a Henry Kissinger sobre a impossibilidade de pegar no telefone e contactar alguém que «liderasse a Europa» talvez deixe enfim de fazer sentido com esta ex-ministra alemã da Defesa que tem assumido inegável protagonismo como porta-voz do espaço comunitário. E que parece estar muito longe da aposentação. 

 

O terceiro posto do pódio coube ao recém-eleito Presidente da Argentina, Javier Milei. Um assumido ultraliberal que venceu as eleições de Novembro para a Casa Rosada, com 56%, destronando o rival peronista Sergio Massa num dos países mais proteccionistas do mundo - e também um dos mais depauperados por décadas de péssima gestão económica e financeira.

Seguiram-se votos isolados no Papa Francisco (vencedor em 2013 e 2014), no Presidente norte-americano Joe Biden (Figura do Ano em 2022), na primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e no secretário-geral da ONU, o nosso compatriota António Guterres

 

Faltam mais três.

Ismail Haniya, líder do Hamas - «Pelas piores razões», diz quem votou nele.

Sam Altman, big boss da OpenAI. Motivo? «Abriu a porta para um futuro potencialmente tão assombroso quanto tenebroso – porque, quer queiramos quer não, o futuro já chegou e está em movimento uniformemente acelerado.»

Finalmente, um voto com dimensão colectiva. No povo palestiniano. «Vítima do Hamas, de Netanyahu e da inércia/impotência internacional. Não teve voz nem voto na matéria, limita-se a esperar a morte», assim foi justificado.

Para o ano há mais, fica prometido.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Figura internacional de 2021: Joe Biden

Figura internacional de 2022: Volodimir Zelenski

Facto internacional de 2022

Pedro Correia, 11.01.23

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AGRESSÃO RUSSA À UCRÂNIA

Este foi, por larguíssima maioria (quinze em vinte dos participantes), eleito o Acontecimento internacional de 2022 pelos autores do DELITO DE OPINIÃO: a invasão da Ucrânia pela Rússia, obedecendo à voz de comando do ditador de Moscovo, Vladimir Putin. 

Iniciada na madrugada de 24 de Fevereiro, esta agressão bélica faz lembrar tempos que há muito não víamos no Europa, tendo provocado um número impressionante de vítimas (fala-se em cerca de cem mil, entre baixas militares e civis dos dois lados), a destruição de grande parte do território da Ucrânia e uma onda de refugiados sem precedentes no continente desde a II Guerra Mundial: calcula-se que 15 milhões de pessoas - cerca de um terço da população do país agredido - tenha sido forçada a abandonar os seus lares. Muitos procuraram refúgio noutros países, incluindo Portugal. 

A guerra - que Putin desencadeou pensando que fosse concluída a curto prazo, com a ocupação de Kiev, a deposição das instituições do país invadido e a detenção ou assassínio do Presidente Volodimir Zelenski - tem-se prolongado, tendo os ucranianos já recuperado cerca de 55% do território inicialmente invadido. Cidades como Butcha, Irpin e Mariúpol tornaram-se tristemente famosas em todo o mundo, pelos massacres que os esbirros armados do Kremlin lá cometeram. 

A agressão motivou uma unidade inquebrantável dos países ocidentais no apoio à Ucrânia - financeiro, humanitário e militar. Com Zelenski enaltecido como símbolo da resistência e países até há pouco neutrais, como a Finlândia e a Suécia, envolvidos na estratégia global de defesa face ao imperalismo russo - ao ponto de terem aderido à NATO, algo impensável há um ano.

 

Passo a citar algumas das opiniões emitidas pelos participantes nesta votação:

«A partir de 24 de Fevereiro o mundo mudou de forma abrupta.»

«A guerra na Ucrânia modificou mesmo as nossas vidas; esperemos que não modifique ainda mais.»

«A chocante invasão da Ucrânia pela Rússia, em pleno século XXI, fez soar todos os alarmes. Põe em risco a ordem mundial tal como a conhecemos, tem como alvo as sociedades democráticas liberais, e é afirmação da autocracia feita ruidosamente ao som dos tambores bélicos, a única e verdadeira força de Moscovo. Este conflito tem provocado alinhamentos e realinhamentos geostratégicos. Ironicamente, teve o condão de unir o Ocidente e de alargar a NATO até às fronteiras da Rússia. Quanto mais tempo a guerra durar mais perto estaremos de que se torne global, com consequências imprevisíveis para o planeta.»

 

Como todos os anos acontece, é possível cada um votar em mais do que um tema. Assim, eis dois acontecimentos do ano passado que também mereceram referência nesta eleição: planeta Terra ultrapassou os 8 mil milhões de habitantes (três votos) e revolta popular no Irão (dois votos).

Registaram-se ainda votos isolados na morte da Rainha Isabel II, na inflação como fenómeno global e no desrespeito pela vida no planeta («guerra, alterações climáticas, agravamento do fosso entre muito ricos e muito pobres»).

 

Figura internacional de 2022

Pedro Correia, 08.01.23

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VOLODIMIR ZELENSKI

Unanimidade quase total este ano: 19 dos 20 autores do DELITO que participaram na votação elegeram como Figura Internacional do Ano o Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. Do quase anonimato, tornou-se personalidade com ressonância planetária. Daí a nossa homenagem.

Sem qualquer intenção de sermos originais: já a revista Time tinha feito o mesmo

Foi apenas, no fundo, a confirmação do que havia acontecido ao longo de quase todo o ano, com o protagonista da resistência ucraniana a merecer contínuas referências aqui no blogue. Sobretudo desde que viu o seu país invadido pela força bélica russa, a 24 de Fevereiro. 

 

Na justificação do voto, algumas frases merecem ser destacadas. 

«Um verdadeiro herói, além de uma série de outros atributos, tem de ser um herói improvável. Zelenski cumpre todos esses critérios.»

«Líder improvável, mas um líder. Estóico, agitador de consciências, verdadeiro protector do seu povo. Guardião de um patriotismo ameaçado e alvo de tentativas de aniquilação. A sua liderança foi também capaz de tocar a reunir o Ocidente, congregado em torno da causa ucraniana.»

«Não sei o que é mais admirável nele: o sentido do dever? A intrepidez? A fortitude? A inteligência de se rodear das pessoas certas? A visão política? O patriotismo inspirador? A segurança sem arrogância? A capacidade de acção? A improbabilidade de todas estas virtudes misturadas numa só pessoa?»

Às vezes muito pode ser dito também numa simples frase. Como esta, a justificar igualmente a escolha em Zelenski: «Por ter restaurado o conceito de pátria.»

 

Houve ainda um voto isolado no secretário-geral da ONU. António Guterres, por sinal, também mencionado na votação para Figura Nacional do Ano.

Para o Presidente russo, Vladimir Putin, nada.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Figura internacional de 2021: Joe Biden

Facto internacional de 2021

Pedro Correia, 14.01.22

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ASSALTO AO CAPITÓLIO NOS EUA

Aconteceu logo no início do ano, a 6 de Janeiro de 2021. Todos assistimos, incrédulos e atónitos. Nunca se tinha visto algo assim: uma turba enfurecida subia as escadarias do Capitólio, em Washington, e invadia o histórico edifício, perante a impotência das forças de segurança, colocando em risco senadores e congressistas. Precisamente quando ali se travava um debate fundamental: o que viria a confirmar em definitivo o resultado da eleição presidencial de Novembro de 2020.

Estes milhares de insurrectos, apoiantes declarados de Donald Trump, invadiram e vandalizaram a sede do poder legislativo dos EUA com a intenção deliberada de castigar figuras públicas como a democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, e o próprio vice-presidente Mike Pence, a quem acusaram de traição por conceder a vitória a Joe Biden, seu adversário político. Algo que Trump ainda hoje não fez.

A sessão foi interrompida, com o mundo a assistir em directo. Mas viria a ser retomada nessa mesma noite, quando a forças da ordem conseguiram travar a multidão em fúria e deter alguns dos cabecilhas, impedindo danos maiores. Com cinco mortos registados, entre eles quatro polícias. 

 

Este brutal assalto ao Capitólio foi para nós o Acontecimento internacional de 2021, com oito votos em 25 emitidos pelos autores do DELITO DE OPINIÃO que participaram nesta escolha. 

Venceu à tangente. Em segundo lugar, com sete votos, foi mencionado o regresso dos talibãs ao poder no Afeganistão, perante a humilhante retirada das forças ocidentais, incluindo as norte-americanas. Aconteceu em 15 de Agosto: foi outro facto que fez chocar o mundo.

Em terceiro lugar, com três votos, a realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio, fora da data inicialmente prevista: deviam ter acontecido em 2020 e acabaram por ocorrer só no ano seguinte, entre 23 de Julho e 8 de Agosto. Com uma particularidade: as provas desportivas disputaram-se sem público devido às fortíssimas restrições impostas pela pandemia. Facto inédito, a merecer destaque.

 

Houve ainda votos isolados em vários outros temas, que passo a referir:

- Chegada da missão Perseverance à superfície de Marte.

- Escalada dos regimes autoritários e totalitários em diversos países: China, Rússia, Bielorrússia, Afeganistão, Turquia e Nicarágua.

- Tensão crescente na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia.

- Falta de capacidade própria da UE em questões de defesa.

- Missão militar SACD em Moçambique.

- Agravamento da crise de cadeia logística desencadeada pela pandemia.

- Itália, campeã europeia de futebol.

 

Figura internacional de 2021

Pedro Correia, 12.01.22

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JOE BIDEN

Neste ano que passou, o Presidente dos Estados Unidos da América foi eleito Figura Internacional do Ano pela tribo "delituosa". Em 22 votos expressos, bastante divididos, o sucessor de Donald Trump na Casa Branca recolheu sete.

Joe Biden esteve em destaque por vários motivos, de ordem muito diversa e nem sempre lisonjeiros. Eleito em Novembro de 2020 pelos norte-americanos com a maior votação popular de sempre, tomou posse a 20 de Janeiro numa capital ainda muito marcada pelo assalto ao Capitólio, ocorrido 14 dias antes, e entre fortíssimas medidas de segurança acrescidas das inevitáveis precauções impostas pela pandemia. 

Nestes onze meses de mandato, com maioria tangencial no Congresso, Biden fez regressar os EUA ao Acordo de Paris sobre alterações climáticas, revogando uma decisão do antecessor, deu impulso ao combate à pandemia - considerado ainda insuficiente - e procurou apaziguar as tensões na sociedade norte-americana. Mas a crise sanitária é ainda evidente e a crise migratória tem-se agravado. No plano internacional, redobra de intensidade a guerra comercial com a China e aumenta a tensão na Europa de Leste devido a reiteradas ameaças russas sobre os vizinhos ocidentais. 

O aspecto mais negativo da presidência Biden ocorreu com a retirada das forças norte-americanas do Afeganistão tomado pelos talibãs sem garantir a defesa de largos milhares de afegãos que colaboraram durante duas décadas com os EUA. Uma retirada humilhante, que fez lembrar a de Saigão em 1975.

Quem escolheu Biden no DELITO justificou a opção de forma mais longa, como esta: «Decente, apaziguador e fonte de esperança. Foi o Presidente dos Estados Unidos eleito com o maior número de votos da história daquela democracia referencial para o Ocidente que, à data da votação, estava ferida de morte pelos crimes, vilanias e atropelos à democracia do antecessor do democrata.»   

Ou mais sintética, como esta: «Os EUA voltaram a ter um Presidente.»

 

A segunda posição, com três votos cada, foi repartida. Por Alexei Navalny, o mais conhecido opositor russo, actual preso político nas masmorras de Putin e galardoado em 2021 com o Prémio Sakharov, do Parlamento Europeu, que todos os anos distingue um defensor dos direitos humanos. E por Angela Merkel, que cessou funções como chanceler alemã após 16 anos neste cargo, em que se assumiu diversas vezes como verdadeira líder da Europa.

Merkel, vale a pena recordar, foi eleita Figura Internacional do Ano pelo DELITO em 2010, 2011 e 2015. Ninguém mereceu aqui tanto destaque como ela.

 

E que mais?

Votos isolados em Gabriel Boric, o recém-eleito Presidente do Chile, com apenas 35 anos. Norm Macdonald, comediante canadiano falecido aos 61 anos, «lembrando-nos que precisamos mais do que nunca de humoristas». Katalin Karikó, a cientista húngara que fez o trabalho essencial para o desenvolvimento das vacinas com base no mRNA e que foram usadas para as vacinas da Pfizer/Biontech e Moderna, «parecendo abrir um campo completamente novo para a medicina». O norte-americano Elon Musk, patrão da Tesla e fundador da SpaceX, um dos visionários do nosso tempo. 

Votos isolados também no secretário-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Ghebreyesus, no recém-eleito chanceler alemão, Olaf Scholtz, e no treinador de futebol Roberto Mancini, que conduziu a sua Itália à conquista do Europeu da modalidade.

Houve ainda quem votasse em todos os envolvidos no combate global à pandemia. E no covid e suas variantes - «sempre presente no ângulo morto da visão dos nossos dias».

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

Figura internacional de 2016: Donald Trump

Figura internacional de 2017: Donald Trump

Figura internacional de 2018: Jair Bolsonaro

Figura internacional de 2019: Boris Johnson

Figura internacional de 2020: Ursula von Der Leyen

Facto internacional de 2020

Pedro Correia, 04.01.21

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PANDEMIA DE COVID-19

Um obscuro vírus surgido no final de 2019 num mercado da República Popular da China - em contexto de péssimos hábitos de higiene, práticas arcaicas, deficiente supervisão e total falta de transparência política e administrativa - transbordou das fronteiras do país e contaminou o mundo. Exibindo a face mais negra da globalização: a que aproxima populações inteiras e une continentes pelos piores elos: os da doença e da morte.

Chegada em final de Janeiro à Europa, a pandemia de Covid-19 - assim declarada, de forma tardia, pela Organização Mundial de Saúde só a 11 de Março - causou até ao fim do ano 85 milhões de infecções e provocou 1,8 milhões de mortos. Deixando evidente o péssimo tratamento que países supostamente evoluídoas dão aos seus cidadãos mais velhos, recolhidos em depósitos a que só por ironia macabra podemos chamar "lares".

Tem sido este, de longe, o segmento social mais atingido pelo novo coronavírus - pessoas que se situam à margem dos discursos oficiais e das respostas dos governos, tratadas como se já sobrassem na sociedade ainda em vida.

 

Este foi o Acontecimento internacional de 2020, assim considerado por 16 dos 21 autores do DELITO DE OPINIÃO que participaram nesta escolha. 

Mesmo outros temas também destacados acabam por se relacionar com este. Foi o caso da descoberta da vacina anti-Covid, que mereceu três votos do colectivo "delituoso". Aprovada e difundida «num prazo inacreditavelmente curto», comprova a existência de uma «maciça cooperação científica mundial», como sublinhou um dos colegas de blogue.

 

Houve ainda votos isolados na "bazuca" europeia - espécie de Plano Marshall aprovado na UE para tentar reerguer as economias abaladas pelo coronavírus no espaço comunitário - e na redução abrupta das ligações aéreas, à escala global, no ano em que o mundo voltou a ser composto por lugares longínquos e distantes. Algo inimaginável a 1 de Janeiro de 2020, comprovando como é sempre arriscado o exercício de fazer previsões.

Facto internacional de 2019

Pedro Correia, 06.01.20

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SUBLEVAÇÃO POPULAR EM HONG KONG

A larga maioria dos votos, ao escolhermos o facto internacional de 2019, foi a sublevação popular em Hong Kong, que paralisou por completo, em diversas ocasiões, a antiga colónia britânica que é desde 1997 Região Administrativa Especial da República Popular da China. Pequim comprometeu-se a aplicar ali durante meio século o chamado princípio "um país, dois sistemas", garantindo a manutenção neste território - uma das principais praças financeiras mundiais - o sistema capitalista e a aplicação de direitos civis que são negados à esmagadora maioria da população chinesa. Mas estas promessas têm vindo a ser postas em causa.

Tudo começou em Junho com um vigoroso protesto estudantil contra uma nova lei que autorizaria a extradição de residentes em Hong Kong para outras parcelas do país, onde vigoram um código penal e um sistema carcerário muito mais severos: basta lembrar que a China é a nação do mundo que mais aplica a pena de morte. O movimento alastrou a outras faixas populacionais, dando origem à greve geral de 15 de Agosto e a gigantescas manifestações que não desmobilizaram quando o Executivo local, em Outubro, deixou cair a anunciada alteração legislativa. Havia já então novas reivindicações populares: a demissão da chefe do Governo, Carrie Lam, que ascendeu ao cargo em 2017 por escolha de um colégio eleitoral muito restrito em que obteve apenas 777 votos, e a eleição por sufrágio universal dos 70 membros do Conselho Legislativo - o órgão parlamentar de Hong Kong. Actualmente só metade dos deputados resultam do voto directo dos eleitores locais.

O novo ano começou da mesma forma: cerca de um milhão de pessoas desceram à rua exigindo reformas democráticas, em aberta oposição ao sistema ditatorial chinês.

 

A crise política, económica e social em Hong Kong - ainda sem solução à vista - foi designada facto internacional de 2019 por 15 dos 24 autores deste blogue que participaram na votação.

Com quatro votos, o segundo mais mencionado - e de algum modo relacionado com este - foi o conjunto das manifestações populares em vários continentes que agitaram sobretudo a Europa, a América do Sul, o Norte de África e o Médio Oriente. Em países tão diversos como França, Venezuela, Chile, Bolívia, Colômbia, Argélia, Irão, Iraque e Líbano.

 

A ameaça de destituição de Donald Trump - já concretizada na Câmara dos Representantes mas que deverá ser travada no Senado - foi escolhida por dois de nós.

Houve ainda votos isolados na vitória conservadora no Reino Unido, que permitirá concretizar o Brexit, na guerra comercial EUA-China e na contínua destruição da Amazónia.

 

Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks

Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe

Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria

Facto internacional de 2014: o terror do "Estado Islâmico"

Facto internacional de 2015: a crise dos refugiados

Facto internacional de 2016: Brexit

Facto internacional de 2017: crise separatista na Catalunha

Facto internacional de 2018: movimento #MeToo

Facto internacional de 2018

Pedro Correia, 04.01.19

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MOVIMENTO #METOO

 

A repercussão, praticamente à escala planetária, do movimento feminista #MeToo, iniciado no final de 2017 mas com particular visibilidade só no início do ano passado,  mereceu do DELITO DE OPINIÃO a escolha como Facto Internacional de 2018. Houve oito votos nesta opção, atendendo sobretudo ao profundo impacto deste movimento no circuito intelectual e artístico dos Estados Unidos - sem esquecermos os ecos que produziu também na Europa, onde (por exemplo) em 2018 não se atribuiu o Prémio Nobel da Literatura devido às alegações de que o marido de um dos membros da academia, o dramaturgo e fotógrafo francês Jean-Claude Arnault, terá assediado sexualmente algumas mulheres - o que foi desmentido pelo visado.

Em Portugal, ao contrário do que tem sucedido noutros países, o movimento parece tardar em implantar-se: ainda não foram conhecidas, por cá, denúncias de supostas agressões sexuais a figuras mediáticas, designadamente do espectáculo, do teatro, da televisão, dos meios empresariais ou da política.

 

Em segundo lugar, com cinco votos, ficou aquilo que denominámos de revolta dos pagantes, abrangendo nomeadamente o movimento dos chamados "coletes amarelos" que despontou em Novembro em França e parece ter perdido força nas semanas mais recentes.

Outro acontecimento em destaque, com quatro votos: a brutal crise na Venezuela, que já levou ao êxodo de cerca de três milhões de pessoas, enquanto o país se afunda na depressão económica, na mega-inflação e na repressão política, às ordens do ditador Nicolás Maduro, reeleito em Maio de 2018 entre acusações quase unânimes de fraude eleitoral num escrutínio de que foram afastados, logo à partida, os principais opositores.

 

Houve dois votos na formação de um Governo populista em Itália, onde a Liga xenófoba e o movimento pós-ideológico Cinco Estrelas formaram uma coligação com efeito práticos a partir de Junho, desafiando as regras impostas por Bruxelas num dos Estados fundadores da União Europeia e naquela que é hoje a terceira maior economia do espaço comunitário.

Outros dois votos recaíram na inédita cimeira EUA-Coreia do Norte, ocorrida em Abril em Singapura, reunindo o inquilino da Casa Branca, Donald Trump, e o ditador de Pyongyang, Kim Jong-un, com vista à desnuclearização da península coreana, que alberga a fronteira mais perigosa do planeta, vigorando ali o estado de guerra desde 1950.

 

Registaram-se ainda votos isolados na dissolução definitiva da ETA no País Basco espanhol, na invasão comercial da Europa pela China, que vem comprando à peça infra-estruturas basilares do Velho Continente (o porto do Pireu, em Atenas, é um exemplo entre muitos) e ainda na chamada consciência ambiental, com esta justificação que ficou lavrada em acta: «Desde o plástico, passando pelas alterações climáticas (que receberam finalmente uma necessária dose de realidade - outros chamaram-lhe alarmismo), seguindo pela água e acabando (nesta sequência) nas extinções. Nunca o ambiente recebeu tanta atenção da população.»

 

 

Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks

Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe

Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria

Facto internacional de 2014: o terror do "Estado Islâmico"

Facto internacional de 2015: a crise dos refugiados

Facto internacional de 2016: Brexit

Facto internacional de 2017: crise separatista na Catalunha

Frase internacional de 2017

Pedro Correia, 12.01.18

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«Eu não posso gastar o meu dinheiro todo em copos e mulheres e depois ir ter consigo a pedir-lhe ajuda. Este princípio é válido a nível pessoal, local, nacional e até a nível europeu.»

Jeroen Dijsselbloem, 20 de Março

(eleita por maioria, pelo DELITO DE OPINIÃO)

 

Também mereceram destaque estas frases:

 

Donald Trump (Novembro)
 
  

.................................................................. 

 

Frase internacional de 2013: «Uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo.» 

(Malala Yousafzai)

Frase internacional de 2014: «Somos todos americanos.»

(Barack Obama)

Frase internacional de 2015: «Je suis Charlie.»

(Lema parisiense, e mundial, após os atentados de Janeiro em Paris)

Frase internacional de 2016: «Vim aqui enterrar os restos da Guerra Fria nas Américas.»

(Barack Obama)

Facto internacional de 2017

Pedro Correia, 09.01.18

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CRISE SEPARATISTA NA CATALUNHA

Catalunha dominou grande parte do ano informativo em termos internacionais, sobretudo a partir de Setembro, quando o Parlamento autonómico catalão aprovou a "lei da desconexão", com os votos favoráveis das forças separatistas regionais, num arco ideológico que ia da direita nacionalista à extrema-esquerda anticapitalista, apenas unidas na necessidade de acelerar o corte dos laços políticos com Madrid.

O processo desembocou na convocação de um referendo ilegal para validar o processo de independência unilateral, convocado pelos separatistas à margem da Constituição e contra o parecer expresso de todas as instituições do Estado espanhol - Rei, Governo, Senado, Câmara dos Deputados, Tribunal Constitucional e tribunal comuns. Realizada a 1 de Outubro, sem campanha eleitoral, sem cadernos eleitorais credíveis e sem mecanismos independentes de verificação dos resultados, a consulta não foi reconhecida pela comunidade internacional.

As semanas que se seguiram foram alucinantes: declaração unilateral da independência em Barcelona (10 de Outubro), logo seguida da suspensão dos efeitos do acto separatista, aprovação por ampla maioria no Senado espanhol do artigo 155.º da Constituição que revogou a autonomia, convocação de eleições antecipadas na Catalunha para 21 de Dezembro, fuga para Bruxelas do presidente cessante do Governo regional, Carlos Puigdemont, acusado - tal como outros ex-membros do executivo - de rebelião, sedição e peculato pela justiça espanhola.

As eleições de Dezembro deram pela primeira vez a vitória a uma força não-nacionalista, o Cidadãos. Os separatistas, sem maioria do voto popular, mantiveram no entanto a maioria dos lugares no Parlamento autonómico. Mas nenhum dos seus dirigentes máximos tem condições para formar Governo: Puigdemont, líder do Juntos Pela Catalunha, permanece refugiado na Bélgica e Oriol Junqueras, líder da Esquerda Republica, encontra-se detido às ordens da justiça espanhola.

 

A crise catalã, muito longe de estar resolvida, foi o acontecimento do ano para o DELITO DE OPINIÃO, merecendo 11 dos 21 votos referentes ao Facto Internacional de 2017.

Em segundo lugar, com seis votos, ficou o início da presidência Trump, outro dos factos mais relevantes do ano que passou em termos internacionais.

Registaram-se ainda votos isolados na fundação do movimento #metoo, no êxodo forçado do povo roínguia na Birmânia, no puritanismo macartista travestido de "progresso" e nos sinais de esperança na luta contra a corrupção, o nepotismo e o branqueamento de capitais.

Perspectivas plurais num mundo sempre turbulento.

 

Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks

Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe

Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria

Facto internacional de 2014: o terror do "Estado Islâmico"

Facto internacional de 2015: a crise dos refugiados

Facto internacional de 2016: Brexit 

 

O discurso de Merkel

Alexandre Guerra, 29.05.17

O discurso de Angela Merkel proferido este Domingo num comício para 2500 pessoas em Munique é daqueles que poderá ficar para a História da construção europeia. Não se pode dizer que tenha passado despercebido à imprensa internacional, porque, que se recorde, é a primeira vez que se vê a chanceler alemã a pronunciar-se de uma forma tão assertiva para a necessidade dos europeus contarem com eles próprios e não estarem dependentes dos “aliados” tradicionais, em referências directas aos “afastamentos” dos EUA e do Reino Unido. Ao dizer que a União Europeia tem que “tomar o futuro pelas suas próprias mãos”, Merkel está na prática a assumir que está na hora dos líderes europeus começarem a pensar seriamente na criação de uma efectiva política europeia de defesa e segurança, algo que não existe neste momento. É certo que existem muitas proclamações políticas e alguns mecanismos, mas nada perto daquilo que poderá garantir a defesa física da Europa como um todo perante uma ameaça externa. E nesse ponto é importante não esquecer que a NATO continua a ser a única organização com essa capacidade de resposta, ou seja, com a agilidade de mobilizar forças de diferentes países sob um único “badge” (comando). Em termos de meios militares, a NATO propriamente dita tem uns aviões AWACS (que vão reforçar a sua acção na recolha e partilha de informação entre todos os Estados-membro da Aliança), alguns quartéis-generais e pouco mais, no entanto, tem uma experiência acumulada de décadas, que lhe permite reagir a diferentes ameaças e em diferentes cenários através da interoperacionalidade oleada das forças dos diferentes países colocadas ao serviço NATO. Na prática, a NATO tem sido a estrutura comum da defesa europeia e até há poucos anos o território europeu tinha o exclusivo da sua acção.

 

Não é mentira quando Trump enfatiza o desequilíbrio das contribuições financeiras de cada país aliado para aquela organização. É um facto histórico com origens conhecidas no surgimento da Guerra Fria e que durante muito tempo serviu os propósitos norte-americanos na lógica do sistema bipolar, onde parte da Europa era claramente uma área de influência sob o “guarda-chuva” de Washington. Desde o fim da ameaça do Exército Vermelho sobre a Europa que a discussão sobre a Defesa do Velho Continente tem sido recorrente, nomeadamente ao nível do investimento que é preciso ser feito por cada país. Concomitantemente, várias administrações em Washington têm, ao longo dos anos, lançado avisos à Europa para que começasse a investir mais na Defesa e no orçamento da NATO. Por várias vezes, e sobretudo em momentos de crise, política ou militar, líderes europeus vieram para a praça pública falar entusiasticamente na necessidade da Europa começar a gastar mais na sua Defesa. Chegaram a ser ensaiados alguns projectos comuns, mas que nunca se concretizaram. Por isso, aquilo que Merkel disse no Domingo não é propriamente novo no conteúdo nem na forma. A verdadeira novidade foi ter sido Merkel a dizê-lo, sobretudo no tom particularmente firme em que o disse. É certo que estava influenciada pelo ambiente pouco diplomático provocado por Donald Trump nas cimeiras da NATO e do G7, mas para a chanceler ter assumido uma posição daquele calibre é porque a mesma deverá vir acompanhada de uma política firme nos próximos tempos.

Merkel foi a primeira líder europeia a assumir uma divergência desta magnitude com a administração Trump. Em causa estão valores fundamentais para a Europa, como são as alterações climáticas, mas é preciso não esquecer que, à margem da cimeira da NATO, o Presidente americano tinha ameaçado restringir as importações de carros alemães para os EUA. Nestas coisas da política internacional, e ao contrário do que muita gente possa pensar, as relações pessoais entre líderes podem fazer toda a diferença no adensar ou no desanuviamento de uma potencial situação de escalada político-diplomática. Neste caso, admite-se que a convivência entre os dois, primeiro em Bruxelas e depois em Taormina, não tenha corrido pelo melhor. Acontece. Agora, é preciso que nos corredores da diplomacia sejam encetados esforços no sentido de se manterem os canais de comunicação abertos entre Berlim e Washington, porque, uma coisa é certa: a Europa não está em condições de caminhar sozinha em matéria de Defesa e vai continuar a depender do envolvimento dos EUA na NATO durante muitos e longos anos. Por outro lado, Trump não deve esquecer, nunca, que apesar de todas as diferenças, é com a Europa com quem os EUA partilham os valores basilares da democracia e do liberalismo que norteiam a sua democracia e sociedade. Além disso, Trump também não se deve esquecer de um conceito muito importante e desenvolvido há uns anos por Robert Keohane e Joseph Nye, o da interdependência complexa. E neste aspecto, EUA e Europa estão ligados um ao outro como dois siameses.

It’s not the economy

Alexandre Guerra, 16.03.17

Na campanha presidencial de 1992 contra Bush pai, o staff de Bill Clinton tinha como uma das mensagens-chave a famosa expressão “the economy, stupid”, forjada pelo estratego James Carville (ex-CNN e actual FOX News). Mais tarde, quando esse conceito transbordou para a esfera pública, a frase foi usada e abusada ao longo dos anos na sua versão mundialmente conhecida: “It’s the economy, stupid”. Ainda hoje aquela expressão é utilizada vezes sem conta por comentadores e opinion makers nas suas colunas de jornais e revistas. A questão é que além daquela frase ser completamente datada, o seu conteúdo (que na verdade nunca terá sido bem interiorizado por muitos que ainda hoje a utilizam), pouco ou nenhum sentido faz nos dias que correm se olharmos com atenção para as realidades políticas e eleitorais de alguns países, nomeadamente os Estados Unidos ou o Reino Unido.

 

Na altura, o ainda governador do Arkansas colocou a economia como tema central da campanha, talvez não tanto pela questão do estado real dessa mesma economia americana (que embora não sendo famosa, não era dramática), mas porque, no fundo, Carville sabia que era necessário encontrar um factor de contraste evidente com o mandato de George H. W. Bush que, pela força das circunstâncias, foi dominado pela política espectacular dos grandes acontecimentos mundiais e das grandes cimeiras. Para quem se recordará desses tempos ou tem algum conhecimento das relações internacionais, dificilmente encontrará um período da História recente tão “político”, interessante e entusiasmante como aquele que Bush pai viveu enquanto Presidente entre 1989 e 1993.

 

Foi aquilo a que os especialistas chamam de período de transição sistémica. Hoje é um assunto arrumado de que o século XX acabou ali. Para trás, ficaram décadas de Guerra Fria, onde a economia jamais tinha suplantado a política enquanto tema de campanha ou de topo de agenda mediática. Em quatro anos, e apesar dos problemas da economia dos EUA, o mundo assistia à morte do comunismo, à queda do Muro de Berlim, à implosão da União Soviética, às reformas na China, à primeira Guerra do Golfo, à intervenção americana no Panamá e na Somália, já para não falar na Guerra da Bósnia. Aliás, já antes, Ronald Reagan tinha ficado para a História como o homem que vencera a Guerra Fria.

 

Poder-se-á dizer que os acontecimentos de política externa pouco ou nada interessavam aos americanos perante as dificuldades que enfrentavam no seu dia-a-dia. Pois, mas a questão é que nem os problemas da economia americana eram assim tão dramáticos, como alguns desses acontecimentos internacionais entraram no quotidiano dos americanos de uma forma bastante intensa. Além disso, é preciso notar que a América já tinha vivido períodos bem mais difíceis em termos de economia em décadas anteriores, bastando referir, por exemplo, o processo de desindustrialização nos anos 70 e 80, nomeadamente no sector automóvel, com o surgimento da concorrência asiática.

 

A verdade é que olhando para os tempos de Guerra Fria não havia grande “espaço” para a prevalência da economia sobre a política na condução dos Estados e muito menos para os comentadores económicos e para as análises económicas híper-amplificadas nos media (os canais também eram diminutos, note-se). A política pura e dura dominava e os tempos que se viviam eram deveras muito interessantes. É certo que a partir do início dos anos 90, com o advento da globalização e com as teorias do Fim da História e outras, a política vai perdendo relevância para dar lugar à economia enquanto móbil da História. Os grandes líderes e estadistas foram desaparecendo e surgiram os tecnocratas ou os dirigentes orientados por critérios quantitativos. Começa-se a criar uma ideia (errada) de que a política acabou e as sociedades ocidentais entram num Fim de História, dominadas pelo capitalismo e democracias liberais.

 

A euforia durou até 11 de Setembro de 2001, que foi uma espécie de “wake up call”, mas foram precisos vários anos e muitos acontecimentos geopolíticos para se perceber que, afinal, o mundo está longe de ser “plano” e que a política impera naquilo que é a história dos Estados e as Relações Internacionais. Aliás, olhando para os fenómenos eleitorais mais recentes, com resultados que muitos consideraram de “protesto”, como foram os casos dos EUA, com a eleição de Trump, e do Reino Unido, com o referendo ao Brexit, constata-se que as motivações da maioria do eleitorado pouco ou nada tiveram a ver com economia, pelo menos numa lógica directa, já que ambos os países apresentam índices bastante satisfatórios nestas matérias, quer em crescimento do PIB, quer em taxa de desemprego.

Facto internacional de 2016

Pedro Correia, 07.01.17
 

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BREXIT

Os acontecimentos a nível internacional, tão voláteis e condicionados pelas mais recentes manchetes da imprensa, nem sempre tornam fácil seleccionar um facto que seja capaz de dominar o ano. Talvez isto explique que acontecimentos como a inédita visita de Barack Obama a Cuba ocorrida em Março - a primeira de um Chefe do Estado norte-americano ali desde 1928 - que demoliu a penúltima fronteira da Guerra Fria (a última é a do conflito coreano, ainda sem solução à vista) não tivesse sido mencionada na generalidade dos balanços de 2016.

Outra omissão espantosa é a do processo que conduziu à impugnação e destituição da primeira mulher que ascendeu à presidência do Brasil. Dilma Rousseff, acusada de abuso do poder no exercício das funções, foi alvo de votações na Câmara dos Deputados e no Senado que em Maio a forçaram a renunciar ao cargo, tendo o seu vice-presidente - Michel Temer, com quem estava de relações cortadas há bastante tempo - assumido a presidência. Foi já ele a inaugurar em Agosto os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, que motivaram muitos protestos.

Nos três primeiros trimestres de 2016, o Brasil foi sacudido por manifestações, anti-Dilma e anti-Temer. Passados escassos meses, tudo isto parece ter sucedido há uma eternidade. O que reflecte a intensidade noticiosa a que somos sujeitos no nosso quotidiano.

 

Apesar disso, nem tudo se dissolve em espuma. É o caso do Brexit - o referendo ocorrido a 23 de Junho nas ilhas britânicas que determinou, embora por escassa margem (51,8% contra 48,2%), a saída do Reino Unido da União Europeia, 43 anos após ter ingressado no que então se chamava Comunidade Económica Europeia. Este foi o Facto Internacional de 2016, eleito pela maioria dos autores do DELITO DE OPINIÃO (27 participámos neste escrutínio, em que podíamos eleger mais de um acontecimento, os restantes quatro não se pronunciaram). Um facto tão importante que não deixará de ter sérias repercussões em 2017.

Aliás, o próprio substantivo Brexit (neologismo formado a partir de Britain, Grã-Bretanha no idioma original, e exit, que significa saída em inglês) figurou entre as palavras do ano em Portugal, após geringonça, vocábulo que permanecia envolto em poeira e foi desenterrado desde que o actual Executivo socialista iniciou funções.

 

O polémico referendo britânico mereceu 14 votos nossos, superando outros acontecimentos no plano internacional, como a guerra na Síria, que se arrasta desde 2011 e já foi Facto do Ano em 2013 no nosso blogue (seis votos), as eleições nos Estados Unidos da América (três votos), os acordos de paz na Colômbia de algum modo postos em causa pelo  referendo ocorrido em Outubro, a crise dos refugiados, que havíamos elegido em 2015, o putinismo em ascensão e a controversa atribuição do Nobel da Literatura a Bob Dylan.

Para o ano há mais.

 

Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks

Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe

Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria

Facto internacional de 2014: o terror do "Estado Islâmico"

Facto internacional de 2015: a crise dos refugiados 

Figura internacional de 2016

Pedro Correia, 05.01.17

                  

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DONALD TRUMP 

O magnata novaiorquino surpreendeu tudo e todos. Contrariou sondagens e as sofisticadas análises dos comentadores políticos - não só nos Estados Unidos mas também em Portugal, onde chegou a haver gente a escrever e publicar peças jornalísticas considerando-o antecipadamente derrotado na corrida eleitoral para a sucessão de Barack Obama como inquilino da Casa Branca.

À partida, de facto, quase ninguém dava nada por ele: anteviam-no apenas como animador da campanha com a sua atitude nada diplomática, digna de elefante em loja de porcelanas. Mas Donald Trump foi derrubando sucessivas barreiras, desde logo nas primárias republicanas, em que enfrentou grande parte do establishment do seu partido, incluindo os ex-presidentes George Bush e George W. Bush e os antigos candidatos presidenciais John McCain e Mitt Romney: todos se demarcaram dele desde o primeiro instante.

Apesar disso - ou por causa disso - acabou por emergir vitorioso nas primárias, derrotando antagonistas que comprovaram ser tigres de papel, como Jeb Bush, Marco Rubio e Ted Cruz. Com uma mensagem linear e populista, e uma utilização maciça das redes sociais, centrou o seu discurso contra a oligarquia de Washington, a imigração ilegal e o terrorismo, apelando ao proteccionismo económico e ao apaziguamento com Moscovo.

Linhas discursivas que repetiu na contenda com Hillary Clinton, sua adversária do Partido Democrata, que viria a derrotar nas urnas em Novembro. Conquistando maioria no colégio eleitoral, graças às peculiares regras vigentes nos Estados Unidos, embora tivesse menos cerca de três milhões de votos do que Hillary no voto popular.

Vai tomar posse já no próximo dia 20, entre vaticínios generalizados de uma presidência desastrosa. Paradoxalmente, este é talvez o único ponto que à partida o favorece: as expectativas iniciais para o seu mandato serem tão baixas.

Na votação do DELITO, que mobilizou 27 dos 31 autores deste blogue, o novo Presidente eleito dos EUA ganhou por maioria absoluta: teve 21 votos no escrutínio para Figura Internacional do Ano.

Os restantes seis foram distribuídos pela chanceler alemã Angela Merkel (já aqui vencedora em 2010, 2011 e 2015), com três votos, o Presidente russo Vladimir Putin, o Presidente filipino Rodrigo Duterte e o cantautor Bob Dylan, controverso galardoado com o Nobel da Literatura.

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

Figuras internacionais de 2015: Angela Merkel e Aung San Suu Kyi

 

Frase internacional de 2015

Pedro Correia, 07.01.16

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«Je suis Charlie.»

Palavra de ordem em Paris após os atentados de 7 de Janeiro

(eleita por maioria, pelo DELITO DE OPINIÃO)

 

Também mereceu destaque esta frase:

 

.................................................................. 

 

Frase internacional de 2013: «Uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo.» 

Frase internacional de 2014: «Somos todos americanos.»

Facto internacional de 2015

Pedro Correia, 04.01.16

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A CRISE DOS REFUGIADOS

Mais de um milhão de desalojados de guerra ou emigrantes impulsionados pela crise económica - oriundos do continente africano, do Médio Oriente e até de paragens mais longínquas como o Bangladeche e o Afeganistão - acorreram em 2015 à Europa, procurando neste continente santuário e asilo. O país mais desejado, na rota da esmagadora maioria destas pessoas, todas contempladas com o duvidoso rótulo mediático de "migrantes", foi a Alemanha, o que tem suscitado ampla polémica no país. Com o aparecimento de movimentos como o Pégida e contestação aberta, nas próprias fileiras democratas-cristãs, à chanceler Angela Merkel, que proclamou Berlim e outras urbes germânicas como "cidades abertas" ao fluxo de refugiados.

A maioria destas pessoas foge da sangrenta guerra civil da Síria, que já provocou mais de 250 mil mortos em quatro anos e pelo menos quatro milhões de exilados, em grande parte concentrados em campos improvisados nos países limítrofes - Líbano, Jordânia e Turquia. A somar-se à guerra ocorreu em 2015 a ocupação de cerca de um terço de território sírio pelas hordas do Daesh, que ali impõem a lei do terror - que visa sobretudo a forte minoria cristã da Síria, avaliada em cerca de 10% da população.

A crise dos refugiados, presente em todos os debates políticos europeus, foi o facto internacional do ano, segundo o critério do DELITO DE OPINIÃO. Na eleição, em que participaram 23 autores deste blogue (que podiam votar em mais de um tema), este recebeu 17 votos, seguindo-se o fundamentalismo do chamado "Estado Islâmico" (já eleito facto internacional de 2014), com sete votos. 

Apenas dois outros acontecimentos de 2015 receberam votos solitários: o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos e a possível cura contra o cancro realizada por investigadores da Universidade de Copenhaga. Boas notícias que infelizmente não bastaram para ofuscar as más.

 

Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks

Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe

Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria

Facto internacional de 2014: o terror do "Estado Islâmico"

 

Figuras internacionais de 2015

Pedro Correia, 02.01.16

   

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ANGELA MERKEL e AUNG SAN SUU KYI

 

Duas mulheres foram eleitas Figuras Internacionais do ano pelo DELITO DE OPINIÃO: a chanceler alemã Angela Merkel (que já tinha sido escolhida em 2010 e 2011) e a Nobel da Paz birmanesa Aung San Suu Kyi.

A primeira, entre outros motivos, por ter enfrentado sectores alargados da opinião pública germânica que se opõem à entrada de refugiados no país: a Alemanha recebeu já cerca de um milhão, liderando de longe os países europeus no acolhimento aos desalojados do Médio Oriente e do Magrebe que fogem a zonas de guerra e à pobreza económica.

A segunda por ter conduzido a sua Liga Nacional para a Democracia a uma indiscutível vitória nas urnas, com 77% dos votos nas legislativas de Novembro, pondo fim a mais de meio século de ditadura militar na Birmânia. Uma luta em que se envolveu sempre por métodos pacíficos e lhe valeu mais de vinte anos em regime de prisão domiciliária.

 

Como é costume nestas votações anuais, as opiniões dividiram-se bastante. Merkel e Aung receberam cinco votos cada dos 23 participantes neste escrutínio, que podiam votar em mais de um nome.

Com três votos ficaram o ex-ministro grego das Finanças, Yannis Varoufakis (de quem muitos já mal se recordam nestes tempos tão voláteis) e Aylan Kurdi, o menino curdo de três anos que morreu por afogamento quando acompanhava o pai, entre outros refugiados oriundos da Síria, em demanda de uma praia turca. A dramática fotografia da criança morta deu a volta ao mundo.

Com dois votos ficou o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras, muito mencionado nas notícias do início de 2015 mas que foi perdendo destaque ao longo do ano.

Depois houve votos solitários dispersos por diversas figuras: o Papa Francisco (eleito pelo DELITO nos dois anos anteriores), Barack Obama, Donald Trump, Marine Le Pen, o lider nacionalista polaco Jaroslaw Kaczyński, o refugiado sírio Laith Majid (cuja imagem de lágrimas nos olhos, com o filho ao colo, também deu a volta ao mundo), Nicolas Catinat (assassinado no Bataclan, a 13 de Novembro, depois de ter servido de escudo humano numa atitude heróica) e o Quarteto para o Diálogo Nacional na Tunísia (galardoado com o Nobel da Paz 2015).

 

Figuras internacionais de 2010: Angela Merkel e Julian Assange

Figura internacional de 2011: Angela Merkel 

Figura internacional de 2013: Papa Francisco

Figura internacional de 2014: Papa Francisco

 

Frase internacional de 2014

Pedro Correia, 14.01.15

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«Somos todos americanos.»

Barack Obama

(eleita por maioria, pelo DELITO DE OPINIÃO)

 

Também mereceu destaque esta frase:

Papa Francisco

.................................................................. 

 

Frase internacional de 2013: «Uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo.» 

Facto internacional de 2014

Pedro Correia, 05.01.15

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O TERROR DO "ESTADO ISLÂMICO"

Foi um ano de muitas notícias marcantes a nível mundial. Mas, na opinião dos autores do DELITO (13 votos em 26), nenhuma mereceu tanto destaque como o aparecimento de uma nova organização terrorista, autodenominada "Estado Islâmico", que numa proclamação datada de 29 de Junho de 2014 se afirmou apostada em instaurar um califado mundial. Foi, para nós, o facto internacional do ano.

Sob a bandeira do islamismo radical sunita, esta organização não tardou a espalhar o terror em vastas áreas do Médio Oriente - com destaque para Iraque e Síria - e no leste da Líbia, causando milhares de vítimas entre as minorias étnicas e religiosas A ONU acusa-a de violações sistemáticas dos direitos fundamentais. A Amnistia Internacional aponta-a como responsável de "limpezas étnicas a uma escala inédita" na região.

Durante o segundo semestre do ano, transformou a decapitação de prisioneiros num macabro cartão de visita propiciando chocantes imagens que deram a volta ao mundo, nomeadamente o assassínio dos jornalistas norte-americanos James Foley e Steven Sotloff, do activista pelos direitos humanos britânico David Haines e do guia turístico francês Hervé Gourdel.

Cerca de 60 países estão envolvidos, directa ou indirectamente, no combate a este movimento terrorista que promete causar muito mais vítimas em 2015.

 

O segundo facto internacional de 2014 mais votado foi a guerra na Ucrânia, que se arrastou desde o primeiro trimestre, com Moscovo a estimular o separatismo nas províncias orientais do país. Igual relevo mereceu o descongelamento das relações Cuba-EUA, já muito perto do fim do ano, após mais de cinco décadas de bloqueio diplomático entre Washington e Havana.

anexação da Crimeia pela Rússia foi outro facto que justificou destaque. Havendo ainda votos isolados para a explosão de gás e petróleo de xisto, o bem-sucedido processo eleitoral na Tunísia e o fenómeno dos banhos de água popularizados nas redes sociais durante o Verão.

 

Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks

Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe

Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria