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Parecem frases de alguém da oposição, mas foram proferidas por uma deputada socialista: Alexandra Leitão. Anteontem, domingo à noite, naquele programa de debate da CNN Portugal onde também surge José Pacheco Pereira, incapaz de esboçar uma criticazinha que seja ao seu amigo António Costa. Ele lá saberá porquê.
O que diz Alexandra Leitão?
Isto:
«O que temos claramente é uma situação em que quem parece contribuir para a inflação é quem compra. Ou seja, aqueles que vivem essencialmente do seu trabalho e estão há muitos meses a perder poder real de compra.»
«O que me preocupa é estarmos numa situação em que os preços da alimentação continuam a crescer a um ritmo muito superior à inflação média. As pessoas sentem cada vez mais necessidade em adquirir [apenas] o cabaz básico. Os salários em Portugal cresceram só 1,1% no último trimestre, isto significa que temos hoje menos justiça social do que há um ano.»
«Se há mais arrecadação fiscal, se também pelo lado da oferta o Estado tem vantagens com este aumento da inflação, então os salários deviam começar a aumentar.»
Felizmente há vozes lúcidas no PS. Esta é uma delas.
Anntónio Costa deve detestar ouvi-la. Mais um motivo para eu a apreciar.
Há dias aqui deixei um postal no qual, para além de saudar a excelência das minhas virtudes na análise económica e das concomitantes capacidades de estabelecer acertadas previsões do fenómenos económicos, referi a problemática da comercialização dos produtos alimentares (e adjacentes itens de consumo doméstico). Aí fiz constar do meu desconforto com a actual convocatória (em formato lamento) a uma putativa "ética" das grandes empresas comerciais face à dolorosa inflação que vimos sentindo (à excepção do primeiro-ministro António Costa, infelizmente menos dotado para a observação e a análise económica do que eu próprio o sou).
Ainda assim realcei que a "responsabilidade social empresarial" não é completamente exógena às práticas de alguns nichos comerciais. E nisso, mais uma vez, salientei que a "cadeia comercial" Lidl vem assumindo, decerto que com custos próprios, uma política comercial que procura minorar as angústias dos seus clientes, nisso promovendo a paz social, algo comprovado com a extrema contenção dos aumentos que tem colocado no seu recomendável uísque "Queen Margot" - e talvez por isso vem a Lidl sedimentando a simpatia que os consumidores portugueses lhe dedicam, como se pode comprovar na ascensão da sua quota de mercado.
Face à minha argumentação logo recebi de um atento leitor do Delito de Opinião um simpático comentário, imprescindível contributo reforçando o meu argumento: esta fotografia com uma legenda "Ontem, no Porto"...
António Costa, 22 de Abril de 2022
Há dias chegou-me à mão a publicação “Ecos do Século XX – Distrito de Leiria” editada pelo Jornal de Leiria. É um documento de grande importância histórica e que já vai sendo difícil de encontrar. Foi publicado em fascículos, um por cada década, ao longo do ano 2000.
A sua elaboração foi o resultado do trabalho do jornalista Damião Leonel, desaparecido há pouco tempo, e que foi ele próprio uma personagem invulgar e merecedora de ser lembrada.
Numa das páginas, dedicadas ao ano 1919, surge a seguinte nota:
Em tempos de crise, a inflação e o açambarcamento de víveres, com ou sem falcatruas de variada ordem, são fenómenos antigos. O estado, na notícia corporizado pela Câmara Municipal, intervém para salvaguardar o interesse público e limitar os prevaricadores. O público concorda e revê-se nas medidas contra os abusos. É também para isso que o Estado existe e, sim senhor, fizeram muito bem.
Regressando à actualidade, soubemos pelas notícias que as fiscalizações da ASAE detectaram, por exemplo na cebola, margens de lucro superiores a 50%. Perante tal ignomínia, dei por mim a questionar-me sobre os valores que estavam em causa.
Olhando para os preços praticados por um distribuidor de referência, calculei um preço médio de venda ao público da cebola de 2,40€/kg.
O primeiro valor de média que obtive era bem superior e por isso excluí do cálculo as referências mais caras, por estimar que tenham menor peso no consumo global. Só por aqui já se poderia classificar o método a que recorri de diversas formas, mas nenhuma onde a palavra "rigor" pudesse fazer parte. Mas, adiante.
Ora:
Quando falamos num preço de venda do público (PVP) de 2,40€, estamos a falar em 2,264€ de mercadoria, acrescido de 6% de IVA.
Se 2,264€ é o PVP sem iva e se este valor resulta de uma margem comercial do 50%, podemos calcular que o custo de aquisição da cebola para o supermercado é de 1,509€.
Não nos podemos esquecer que, tal como acontece em todos os produtos hortícolas, a cebola é um produto perecível, e por isso os quilogramas adquiridos pelos supermercados não são exactamente os mesmos quilogramas vendidos. Existe desperdício e isso tem de ser considerado.
Então qual seria a margem de lucro aceitável para a distribuição? Considerando o já referido desperdício e assegurando o normal funcionamento do estabelecimento, arrisco que uma margem razoável ronde os 30%.
Existe quem não aceite que possa haver lucro, quem pense que os supermercados não têm de pagar salários, electricidade, água, seguros, limpeza e higiene, não têm de cumprir as exigência imposta pelas normas HCCP, não têm de dar formação obrigatória aos funcionários, não têm de disponibilizar equipamentos individuais de protecção, de pagar taxas e licenças variadas (i.e. licença paga à SPAutores pela música ambiente), de suportar manutenção de equipamentos de frio, de elevadores, de equipamentos de carga, todo isto acrescido de impostos vários e derrama. Esta não é uma lista exaustiva pois estou certamente a deixar para trás muitas parcelas de despesas operacionais de um supermercado.
Para os mais desligados destes cálculos, os naïfs que por ignorância e alienação acham que a abundância nas prateleiras resulta de uma ordem sobrenatural inabalável, para esses, e com uma risada de escárnio, designarei estes 30% com Margem Moral Máxima – MMM. É uma boa sigla que merecia passar a constar nos manuais de micro-economia.
Assim temos:
Preço de custo da cebola: 1,509€/Kg
Preço MMM: 1,962€/Kg
Preço verificado: 2,264€
E assim chegamos a uma diferença entre o preço moralmente aceitável e a realidade de 0,302€/Kg.
Consideremos então os dados divulgados pelo COTHN – Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional, o consumo médio anual de cebola em Portugal é de 13Kg/per capita.
Assim teremos:
13kg/per capita x 10 milhões habitantes = 130 000 000 kg
Valor do escândalo do preço da cebola, o cebolagate = 39,26 M€.
Importa referir que no ponto de vista da AT existe ainda outra diferença:
Iva arrecadado aplicando a MMM: 15,3 M€
Iva arrecadado com o preço verificado: 17,66 M€ (= receita fiscal adicional de 2,36 M€)
Total desembolsado a mais pelos consumidores = 39,26 M€ + 2,36 M€ = 41,62 M€. (4,162 €/per capita)
Termino assim comparando estes escandalosos e inaceitáveis valores com um “aceitável investimento”.
- O escândalo da cebola custa a cada português 4,162 €.
- O "investimento estratégico" “não reembolsável” na companhia das caravelas portuguesas do século XXI custa a cada português 340€.
Os responsáveis pelo referido "investimento estratégico", muito se alegrarão que o cebolagate tenha o máximo de atenção possível.
Adenda:
Entretanto, e a partir dos relatórios de contas da Sonae (Modelo e Continente) e da Jerónimo Martins (Pingo Doce e Recheio), divulgados numa notícia do Jornal Eco, podemos observar que estes dois operadores do mercado de distribuição alimentar reduziram as suas margens de lucro nos últimos anos.
Gráfico: Jornal Eco
Destaco ainda o seguinte excerto:
"Fica apenas a faltar nesta equação o Estado, que atua no mercado através da carga fiscal que aplica sobre os bens de consumo através do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). E de todos os intervenientes na cadeia de valor, o Estado foi o único que não fez qualquer alteração na sua margem de lucro:não baixou nem reviu o IVA sobre os bens alimentares básicos, como fez Espanha, nem parece ter intenção de o fazer. E o resultado da inação por parte do Estado é bem visível nas suas contas."
Ainda sobre este assunto, termino com a recomendação do programa Conta-Corrente, que mereceu o título: "ASAE não foi fiscalizar preços, foi fazer política".