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Delito de Opinião

O Preço do Azeite

jpt, 01.08.23

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Na passada semana, durante um aprazível almoço, um bom amigo, homem avisado das coisas do mundo avisou "é melhor comprarem azeite, que ainda vai aumentar mais, e muito", coisas da parca colheita. Atendendo ao estertor em que as minhas garrafas estavam - e ao Agosto mais culinário que me espera - fui agora à "grande superfície", sempre Lidl, abastecer-me do frugal rancho que me cabe mas também de me reforçar do dito azeite. Daquele básico, baratucho, claro. Já não devia comprar há uns tempos, talvez desde Março ou assim, dadas as andanças que tenho tido. Fiquei estupefacto. Boquiaberto. Melhor dizendo, transido! Se não dobrou de preço para lá caminha....
 
Regressei de mãos a abanar. Na expectativa de ir aos rivais, em busca de uma qualquer "promoção" azeiteira, para poupar uns euros para o tabaco. Ou então, logo pensei, passarei a fazer os estrugidos com Queen Margot, que esse ao menos quase não encarece.
 
(Deixei este postal, mais pessoal, no Nenhures. Mas a simpática equipa do nosso anfitrião SAPO deu-lhe um agradável Destaque, nisso acalentando-me a trazê-lo também para o Delito...)

O que diz Alexandra Leitão

Pedro Correia, 21.03.23

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Parecem frases de alguém da oposição, mas foram proferidas por uma deputada socialista: Alexandra Leitão. Anteontem, domingo à noite, naquele programa de debate da CNN Portugal onde também surge José Pacheco Pereira, incapaz de esboçar uma criticazinha que seja ao seu amigo António Costa. Ele lá saberá porquê.

 

O que diz Alexandra Leitão?

Isto:

«O que temos claramente é uma situação em que quem parece contribuir para a inflação é quem compra. Ou seja, aqueles que vivem essencialmente do seu trabalho e estão há muitos meses a perder poder real de compra.»

«O que me preocupa é estarmos numa situação em que os preços da alimentação continuam a crescer a um ritmo muito superior à inflação média. As pessoas sentem cada vez mais necessidade em adquirir [apenas] o cabaz básico. Os salários em Portugal cresceram só 1,1% no último trimestre, isto significa que temos hoje menos justiça social do que há um ano.»

«Se há mais arrecadação fiscal, se também pelo lado da oferta o Estado tem vantagens com este aumento da inflação, então os salários deviam começar a aumentar.»

 

Felizmente há vozes lúcidas no PS. Esta é uma delas.

Anntónio Costa deve detestar ouvi-la. Mais um motivo para eu a apreciar.

Ética e responsabilidade social dos grandes comerciantes

jpt, 16.03.23

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Há dias aqui deixei um postal no qual, para além de saudar a excelência das minhas virtudes na análise económica e das concomitantes capacidades de estabelecer acertadas previsões do fenómenos económicos, referi a problemática da comercialização dos produtos alimentares (e adjacentes itens de consumo doméstico). Aí fiz constar do meu desconforto com a actual convocatória (em formato lamento) a uma putativa "ética" das grandes empresas comerciais face à dolorosa inflação que vimos sentindo (à excepção do primeiro-ministro António Costa, infelizmente menos dotado para a observação e a análise económica do que eu próprio o sou). 

Ainda assim realcei que a "responsabilidade social empresarial" não é completamente exógena às práticas de alguns nichos comerciais. E nisso, mais uma vez, salientei que a "cadeia comercial" Lidl vem assumindo, decerto que com custos próprios, uma política comercial que procura minorar as angústias dos seus clientes, nisso promovendo a paz social, algo comprovado com a extrema contenção dos aumentos que tem colocado no seu recomendável uísque "Queen Margot" - e talvez por isso vem a Lidl sedimentando a simpatia que os consumidores portugueses lhe dedicam, como se pode comprovar na ascensão da sua quota de mercado.

Face à minha argumentação logo recebi de um atento leitor do Delito de Opinião um simpático comentário, imprescindível contributo reforçando o meu argumento: esta fotografia com uma legenda "Ontem, no Porto"...

Cebolagate

Paulo Sousa, 13.03.23

Há dias chegou-me à mão a publicação “Ecos do Século XX – Distrito de Leiria” editada pelo Jornal de Leiria. É um documento de grande importância histórica e que já vai sendo difícil de encontrar. Foi publicado em fascículos, um por cada década, ao longo do ano 2000.

A sua elaboração foi o resultado do trabalho do jornalista Damião Leonel, desaparecido há pouco tempo, e que foi ele próprio uma personagem invulgar e merecedora de ser lembrada.

Numa das páginas, dedicadas ao ano 1919, surge a seguinte nota:

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Em tempos de crise, a inflação e o açambarcamento de víveres, com ou sem falcatruas de variada ordem, são fenómenos antigos. O estado, na notícia corporizado pela Câmara Municipal, intervém para salvaguardar o interesse público e limitar os prevaricadores. O público concorda e revê-se nas medidas contra os abusos. É também para isso que o Estado existe e, sim senhor, fizeram muito bem.

Regressando à actualidade, soubemos pelas notícias que as fiscalizações da ASAE detectaram, por exemplo na cebola, margens de lucro superiores a 50%. Perante tal ignomínia, dei por mim a questionar-me sobre os valores que estavam em causa.

Olhando para os preços praticados por um distribuidor de referência, calculei um preço médio de venda ao público da cebola de 2,40€/kg.

O primeiro valor de média que obtive era bem superior e por isso excluí do cálculo as referências mais caras, por estimar que tenham menor peso no consumo global. Só por aqui já se poderia classificar o método a que recorri de diversas formas, mas nenhuma onde a palavra "rigor" pudesse fazer parte. Mas, adiante.

Ora:

Quando falamos num preço de venda do público (PVP) de 2,40€, estamos a falar em 2,264€ de mercadoria, acrescido de 6% de IVA.

Se 2,264€ é o PVP sem iva e se este valor resulta de uma margem comercial do 50%, podemos calcular que o custo de aquisição da cebola para o supermercado é de 1,509€.

Não nos podemos esquecer que, tal como acontece em todos os produtos hortícolas, a cebola é um produto perecível, e por isso os quilogramas adquiridos pelos supermercados não são exactamente os mesmos quilogramas vendidos. Existe desperdício e isso tem de ser considerado.

Então qual seria a margem de lucro aceitável para a distribuição? Considerando o já referido desperdício e assegurando o normal funcionamento do estabelecimento, arrisco que uma margem razoável ronde os 30%.

Existe quem não aceite que possa haver lucro, quem pense que os supermercados não têm de pagar salários, electricidade, água, seguros, limpeza e higiene, não têm de cumprir as exigência imposta pelas normas HCCP, não têm de dar formação obrigatória aos funcionários, não têm de disponibilizar equipamentos individuais de protecção, de pagar taxas e licenças variadas (i.e. licença paga à SPAutores pela música ambiente), de suportar manutenção de equipamentos de frio, de elevadores, de equipamentos de carga, todo isto acrescido de impostos vários e derrama. Esta não é uma lista exaustiva pois estou certamente a deixar para trás muitas parcelas de despesas operacionais de um supermercado.

Para os mais desligados destes cálculos, os naïfs que por ignorância e alienação acham que a abundância nas prateleiras resulta de uma ordem sobrenatural inabalável, para esses, e com uma risada de escárnio, designarei estes 30% com Margem Moral Máxima – MMM. É uma boa sigla que merecia passar a constar nos manuais de micro-economia.

Assim temos:

Preço de custo da cebola: 1,509€/Kg

Preço MMM: 1,962€/Kg

Preço verificado: 2,264€

E assim chegamos a uma diferença entre o preço moralmente aceitável e a realidade de 0,302€/Kg.

Consideremos então os dados divulgados pelo COTHN Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional, o consumo médio anual de cebola em Portugal é de 13Kg/per capita.

Assim teremos:

13kg/per capita x 10 milhões habitantes = 130 000 000 kg

Valor do escândalo do preço da cebola, o cebolagate = 39,26 M€.

Importa referir que no ponto de vista da AT existe ainda outra diferença:

Iva arrecadado aplicando a MMM: 15,3 M€

Iva arrecadado com o preço verificado: 17,66 M€ (= receita fiscal adicional de 2,36 M€)

Total desembolsado a mais pelos consumidores = 39,26 M€ + 2,36 M€ = 41,62 M€. (4,162 €/per capita)

Termino assim comparando estes escandalosos e inaceitáveis valores com um “aceitável investimento”.

- O escândalo da cebola custa a cada português 4,162 €.

- O "investimento estratégico" “não reembolsável” na companhia das caravelas portuguesas do século XXI custa a cada português 340€.

Os responsáveis pelo referido "investimento estratégico", muito se alegrarão que o cebolagate tenha o máximo de atenção possível.

Adenda:

Entretanto, e a partir dos relatórios de contas da Sonae (Modelo e Continente) e da Jerónimo Martins (Pingo Doce e Recheio), divulgados numa notícia do Jornal Eco, podemos observar que estes dois operadores do mercado de distribuição alimentar reduziram as suas margens de lucro nos últimos anos.

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Gráfico: Jornal Eco

Destaco ainda o seguinte excerto:

"Fica apenas a faltar nesta equação o Estado, que atua no mercado através da carga fiscal que aplica sobre os bens de consumo através do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). E de todos os intervenientes na cadeia de valor, o Estado foi o único que não fez qualquer alteração na sua margem de lucro:não baixou nem reviu o IVA sobre os bens alimentares básicos, como fez Espanha, nem parece ter intenção de o fazer. E o resultado da inação por parte do Estado é bem visível nas suas contas."

Ainda sobre este assunto, termino com a recomendação do programa Conta-Corrente, que mereceu o título: "ASAE não foi fiscalizar preços, foi fazer política".