Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Intolerável

Pedro Correia, 07.08.24

É intolerável que vítimas civis e desarmadas de um conflito armado, sejam quem forem, acabem apontadas como "danos colaterais".

Não devemos calar a nossa indignação perante o crime, venha de onde vier. Nem podemos permanecer indiferentes perante o crime, sob pena de nos transformarmos em pequeninos cúmplices dos carrascos. Nem é aceitável adoptarmos a atitude cínica de Estaline, que dizia que «a morte de um indivíduo é uma tragédia e a morte de um milhão de indivíduos é uma estatística».

Importa-me, isso sim, o olhar desprovido de considerandos políticos perante vítimas da violência primária, grotesca, aberrante. Elevámo-nos felizmente acima da condição do nosso antepassado mais remoto, o homem das cavernas, graças ao enorme passo civilizacional representado por esse olhar.

Reciprocidades inconvenientes

Sérgio de Almeida Correia, 10.01.23

WSJ.jpg(WSJ, 05/01/2023)

Há dias, no noticiário da TDM-Rádio, ouvi que a "Liga dos Chineses em Portugal não vê razões para testes de COVID obrigatórios" para quem chega a Portugal. O seu presidente, o simpático e sempre solícito Y Ping Chow, veio logo dizer "que se trata de uma medida política, em muito má hora, nas vésperas das celebrações do Ano Novo Lunar". 

Como estava meio-ensonado àquela hora fiquei na dúvida se o sujeito estava a falar a sério ou a fazer humor.

Confesso que não percebo a sua indignação, tanto mais que não me recordo, ao longo de quase três anos, a ele em Portugal e a muitos outros patriotas, "patriotas" e mercenários acomodados, em Macau, de o ouvir, ainda que ao de leve, criticar as políticas do Governo da RAEM e do Governo Central em matéria de controlo da pandemia. Além do mais, depois de eu próprio ter ficado seriamente limitado na minha liberdade e nos meus direitos ao longo de mais de dois anos e meio.

Perante a situação catastrófica que se vive na China ["Hundreds of millions of people have been infected in the space of just a few weeks, and many experts now expect the death toll to exceed one million. Chinese social media are being flooded with harrowing accounts of personal loss and images of overwhelmed hospitals. While the exact infection and mortality figures are unclear, the big picture is undeniable: the Chinese people are fighting to survive."], com milhões de infectados, com aviões a chegarem à Europa com doentes de Covid e com eventuais variantes que se desconhecem no ar, aquela eminência da comunidade chinesa em Portugal veio a correr dizer que "se trata de uma medida política", quando é certo que a Organização Mundial de Saúde já se queixou da falta de informação das autoridades chinesas, cujos dados, como aliás se tem visto em inúmeras reportagens, não têm correspondência com a realidade.

Também em Macau, de acordo com os relatos da imprensa com base em informações prestadas pela Câmara de Comércio dos Negociantes Funerários de Macau (a morte e a doença sempre foram bons negócios para alguns), o número de mortos é 10 vezes superior ao normal. Curiosamente, com tantos mortos, o número dos que morrem de Covid é ridículo na China continental e em Macau, o que me leva a pensar que se um indivíduo tiver o azar de ir parar a um hospital com uma unha encravada, lá contrair a infecção e depois falecer, as estatísticas dirão que morreu por causa da unha.

No entanto, os países europeus, os Estados Unidos, o Japão, a Coreia do Sul e outros, estão, em geral, apenas a pedir a apresentação de testes negativos e a realizar testes, aleatoriamente, aos passageiros que chegam. Não me parece que isto seja uma medida política e discriminatória em função da nacionalidade ou da etnia. Bem ao contrário do que aconteceu anteriormente, em que os estrangeiros foram simplesmente banidos de entrar na China e em Macau, e os que entravam por aí serem residentes eram obrigados a longas e dispendiosas quarentenas, pagando séries de testes e alojamento em hotéis, durante dezenas de dias, ainda que vacinados e testando sempre negativo à doença, antes, durante e depois de saírem das quarentenas.

Ao longo de todos estes anos, não obstante as medidas draconianas das autoridades de Macau e da China, nunca o senhor Y Ping Chow se manifestou contra as políticas discriminatórias do Governo central e das autoridades da RAEM, podendo até tê-lo feito em Portugal, esquecendo-se que as que agora estão a ser impostas só se devem à falta de transparência e/ou à ausência de informação que é prestada pelas autoridades chinesas.

Podia, igualmente, ter-se questionado sobre as razões – de saúde pública ou políticas – para que seja rejeitada a oferta de vacinas da Europa e dos EUA, quando se sabe que são bem mais eficazes do que as produzidas na sua pátria.

Já se percebeu, e é pena, que nestas alturas falte a algumas pessoas o discernimento – noutras alturas faltar-lhes-á a liberdade e a coragem, sobrando-lhes em hipocrisia, oportunismo e "patriotismo" – para dizerem aquilo que é correcto e justo, rapidamente esquecendo as verdadeiras razões (científicas) e os exemplos recentes, optando antes por se tornarem em megafones da propaganda oficial (que de um momento para outro descobriu que o vírus afinal já não era letal), em vez de adoptar idênticas regras, como a obrigatoriedade da realização de testes PCR antes da chegada ao destino, prefere retaliar suspendendo a emissão de vistos para quem se queira deslocar em turismo ou negócios, medida esta sim claramente desproprocional.

Talvez que se a Europa tivesse anteriormente usado da mesma bitola, ou imposto medidas retaliatórias, o senhor Y Ping Chow agora já não estranhasse a exigência de testes.

Muros

Maria Dulce Fernandes, 05.07.19

BhRqhuiCIAEqkAD.jpg

Muros são sempre limitações, seja quais forem os objectivos a que se propôs o seu construtor. Muros servem para delimitar, para fechar, para prender.

Seja de fora para dentro, como a Grande Muralha da China, a Muralha de Adriano ou a delimitação fronteiriça EUA-México, cujo propósito foi (e ainda é ) manter os invasores e ilegais afastados, ou de dentro para fora, como o Muro de Berlin ou a Safety Wall (irónico o nome...) na Cisjordânia, fortificações que isolam países inteiros e que circunscrevem o espaço e a vida das pessoas que neles habitam.

Depois há os muros das prisões, tantos e tão longos, que postos em linha dariam a volta ao globo terrestre.
O ser humano é o único animal que encarcera outros animais de diferentes espécies; encarcera também o seu semelhante, o bípede homo sapiens. A questão deontológica da aplicação da justiça dos homens nunca há-de ser pacífica nem conforme em igualdade, o que não significa que seja errada.

Deixei para o fim os outros muros, aqueles mais altos, mais fortes,  horrendos e intransponíveis, que são os muros psicológicos da intolerância.

Em pleno século XXI, igualdade de  cor, credo, raça e género continuam sem o reconhecimento que tanto criacionistas como evolucionistas lhes conferiram.

São séculos de segregacionismo, preconceito de género, xenofobia, homofobia, intolerância religiosa, em suma e numa só palavra ignorância, obscena e simples.

A história dos homens tem milhões de páginas que descrevem os horrores, a indignidade,  as atrocidades a que os seres humanos sujeitaram os seus iguais, em nome da pureza da raça, da verdadeira profissão de fé, da ginecofobia machista ou simplesmente da diferença.

A palavra Tolerância: Tolerância para mim é um exercício constante, para que eu possa ser uma pessoa melhor no trato com o meu semelhante,  todos os homens e mulheres de espírito aberto e vontade férrea. Se cada um de nós é um grão de areia no espaço infinito do universo, muitos grão de areia poderão formar o areal por onde poderemos correr em liberdade impolutos de corpo e espírito aos olhos de um  mundo que se quer renovar.

Somos  prisioneiros do preconceito que se manifesta diariamente em tantos aspectos das vidas de todos nós e, mesmo sem nos apercebermos, procuramos incessantemente abrir a gaiola e sair em liberdade, porque a felicidade de todos é a soma da felicidade de cada um.

 

Vamos ficar calados?

Patrícia Reis, 14.05.14

 

"Las ninas por Rosa Montero, hoje no El País

 

Las más de 250 niñas secuestradas en Nigeria desaparecieron el 14 de abril, o sea, hace un mes. Amnistía Internacional acaba de denunciar que el Ejército nigeriano fue advertido del secuestro y que no hizo nada. De hecho, en los primeros días apenas si se dio importancia a la noticia, porque las niñas no llevan petróleo en las tripas, ni diamantes, ni minas de uranio. Luego la cosa empezó a convertirse en un escándalo y los Gobiernos se han visto obligados a actuar. Las niñas fueron raptadas por ir a la escuela. Como Malala. Pero el tiro en la cabeza de Malala es un horror liviano comparado con el destino de estas chicas. Alguna que escapó ha dicho que las violan 15 veces al día y que si se resisten las degüellan. A estas alturas todas tendrán sida, por no hablar de las lesiones físicas y psíquicas, seguramente irreparables.

El miserable que las secuestró lo ha hecho porque podía, porque su entorno propicia y acepta esta violencia. En el norte musulmán de Nigeria la mujer no pinta nada y las niñas son vendidas como ovejas por elevadas dotes. Las secuestradas provenían de familias más abiertas (algunas cristianas), familias que se arriesgaban a enviarlas a la escuela. Al destrozar a sus niñas, están mandando un aviso a la población: todo lo que sea darle a la mujer más consideración que la que se da a una cabra será castigado. Por eso, porque esa violencia atroz forma parte de la violencia habitual, fue por lo que nadie se movió, aparte de los desesperados padres. No sólo hay que rescatar a las niñas ya, también hay que dar un castigo ejemplar a las alimañas que hacen esto y demostrar que no se puede mantener a media población en semejante nivel de abuso y sufrimiento. Me pregunto qué tara feroz, qué oscura patología arrastran algunos varones, para que ese odio delirante hacia la mujer se repita tanto a lo largo de la Historia."

Indignidades

Sérgio de Almeida Correia, 28.11.13

A riqueza nunca me afligiu. Sempre convivi bem com ela mesmo quando tinha muito pouco. Porém, não deixo de pensar sobre o sentido que terá a elaboração dos rankings dos mais ricos, dos mais opulentos, dos mais ostensivos na exibição. O voyeurismo é um passatempo de todos os tempos a que sempre se dedicaram alguns pobres de espírito. Mas num momento como este, que Portugal e uma boa parte do mundo cruzam, em que a pobreza cresce a olhos vistos, em que a imprensa relata casos de crianças que chegam à escola sem pequeno-almoço, e outras ainda nem sequer adolescentes que se limitam a ter uma exígua refeição diária, faz algum sentido anunciar aos quatro ventos, como ainda há dias se dizia na rádio, que a fortuna de 870 milionários portugueses cresceu 715 mil milhões de euros, apesar da crise económica?

Saber, segundo revelava um relatório da UBS, que há mais 85 milionários no meu país devia ser motivo de satisfação. Lamento que não seja esse o caso. As novas teorias da relativização da pobreza substituíram a velha teoria da relatividade. Não sei se alguém saberá hoje qual o quadrado da distância que separará aqueles novos milionários dos novos pobres, nem se existe alguma relação proporcional entre ambas. São equações que me ultrapassam. Saber que os ricos estão mais ricos ou que aumentou o número de milionários só pode ser motivo de satisfação numa sociedade civilizada quando esse crescimento corresponde a um enriquecimento global, a uma diminuição do número de miseráveis, de sem-abrigo e de pobres em geral. Uma sociedade que se compraz a atribuir prémios de mérito a ricos que enriquecem num ambiente de miséria, desconstrução social e desestruturação dos laços de solidariedade em que assenta uma comunidade, é uma sociedade em estado terminal. E não é preciso um tipo chamar-se Mário ou Francisco para percebê-lo. Basta abrir os olhos. A pobreza e a forma como ela cresce em Portugal, perante a indiferença de uma casta de serventuários do poder, é que me aflige e nos torna a todos ainda mais indignos do chão que pisamos.

A Exame e outras revistas e jornais de negócios e de economia deviam dedicar-se à elaboração de rankings dos mais pobres. Deviam dá-los a conhecer, dar-lhes as capas das melhores revistas, o melhor papel, os melhores fotógrafos, o melhor espaço na comunicação social. Essa gente merece. A luta que diariamente travam pela sobrevivência vale mais do que o conforto de qualquer gabinete. E podia ser que dessa forma aparecessem uns quantos "Amorins" para os irem tirando da pobreza.

Uma sociedade que se alheia da pobreza que medra no seu meio está condenada a desaparecer. E temo que o que se siga não seja melhor, porque o problema não se resolve com bancos alimentares. As pessoas ainda sentem. Felizmente.