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Delito de Opinião

O estado da Nação.

Luís Menezes Leitão, 06.11.16

Se há coisa que demonstra bem o estado a que este país chegou é esta revelação da troca de e-mails entre Sua Excelência, o Senhor Ministro da Educação, e Sua Excelência, o Senhor Secretário de Estado da Juventude e Desportos. Descontamos a zanga de comadres que está na base da divulgação destes e-mails. Está em causa algo de muito mais profundo: a forma como neste país se compõem os gabinetes dos Ministros e dos Secretários de Estado e as relações entre eles.

 

Ficámos assim a saber que os Secretários de Estado são impostos aos Ministros pelo Primeiro-Ministro, não sendo aqueles livres de escolher a equipa do seu Ministério. É natural assim que os Ministros vejam com maus olhos estes "ajudantes de Ministros", na imortal expressão de Cavaco Silva. Mas há uma forma de os controlar: é intervir na escolha dos membros do seu gabinete. Assim, no governo de Portugal, um Secretário de Estado não tem sequer autonomia para escolher o seu chefe de gabinete, que lhe é imposto pelo Ministro, e por isso até passa mais tempo no gabinete do Ministro do que no gabinete do seu Secretário de Estado, que por acaso até chefia. Mas o Ministro, que por acaso até é independente, também escolhe o referido chefe de gabinete do Secretário de Estado, pedindo indicações ao partido, não sendo assim de estranhar que lhe tenha saído na rifa alguém que nem sequer tinha as licenciaturas apregoadas.

 

Daqui resulta que as relações entre Sua Excelência, o Senhor Ministro, e Sua Excelência, o Senhor Secretário de Estado, sejam um mimo. Sua Excelência, o Senhor Ministro, dirige um e-mail a Sua Excelência, o Senhor Secretário de Estado, tratando-o por "João", perguntando-lhe sobre as férias que teria autorizado em relação a um membro do seu gabinete, e transmitindo-lhe uma ordem relativamente aos outros membros do seu gabinete. E Sua Excelência, o Senhor Secretário de Estado, tem que pedir autorização a Sua Excelência, o Senhor Ministro, para demitir o seu próprio chefe de gabinete. Cabe perguntar afinal qual a razão por que alguém aceita assumir uma Secretaria de Estado nessas condições.

 

E quanto às qualificações para os cargos no Ministério da Educação, estamos conversados. O chefe de gabinete não tinha as licenciaturas apregoadas, mas o Ministro da Educação, que pelos vistos até desconhece o currículo das pessoas que chama para o gabinete do seu Secretário de Estado, consegue escrever um e-mail com a expressão "a cônjuge". De facto, continua muito actual o que Eça de Queiroz escreveu na sua obra Os Maias sobre os oficiais superiores da Instrução Pública.

Prazeres de Canelas

Rui Rocha, 17.11.14

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Prazeres sai da casa caiada na Rua do Frengo exactamente 30 minutos antes do início da missa. O nevoeiro da manhã esbate o contorno da sua silhueta austera que se move, em passos ligeiros, sobre o chão empedrado das ruelas do centro de Canelas. Veste-se sempre de forma modesta e decente. Mais ainda ao Domingo. A saia tapa o joelho e um pouco mais. A camisolinha de malha comprada na feira de Espinho cobre os braços e a parte de baixo do pesoço. Os sapatos são rasos, como devem ser. Não ambicioneis coisas altas, mas acomadai-vos às humildes, lera nas Escrituras. Dobra a última esquina antes de avistar a Igreja. Olha, como sempre faz, para a Rua do Padre Costa que se desenha à sua esquerda. Um santo, o Padre Costa. Merecia outro reconhecimento. Prazeres não consegue reprimir um suspiro que contém, na sua imensa fragilidade, uma infinita piedade por todas as malfeitorias sofridas, aqui, agora e sempre, pelos justos da Igreja. Retoma imediatamente a compostura. O dia não está para desfalecimentos. Apressa o passo apesar dos cansaços que lhe desafiam os movimentos. As camisolas pretas tinham dado mais trabalho do que previra. O mais difícil fora escolher frase. De tantas que lhe vieram à cabeça, Deus quis que acabasse por escolher aquela: Cristo foi traído – Quem o traiu retirou as consequências.  Direitinha ao Bispo do Porto: pega lá que já almoçastes. E o ensaio dos cantos… Minha Nossa Senhora! Mas, no final, a Laida, a Tona, a neta do Tobias e a Micas tinham decorado as falas: Peço-vos perdão pelos que não crêem, não adoram, não esperam e não amam. Os dados estão lançados. Vão ficar com as orelhas a arder, os vendidos que forem à missa. Quando chega ao adro da Igreja faltam dez minutos para a homilia. Um olhar em redor confirma que já lá estão os que devem estar. Com gestos rápidos, abre o saco de ginástica da Puma e distribui as camisolas. As do coro ensaiado também já estão prontinhas. A tensão sobe enquanto o nevoeiro se dissipa. Dois minutos depois, o gajo chega. Acompanhado pela GNR, todo borrado de medo mas a dar ares de galifão. Os vendidos entraram na Igreja a passo. Deus lhes perdoe. Ouvem-se vozes, afinadas e pias, em cântico: Peço-vos perdão pelos que não crêem, não adoram, não esperam e não amam. As camisolas já vestidas nos corpos dos que, na primeira fila, gritam e empurram. Prazeres sorri. Um trabalho bem feito. O melhor ainda está para vir. Não perdes pela demora galifão. Quarenta e cinco minutos depois, termina a missa. As mesmas camisolas, os mesmos cânticos. O padreca tenta sair, escoltado pela GNR. Prazeres vai buscar forças não sabe a que santo e grita-lhe com quantas forças o Senhor lhe dá: badalhoco, tem apresentação, corta o cabelo e a barba! A pequena cruz com um Cristo que traz ao peito salta e faz-lhe um lanho no pescoço. O padreca desaparece do adro no carro onde foi metido à pressa pela GNR. O resto do Domingo passa-se do jeito que Deus quer, interrompido aqui e ali pelo regozijo provocado pelas imagens do triunfo sobre o padre Albino que passam nos telejornais da RTP. O relógio da igreja bate as 10 da noite. Prazeres apressa de forma quase imperceptível as orações. Depois de assegurar que a porta do único quarto de cama da casa onde vive sozinha está fechada, dirige-se ao roupeiro onde guarda uma pequena caixa escondida num fundo falso de uma gaveta. Afasta o rosário que trouxe de uma viagem da paróquia à Terra Santa e, enquanto aconchega contra o peito uma fotografia do padre Roberto, murmura com a voz a tremer: ah meu sacana, que ainda me fazes perder...

Quanto vale um insulto?

Rui Rocha, 13.06.13

Não sei se vos acontece o mesmo, mas a verdade é que procurei informar-me na televisão, nos jornais e nos blogues e continuo sem perceber exactamente o que se passou. E não, não me refiro à questão do pagamentos do subsídio de férias. Confesso que quanto a isso também cheguei a estar baralhado com aquela coisa do não há dinheiro que passou depois a há dinheiro mas a lei foi revogada pelo acórdão que tinha um parágrafo que colocava em vigor uma alínea de um decreto que suspendeu a vigência de já não sei bem o quê. Foi precisamente nesta parte do já não sei bem o quê que se fez luz no meu espírito: balelas! O pagamento do subsídio está dependente é do estado do tempo. O ministro Gaspar já explicou isto muito bem explicado a propósito do investimento. Se estiver bom tempo, o estado paga. Se chover, nada feito. O problema é que os franceses previram, há não muitos dias, que este Verão vai ser frio e chuvoso. E o ministro Gaspar não quer incorrer em qualquer tipo de precipitação. O certo é que já tínhamos a chuva molha-tolos. Agora temos ainda o tipo de explicação que também só os molha a eles. De qualquer forma, aos funcionários públicos só resta aguardar. Enquanto o ministro Gaspar vai ver se chove. Longe vão os tempos em que as remunerações eram postas à disposição dos seus destinatários de acordo com um ciclo pré-definido de pagamentos. Agora está tudo indexado ao ciclo da água. A verdade é que a este nível está tudo clarinho como... pois, adiante. E adiante para dizer que aquilo que realmente ainda não percebi é aquela coisa do insulto ao presidente. De entre todas as versões disponíveis, fico-me pela do I, até porque algum dia o I teria de servir para alguma coisa que não fosse apenas manter a Ana Sá Lopes ocupada e impedida de ir ao cabeleireiro. Ora, de acordo com o I, o Tribunal de Elvas terá dado como provado que Carlos Costal terá proferido insultos contra o chefe de Estado, tendo dito que Cavaco Silva era "malandro" e que devia ir "trabalhar". "Gatuno", "chulo" e "ladrão" foram outros dos qualificativos que o arguido procurou atribuir ao Presidente. Por tudo isto, a multa aplicada foi de 1300€. Confesso que, à primeira vista, não me parece muito. Vamos lá ver. É preciso ter em conta que se trata do mais alto magistrado  da nação, caramba (a propósito, talvez esteja na altura de abandonar este tipo de designação porque com a sorte que temos um dia o Marques Mendes ainda chega a Presidente e depois vai ser o caraças para descalçar a bota). E depois, foram 5 (cinco) insultos. Assim numa conta rápida, à moda do ministro Gaspar, sai a coisa a pouco mais de 200€ por cada um. Se isto é assim, quanto será para um deputado? Quanto custará, por exemplo, chamar nórdico ao Carlos Abreu Amorim? Deve sair baratíssimo, não é? Note-se que a coima por fumar em recintos fechados pode ascender a 750€. E que a de circular com velocidade entre 90 e 120km/hora fora das localidades pode chegar aos 300€. Ora, por muito que um tipo goste de fumar ou de carregar no pedal, digo que não deve dar o mesmo gozo. E, se quisermos ter uma ideia deste tipo de situação lá fora, basta termos presente que o cidadão espanhol Amadeo Martínez Inglés, militar retirado, foi condenado a pagar uma multa de 6.480€ por se ter referido a D. Juan Carlos como “último representante en España de la banda de borrachos, puteros, idiotas, descerebrados, cabrones, ninfómanas, vagos y maleantes”. Isto é, coisa de oito insultos que saem à razão de 800€ cada um. E ainda há quem diga que a vida é mais barata em Espanha. Em todo o caso, há aspectos em que não me sinto suficientemente esclarecido. A medida da multa é mesmo determinada à peça? Existe uma bandeirada mínima? Há insultos mais caros de que outros? Isto é, "gatuno" e "malandro" valem o mesmo? A partir de determinado número de insultos o preço mantém-se? É que se for assim, já estão a ver o potencial que isto tem... Imagine-se, por exemplo, que a partir de 10 insultos não se paga mais. Assim tipo 1500€ por 10 insultos e daí em diante bar aberto... Ora tudo isto são pontos que é urgente esclarecer. É que, para além do mais, estão a chegar as férias e um tipo tem de ter dados que lhe permitam escolher entre ir passar uns dias ao parque de campismo da Caparica ou, por uma vez, ter um gosto na vida.

Ai procuras trabalho... e um BMzito, não vai?

Gui Abreu de Lima, 13.11.12

Nem vou investigar, até porque nada me admira quando se trata de marketing em terras lusas (e aqui entre nós, não meto nariz na vida dos 'boches'), mas ao que parece, quem se regista no "maior site de emprego em Portugal", habilita-se a receber na caixa de correio, a "oferta" infra.

Vejam e digam-me se não depreendem, como eu, que os anunciantes têm acesso à base de dados dos utilizadores. Será possível? E quem anda à procura de trabalho, constitui o universo que interessa à BMW?! Coisa estranha...

 

De: BMW <ofertas@net-empregos.com>
Data: 12 de Novembro de 2012 20:09
Assunto: Conheça todas as vantagens BMW Premium Selection
Para: jose neto


 

Exmo.(a) Sr.(a) jose neto
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SAIBA MAIS

 

Tocando o hino errado.

Luís Menezes Leitão, 16.07.12

 

A propósito deste caso relatado pelo Rui Rocha, chamaram-me a atenção para outro episódio: a paródia de Borat ao hino do Cazaquistão foi tocada numa competição oficial. Mas ao contrário dos espanhóis, que se recusaram a perfilar-se a ouvir o hino português, a atleta cazaque perfilou-se solenemente a ouvir essa paródia. Assim é que deve ser. Whatever happens, the show must go on!

 

A notícia pode ler-se aqui e o verdadeiro hino do Cazaquistão surge abaixo: