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Delito de Opinião

Grande bruto!

Paulo Sousa, 20.11.24

Há dias lembrei-me de uma história contada numa aula por um professor meu de Educação Visual. Acho que nesse ano a disciplina de Desenho já tinha esse nome. Ele era um excelente contador de histórias, tão bom que transformava qualquer estória numa bela história. Por isso, o que naquele dia nos relatou foi a mais pura das verdades.

O episódio passou-se numa sala de tribunal, durante um julgamento em que o réu era acusado de homicídio na forma tentada. Segundo os autos, a vítima foi socorrida quando se encontrava deitada no chão do café do bairro, com duas facadas no abdómen. Após vários dias passados com um pé cá, outro lá, esteve mesmo para marchar, lá arrebitou poupando assim o réu de uma acusação mais gravosa.

Os testemunhos recolhidos de entre quem assistiu ao episódio, o dono e mais dois clientes do café, não eram coincidentes. O que passou a pertencer à memória colectiva do bairro foi a explicação do ocorrido pela boca do acusado. E foi qualquer coisa como isto:

“Oh senhor doutor Juiz, nem queira saber! Estava eu a preparar-me para limpar as unhas com a ponta do canivete, até o tinha afiado há pouco tempo, quando o Zé se sentou na minha mesa. Eu disse-lhe logo: Oh Zé, tu tem cuidado, não te chegues aqui que afiei ontem a navalha. E cuida o senhor doutor Juiz que ele ligou alguma coisa ao que eu disse? Nada! E eu disse-lhe outra vez: não te chegues aqui Zé, que ainda ontem afiei a navalha. Ainda mal estava a acabar de dizer isto e não é que esse bruto - disse ele sem nunca vacilar na convicção - se mandou para cima da navalha? Eu até gritei: Oh Zé olha que te aleijas, homem de Deus!, mas ele, que toda a vida foi assim, só faz o que lhe carrega, e com um copo ou dois ainda fica pior, mandou-se outra outra vez para cima da navalha. Oh senhor Juiz, veja lá se ele não é um bruto!"

E lembrei-me deste acontecimento porquê? Lembrei-me disto depois de ter ouvido a explicação de Fernando Medina sobre os 48 milhões de euros que o presidente do INEM “lhe pediu” para que os aceitasse e assim os pudesse contabilizar convenientemente na sua Operação Cosmética Especial, que tentava criar a narrativa de que a dívida passara a ser inferior ao PIB. Já aqui postei sobre este tema. Importa lembrar que 48 milhões de euros equivale a cerca de um terço do orçamento anual do INEM. É caso para dizer: “Oh senhor Juiz, veja lá se ele não é um bruto!”