Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Reflexão do dia

Pedro Correia, 22.08.25

 

«Há muito dinheiro, mas muitíssimo desperdício. Há muitos planos, mas eficácia nula. Há muitos negócios, mas não para quem podia evitar os fogos. (...) Coisas simples podem ser feitas, além das óbvias reparações materiais. Por exemplo. Limpar o que vai ficar de madeira queimada. Impedir a regeneração espontânea de espécies invasoras. Organizar uma reflorestação amiga do ambiente e lucrativa para os proprietários. Apoiar a regularização da propriedade e a respectiva viabilidade económica, dando-lhe escala, por emparcelamento ou associativismo. Enfim, contrariar o abandono, causa de todos os males do interior. Um novo dia pode chegar, depois da noite escura, se a política descer ao terreno.»

Luís Marques, no Expresso

"Populares", repórteres e teleteóricos

Pedro Correia, 22.08.25

images.jpg

 

Meio Portugal continua a arder: cerca de 275 mil hectares calcinados, correspondentes a quase 3% do território nacional.

Vejo imagens do incêndio na Gardunha com um nó na garganta. Imagens que me são familiares desde a infância: Alpedrinha, Castelo Novo, Alcongosta, Souto da Casa, São Vicente da Beira. Dez aldeias do concelho do Fundão ameaçadas. A impotência das pessoas (que alguns repórteres improvisados designam "populares", com indisfarçável desdém classista) perante o macabro anel de fogo que a todo o momento ameaça destruir-lhes os parcos haveres reunidos em décadas de esforço ininterrupto.

No conforto dos estúdios climatizados, legiões de teleteóricos debitam soluções mágicas para este terror que nos assombra Verão após Verão: de repente, os tudólogos tornam-se também especialistas no combate aos incêndios agrícolas e florestais. Enquanto o vedetismo mais desbragado floresce graças ao drama: há os "enviados especiais aos fogos" com direito a apelido em caixa alta, ao encontro dos "populares" que falam português com cerrada pronúncia beirã, levando alguns editores televisivos a legendar o que dizem.

Sinal, entre tantos outros, de que existem dois países dentro do País.

 

Oiço com atenção os repórteres em diferentes canais. Há uma enorme diferença entre os que aterram lá de pára-quedas sem nada saberem e aqueles que têm ligação à terra, à província e à escassa gente que ainda lá mora. Os primeiros nunca ouviram falar num aceiro, numa cumeada, em corta-fogos, em máquinas de arrasto. Não distinguem giesta de tojo nem carvalho de castanheiro. Os segundos sabem tudo isto. E valorizam a intervenção dos aviões Fire Boss no combate ao inferno das chamas no mato deixado ao abandono - anfíbios e versáteis, aterram em pistas curtas, são mais úteis nestas operações do que os Canadairs de que tanto se fala a propósito ou despropósito.

Se há jornalistas que merecem Prémio Gazeta são estes profissionais da reportagem pura e dura que trabalham com conhecimento e sensibilidade, sem horários e quase sem descanso. Tantas vezes esquecidos nas promoções internas das empresas onde trabalham. Eles são a "malta da ferrugem", operários do ofício de relatar notícias.

Nenhum deles se imagina vedeta: vedetas são os que aproveitam estas tragédias para exibições de obsceno narcisismo defronte das câmaras. Nenhum deles se imagina herói: heróis são aqueles portugueses em desespero a quem eles dão nome e voz.

 

Leitura complementar:

O pesadelo (17 de Setembro de 2024)

"La culpa es del eucalipto". Bulos y medias verdades que avivan la tragedia de los incendios. (Maria Guerrero, El Confidencial)

Os preconceitos durante os fogos

jpt, 16.08.25

mw-1200&outputFormat=jpeg.webp

Na política de cá, uma das más coisas é a arrogância da propalada "classe média" lisboeta - nisso siamesa da upa, upa portuense -, gentes sempre atreitas a desvalorizar quem lhes vem "de fora", noutros "usos e costumes", assim aparentando outras mundividências.

Assim julgando-se senhoris, apreciam o que lhes surge como símbolo da essência de um "povo" idealizado (qual neo-realista) - como a incondicional mas afável postura digna de Jerónimo de Sousa. Ou de um pitoresco "popular", ainda que o julguem risível - como a até "libertária" Odete Santos, a qual, já agora, no exercício da sua liberdade pessoal tanto terá feito pela legitimação das liberdades das mulheres deste país. 

Mas ao restante desprezam, a tudo o que não lhes cabe nos estreitos estereótipos. Os exemplos abundam, das vestes às poses alheias tudo lhes serve para desqualificar. Riam-se do sotaque de Eanes, como agora o fazem do de Carneiro e antes com o de Carvalhas... Passos Coelho era menosprezado por vir de Massamá (até tipos dos Olivais papagueavam isso, imagine-se - tal como também ouvi vários intelectuais mui propensos ao "decolonial" perorarem este tipo de disparates acintosos). O máximo disto tudo foram as décadas da "esquerda" face ao "homem de Boliqueime", o "filho de gasolineiro" como lhe ouvi chamar por um energúmeno que acabara de ser apeado da BN... Para mero e pobre exemplo mais actual lembro o rapazola Jonet a gozar com Montenegro por ser de ... Espinho!

Tudo isto dito: partes avantajadas do país ardem com fragor, o povo (sem aspas) desespera, nas cidades percebe-se que décadas passam sem verdadeira eficiência concertada, os eleitores clamam que o PM veraneante não se mostra - e já ninguém atenta no ladino PR...

E o que faz Montenegro? Uma festa partidário-popular! Isto não é ser "parolo". É ser inconsciente. Parece um tipo de "Cascais", um "menino da Foz".

Notícias em fast motion

Teresa Ribeiro, 05.08.25

Se já tinha esta rotina desde há tempos, agora ainda me empenho mais em mantê-la. Jornais na TV, só os vejo com 30 a 40 minutos de atraso. Margem segura para escapar aos intervalos de pub e que me permite ver quais foram as notícias do dia em dez, vá lá 15 minutos, caso alguma me tenha feito parar o botão do fast forward

Este exercício revela com evidência até que ponto - não sei se por preguiça, se por falta de recursos humanos - nos servem despudoradamente quatro ou cinco temas ao jantar, sempre os mesmos, como se mais nada houvesse para noticiar. A abrir, os fogos e fenómenos climáticos extremos noutras paragens. Depois, as urgências hospitalares que fecharam. A seguir, Gaza e Ucrânia. E para rematar, futebol, que a época já começou, o que é um alívio - com os programas de comentário político em férias, há que preencher o vácuo com bola. 

Sobretudo na abertura dos jornais faço questão de não abrandar. Mesmo aceleradas, aquelas reportagens com bombeiros e gente do campo em aflição despertam-me uma sensação de impotência indizível. Podiam pescar aleatoriamente reportagens de verões anteriores que não se notaria a diferença. Tudo igual. Como se de um rito macabro se tratasse.

Nem a melhor estrada escapa às chamas

João Pedro Pimenta, 05.08.25
Esta é a Estrada Nacional 304, que vai do Douro até aos limites de Trás os Montes com o Minho, quase no Gerês, no troço entre a Campeã e Ermelo. Há anos chegou a ser considerada pela Ford uma das melhores estradas para conduzir da Europa, com as suas curvas suaves e uma descida majestosa e controlada, para não falar da paisagem em volta, entre o Marão e o Alvão, sobre os vales do Tâmega e do seu pequeno afluente Olo, que mais acima se despenha nas Fisgas, uma das maiores cascatas do país. Um paraíso para automobilistas e motards, e percurso normal da Volta a Portugal rumo à "mítica" Senhora da Graça.
 
Volta que não passará certamente por aqui este ano. A esta hora, esta imagem está tomada pelo fogo dos incêndios cruzados entre Amarante e Vila Real, que devastam a região e ameaçam aldeias da serra onde ainda se usam telhados de xisto. Temos alguns recantos paradisíacos e que até são notícia "lá fora", mas infelizmente não sabemos conservá-los nem preservá-los. 
 
 
Pode ser uma imagem de montanha
 
Pode ser uma imagem de nevoeiro, estrada e a montanha

Já não há por do sol em Sunset Boulevard

Maria Dulce Fernandes, 09.01.25

US-NEWS-CALIF-WILDFIRE-PALISADES-3-LA.jpg

(Wally Skalij/Los Angeles Times/TNS)

Pasmamos com o horror que a maior conquista da humanidade pode produzir, quando corre à solta, selvagem, imparável e destruidor.  Não olha a status, nem a política ou religião, nem a cor ou raça, nem a género. As vidas que consome são o fuel que o alimenta. É monstruoso porque pode e o poder que tem, ninguém consegue combater, qual feroz paradigma de um auto de fé.

Não reclama com arrogância bufa o Canal do Panamá ou a Gronelândia. Simplesmente destrói, altaneiro, tudo o que lhe calhe em caminho na sua desenfreada corrida,  com o desplante de quem se sabe um vencedor.

Screenshot_20250109_230109_Samsung Internet.jpg

Screenshot_20250109_230117_Samsung Internet.jpg

Screenshot_20250109_232757_Samsung Internet.jpg

Screenshot_20250110_012358_Chrome.jpg

Impotência e ódio

Teresa Ribeiro, 18.09.24

Incendios-florestais-2-1-e1698167726351.jpg

Tenho consciência de que não posso fazer nada a não ser ver arder. Isso corrói cá dentro. Mistura uma enorme sensação de impotência com velhos rancores, pois assisto a mais do mesmo há décadas. Agora, com as alterações climáticas, os incêndios metem os de antigamente num chinelo. É tudo em bom, avassalador. E a minha mente, com requintes de masoquismo, começa a imaginar os detalhes. Os animais que morrem nesse inferno, os insectos, tão necessários ao nosso ecossistema. Quanto às vidas humanas perdidas ou destruídas nem há palavras.

Já me cansam as declarações de circunstância dos políticos. Todos os que ainda os ouvimos sabemos, com o saber da experiência feito, que para o ano, pelo Verão, repeti-las-ão de ar consternado para as câmaras das televisões. Houve reportagens  que vieram a público sobre os negócios que se alimentam dos incêndios florestais. Calculo que não é fácil mexer nesse vespeiro, mas ainda não vi nada de consistente a ser feito contra estas redes criminosas. Também não vi nada de consistente a ser feito, a nível nacional, quanto à prevenção. Consistente é apenas a ideia que tenho de que uma vez passada a "época dos fogos", vai continuar tudo na mesma.

O pesadelo

Pedro Correia, 17.09.24

aa.jpg

 

Passam os anos, mudam os governos, anunciam-se com trombetas de propaganda «profundas reformas no cadastro florestal» (houve até um ministro que pretendia ter feito «a maior de todas, desde D. Dinis»), mas o drama permanece. Destruindo bens públicos e privados, ceifando vidas humanas, delapidando a nossa riqueza florestal, causando gravíssimos danos ambientais.

Voltamos ao mesmo. Da forma mais dramática e mais chocante: ontem voltou a ser um dia de pesadelo. Já com alguns mortos, vários feridos, prejuízos por enquanto incalculáveis. Como se fosse sina, destino, fatalidade.

Mas não é. Ou antes: não devia ser.

Informação ou propaganda

Pedro Correia, 23.08.23

fogo.webp

 

Reparem nas notícias. 

Nunca há fogos nos países do terceiro mundo. Nunca arde nada na Índia. Nem na China. Nem na África do Sul. Nem no Irão. Muito menos na Rússia. Ainda menos no Brasil, agora que está lá Lula da Silva (com a ajuda do amigo José Sócrates) a estancar o desmatamento na Amazónia.

Incêndios florestais? Só no sinistro "Ocidente". Na Europa Ocidental, onde vivemos. E, claro, na tenebrosa América do Norte.

Isto não é informação. É ideologia.

Alguns vão atrás, convencidos de que é a verdade. Mas já questionava o velho Pilatos muitos antes de figurar no Credo cristão: «O que é a verdade?»

Homenagem ao esquecimento

Paulo Sousa, 23.06.23

O interior foi esquecido.

A partir desta frase poderíamos pensar que o interior deixou de sofrer de falta de memória. Foi esquecido, mas felizmente, já não o é.

Infelizmente a realidade impede que tal plasticidade da língua portuguesa aqui se aplique.

O interior foi definitivamente esquecido.

O esquecimento não começou ontem, nem há meia dúzia de anos. É um processo já quase antigo e que dificilmente será interrompido.

Os incêndios de 2017 ficarão inscritos na nossa memória colectiva.

Avalio o incêndio do Pedrogão Grande como o culminar desse processo de esquecimento do interior, que foi reforçado pelas ortopedias realizadas uns meses antes na Administração interna e que propiciaram o alavancar da desgraça.

De forma diferente, o incêndio do Pinhal de Leiria, do Pinhal do Rei, propriedade do estado português, do qual sobrou pouco mais de dez por cento, resulta da banalização da mediocridade entre os nossos governantes e da falta de estima para com o que é nosso. Depois de toda a desgraça o que menos precisávamos era de um parolo urbanita ir ali plantar sobreiros, mas que só reforçou a minha opinião.

Há dias, foi aberto ao público o, assim designado, Memorial às Vítimas do Incêndio do Pedrogão Grande.

É certo que o aparato mediático que se dedica a eventos onde se cortam fitas, se descerram placas, se fazem discursos para a imprensa, se deglutem uns petiscos e refrescos, para logo depois, dali desaparecerem a 160 km/h, são tudo menos edificantes. Após a debanda, tudo será consumido nuns efémeros instantes televisivos e depois regressa o sossego. E o esquecimento.

Confesso que não aprecio este governo, composto por irresponsáveis, esquivos mentirosos e trapaceiros, mas tenho de reconhecer que foram coerentes quando decidiram que no dia em que este memorial fosse aberto ao público, não lá colocariam os chispes.

Falharam apenas no nome do monumento. Deveria ser o Esqueçorial* às Vítimas do Incêndio do Pedrogão Grande.

ESQUEÇORIAL.jpg

Nuno Brites/Global Imagens

* Copiado do Henrique Monteiro

5 anos após os incêndios na Beira Alta

jpt, 15.10.22

 

09122017-DSC_1651.jpg

(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

Passam hoje exactamente cinco anos sobre a segunda vaga dos incêndios de 2017 no distrito de Viseu, entre o concelho de Tondela e seus limítrofes, devastando a "Beira Alta", dessa vez causando mais de 40 mortos, a somar aos mais de 60 que haviam perecido durante o Verão anterior. Logo depois o meu amigo Miguel Valle de Figueiredo percorreu aquela região, que bem conhece pois os seus ascendentes dali eram oriundos, e durante três meses calcorreou mato, lugares, aldeias, vilas, encarou a gente que ali teima, desta ouvindo do horror de então e da violência posterior, advinda da arrogância burocrática de quem vem podendo - a memória desse trabalho foi publicada na "National Geographic", com texto de Gonçalo Pereira Rosa.

Nisso fotografou as "cinzas" promovidas pela fúria dos elementos, o desnorte nacional e a incúria estatal,. Enquanto uns, urbanos, se menearam vaidosos insanos, lamentando-se "de não ter tirado férias" ou, pelo contrário, "iam de férias" e pediam para "não os fazerem rir" a propósito destes e doutros assassinos fogos, e se gabavam de se preparar para as "cheias de inverno", inaugurando casas refeitas com dinheiro alheio, apregoando ter revolucionado as florestas como nunca desde a Idade Média, e se faziam entrevistar em quartel de bombeiros, o Miguel foi para aquele lá, verdadeiros "salvados" de um país que insiste em desistir de o querer ser por via do apreço que vota aos tocos que julga gente, e até elegível.

Dessas suas andanças, vindas do seu fervor de fotógrafo e do seu dever de cidadão, produziu um manancial iconográfico, uma verdadeiro arquivo para alimentar uma memória social do acontecido, deste sofrido que a história recente do país se mancomunou para gerar. E organizou a exposição "Cinzas" - paisagens, pois o pudor impeliu-o a evitar mostrar os retratos feitos dos violentados , 42 fotografias. A qual teve itinerância nacional. 

Agora, para assinalar os cinco anos sobre aquele momento a exposição é hoje mesmo, 15.10.2022, reapresentada em Tondela, no seu Quartel dos Bombeiros Voluntários, - concelho então tão devastado (só nele arderam mais de 400 casas, 219 das quais primeiras habitações). Será muito pedagógico ir lá ver o horror e desperdício que o mvf vagorosa e condoidamente captou. Para que não o esqueçamos. Mas também para que tomemos consciência de que, como diz agora o fotógrafo, "5 anos sobre o terrível incêndio que devastou grande parte da Beira Alta e, como se viu depois em Monchique ou mais recentemente na Serra da Estrela, independentemente de tudo (i.e. alterações climáticas), pouco se aprendeu, ou melhor, o que se aprendeu não serviu de muito na prevenção destas tragédias."

09122017-DSC_1596-co¦üpia.jpg

 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

08122017-DSC_1355-co¦üpia.jpg

 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

09122017-DSC_1580-co¦üpia.jpg

 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

20122017-DSC_2819-co¦üpia.jpg

 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

22122017-DSC_3308-co¦üpia.jpg

 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

22112017-DSC_0543-co¦üpia.jpg

 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

MVF2.jpg

 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

MVF§.jpg

 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

 

20122017-DSC_2732-co¦üpia.jpg

(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

Está no Governo a fazer o quê?

Pedro Correia, 20.08.22

20793136_5U1nL.jpeg

Foto: Global Imagens

 

Portugal sofre neste momento uma das maiores catástrofes ambientais de que há memória. Cerca de um terço do Parque Natural da Serra da Estrela - património nacional, reserva ecológica europeia - já foi consumido pelas chamas. Há fortes suspeitas de incúria e de incompetência no combate a esta acção devastadora das chamas, como tem sido reportado na comunicação social. Incluindo o registo de aviões a fazerem descargas de água em locais onde nada ardia.

Mas não só ali. Ontem, registavam-se 95 fogos florestais e agrícolas em todo o País, tendo duplicado para 26% o registo de acções criminosas, segundo o ministro da Administração Interna. A linha ferroviária do Norte foi encerrada quando as chamas já ameaçavam as carruagens, como ficou registado em vídeo por passageiros.

 

Neste quadro, potencialmente agravado pela perspectiva de subida das temperaturas, o que fez o Governo? Esperou por esta sexta-feira para anunciar que no domingo Portugal entrará em «situação de alerta».

Porquê tão lenta reacção?

Porquê este absurdo hiato de 48 horas?

Ninguém sabe explicar.

Muito menos a secretária de Estado da Protecção Civil, Patrícia Gaspar, que ontem à noite compareceu sorridente nos estúdios da SIC para uma entrevista em que se revelou incapaz de responder às perguntas feitas pelo jornalista Rodrigo Pratas.

«Uma situação deste género foi de alguma forma trágica», disse esta cultora de eufemismos, chamando «ocorrência» à destruição florestal em curso na Serra da Estrela. Enquanto, confrontada com sucessivas questões concretas do seu pelouro, ia balbuciando: «Não tenho informação.»

 

Neste trágico Verão, já arderam 92 mil hectares no nosso país. Portugal é hoje o terceiro Estado da União Europeia com mais área queimada em números absolutos, sendo superado apenas por Espanha e Roménia, países com maior superfície territorial. 

Perante isto, o que disse a secretária de Estado, que anteriormente foi número dois da Protecção Civil a nível nacional? 

Algo espantoso, depois de consultar um papel. Afirmou ela: «Os algoritmos dizem que a área ardida que devíamos ter devia ser 30% superior.»

Patrícia Gaspar considera portanto, com base na esforçada consulta à sua cábula, que ainda ardeu pouco. Apenas 70% do território que estaria previsto no tal canhenho algorítmico foi consumido pelas chamas.

Em vez de nos indignarmos, devíamos até comemorar. 

 

Oiço estes dislates e uma vez mais me interrogo: esta gente está no Governo a fazer o quê?

Ceder energia, arder por indiferença

João Pedro Pimenta, 22.07.22
Felizmente já estão em fase de resolução (espero, porque em dois casos voltaram), mas os grandes incêndios da última semana, tirando o da Guarda e o do Fundão, foram todos em Trás os Montes. E à parte de um perto de Bragança, todos no distrito de Vila Real - Chaves, Vila Pouca, Murça, até o de Baião invadiu o Marão. Entre aldeias habitadas por idosos, que por isso mesmo têm mais dificuldade em limpar as suas propriedades, fragas difíceis de alcançar e pinhais dispersos, arderam milhares de hectares, inúmeras árvores que eram o sustento das populações, algumas casas e morreram inúmeros animais e três pessoas (apesar de tudo muito menos do que em 2017).
 
Tudo isso poderia levar-nos para a discussão do abandono, desertificação e envelhecimento do interior, mas houve um pormenor em que poucos notaram: a não muitos quilómetros dos incêndios, em Ribeira de Pena, António Costa inaugurava esta semana a nova central hidroeléctrica do Tâmega, três albufeiras que se destinam à produção de electricidade. Ou seja, um empreendimento que sacrificando parte das terras em redor, por norma do interior, pretende fornecer energia a parte do país, mas aparentemente sem grandes contrapartidas às populações da região. Vimos o mesmo com as barragens no Planalto Mirandês, vendidas sem que os municípios recebessem o que quer que fosse. Ou com as enormes albufeiras no Barroso, que poucos benefícios palpáveis vieram trazer à região. Os tais "empregos" e "oportunidades" não passaram de ilusões e a população decresceu a olhos vistos.
 
Este é o drama permanente do interior, particularmente de Trás os Montes: continuamente desbastado para fornecer energia ao resto do país, mas esquecido em tudo o resto e notícia apenas quando há tragédias como os fogos, consequência do abandono e do desinteresse por parte de sucessivas administrações que sempre olharam para a região apenas como reserva de energia. E vamos lá a ver se não abrem umas crateras para explorar lítio a mando do secretário de estado Galamba, o perfeito exemplo do governante que se está nas tintas para o território desde que tire de lá benefícios (nem contrapartidas se lhes pode chamar). Suprema e cruel ironia, a da zona que usa a água para o fornecimento de energia necessitar tanto dela para salvar o seu território.
 
Fogo em Murça possui uma frente ativa e lavra em zona sem acessos

Juntos seguimos e conseguimos *

Paulo Sousa, 05.01.22

“A partir das últimas décadas do século XX, este Pinhal tem sido largamente negligenciado. Para se ter uma ideia deste desinteresse, basta referir, por exemplo, que, no domínio dos recursos humanos, em 1980 havia 144 trabalhadores rurais, que, segundo os técnicos da altura, “não chegam para resolver cabalmente os problemas da instalação e tratamento dos povoamentos”, 29 guardas florestais, 4 mestres e 9 técnicos (engenheiros silvicultores). Hoje há 30 trabalhadores rurais (sobretudo mulheres), não há guardas a dependerem desta Direcção Geral (a Polícia Florestal que surgiu em sua substituição actua sobretudo na fiscalização da caça e pesca nos concelhos de Leiria, Marinha Grande, Pombal, Batalha e Porto de Mós) e há apenas 2 técnicos para uma zona que compreende Marinha Grande, Pombal, Figueira da Foz e Serra dos Candeeiros.

As tarefas dos trabalhadores rurais passam sobretudo por medir pinheiros fiscalizar cortes, pintar casas e pontes. Nas matas do Pedrogão e do Urso, que juntas perfazem 8.000 ha, trabalham apenas duas mulheres. O número é claramente insuficiente, segundo o responsável pela administração deste Pinhal, acrescentado ainda que este “está ao abandono”. Efectivamente o orçamento de 2003 para limpeza e conservação da Mata foi zero. Por outro lado, ela rende anualmente ao estado cerca de milhão e meio de euros.”

 

Vidas de Carvão, As carvoeiras do Pinhal do Rei
de Paula Lemos
Imagens & Letras - 2007

 

O grande incêndio de 2017 destruiu 86% da área da mata conhecida por Pinhal do Rei. O texto acima, quase premonitório, foi publicado dez anos antes deste evento trágico. Já aqui postei sobre a demora na sua replantação e de como é difícil passar por ali, lembrando toda aquela imensidão de verde, que nos idos anos 40 inspirou o poeta Afonso Lopes Vieira.

 

Catedral verde e sussurrante, aonde
a luz se ameiga e esconde
e aonde, ecoando a cantar
se alonga e se prolonga a voz do mar,
ditoso o Lavrador que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim

 

Quem não conhece a zona, quem ali não tenha construído memórias e desconheça a sua dimensão, não imagina o sofrimento de quem visita a mata.

Na sua largura máxima a mata tem 8.400 mt e 18.700 mt no seu maior comprimento, num total que ultrapassa os 11.000 ha divididos em 342 talhões. São necessários longos minutos de carro para atravessar a zona. É uma imensidão de área que nunca mais voltarei a ver como a conheci.

Não chegasse a incúria que nos levou a esta tragédia, António Costa, apostado em desrespeitar o “ditoso Lavrador” de Afonso Lopes Vieira, uns meses após a tragédia visitou a área e mostrou-nos que o que ficava ali bem eram sobreiros. Os nossos antepassados eram uns palermas e ele é que sabe.

Em Abril passado, e perante a decisão do Governo de adiar mais uma vez a sua replantação, o PS da Marinha Grande manifestou “a sua mais profunda desilusão e descontentamento" o que é demonstrativo da falta de sensibilidade com que se governa o país a partir de Lisboa.

Muito mais do que em qualquer metáfora literária, plantar uma árvore é realmente oferecer algo às próximas gerações, e nisso, estes adiamentos consecutivos dizem muito da forma como este governo lida com o futuro.

Entretanto, as acácias vão progredindo e os sobreiros plantados pelo senhor das meias verdes, sucumbiram.

DSC_0170.JPG
Foto minha tirada a 3 de Janeiro de 2020

* Slogan do PS para as eleições legislativas de 30 de Janeiro 

A incúria do Estado

Paulo Sousa, 18.10.20

20201018_161148.jpg

Esta semana assinalou-se o terceiro aniversário do incêndio que destruiu 86% da área da Mata Nacional de Leiria.

Logo de seguida e por recomendação do fucus groupAntónio Costa fez-se fotografar e filmar na plantação de sobreiros num dos talhões afectados. Ao mudar de espécie, de pinheiro para sobreiro, terá pretendido corrigir um erro com mais de 500 anos. El Rei Dom Dinis enganou-se ao escolher pinheiros e finalmente alguém ajuizado iria corrigir o erro. Logo depois a natureza, essa ingrata, fez com que os sobreiros não sobrevivessem naqueles areais e, talvez pela afronta, o governo decidiu entregar-lhe então a gestão daqueles 9.480 hectares.

Depois disso, e pelo facebook, soube de várias iniciativas de grupos de cidadãos identificados como amigos do Pinhal de Rei, que foram travados na sua vontade de replantar um talhão que fosse, pois esse processo teria de obedecer a um plano do ICNF.

Neste terceiro aniversário um grupo de cidadãos assinou uma carta pedindo explicações ao governo sobre o plano de recuperação desta área que equivale a 54% do concelho da Marinha Grande.

É tal a desolação que evito por ali passar. Hoje, pela segunda vez desde o incêndio, regressei a este espaço de que guardo recordações maravilhosas. Olhando em volta, tudo isso parece mais distante do que nunca. É uma dor de alma.

Para quem o quiser entender como tal, esta é mais uma prova da incúria do Estado, da sua incapacidade em resolver os assuntos que advoga como seus.

Este vídeo é por isso dedicado aos que acham que aquilo que precisamos é de mais Estado.

Incêndios na Amazónia

jpt, 26.08.19

amazonia.jpg

Mudei-me para Lisboa, regressei ao lar, agora reinstalei internet em casa, visito as redes sociais (e os muito mais interessantes blogs). Vejo que muitos discutem algo relativo aos incêndios na Amazónia. Muitos gritam contra Bolsonaro - são os mesmos que quando este apareceu o guinchavam contra os homossexuais, as mulheres e os negros, secundarizando a sua anunciada política amazónica. Na época isso não lhes era relevante, não estava nas suas agendas de bolso agitando-se. E outros, muitos, gritam contra os que gritam contra Bolsonaro - parece que a devastação da Amazónia já existia antes, descobrem, e isso sossega-os. Esganiçados, o que lhes interessa é criticar os esganiçados do BE e afins.

Mal comparado é como se eu aqui viesse escrever a anunciar que tinha um cancro e as pessoas se preocupassem com os hipotéticos erros ortográficos e até sintácticos do auto-comiserado postal.

As pessoas não são só insensíveis. São-no mas não só. Não são só estúpidas. São-no, e numa até incomensurável dimensão, por mais doutores especializados e analíticos que surjam. Mas não só. São, acima de tudo, más. Não maliciosas. São malvadas. São a Besta. Não umas bestas, que isso é óbvio que também são. São mesmo a Besta. Imunda.

E veraneam!

Nossa Senhora de Paris

jpt, 15.04.19

paris.jpg

À notícia do incêndio da Notre-Dame acorri à tv, deixando-me diante da (tão desiludida) France2. É uma desgraça, por tantos sentida como que se quase pessoal - "notre-dame" é como se a igreja de todos, verdadeiro nome próprio assim como se a tratássemos por "tu", muito  mais do que a catedral de Pedro, a romana, que traduzimos, dando-lhe assim a terceira pessoa. Coisa, ligação, um pouco devida a Victor Hugo mas mais ainda, até porque Hugo é mais falado do que lido, da época ainda recente em que Paris foi centro cultural do mundo, e depois turístico, "uma festa" alguém disse, ou talvez fosse mais um "simpósio" que o autor quisesse subentender, mas pouco importa agora, hoje, esse esmiuçar.

E logo me lembrei do "Paris Já Está a Arder?", o célebre livro tão marcante para a minha geração - e para a anterior. Tendo Hitler mandado arrasar a cidade na retirada de 1944, o generalato alemão, apesar dos constrangimentos que tinha - após o atentado a Hitler, e até talvez mesmo antes, as famílias dos oficiais superiores, eram reféns, e talvez isso tenha explicado o suicídio de Rommell -, recusou-se a cumprir essas ordens. Por isso ficou a cidade salvaguardada, imune aos catastróficos efeitos da II Guerra Mundial, ao invés de tantas outras cidades europeias, hoje pejadas de réplicas de um passado, sem "patine", algumas mesmo verdadeiros fantasmas - lembro sempre o meu espanto, numa era bem pré-internet, de tão menos informação detalhada, quando cheguei a Sofia: não havia nada antigo, um mono de arquitectura estalinista, e na qual os restos da velha e tão importante cidade romana cabiam na esplanada de um café lisboeta.

Venho aqui ecoar essas sensações e noto que Luís Menezes Leitão já explicitou as mesmas memórias. Não serei tão escatológico como ele. A F2, às 9 horas, já fala de reconstrução, mostrando espírito estóico, resistente, exemplo de ânimo. E ali se lembra como a catedral de Reims foi incendiada pelos bombardeamentos da I Guerra Mundial, e depois reconstruída.

Nesta desgraça ficam-me, assim em cima do momento, três pontos: a verdadeira irrelevância da "espuma dos dias", depois de ter cruzado este dia na expectativa da ansiada (pela imprensa francesa e belga) comunicação de Macron, programada para o fim do dia de hoje, prevista para culminar estes meses de verdadeira insurgência dos "coletes amarelos". Que interessará isso, agora? E a consciência, tantas vezes esquecida, do quão perecível é a (grande) obra humana, afinal o tal mero pó que a pó voltará, depois do catastrófico incêndio do Museu Nacional do Rio no ano passado e da demência fundamentalista em Palmira (e do saque do museu de Bagdad, aquando da queda de Hussein, cujas verdadeiros danos desconheço).

E um terceiro dado, pouco simpático para esta noite: todos os dias, há imensos anos, são devastadas áreas muitíssimos mais alargadas de floresta virgem do que a área da Nossa-Senhora de Paris. De modo irrecuperável, pois não passíveis de serem reconstruídas mesmo que sem a tal indizível "patine", como o será a catedral. Uma destruição rotineira e avassaladora que não causa qualquer comoção generalizada. Por mero, e catastrófico, antropocentrismo. Choramos, de modo lancinante até, o perecer da obra humana. E encolhemos os ombros ao devastar da obra natural. Divina, para tantos. Que depois se dizem, sabe-se lá porquê, crentes num desenho e desígnio divino.

Só um paupérrimo antropocentrismo pode justificar estas sensibilidades. Nada religiosas. E, mais do que tudo, verdadeiramente incultas. Por mais lágrimas répteis que finjam verter hoje.

Capítulo VI

Alexandre Guerra, 26.09.18

No dia 17 de Junho de 2017, na região de Pedrógão, algo aconteceu de dantesco e em poucas horas as chamas do Inferno trouxeram a morte a 66 pessoas, das quais 47 morreram carbonizadas na EN 236-1. Foi o dia em que o País se confrontou com a sua impotência e incompetência, onde as estruturas do Estado falharam nas suas mais elementares funções. No fundo, todos nós, enquanto sociedade, falhámos na defesa dos nossos concidadãos.

 

Os fenómenos e as circunstâncias que rodearam tal tragédia tinham (e ainda têm) que ser compreendidas e explicadas e, como tal, coube ao especialista Domingos Xavier Viegas, professor catedrático de Engenharia Mecânica da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra, a responsabilidade de elaborar um relatório técnico sobre o que aconteceu naquele trágico dia. Esse documento, que será fundamental no âmbito do processo judicial em curso, foi entregue ao Governo a 15 de Outubro, mas houve uma parte do estudo que nunca foi divulgada ao público, o capítulo VI, por conter testemunhos dos sobreviventes e considerações feitas pelos técnicos que fizeram a investigação.

 

Compreende-se que, na altura, se quisesse evitar a exposição das famílias das vítimas e dos sobreviventes, que tanto já tinham sofrido, no entanto, aquilo que agora nos é dado a conhecer pelo jornal i, com a colaboração do próprio Xavier Viegas, através da divulgação do capítulo VI, tem uma tal dimensão trágica e humana que, por um lado, alimenta a revolta interior pelo que aconteceu, por outro, reforça a obrigação de cada um de nós, enquanto cidadão, ser cada vez mais exigente na defesa e protecção das nossas gentes e recursos.

 

Os textos publicados esta Terça e Quarta feiras no jornal i são de um realismo impressionante e mostram como homens, mulheres, idosos, famílias inteiras tomaram decisões de vida ou de morte em momentos de pânico, sem qualquer auxílio externo e totalmente entregues à sua sorte. Nos próximos dias serão divulgados mais partes desse capítulo VI que, no fundo, acaba também por ser o registo de um dos mais negros episódios da história do Portugal democrático.

 

Despender alguns minutos do nosso dia a ler estes relatos pessoais e dos técnicos não é apenas uma questão de informação, é também quase uma obrigação para com a memória de todos aqueles que perderam as suas vidas, para que possamos ajudar a construir um Estado que nunca mais deixe os seus ao abandono.   

À atenção dos eucaliptófobos

Pedro Correia, 17.08.18

1200px-Eucalyptus_tereticornis_flowers,_capsules,_

 

O repórter vindo da cidade, inchado de sabedoria cosmopolita, acompanha o Presidente da Repúblico nos seus mergulhos em praias fluviais do centro do País e decide descrever a paisagem circundante debitando a cartilha jornalística em voga, como um disco de vinil já muito riscado: «Lá ao fundo estão árvores queimadas pelo incêndio e estão já também os eucaliptos a brotar. Uma verdadeira praga que se vê por toda esta região - os eucaliptos a brotar junto de pinheiros e outros eucaliptos que arderam no incêndio de Outubro de 2017.»

Eis um conceito singular: olhar para «eucaliptos a brotar» no interior pobre e desertificado e classificá-los in limine como «praga». Horas antes do regresso ao conforto citadino.

 

Outro repórter, por sinal da mesma estação, em vez de dar sermões aos telespectadores do alto da sua douta ignorância, prefere fazer jornalismo a sério - isto é, dar voz a quem sabe, falando em Monchique logo após o maior incêndio registado este ano em toda a Europa, no qual se perderam maciços florestais de todas as espécies.

Escuta, por exemplo, o presidente da Associação de Produtores Florestais do Barlavento Algarvio, José Vidigal, que lhe diz isto: «Há 15 anos houve o abandono do mundo rural aqui em Monchique. Muita gente, revoltada, sem meios de subsistência, abandonou a agricultura - ou mesmo a região. Agora vai acontecer a mesma coisa: vão abandonar a floresta, vão para o litoral. Durante muitos anos, os incêndios só existiam na zona centro. Porquê? Porque a zona centro tinha a maior mancha de pinhal bravo do mundo. Agora dizerem que é por causa do eucalipto, que é por causa do pinheiro... não é. É por falta de ordenamento. Em 1936 houve um grande incêndio em Monchique, maior do que este de agora. Em 1954 repetiu-se, em 1970 repetiu-se, em 1985 repetiu-se, em 1995 repetiu-se... E até 1985 não havia eucaliptos. Por conseguinte, não são os eucaliptos: é a falta de gestão.»

 

Transcrevo estas palavras, em atenção aos eucaliptófobos que se reproduzem como mato selvagem nas pantalhas e nas colunas da imprensa. Sabendo no entanto, de antemão, que não serão escutadas. Porque o discurso dicotómico - onde a "culpa" assume sempre função relevante - é, em grau crescente, o combustível contemporâneo dos meios de informação. Tão simplista, entrincheirado e previsível como o das "redes sociais", a cuja lógica obedece. E que explica, em larga medida, a crise em que o jornalismo mergulhou.