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Delito de Opinião

Contrastes

Pedro Correia, 20.08.24

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Em manchete, o JN destaca o essencial sobre o esbulho fiscal - uma das causas essenciais da nossa estagnação económica e da emigração contínua de jovens qualificados

 

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O Público acena na capa com uma "solução": ainda mais impostos. Neste caso «sobre super-ricos». Haverá alguns no maior grupo privado português, proprietário do jornal?

Montenegro foi à bola

jpt, 19.06.24

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Tem sido noticiado que os tribunais sancionaram o anterior seleccionador nacional devido à modalidade contratual que teve com Federação Portuguesa de Futebol, uma instituição de utilidade pública. Algo que terá lesado o Estado em alguns milhões de euros, através de um meio artificial e abusivo. Dada a importância do posto de trabalho e o elevado montante envolvido, será preciso um enorme grau de candura para se pensar que o presidente da FPF não teria conhecimento da situação.

Dito isto, e num país onde os habitantes estão sobrecarregados de impostos, directos e indirectos, é de perguntar a que propósito é que o novo Primeiro-Ministro confraterniza com quem compactuou (ou até mesmo mais) com tal "meio artificial e abusivo" de escapar ao fisco. Importa mais "ir à bola" e aparecer a comentar o jogo da "selecção das quinas"? Fica assim a (sustentada) percepção de que, afinal, este é mais do mesmo.

Já cheira a campanha eleitoral

Pedro Correia, 24.11.23

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Foto: António Pedro Santos / Lusa

Se os meus princípios não vos agradam, arranjo já outros. Esta boutade de Groucho Marx aplica-se na perfeição ao ainda primeiro-ministro e ao ainda ministro das Finanças, ex-presumível candidato à sua sucessão.

Naquele tom de quem se habituou durante oito anos a desprezar a oposição, insuflado de maioria absoluta, António Costa assegurava a 30 de Outubro, no debate do Orçamento do Estado, que o anunciado aumento do IUC (imposto único de circulação) para três milhões de automóveis e meio milhão de motociciclos com matrículas anteriores a 2007 era mesmo para manter. Em nome da protecção do ambiente. Apesar de haver então uma petição já com cerca de 400 mil assinaturas para abortar a medida, que afectava os cidadãos com menos rendimentos.

«A oposição quer assustar os portugueses. Desta vez anunciando aumentos estratosféricos – em alguns casos de cerca de 1000% do IUC. Daqui a um ano, mais uma vez, se saberá quem fala verdade e quem só quer assustar os portugueses», declarou Costa. Nem pensar, portanto, em deixar cair este novo imposto socialista.

Também Fernando Medina, inabalável, garantiu que a medida era para manter. «Os carros anteriores a 2007 beneficiam hoje de uma tributação anual que é, em média, um quarto das viaturas mais recentes, sendo que as viaturas mais recentes são as menos poluentes. Trata-se de uma situação injusta», disse o titular das Finanças a 17 de Outubro, no final de uma reunião no Conselho Europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros. Sempre com alegadas preocupações ambientais.

A alma ecologista de Costa e Medina era afinal muito frágil. Mal a crise política estalou, a 7 de Novembro, os belos princípios foram à vida. E logo o grupo parlamentar do PS, certamente obedecendo à mesma voz de comando que antes forçara os deputados a defender tão indefensável medida, se apressou a dar o dito por não dito. O agravamento do IUC caiu nesta versão final prestes a ser votada na Assembleia da República. Ao contrário do que prometeu Costa, daqui a um ano será impossível saber «quem fala verdade e quem só quer assustar os portugueses».

O IUC assustou os deputados socialistas. Por fazer perder votos.

Entre as 99 propostas de alteração (!) entregues no último dia do prazo, quando o Chefe do Estado já anunciara legislativas antecipadas para 10 de Março, a bancada rosa emendou o competentíssimo orçamento de Medina, afinal muito menos competente do que parecia. Não só nisto, mas em várias outras matérias: aumento do limite da dedução à colecta de IRS dos valores das rendas de casa (de 502 para 600 euros), autorização do abate no IRS da despesa com empregadas domésticas; moratória nos juros para os créditos bancários das empresas. Etc, etc.

Repito, por extenso: noventa e nove emendas. Já cheira a campanha eleitoral.

Lamentável recorde histórico

Pedro Correia, 14.04.23

É uma das notícias da semana em Portugal: sabe-se agora que em 2022 sofremos a maior carga fiscal de sempre - equivalente a 36,4% do PIB nacional, superando os 35,3% do ano anterior. Um lamentável recorde histórico.

Segudo noticia hoje o Expresso, o peso dos impostos entre nós aumentou 14,9% em termos nominais, atingindo 87,1 mil milhões de euros.

Triste ironia: isto aconteceu no ano em que os serviços públicos funcionaram pior que nunca.

Elementar burrice

Pedro Correia, 30.03.23

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Dizia o outro que a esquerda mais estúpida da Europa é a francesa. E provavelmente estava cheio de razão.

Digo eu que a esquerda mais burra de Portugal é a de Lisboa. Acaba de confirmar isso chumbando, pela segunda vez em quatro meses, uma medida emblemática do programa eleitoral de Carlos Moedas - e condenando-a assim ao insucesso.

Uma medida que iria beneficiar muitos jovens - precisamente o segmento populacional de que Lisboa mais carece. A isenção, até aos 35 anos, do pagamento do famigerado IMT - Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Imóveis - na compra de habitação própria até 250 mil euros.

Ou muito me engano ou estes adoradores de impostos, imbecis como poucos, andam a trabalhar para uma maioria reforçada da direita na câmara de Lisboa antes de se esgotar o prazo previsto para o fim do actual mandato. Já pouco falta para sabermos.

O país das quatro mil taxas

Pedro Correia, 29.03.23

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É um número impressionante: há mais de quatro mil taxas em Portugal. Serão cerca de 4300, em números redondos - cerca de 2900 cobradas pela Administração Central.

Tantas, ao ponto de ninguém conseguir uma lista exaustiva, rigorosa e actualizada de tudo isto. Que serve para confirmar como é demencial o esbulho tributário neste país, o sétimo pior em distribuição de riqueza per capita na União Europeia.

Alguns, geralmente da esquerda mais radical, dizem que «ainda falta fazer a revolução». Dou desde já o meu contributo: acabar com estas taxas. Revolução digna de aplauso. Mãos à obra, camaradas.

De que estão à espera?

Sérgio de Almeida Correia, 12.12.22

portugal-vs.-marrocos-mundial-800x400.jpg(créditos: daqui)

É óbvio que o senhor embaixador de Portugal no Japão está cheio de razão, apesar do seu escrito na rede Linkedin ter entretanto desaparecido e se poder questionar se nas funções que ocupa e numa rede profissional deverá emitir opinião sobre o "chuto-na-bola".

Atendendo ao que regularmente assistimos, em que temos um Presidente da República que por vontade dele estaria a disputar audiências a Cristina Ferreira, à Tânia ou ao Malato, e que comenta tudo e mais alguma coisa a pretexto de todos os pretextos e mais alguns, daí não virá mal ao mundo, tanto mais que o senhor embaixador, na sua área profissional, até tem dado provas de competência e profissionalismo, prestigiando o nome de Portugal.  

E ademais sabemos que as críticas ao seleccionador nacional de futebol não são de hoje nem de ontem, o que não fica em nada prejudicado pelo facto de Marrocos merecer os parabéns e de com este treinador se terem conquistado dois títulos internacionais. Estes resultados não nos fazem, nem à Federação Portuguesa de Futebol, eternamente reféns da gratidão devida e que, pelos valores amealhados pelos trabalhadores ao longo dos anos, está mais do que paga.

Agora que o campeonato do mundo de futebol acabou para Portugal; e independentemente daquilo que o embaixador de Portugal no Japão escreveu, importa seguir em frente e preparar a próxima campanha.

Mas, antes disso, convirá não esquecer o embróglio em que o senhor Fernando Gomes e a Federação Portuguesa de Futebol se meteram.

Para qualquer cidadão minimamente informado, é verdade que esquemas como o descrito no acórdão do tribunal arbitral não servem para fazer caridade.

E jamais seria de esperar que uma associação com estatuto de utilidade pública desportiva andasse a celebrar contratos com sociedades unipessoais ou afins para preencher cargos infungíveis de representação nacional.

Não falei nisso antes, não viesse aqui-d'el-rei alguém dizer que estão a desestabilizar a equipa antes de uma competição importante. Parece-me, pois, que chegou o momento de se tratar deste assunto.

Como ainda ninguém se demitiu, embora o assunto seja em si escabroso e ofensivo da maioria dos portugueses que levam uma vida inteira a pagar impostos, talvez o "comentador" Marcelo, o primeiro-ministro e o responsável pelas Finanças se queiram pronunciar; darem os seus "bitaites".

E, já agora, dizerem como deverão as federações desportivas e quaisquer outras entidades públicas, ou com estatuto de utilidade pública desportiva, comportar-se no futuro. 

A não ser que a FPF já esteja a pensar, nesta altura, em contratar um seleccionador "pro bono" para substituir Fernando Santos, reservando para os filhos os dividendos.

O amor do PS aos impostos

Imposto de selo existe desde 1660 em Portugal

Pedro Correia, 27.10.22

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Pretende ser uma boa notícia, daquelas que o Governo usa para inundar os órgãos de informação com mensagens de  propaganda: em 2023 vai acabar o agravamento do imposto do selo no crédito ao consumo

Boa notícia seria a supressão definitiva do imposto de selo. Mas isso contrariava a vocação de um executivo socialista. Em matéria fiscal, nenhum partido é tão conservador como o PS. Podemos até dizer que o imposto de selo já faz parte do nosso património histórico: foi criado em 24 de Dezembro de 1660, por alvará régio de D. Afonso VI. Sendo não apenas o imposto mais antigo de Portugal, mas um dos mais antigos do mundo ainda em vigor.  Ainda é aplicado em quase tudo, dos contratos às transacções com cartões.

Como podemos esperar grandes reformas de um partido que nem uma pequena reforma como esta consegue concretizar?

Um buraco na ideologia

Paulo Sousa, 02.05.22

Um dia no futuro, estas duas primeiras décadas do sec. XXI serão olhadas, não rigorosamente pelos mesmos motivos, mas com a mesma incredulidade com que hoje olhamos para o que se passou no início do século sec. XX.

Como é que foi possível deixar que o caos se instalasse e progredisse ao ponto de uma ditadura ser vista com simpatia?

Como é que foi possível anestesiar o país ao ponto de chegarmos aos dias de hoje com uma maioria absoluta do partido responsável por duas décadas de estagnação, por uma falência, com uma mais que duplicação do peso da dívida em relação à riqueza do país e com um primeiro-ministro que mercadejou em funções?

Por mais que se tente explicar, os nossos descendentes não irão entender nem aceitar.

Haverá vários motivos que explicam esse mistério, que se prendem com algo sobre o qual já aqui escrevi e que resulta da crise de ambição dos portugueses. Todos já ouvimos, até usamos, expressões, como Antes assim que pior, Cá vamos andando devagarinho, Uma perna partida? Tiveste sorte que a outra ainda mexe, e em todas elas encontramos o conformismo e o encolher de ombros que explica o voto naqueles que garantidamente não querem fazer reformas, sendo exactamente esse o seu factor crítico de sucesso.

O estado absorve mais de metade da riqueza criada e, como se fosse dona dela, distribui-a pela rede clientelar que se foi acomodando à procura de uma beirinha que pingue. Enquanto pingar, não há que levantar ondas e toca a torcer para que isto continue.

Para que o estado reduzisse o seu peso na sociedade e na economia seria necessário que abrisse mão desse poder discricionário que alimenta os seus mais convictos clientes e dependentes.

Baixar impostos? Nunca! Só se for a estrangeiros que queiram cá fixar residência. Esses já estavam isentos antes de vir para cá e se comprarem uma casa então irão pagar IMI, IMT, imposto de selo, e depois irão pagar IVA, ISP, IA, IVA sobre o IA e a restante lista que nunca conseguiria aqui transpor.

Se os impostos baixos são bons para estrangeiros, porque é que não são bons para os portugueses?

Este ponto constitui uma negação quase consentida no alinhamento ideológico do socialismo. É consentida desde que não faça a abertura dos telejornais. É como um arredondar de esquinas nos pilares da fé socialista. É uma forma criativa de alcançar um objectivo fingindo que não se está a cometer uma heresia. Eles não se atrevem a negar a fé na cartilha dos impostos altos, mas é como se tivessem descoberto um pequeno orifício nos compromissos assumidos, um orifício escondido, ou quase, por onde conseguem aumentar a receita fiscal sem ter de cometer a blasfémia que seria assumir que impostos baixos atraem riqueza.

É exactamente nesta altura da análise que faz sentido introduzir um tema musical, que mais não é do que uma metáfora da redução socialista de IRS destinada exclusivamente a estrangeiros que se mudem para cá.

A taxa chata - II

Paulo Sousa, 25.01.22

Por que valor estamos dispostos a trabalhar horas extra-ordinárias?

Coloco esta questão tendo em mente quanto custa ao país as horas gastas a conferir as facturas a que somos obrigados no preenchimento da declaração de IRS.

Como é obvio, o tempo gasto nesta tarefa deixa de ser tempo livre e passa a ser tempo despendido para evitar multas. Sem mudanças de trajectória governativa, não faltará muito até que isto seja considerado uma indireta forma de rendimento e naturalmente a AT estará atenta a isso, e a esfregar as mãos. A Autoridade Tributária (AT) terá forma de saber quantas horas duram as sessões abertas pelos contribuintes no seu portal, a partir daí poderíamos até estimar um custo desta obrigação fiscal mas isso nunca seria revelado.

Quando o estado nos acenou com o sorteio de um automóvel em troca do rasto digital das nossas compras, algumas vozes apontaram para o que de facto se estava a passar, mas com o deslizar do tempo, essa prática banalizou-se e poucos são os que hoje se recusam deixar que o seu número contribuinte seja associado aos seus mais pequenos consumos, permitindo assim que os seus hábitos de compra sejam rastreados. Os mapas SAF-t que mensalmente todos as empresas e estabelecimentos comerciais são obrigado a enviar à AT transportam consigo toda essa informação.

Ameaças à privacidade resultantes das novas tecnologias não faltam, já aqui postei sobre isso, mas perante o potencial pidesco do nosso sistema fiscal há uma questão que importa levantar: é o direito à privacidade um bem ou mal? Arrisco acrescentar que se é um bem, deve ser protegido e, pelo contrário se for um mal, deve ser corrigido ou eliminado.

Estamos seguros de que a existência destes registos nunca será usada para invadir a privacidade dos cidadãos? Podemos confiar que os contrapesos do sistema são suficientemente sólidos para protegerem o cidadão de um eventual uso abusivo desta informação? Faz sentido reforçar estas garantias, ou simplesmente deveríamos abdicar da produção de tais registos?

E tudo isto para chegar ao título do postal. A IL trouxe para a presente campanha eleitoral muitos dos temas que acabaram por ser os principais temas dos debates. Refiro-me às duas décadas de estagnação da nossa economia, à dimensão da nossa carga fiscal e à invasão das nossas vidas pelo estado.

Apontando para o que é feito noutros países que obtiveram muito melhores resultados que o nosso, sugeriram uma flat tax, palavrão anglo-saxónico que pode ser traduzido por taxa plana, mas que, comparando com a infinidade de parênteses, sub-parênteses e sub-sub-parênteses do nosso sistema fiscal, que deve ser traduzido por taxa chata. Para as mentes kafkianas que elaboram os mais refinados detalhes da jaula fiscal em que vivemos, simplificar os impostos iria tornar o nosso sistema fiscal numa coisa chata e aborrecida. Deixará de haver espaço para as mentes fuinhas que se sentem inflamadas sempre que têm a oportunidade de sacar de mais uma surpreendente alínea de que já ninguém se lembrava.

A flat tax proposta não pretende que todos paguem o mesmo imposto, pois a primeira faixa de rendimento, que poderia ter como referência um valor indexado ao SMN, estaria isenta. Daí em diante, quem mais ganhar mais paga, mas de forma proporcionalmente directa. Segundo o proposto, numa fase inicial existiriam duas taxas.

Para quem quiser comparar a situação actual com o que é proposto pela IL, pode espreitar aqui.

Importa sublinhar ainda um ponto importante, e que é especialmente dedicado aos que acham que é com mais impostos sobre os ricos, que em Portugal ganham 1500€ brutos, que se resolvem os problemas do mundo. Com um salário líquido superior, cada contribuinte acabará sempre por pagar mais impostos indirectos. Com mais dinheiro na algibeira o contribuinte irá sempre pagar mais IVA. Se comprar um automóvel irá pagar IA, IVA, IUC e ISP. Se comprar uma casa irá pagar IMT, IMI, Imposto de Selo e IVA sobre os consumos da casa. Se passar a fumar mais, irá pagar mais imposto sobre o tabaco e se beber mais cerveja e/ou refrigerantes não se livrará dos respectivos impostos. A lista dos impostos ultrapassa os limites de caracteres disponíveis para um postal e por isso não poderei ser exaustivo. Assim, quem ficar com mais dinheiro depois da retenção na fonte feita sobre o seu salário, acabará sempre por pagar mais impostos.

Quando falamos de que só aumentando a nossa produtividade podemos ver os nossos salários aumentados, falamos indirectamente do batalhão de funcionários das finanças, contabilistas, empresários, trabalhadores por conta de outrem que têm de lidar com o que será um dos sistemas fiscais mais complexos da Europa, ou do mundo. Quantas outras coisas produtivas poderiam ser feitas durante o tempo que se gasta a esclarecer as dúvidas resultantes da infinidade de detalhes do nosso sistema? Quantas dúvidas exigem um ou mais telefonemas, um ou dez e-mails, quantas multas indevidas acabam anuladas após a sua reclamação ou ida a tribunal, quantas horas de bisturi em punho são exigidas a quem quer aumentar os seus empregados sem incorrer na situação do Américo, quantos trabalhos em part-time não chegam a ocorrer para não se subir de escalão e, ao fim ao cabo, quanto perdemos todos para que entreguemos ao estado a decisão do que fazer com aquilo que ganhamos com o nosso trabalho?

A taxa chata - I

Paulo Sousa, 24.01.22

O Américo é empregado por conta de outrem. Preenche o IRS individualmente, é residente no continente, não tem dependentes a seu cargo, não aufere de outros rendimentos que não sejam do seu trabalho e também não recebe os seus subsídio de natal e férias em duodécimos.

Para tornar o cálculo mais simples excluí deste exercício o subsídio de alimentação, pois se este fosse pago acima ou abaixo da tabela divulgada anualmente pela AT, isso poderia levar a que este exercício se tornasse demasiado elaborado.

Para enquadramento geral podemos imaginar que o Américo nasceu nos anos 80, tem formação superior e já trabalha há dez anos.

A seu salário é de 1.560€, o que para Portugal nem parece mau, mas o que chega à sua conta bancária são apenas 1.120,40€, valor que andará próximo do salário médio nacional. Apesar da lei portuguesa impedir que essa informação conste no seu recibo do salário, este ordenado custa ao seu empregador 1.930,50€. Já aqui postei sobre o mesmo assunto, embora noutra direcção.

Por estar a receber um valor cada vez mais próximo do Salário Mínimo Nacional, o Américo foi falar com o seu patrão. Explicou-lhe o que o seu irmão mais novo, que está a trabalhar na Irlanda há dois anos, recebe mais de 4.000€ por um trabalho idêntico. Por isso pediu-lhe um aumento.

O patrão que receia que o Américo também emigre, decide aumenta-lo. Explica-lhe que gostaria de lhe pagar mais e como ele sabe a empresa está a atravessar dificuldades por causa da pandemia, mas logo que haja condições irá recompensa-lo.

Assim, o patrão decide aumentá-lo em 30€. É um aumento pouco mais do que simbólico, mas é uma forma de se mostrar sensível à exposição do Américo. Este aumento irá custar à empresa 37€ adicionais.

Assim ficamos na seguinte situação:

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Cálculos efectuados através do site Doutor Finanças.

Importa relevar que se o Américo fosse casado ou vivesse e união de facto estes cálculos seriam diferentes. Não que o estado queira saber das opções individuais dos portugueses, pois o Américo podia viver com a Joana, com o João, com quem poderia estar ou não casado. O Estado não quer saber disso para nada, excepto para efeitos fiscais.

Se o Américo vivesse numa das Regiões Autónomas, os valores aqui apresentados seriam também diferentes. Não que os madeirenses ou os açorianos sejam cidadãos diferentes dos demais, pois todos somos iguais perante a lei. Excepto para efeitos fiscais.

Se o Américo tivesse filhos ou outros dependentes a seu cargo, os valores aqui apresentados seriam também diferentes. É óbvio que o país precisa de crianças para se renovar geracionalmente e com o tratamento desigual a quem não tem dependentes a seu cargo, o estado procura promover a renovação geracional. Os mais recentes censos confirmam o sucesso desta variável na fórmula de cálculo do IRS.

Se o patrão do Américo se atrasar no pagamento de um salário e no mês seguinte lhe pagar os dois salários juntos, isso terá de ter um tratamento próprio de forma a que essa duplicação não o faça subir de escalão. Não que o estado queira controlar todos os instantes do que se passa na relação entre o empregador e o empregado, isso é que não. Excepto para efeitos fiscais.

Importa também acrescentar que no período em causa o Américo não auferiu do pagamento de férias não gozadas, não recebeu nenhum subsídio de compensação de encargos familiares (creches, jardins de infância, estabelecimento de educação, lares de idosos e outros serviços ou estabelecimentos de apoio social), nem subsídios destinados ao pagamento de despesas médica e medicamentosa, não beneficiou de refeições tomadas das entidades empregadoras, não recebeu nenhuma indeminização por despedimento ilegal nem nenhuma compensação por cessação do contrato de trabalho, nem ainda nenhum desconto para a aquisição de acções da entidade empregadora. Se algumas destas situações tivesse ocorrido, os cáculos seriam diferentes.

Mais simples é impossível.

Pilhagem

José Meireles Graça, 28.12.21

Há um ror de anos que me entretenho a, à medida que vou vendo as notícias do dia, comentar no Facebook para ilustração da minha bolha. Há gente que com despudor discorda sistematicamente de mim e outra, asizada, que pelo contrário nos textinhos quase sempre reconhece a razão que os permeia.

O algoritmo que a escumalha infecta que governa aquela rede desenhou tende a não ir na minha bola. Tanto que há uns meses o meu “mural” e o acervo de fotografias e palavreado de mais de seis anos sumiu e fui obrigado a criar um “perfil” novo. Os americanos e as suas invencionices são como as mulheres: não se pode passar sem elas mas, às vezes, fica difícil aturá-las.

O estúpido deve julgar que sou trumpista, negacionista e fascista, coisas que, se fosse, assumiria desassombradamente; e guarda a sua benevolência para bidénicos, covidiotas, progressistas (a maneira edulcorada de dizer comunas) e, sobretudo, marias-vão-com-as-outras. O método para evitar chocar com ele é, tal como se fazia com os coronéis da censura da Velha Senhora, dizer as coisas com circunlóquios que eles não percebiam. Mas às vezes esqueço-me. E hoje, a falar de um texto (Estado social (10)) de um professor doutor de Coimbra meu Deus, que sigo há anos para o efeito de lhe cascar no asneirol, a benemérita rede classificou o meu post, singelo e curto como se quer, de “conteúdos sensíveis”. Conteúdo sensível, é? Então não se pode perder. E antes que o apaguem fica aqui:

O esquerdismo é uma praga que corrói os fundamentos de uma sociedade sã, e pior se se apresentar embrulhado em argumentos de aparente bom senso. O imposto sobre as sucessões (que este empáfio diz que foi extinto mas não foi) consiste nisto: a riqueza que sobra depois de pagos todos os impostos no percurso que a ela levou não pode ser deixada aos herdeiros sem que a comunidade, qual abutre, vá lá comer a sua parte, cuja quantidade é arbitrária. Este gatuno (EH um gatuno, roubar para dar aos outros não é menos roubo por isso) chega a achar natural que, para pagar o imposto, se tenha de vender uma parte do herdado. A mais deletéria praga económica dos nossos dias é o marxismo reciclado em fiscalidade predatória e igualitarista.

O offshore da Raia

Paulo Sousa, 20.10.21

Qualquer cidadão português pode recorrer a uma offshore para reduzir os impostos a pagar.

Os impedimentos a que isso aconteça de forma generalizada são exclusivamente de natureza económica, por via dos custos administrativos e legais a que essa solução possa comportar. Por isso só é economicamente razoável recorrer a uma offshore para um volume de capital em que os referidos custos sejam absorvidos pelos ganhos marginais conseguidos em matéria fiscal. Como consequência, o ponto de equilíbrio a partir do qual faz sentido recorrer a este tipo de serviços, varia de acordo com a carga fiscal de cada país.

Assim, sempre que a autoridade tributária de um país aumenta ou diminui os impostos, e aqui é de impostos directos que estamos a falar, torna esta forma legal de ser menos taxado, mais ou menos atractiva.

É claramente um dos exemplos que mostram como o sentido económico da realidade é contra-intuitivo. Da mesma forma que um estabelecimento comercial quando aumenta isoladamente os seus preços, sem que o custo das mercadorias tenham subido na mesma proporção, está a pressionar os seus clientes no sentido de preferirem a concorrência, um estado quando aumenta os seus impostos empurra alguns dos seus contribuintes para fora da sua jurisdição.

Algumas almas crédulas na cantilena de que existe uma justiça moral na cobrança dos impostos, ficarão incomodadas com a eventual crueza desta lógica, mas por isso será mais fácil mostrar rigorosamente o mesmo recorrendo a outro exemplo.

Imaginemos que o custo de uma viagem até à mais próxima estação de serviço que opere sobre a alçada da autoridade tributária espanhola, equivale aos custos administrativos em constituir uma sociedade offshore. Quanto maior for a diferença entre os preços dos combustíveis nos dois lados da fronteira, maior é o benefício em ir abastecer a Espanha.

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De igual modo, quanto mais altos forem os nossos impostos, maior é o benefício em recorrer a uma offshore, assim como se torna mais interessante fazê-lo a partir de valores mais baixos.

Quem é que estando na posse do seu pleno juízo, e estando a uma distância que o justifique, deixa de ir abastecer o carro a Espanha? Certamente que nem mesmo os que se indignam com as notícias sobre os milhões que fogem anualmente do nosso país em busca de paragens fiscalmente mais baratas. Especialmente para esses, importa lembrar que é a procura por uma poupança fiscal que leva alguém a cruzar a Raia, tal e qual como acontece com quem recorre a uma offshore.

PS: Não existe qualquer justiça moral na cobrança de impostos, pois estes servem exclusivamente para financiar o estado. O resto é música de violino. 

Engana-me que eu gosto*

José Meireles Graça, 15.10.21

Assentemos em alguns pontos: o eleitor é distraído, a democracia equívoca, a economia contraintuitiva, os ricos sanguessugas e parasitas e as burocracias do Poder opacas.

Distraído porque a política interessa a poucos. As bolhas das redes sociais, os campus das universidades, e as redacções dos jornais e televisões, estão cheias de gente que julga que não é assim, mas é. A notícia do político que beneficiou abusivamente uns camaradas, do outro que deu uma golpada, ou daqueloutro que empregou a família, não comove ninguém, senão para confirmar o cidadão cínico, que se imagina sábio, na ideia de que eles estão lá para se encherem e que, no fundo, são todos uma cambada de ladrões. E a indignação fica guardada para o que se deixa apanhar na malha da Justiça. Ai dele, que além de vigarista era burro, deviam era fechá-lo numa masmorra qualquer, e atirar fora a chave.

A democracia como a entendem os meus concidadãos não aguenta explicações muito sofisticadas, que contemplem direitos do indivíduo que a maioria não tenha o direito de ofender. Pelo contrário: a ideia de que uns caramelos defendam coisas diferentes das que a maioria esmagadora subscreve só é aceite se os caramelos em questão pertencerem a uma tribo reconhecida e aceite pela comunidade, em nome do convívio das tribos. E as minorias gozam de tantas mais defesas – ia a dizer privilégios – quanto mais aguerridas e quanto mais subscrevam o progressismo, entendido como o aumento dos direitos materiais, como se os que beneficiam uns não implicassem quase sempre obrigações para outros. A menor minoria de todas, que é a pessoa, é o parente pobre desta engrenagem – ai dela se não pertence a nada, nem ao povo trabalhador, nem ao lobby gay, nem ao sindicato, nem ao clube, nem à associação patronal, nem ao partido, nem é cigano ou preto, nem, nem.

Os ricos começam por ser suspeitos porque, como é geralmente sabido, para o serem ou herdaram ou aldrabaram. Ora, em herdar não há mérito; e em vigarizar também não, muito ao contrário, como se prova pelo facto de a maioria das pessoas que não são ricas ser perfeitamente capaz, se o fosse, não apenas de dar provas de grande generosidade, mas também de evidenciar um gosto no consumo, uma discrição no comportamento e um discernimento na hora de investir muito superiores.

Aliás, a necessidade de ricos é um lero-lero. É mais ou menos consensual que a gestão privada não é superior à pública: não vão todos os dias à falência empresas privadas, lesando o Fisco, os fornecedores e os próprios trabalhadores? E não tem o capitalismo crises cíclicas, implicando sempre destruição de valor? Se a justificação para a existência de ricos for o investimento, então não se percebe por que razão não fica este limitado à esfera pública, onde semelhantes males sempre se podem evitar.

É certo que em todos os pontos em que esta experiência foi (e continua a ser, naqueles de onde só não foge quem não pode ou está no poder) ensaiada o resultado foi escassez e travagem do progresso. E esta infeliz constatação  levou a que lúcidas pessoas de esquerda (isto é, as que entendem que na igualdade está a felicidade) tenham congeminado o melhor de dois mundos: para investir criam-se empresas, que têm personalidade jurídica diferente da dos seus proprietários; estas personalidades colectivas não comem, não bebem, não têm amantes, mas taxam-se como se fossem pessoas, o que permite engordar o que as pessoas reais pagam mas sem que se apercebam – a empresa, se puder, vende mais caro porque existe para distribuir lucros ou dividendos e investir, não para pagar impostos, os clientes pagam, e no que pagam está ínsito outro imposto, esse visível, que é o IVA (além de outros impostos indirectos e alcavalas sortidas, dependendo do bem ou serviço). No que os proprietários recebem há um imposto à parte – entre nós, até ver, 28%.

A ideia de taxar a empresa assenta no pressuposto de que a punção sai dos bolsos dos proprietários, e seria portanto uma falsificação da taxa que realmente incide sobre os rendimentos daqueles. E em alguma medida isto poderá suceder, mas, sendo a natureza humana o que é, é mais provável que quem resulta ofendido seja o cliente, que paga mais, o trabalhador, que recebe menos, e a capacidade de investimento com recursos próprios, que fica diminuída.

Esta opacidade, tão espessa que o comum dos mortais acha que são as empresas, e não os seus clientes (ou os trabalhadores, que poderiam ser mais bem remunerados), que pagam o IRC, como se entende? A explicação é simples: nem sequer o IVA, cuja taxa figura nas facturas, desperta atenção. A margem do fornecedor, que é sempre, por comparação, ridícula, é que suscita comoções, como se viu por estes dias com o preço dos combustíveis. Isso e a sua real ou putativa riqueza que, se for visível, logo é objecto de cobiça: então esses patifes do Pingo Doce têm milhões, é? Ora, deviam fazer como os do Continente, que também têm mas ao menos sustentam um jornal progressista (e aliás a esses dois grupos Nosso Senhor ainda os vai castigar, que com Lidls, Intermarchés, Mercadonas e o mais que se verá, um destes dias, se não se põem a pau, alguns deles ainda vão mazé para aquela coisa dos PERs, ou lá o que é).

Temos portanto que na fiscalidade o que parece não é. E na economia também: se eu, no caso de ter acne e o mais remoto respeito por comunistas e frei Anacleto Louçã, acreditasse que no dia em que toda a riqueza fosse igualmente distribuída acabava a pobreza, não andaria longe do que, à escala nacional, acredita a maior parte do eleitorado. O que ajuda a explicar (isso e não a suposta incapacidade das elites, mesmo que exista) o atraso relativo do nosso país.

Pois bem: muitas multinacionais, com trocas e baldrocas (o que, na gíria, se chama engenharia financeira), baldam-se aos impostos. E alguns países, e não apenas aqueles onde se localizam offshores, ajudam-nas nesse meritório esforço. Ora isto não pode ser. E não pode por causa da concorrência desleal: Dos países, que atraem empresas, ou melhor, sedes de empresas, só para estas aproveitarem taxas baixas de imposto, mas sem benefícios reais para as populações locais (dizem economistas de nomeada, uma variedade de pessoas que tem excessiva inclinação para expectorar quantidades prodigiosas de asneiras); e das próprias empresas, a quem sobram os meios que faltam às menos engenhosas na trapaça legal, ou simplesmente mais pequenas.

Daí que haja uma universal satisfação com uma taxa mínima de 15% de IRC para empresas multinacionais com a qual esta tia apparatchik rejubila, falando em “momento histórico” e numa "questão básica de justiça”.

Nem o momento, nem a taxa, nem ela, são históricos, sequer de rodapé, e a justiça pouco tem a ver com isto. Mesmo que outros burocratas supranacionais, como este Mathias Cormann, também embandeirem em arco, e dificilmente apareça algum prócere que não se junte ao coro. E estou certo que Marcelo, se ainda o não fez, haverá de saudar este grande passo, para o qual deve ter contribuído pelo menos um português (há sempre pelo menos um, nem que seja a servir cafés), assim como Guterres (ainda que neste caso não se esteja bem a ver qual será o efeito positivo que a medida tenha no aquecimento global, que não o deixa dormir) ou Costa, este porque a União, em que ele tem, segundo a comunicação social portuguesa, uma voz preponderante, deu um precioso contributo para este feliz desenlace.

Sucede que combater a concorrência desleal é meritório. Mas se o objectivo fosse apenas esse (e admitindo, o que apenas concedo para efeito do que digo a seguir, que a competição fiscal entre países não é uma boa defesa dos contribuintes, e que esta história da eliminação das vantagens relativas de uns países sobre outros não é uma porta que se abre para todo o tipo de efeitos perversos) então o aumento de receitas previsto iria permitir o correspondente alívio de outros impostos. A boa da Ursula, ou o belga-australiano com mau aspecto que preside à OCDE, ou a turba dos dirigentes que já se pronunciaram ou virão a pronunciar-se, porém, disso não falarão.

Com boas razões. Um economista de quem sou amigo disse-me há tempos: Epá, as pessoas em todo o lado pedem mais e mais coisas ao Estado e o dinheiro de algum lado tem de vir.

A mim parece que o dinheiro que vier das multinacionais, se esta loucura mansa for avante, aquelas cobrarão, de uma forma ou de outra, aos seus clientes. E já me estou a ver a pagar muito mais pelo programa de tratamento de texto que estou neste momento a usar e por mais um sem-número de coisas que agora não descortino.

Aqueles, e são a maioria, que não pagam IRS, ficarão contentes. Isto de impostos sobre os ricos é mais do que justo. Aplaudirão portanto nas redes sociais, pertencentes a multinacionais, às quais acedem em telemóveis produzidos por outras multinacionais. Elas é que vão encostar a barriga ao balcão – elas, não eles, acham.

 

* Publicado no Observador

Após 20 anos de socialismo

Paulo Sousa, 19.07.21

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Há dias, a SIC comparou o preço da gasolina em Portugal com o de outros do países europeus, onde ela é mais cara. Estamos no terceiro lugar nesse ranking. O que seria de nós se a austeridade não tivesse já terminado?

Se a SIC cruzasse estes dados com a remuneração por hora de trabalho em cada um dos países, com quem dividimos o pódio, obteria os seguintes detalhes:


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Eurostat

Os valores apresentados respeitarão à remuneração média. Se em vez disso, considerarmos o SMN português, pago 14 vezes durante 12 meses, com 22 dias trabalho mensais e oito horas diárias, o valor obtido seria de (775€ x 14 / 12 / 22 / 8) = 5,13€.

Assim, para quem aufira do SMN português e para encher o mesmo depósito com 40 litros de gasolina, será necessário trabalhar 12h51.

Quem está satisfeito com isto, deve aproveitar as próximas eleições para o mostrar. E quem não está, também. Chama-se democracia.

É um problema do País

Pedro Correia, 19.07.21

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Somos esmifrados em impostos: a carga fiscal predomina nos combustíveis que consumimos. Hoje atingimos um novo máximo nesta matéria, tanto na gasolina como no gasóleo. Com preços a disparar e Portugal a reforçar o seu lugar no pódio europeu: só Holanda e Dinamarca pagam impostos sobre combustíveis ainda mais elevados - o que penaliza o cidadão comum, pois esta carga fiscal não distingue pobres de ricos.

Neste contexto, o ministro das Finanças ainda tem a suprema lata de dizer que este Governo não pratica "austeridade". Julgo que ele desconhecerá o real significado da palavra: só isso poderá abonar em sua defesa.

Perante tudo isto, o que faz o PSD? Rui Rio apresenta uma proposta de revisão constitucional e confia que o PS vai colaborar com ele. Seria quase cómico, se não fosse dramático: nenhuma democracia sobrevive sem uma oposição sólida e credível.

Esta ausência de alternativa a António Costa já não é só um problema do PSD: é um problema do País.

O Estado que desconfia dos cidadãos

Pedro Correia, 07.05.21

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Passam as décadas, passam os governos, mas algo nunca muda: a problemática relação entre o português que cumpre as obrigações de cidadania e o Estado que tantas vezes nos ignora. Proporcionando serviços de péssima qualidade, transportes públicos caóticos, protecção civil que deixa arder metade do património florestal do País, uma educação pública que não chega a todos, saúde sem meios físicos nem humanos capazes de corresponder às crescentes necessidades de uma população envelhecida, justiça insuficiente e caracterizada por uma lentidão exasperante. Ao contrário do que sucede nos países nórdicos, por exemplo, os portugueses dificilmente encontram retorno dos impostos que pagam em melhorias efectivas da qualidade de vida.

O zelo que o Estado - através do Governo - dispensa aos seus funcionários não tem paralelo na forma como se relaciona com o cidadão comum, encarado essencialmente como contribuinte. E, nesta óptica, considerado culpado até prova em contrário, numa inaceitável inversão do princípio constitucional da presunção da inocência, como há dois anos se verificou em operações stop realizadas pela Autoridade Tributária em parceria com a GNR para apanharem supostos infractores fiscais na via pública. Esquecendo-se o próprio Estado da sua condição de grande devedor: só as dívidas aos fornecedores e credores do Serviço Nacional de Saúde totalizavam 2,9 mil milhões de euros em 2017, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas divulgada em 2019.

Em Portugal, ao contrário do que sucede nouros países, a regra não é o Estado confiar nos cidadãos. A regra é o Estado desconfiar dos cidadãos. Como se existisse para servir-se de nós e não para nos servir, como é nosso direito e seu dever.

O imposto sobre os pobres

Paulo Sousa, 07.02.21

Para uma imensidão de portugueses a maior probabilidade de enriquecer, e assim de mudar de vida, passa pelos números da lotaria. Por isso podemos dizer que não é muito provável que alguma vez deixem de ser pobres.

Nem todos os jogos têm a mesma probabilidade de acertar na chave certa mas em qualquer um deles as hipóteses de vencer são tão reduzidas que toda a dinâmica se resume em pagar para poder sonhar.

É voz corrente que em Portugal se fazem os maiores volumes de apostas per capita de toda a Europa. Procurei dados sobre isso e encontrei apenas uma relação dos cinco maiores prémios pagos até hoje pelo Euro-Milhões, em cada um dos países que fazem parte desta lotaria europeia. Saltou-me à vista que, considerando esses cinco maiores prémios, em Portugal foram distribuídos 63€ per capita, enquanto que na Áustria esse valor não ultrapassou os 28€. Como não nos podemos considerar três vezes mais sortudos que os austríacos, julgo que isto é explicado por apostarmos três vezes mais do que eles, o que diz um pouco sobre a diferença das nossas expectativas de vida.

A dependência que este tipo de jogos provoca está estudada e comprovada. À distância poderá ser apenas mais uma estatística sobre uma adição, mas quando falamos dos jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) falamos de apostadores pobres, e nas terras pequenas esse fenómeno tem nomes e rostos. Não são casos raros em que até os donos dos cafés se entusiasmam com o produto estrela da SCML, que são as Raspadinhas, e depois de começarem à procura de um prémio que lhes pague o prejuízo anterior, acabam por perder a licença por incumprimento na entrega dos valores “cobrados”.

Aposto que será nos bairros mais pobres que os balcões de apostas angariam proporcionalmente mais receitas.

Nas povoações que têm mais do que um café, aquele que tem a máquina da Santa Casa está sempre em vantagem. A máquina de apostas até pode motivar a hipótese de trespasse de um estabelecimento desta natureza. Além da receita do jogo (7% do valor das apostas, segundo soube) esse é sempre o local onde se vende mais café, cigarros e bagaço.

Os jogos da Santa Casa são um negócio de milhares de milhões de euros. As receitas brutas da SCML ascenderam em 2019 a 3.360 milhões de euros. Ando a ganhar o hábito de converter os grandes valores da nossa economia em SMN, e assim essa receita equivalerá a mais de 5 milhões de SMN. Nada mau.

Podemos dizer que estes jogos canalizam recursos de todo o país para os cofres de uma das muitas Santas Casas da Misericórdia, neste caso para a de Lisboa. É como se fosse um imposto pago pelos pobres de todo o país e que é gasto em Lisboa.

Claro que os responsáveis da SCML entrarão logo em defesa do seu ganha-pão e dirão que deste valor cerca de 1.000 milhões de euros (aprox. 1,6 milhões de SMN) são transferidos para os beneficiários sociais da SCML, entre os quais encontramos o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ministério da Saúde e Ministério da Educação, dando razão à ideia do imposto.

Em pleno confinamento pandémico os cafés estão impedidos de vender bicas, ou cimbalinos conforme a região. Nem cafés, nem bares podem agora vender os seus produtos “ao postigo”. Até o Elefante Branco se queixa desta medida destruidora da economia.

Aqui na minha terra o café, onde já há uns anos deixou de se poder fumar, deixou agora também de poder tirar cafés. Mas como tem uma máquina da SCML, esticaram duas fitas plásticas vermelhas e brancas para, qual curro, assinalar o caminho mais curto das moedas dos bolsos do pobres até à gorda conta da SCML. Para que dúvidas não haja, a santidade está-lhe intrínseca no nome. É como a publicidade subliminar, nem damos por ela, levamos com o produto, com a embalagem e com o recado, tudo junto antes de ter tempo de respirar. E santa que é, consegue sem pestanejar, apelar à nossa ajuda para poder ajudar a dar uma resposta extraordinária à pandemia. Fiquei curioso e após vasculhar no site da dita, acabei por encontrar um link que nos leva ao respectivo relatório e contas (https://www.scml.pt/sobre-nos/relatorios-e-contas/), mas afinal não leva. Diz que é o erro 404, seja lá o que isso for. Mas, como quem dá uma resposta extraordinária à pandemia, quase como quem nos abraça, conforta-nos dizendo “Todos nós perdemos o rumo de vez em quando. A Santa Casa ajuda-o a encontrar o caminho” e, preocupada, encaminha-nos de volta à página principal.

Provavelmente durante um dos seus drinks de fim de tarde a Ministra da Cultura lembrou-se de criar mais um imposto especial sobre os pobres, para angariar receitas que serão canalizadas – e esse é o nobre destino das receitas, serem canalizadas – para ajudar a responder a “necessidades de intervenção de salvaguarda e investimento” em património classificado ou em vias de classificação. Diz que tem o objectivo de “envolver todos” e arranca já em Maio.

Quem nunca teve uma epifania depois de beber uns copos que atire a primeira pedra.

O esbulho fiscal dos salários (2)

Paulo Sousa, 20.08.20

Na sequência deste post de há dias, importa referir os seguintes detalhes:

1 - Como foi bem lembrado pelo leitor JgMenos se nos quisermos aproximar do custo real do empregador temos ainda de considerar o facto de que os valores apresentados para salário base serem pagos 14 vezes para 11 meses de trabalho. Como os subsídios de férias e de Natal não incluem o subsídio de refeição não podemos fazer uma proporção directa que nos levaria ao seguinte quadro.

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Em qualquer dos casos os valores rondam os 50% com a excepção do caso 4 referente ao SMN. Mas mesmo nesse caso o empregado recebe apenas 60% do custo total do seu empregador.
Importa acrescentar que o factor que tem maior peso nestes cálculos respeita à Segurança Social.

2 – Claro que existem diversas formas que remunerar o trabalhador sem que o estado se aproprie de tamanha proporção de riqueza. O estado sabe disso, e isso acontece de baixo do nariz de todos os Ministros das Finanças. O pagamento de despesas de representação, de quilómetros feitos em viatura própria ao serviço da empresa, assim como o recurso a prémios de desempenho são algumas das formas de reduzir o valor da segurança social. Atalhos idênticos são utilizados para remunerar horas extraordinárias.
Há quase um ano o país quase parou com a greve dos camionistas das matérias perigosas. Algumas das suas reivindicações prendiam-se exactamente com o impacto negativo que essas formas de remuneração têm na sua reforma. O Estado sabe disto e finge que não vê porque teme asfixiar ainda mais a economia. O Estado finge também que não sabe, porque precisa de fingir que alinha nas exigências ideológicas dos seus parceiros. No fundo é um jogo de fingimentos vários e com diferentes direções. Esta não é A causa da estagnação da nossa economia, mas é apenas mais uma das causas.

3 – A remuneração líquida que cada trabalhador recebe será direcionada principalmente para o consumo. Por isso será novamente taxada em IVA, Imposto sobre produtos petrolíferos, Imposto sobre Veículos, Imposto Único de Circulação, Imposto de Selo, Imposto Verde (s/ sacos de plástico), Imposto sobre álcool e bebidas alcoólicas e Imposto sobre o Tabaco. Se depois desta cascata de impostos sobrar algum valor e alguém conseguir adquirir a prestações um imóvel, será ainda devedor do Imposto Municipal sobre Transações e Imposto Municipal sobre Imóveis. Vou aqui saltar outras taxas e taxinhas.

4 - Se as taxas de IRS que explicam parte do fenómeno fiscal indicado no post anterior fossem menores, os trabalhadores veriam os seu rendimento disponível aumentado e assim poderiam consumir e poupar mais. Naturalmente que iriam pagar mais imposto sobre o consumo, o que de ponto de vista fiscal equilibraria a perda de receita de IRS.

Os impostos em geral, pela legitimação da apropriação dos bens dos outros, são a quinta essência da esquerda. Os indirectos, sobre o consumo, por serem muito castigadores de quem mais consome, que são os ricos. Mas mais adorados ainda são os impostos directos, como é o caso do IRS. Estes têm o fascínio irresistível de legitimarem a castração em absoluto das possibilidades de escolha do contribuinte .
A retenção na fonte do IRS baseia-se numa perversa lógica de anestesia fiscal. Depois de sacar dois ou três ou ainda mais milhares de euros por ano a um casal, o Estado “devolve-lhe” com uns meses de atraso três ou quatro centenas deixando-os assim satisfeitos com a safra fiscal desse ano.

5 – A minha proposta que sem a rede de cretinisse do Plano Estratégico do António Costa e Silva poderia parecer idiota:

Tudo isto se passa num “suponhamos”.

Se as duas parcelas de IRS e de Seg. Social (cerca de 50% dos custo suportados pelo empregador) pudessem ser redistribuídas em partes iguais pelo trabalhador e por quem lhe dá emprego, os ganhos sociais e de competitividade seriam imensos. Em primeiro lugar pelo aumento do rendimento disponível que seria especialmente mais significativo nos ordenados mais baixos. Em segundo pela folga de tesouraria que permitiria às empresas reduzir o seu endividamento, investir no crescimento do seu negócio ou então simplesmente sobreviver no cenário de pandemia que vivemos.

Mas, dirão: "Para isso seriam vários milhares de milhões de euros para equilibrar o OE". E é verdade.

Mas faria mais sentido oxigenar a tesouraria das famílias e das empresas, numa medida desta natureza, consumindo parte da ajuda europeia que nos é destinada, ou será melhor torrar esses fundos europeus no megalómano projecto do hidrógenio, exactamente no início da sua curva tecnológica, quando tudo é muito mais experimental, mais caro, menos produtivo e menos rentável?