Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
«Os imigrantes têm de respeitar a [nossa] cultura e [o nosso] modo de vida.»
«O respeito pelas mulheres é fundamental na sociedade contemporânea e deve ser um valor partilhado por todas as pessoas que querem viver e trabalhar em Portugal.»
«Deve haver um esforço muito determinado em garantir que quem trabalha e vive em Portugal saiba falar português.»
«Quem procura Portugal para viver e trabalhar, obviamente, percebe, ou tem de perceber, que há uma partilha de um modo de vida, uma cultura que deve ser respeitada.»
«A justiça deve ser implacável contra o crime e os criminosos, sejam eles de que origem forem.»
«Precisamos, de uma vez por todas, de falar sobre a imigração de forma descomplexada, exigente, rigorosa, como infelizmente não se tem feito.»
«Não devemos tratar da mesma forma alguém que entrou legal e alguém que entrou ilegal.»
«O País não se preparou para a entrada intensa de trabalhadores estrangeiros.»
«Esse instrumento [manifestação de interesse] tinha efeitos negativos, porque, na realidade, não podemos ignorar que tinha um efeito de chamada.»
Pedro Nuno Santos, hoje, em entrevista ao Expresso. Com discurso muito semelhante ao de Luís Montenegro, que ele criticara há pouco mais de um mês no parlamento
Longe vão os tempos do emigrante português analfabeto e humilde. Na edição de Agosto passado do jornal português na Alemanha PT-Post, li sobre dois nossos compatriotas, dos quais nunca tinha ouvido falar, mas que atingiram um certo destaque na sociedade alemã.
Marco Matias, filho de portugueses oriundos da Calda das Taipas, Guimarães, nasceu em Junho de 1975 em Solingen, uma cidade conhecida pela sua indústria de cutelaria e onde muitos portugueses encontraram emprego.
Marco Matias é a voz masculina da Big Band do exército alemão (Big Band der Bundeswehr). Inspirado pelo major norte-americano Glenn Miller, fundador de uma banda militar que optava pelo swing em detrimento das habituais marchas, o Ministro da Defesa alemão Helmut Schmidt (mais tarde, chanceler) fomentou, em 1971, a formação de uma banda desse estilo. Além do swing, a Big Band der Bundeswehr toca igualmente rock e pop.
Marco Matias começou a dar nas vistas em 2003, ao participar num programa de casting intitulado “Die Deutsche Stimme”. Embora o título se traduza por “A Voz Alemã”, este programa nada tem a ver com The Voice of Germany, idêntico ao da versão portuguesa e cuja primeira temporada foi para o ar em 2011.
Em 2005, Marco Matias participou no Festival da Canção alemão, em dueto com a cantora Nicole Süßmilch, e ficou em segundo lugar. No ano seguinte, actuou mesmo no Festival Eurovisão da Canção, mas representando a Suíça, integrado no grupo Six4one.
Tornou-se vocalista da Big Band do exército alemão, em 2017. Como, nesta altura, já tinha, porém, uma vasta rede de conhecimentos, continua a colaborar com outros conjuntos, permitindo-lhe actuar em mais de cem eventos por ano.
Vítor Gatinho (Foto Instagram)
Vítor Gatinho, de quarenta e um anos, filho de portugueses e nascido em Frankfurt, é um médico pediatra com milhares de seguidores nas redes sociais. Além disso, já venceu duas vezes o prémio de melhor podcast, na categoria “Ratgeber” (orientação e aconselhamento), e escreveu três livros, um deles atingindo o primeiro lugar na lista de best-sellers do Spiegel.
Vítor Gatinho era um médico como outro qualquer, até que chegou a pandemia, em 2020. Obrigado a passar os tempos livres em casa, apercebeu-se de médicos, sobretudo americanos, que publicavam vídeos no TikTok e resolveu começar a fazer os seus próprios vídeos. Do TikTok, passou para o Instagram, onde, dos seus 120 seguidores iniciais (familiares e amigos), passou a ter mais de 700.000!
O sucesso levou-o a criar um podcast (o artigo não explica se sozinho, ou sugerido/apoiado por alguém ou alguma entidade), onde explica, de uma forma descomplicada, várias questões à volta da infância e da adolescência. Em Março e Abril deste ano, pisou, pela primeira vez, os palcos, a fim de interagir com o público, numa digressão por Frankfurt, Hamburgo, Estugarda e Munique.
Estas actividades passaram a ocupar tanto espaço na sua vida, que reduziu o tempo de trabalho na clínica, de cinco para três dias por semana. Já pensou em criar conteúdo em português, mas confessa não serem suficientes os seus conhecimentos da nossa língua para fazer vídeos. Além disso, não conhece a realidade da medicina pediátrica, nem da vida de crianças e adolescentes, em Portugal e calcula haver muitas coisas a funcionarem de outra maneira. Alimenta, porém, o desejo de ver os seus livros traduzidos para português.
Já agora, a propósito dos sessenta anos da presença da comunidade portuguesa na Alemanha, foi renovada a placa comemorativa em memória de Armando Rodrigues de Sá, o milionésimo imigrante (Gastarbeiter). Armando Rodrigues de Sá chegou à estação de Köln-Deutz, a 10 de Setembro de 1964. A placa havia sido inaugurada em 2014, por ocasião dos cinquenta anos da sua chegada, mas estava muito deteriorada. Foi renovada, a pedido do Conselho de Integração da cidade de Colónia, e novamente descerrada, a 3 de Setembro passado.
A placa, embora evocativa da chegada do português, é dedicada a todos os imigrantes, como se lê no título: Den Eingewanderten gewidmet.
De repente, muitos desataram a chamar «migrantes» em vez de imigrantes aos estrangeiros que procuram Portugal para aqui viverem e trabalharem, enquanto os nossos compatriotas acolhidos em países estrangeiros continuam a ser emigrantes. Que raio de critério levará a usar a vogal nuns casos e a omiti-la noutros?
Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana
Não foi muito noticiado porque não era uma declaração, ou entrevista, ou encontro com um primeiro-ministro europeu do “nosso” Costa, nem detalhes sobre um dos pacotes de milhões com que somos periodicamente brindados, ou sequer uma nova Directiva acrescentando mais um aperfeiçoamento à pirâmide legislativa que atropela competências de Governos, Parlamentos e burocracias nacionais.
O Conselho Europeu adoptou o Pacto da UE em matéria de Migração e Asilo em 14 de maio de 2024. O assunto vinha sendo negociado desde 2023 entre os governos, o “Parlamento” e a nebulosa de instituições e pessoas cuja missão é limar arestas nas reservas que o país A ou B possam ter em relação a isto e àquilo, e chegou-se finalmente a um resultado.
Ou não chegou, porque a notícia, de agora, é isto:
Número de países da UE a favor de restrições à imigração sobe e ameaça pacto dos 27.
Como? Então era pacífico e deixou de ser? Deixou. E como os inconvenientes sérios das portas abertas a todos não se agravaram desde Maio deste ano, importa saber o que mudou. E o que mudou foi a percepção dos resultados eleitorais, com a imparável ascensão do que a comunicação social convencionou chamar “extrema-direita” (com redactores mais imaginativos a optar por “direita radical”) na França, Bélgica, Alemanha, Áustria, sem falar naqueles países que já são governados por Belzebus de vária pinta, como a Hungria de Órban e a Itália de Meloni, ou outros ainda, como a Suécia ou a Holanda, onde paira igualmente um cheiro a enxofre.
Todavia, passa-se isto curioso: Os eleitorados começam a bater com o punho na mesa e vão entrando de cambulhada no Poder, ou próximo dele, ideias que a maior parte da comunicação social, lá e cá, execra (acertando ocasionalmente num aspecto ou noutro, o que não diminui o enviesamento sistemático). E como os partidos tradicionais da antiga direita e social-democratas começam a ver o terreno a fugir-lhes debaixo dos pés, vá de adoptarem, edulcoradas, políticas até há pouco desprezadas como desumanas, retrógradas e, para jornalistas com poucas luzes de história e entendimento mas muitas de militância vanguardista, fascistas.
É isso que, no conjunto, explica este flic-flac à retaguarda. E é isso que ajuda a compreender como é que governos como o de Starmer (que não é da UE mas serve para este efeito porque o casaco lhe veste) ou Scholz ou Frederikson (esta da Dinamarca) estão a mudar de voz, do contratenor socialista para o baixo da direita, ao menos nesta questão.
Há uma curiosidade ainda maior: Como é que os partidos e governos de esquerda moderada estão e estarão, nesta e noutras questões, a tentar recuperar o eleitorado que lhes foge enquanto a comunicação social continua a usar figuras de estilo e classificações importadas da extrema-esquerda e da chanfradice oca do wokismo (fascismo, xenofobia, racismo, misoginia, heteropatriarcado e um longo etc.) que aplica a esmo, raramente com razão? Os leitores, tal como os eleitores, não estão a fugir?
E não apenas: Houve tempo em que a missão dela era informar, agora é formar porque alguém convenceu os jornalistas de que devem paternalmente evitar que os cidadãos pensem pela sua cabeça, que presumem pior que a deles. E isso, também na imigração, tem consequências: Podemos ver com abundância incêndios (a meu ver bem) sem preocupação de que as imagens incentivem incendiários; mas não podemos conhecer a etnia de criminosos, que é sistematicamente omitida não vá as pessoas lançarem labéus sobre o grupo étnico ou religioso ou nacional xis ou ípsilon. O que dá como resultado que cada qual se alimenta, ou se deixa alimentar, pelas suspeitas e generalizações que escolhe. Tudo sem peso, nem medida, porque as autoridades colaboram na farsa, escamoteando dados relevantes precisamente neste aspecto.
Estão então a fugir os leitores. Vão para sítios na internet e nas redes onde desconfiem menos do paleio bolorento que lhes querem enfiar e onde encontrem notícias e vídeos, umas e outros às vezes falsos mas por vezes verdadeiros, porém quase sempre filtrados pelo situacionismo da informação oficial e oficiosa, que é quase toda. E esta falta de lucidez, que aliás os jornalistas já estão a pagar caro, deve ser produto, suspeito, da formação ministrada nas escolas de jornalismo e nas universidades, hoje coio de wackos e esquerdistas, sobretudo lá fora, de declinações várias. Daí que haja o risco, no vazio do conhecimento informado da situação, de a aflição do cidadão comum se transmutar na aversão indiscriminada aos grupos sociais que sejam ostensivamente diferentes.
Resta que receio que o problema da imigração, que aliás não afecta todos os países por igual, esteja envolto numa série de equívocos.
A verdade é que, se os imigrantes viessem generalizadamente ocupar os lugares dos naturais, os sindicatos atroariam os ares com protestos. Fazem-no, mas timidamente e não para protegerem os seus associados mas porque defendem condições iguais às dos que estão para os que vêm, com o propósito de angariarem novas clientelas – como aliás os partidos de extrema-esquerda. E isto com característica ignorância e desprezo das necessidades e realidades da economia que se veem servidas com este aporte de trabalho.
E esses lugares que os imigrantes acaparam estão vagos porquê? Por uma razão simples: não há gente suficiente que os queira. Posso eu, se for burro, embirrar com o paquistanês escurinho que traz o jantar numa dessas motoretas da Glovo, mas se não for ele vou mas é para a cozinha, até porque no restaurante é mais caro e aliás também podem estar brasileiros ou bengalis a servir.
Os imigrantes vêm porque são necessários e porque a pobreza relativa da sua condição cá é ainda assim menos miserável que a que teriam nos seus países de origem.
Diz-se que boa parte dos problemas desta natureza têm origem no Estado Social, que reforma as pessoas cedo, é demasiado generoso e cego nos subsídios de doença ou nos dias de baixa ou férias pagas, limita os horários de trabalho e multiplica os amparos por baixo dos que têm ainda cortiço para trabalhar mas se ocupam na pedinchice ou são presas da droga.
Parte disso é verdade. Mas por um lado recuos no Estado Social, em democracia, são suicidários para os partidos que os proponham, salvo em casos de completa falência (como o da Argentina): e, por outro, mesmo assim as falhas no mercado de trabalho não seriam supridas porque as mulheres faz tempo que não têm filhos em quantidade suficiente, nem parece que o conjunto de apoios que penosamente têm vindo a ser concedidos para esse nobre propósito seja suficiente, para já, para dar resultados. De modo que entretanto de algum lado têm de vir os recursos de mão-de-obra. Vêm da imigração.
Há porém outro medo, mais sério. E esse é o de que vagas sucessivas de imigrantes acabem por descaracterizar o nosso e outros países e a prazo transformá-los noutra coisa qualquer que já não será a França, nem o Reino Unido, nem nada do que conhecemos como a Europa e a sua marca no mundo.
Ninguém em seu juízo achará que brasileiros, por muitos que venham, alterarão um iota na nossa identidade (tão forte, aliás, que a desdenhamos ao ponto de uma generalizada autocrítica que nações menos seguras não praticam); e muitos serão comigo os que acham que oriundos das antigas colónias devem ter, nos limites dos lugares disponíveis, acolhimento. Porque falam português e porque a retórica dos PALOPS precisa de mais conteúdo e menos treta. E isso mesmo que, a prazo, se constituam bolhas e nasçam fenómenos de genuíno racismo, e ainda que apareçam mais uns quantos Mamadous ou Joacines a expectorar tolices odientas. Às vezes há soluções que também trazem problemas, paciência.
Mas muitos dos outros, cá e em toda a parte, que são insusceptíveis de integração? Desde logo porque trazem um corpo de ideias religiosas profundamente arreigadas que não são apenas diferentes das ocidentais, são opostas em numerosos aspectos, como por exemplo em princípios axiais da civilização contemporânea como a igualdade entre sexos ou a inexistência de penas corporais infamantes. Dir-se-ia que divergências entre a ordem religiosa e a civil são a regra, não a excepção. Assim será. Com a diferença, porém, de que se no corpus dos textos sagrados estiver consagrada a indistinção entre a autoridade religiosa e a civil (a segunda, quando exista, derivando a sua legitimidade da primeira) e se os detalhes da vida mundana estiverem minuciosamente regulados, tudo embrulhado numa religião prosélita de vocação universal, então o que se está a fazer é importar potenciais, e gravíssimos, conflitos.
Este aspecto é geralmente omitido porque a liberdade de culto é ela própria uma conquista relativamente recente, que fica aparentemente ofendida se se operarem exclusões de novas entradas com fundamento em motivos religiosos. Aparentemente: porque a igualdade está na liberdade de culto dos cidadãos; não na de alienígenas, infiltrando-se em nome da nossa liberdade para, a prazo, acabarem com ela em nome da deles.
Todo este arrazoado a propósito da manifestação do Chega, que era para comentar separando a propaganda partidária e a substância; a tolice e o acerto; e o que aquilo tem de moda de pensamento importada e a necessidade.
Não é que interesse muito, afinal. Porque a chuva e o bom tempo (mais aquela que este) hoje definem-se lá longe, como se vê na notícia para a qual se remete a princípio. Nós é mais para fornecer estadistas de arribação às instâncias internacionais.
A 10 de Setembro de 1964, chegava à estação de Colónia, na Alemanha, o português Armando Rodrigues de Sá, de 38 anos, natural de Vale de Madeiros, distrito de Viseu. Como muitos outros, que partiam à procura de melhores condições de vida, era um homem simples e tímido. Não desejaria, decerto, tornar-se no centro das atenções, num país desconhecido. Mas os altifalantes da estação anunciaram o seu nome, uma multidão, que incluía autoridades, cercou-o, bombardeando-o com numa língua imperceptível, uma banda de música começou a tocar. Sem ainda bem saber o motivo para tal balbúrdia, passaram-lhe um ramo de flores para a mão e ofereceram-lhe uma motorizada Zündapp.
Quis o destino que Armando Rodrigues de Sá fosse o milionésimo Gastarbeiter (“trabalhador convidado”, um eufemismo para “imigrante”), na sequência do Gastarbeiterprogramm, criado pelo Governo da República Federal da Alemanha, nos anos 1950, a fim de colmatar a escassez de mão-de-obra na reconstrução do país. A Itália foi, em 1955, a primeira nação com quem os alemães estabeleceram um acordo de recrutamento bilateral. Seguiram-se a Grécia e a Espanha (1960), a Turquia (1961), Marrocos (1963), Portugal (1964), Tunísia (1965) e a antiga Jugoslávia (1968).
A fim de se assinalarem os 60 anos da comunidade portuguesa neste país, o Grupo de Reflexão e Intervenção – Diáspora Portuguesa na Alemanha organizou uma exposição itinerante, inaugurada durante a festa portuguesa de Heinsberg a 7 de Abril passado. Os vinte cartazes que compõem a exposição abordam tópicos históricos como os conteúdos do acordo bilateral entre os dois países, a chegada do milionésimo trabalhador convidado Armando Rodrigues de Sá, as péssimas condições de vida e de trabalho dos primeiros emigrantes portugueses, o surgimento das primeiras associações portuguesas na RFA, o trabalho social da Caritas, das missões portuguesas e dos sindicatos alemães (informações obtidas no jornal Portugal Post, edição de Abril passado).
Também um livro foi agora publicado, com a chancela da Oxalá Editora (editora portuguesa na Alemanha), liderada por Mário dos Santos, que, em 1993, criou igualmente o Portugal Post, o único jornal português neste país. Há uns anos, o jornal mudou de mãos, sendo o seu director actual Tiago Pinto Pais.
Nas palavras da editora, “este livro é uma homenagem aos portugueses que fizeram da Alemanha o seu país de adopção, ou seja, a sua terra de trabalho, de vida, de construção de família e do seu presente e do seu futuro. São 23 histórias de portugueses de várias gerações que partilham a experiência pela qual passaram desde a sua chegada a este país”.
Foi-me concedido o privilégio de fazer parte deste livro. A editora deu-nos algumas orientações, por exemplo, indicar as razões de saída de Portugal, qual foi a nossa primeira impressão da Alemanha, o que mais estranhámos, o que mais apreciámos, se alguma vez pensámos em regressar por não sermos capazes de continuar aqui, que relação temos hoje com Portugal, se pensamos permanecer aqui para sempre…
Certas coisas custaram-me mais a passar para o papel do que esperava, coisas em que evitamos pensar:
“As minhas raízes estão em Portugal, foi lá que nasci e cresci, o português é a minha língua materna. Por outro lado, já vivi na Alemanha mais tempo do que no meu país (…) Como nós emigrantes sabemos, chega-se a uma altura em que o nosso país, e quantas vezes a própria família, nos considera estrangeiros (…) Ficamos sem saber onde pertencemos (…) Sendo jovens, temos tendência para ver [a emigração] como uma aventura aliciante, sem fazer ideia de que, a partir do dia em que passamos a fronteira, nada mais tornará a ser como dantes”.
Não deixa de ser simbólico que o imigrante “um milhão” na Alemanha tenha sido português. No grupo de 1.106 trabalhadores estrangeiros que seguiam naquele comboio, apenas 173 eram portugueses. Os restantes 933 eram espanhóis. Mas foi Armando Rodrigues de Sá o escolhido, à sorte, na lista dos passageiros. Destino. Ou fado, pois claro.
O tema é quase incontornável na actualidade noticiosa. Deve ou não haver um limite, um controlo, do número dos estrangeiros que nos procuram para aqui trabalhar e viver?
De um lado elogia-se o multiculturalismo que, segundo os seus defensores, ao acrescentar diversidade, valoriza a sociedade que dele beneficia. A isto, acrescentam o imperativo moral de permitir que os refugiados, mais ou menos, políticos, encontrem entre nós as garantias de segurança que não têm nos seus países de origem. Esta facção acha que os entraves à imigração são entraves ao direito de todos poderem procurar uma vida melhor e por isso todas a barreiras físicas, legais ou administrativas são na sua essência desumanas e uma perversa manifestação do cepticismo da direita.
De outro, receia-se que a entrada de gente de outras crenças, tonalidades e hábitos, se misturem com os nossos, e que a prazo venham a desvirtuar aquilo que somos como comunidade. Estes defendem um controlo rigoroso das entradas e até a repatriação de todos os que não passam despercebidos. Acham que as “portas abertas” defendidas pela esquerda, levarão os países anfitriões à sua total descaracterização e, por via da natalidade, à sua substituição étnica e cultural. Como ouvi há uns anos, na altura em que os emigrantes romenos davam muito nas vistas, esta facção aceitaria contribuir para uma subscrição pública que colocasse sapos gigantes de cerâmica em todas as fronteiras romenas, peças essas que estariam voltadas para o interior desse país. Viva a imaginação.
Mas se observarmos toda esta dinâmica num outro ângulo, o que vemos é algo bem diferente. Não vale a pena aqui explicar a lei da oferta e da procura, mas é óbvio que a abundância de mão-de-obra coloca em vantagem quem a contrata. Ora, são os mesmo empresários, que a esquerda defensora das “portas abertas”, e que por defeito (literal) a todos classifica como desumanos e abusadores, que sai beneficiada com a pressão que as “portas abertas” colocam na oferta de trabalho. Havendo centenas de pessoas acampadas no jardim da Igreja dos Anjos, à procura de algo a que se possam agarrar para sobreviver, serão esses mesmos empresários (a face perversa do capitalismo selvagem) que, apenas e exclusivamente nos dias que deles necessitem, ali os contratarão informalmente e sem a garantia de que no dia seguinte terão trabalho. É óbvio que a abundância de imigrantes é excelente para a economia informal e, por consequência, os direitos desses trabalhadores só serão respeitados se estes ganharem poder negocial, o que aconteceria se não fossem suficientes para responder à procura.
Por isso acho piada sempre que oiço a esquerda radical e a direita populista falarem de imigração.
O anterior governo teve entre os seus membros gente com as melhores das intenções. Gente que se sente e descreve como humanista e sensível, comprometida com o respeito pela dignidade humana e que se incomoda com o sofrimento dos outros. Tudo isso é meritório, fica bem e, se ignorarmos os resultados das suas políticas, até angaria simpatias eleitorais.
Hoje o Expresso mostra-nos como o logradouro da Igreja dos Anjos em Lisboa, se tornou num campo de refugiados. Estima-se que, entre lonas e estruturas feitas com paletes forradas a cartão, por ali pernoitem cerca de 200 pessoas.
Fala-nos do Lamin, cidadão da Gâmbia com 26 anos. «Fala um inglês perfeito, tem estudos, o que fez dele, em dois meses, uma espécie de líder do espaço. Era talhante, mas a vida era tão difícil que arriscar a morte no Mediterrâneo não lhe pareceu pior fado. Em sete dias de viagem, cinco foram sem pão nem água. Das 300 pessoas do barco, 30 morreram, uma no seu colo. O vídeo que guarda no telemóvel mostra a alegria da chegada a águas espanholas, o primeiro poiso europeu. Mas já não sorri. Tem pesadelos com os rostos dos que não chegaram a terra. E está desanimado, cansado, ansioso. Há um mês que não reza. “Só quero trabalhar, ser bom cidadão.”»
Num outro artigo diz-nos que, segundo a Europol, cada cidadão estrangeiro que queira vir trabalhar para a Europa tem de pagar aos traficantes entre 15 a 20 mil euros. Depois de chegados a território europeu, muito facilmente ficam nas mãos de criminosos que, literalmente, os utilizam numa cadeia de subcontratações de serviços em que os próprios acabam por ficar com escassas migalhas. E dessas migalhas, soube isto em conversa com um vizinho, para renovar um cartão de residência o estado português cobra mais de 140,00€. Numa busca rápida o valor que encontrei foi de 147,20€. A título comparativo para a renovação de um cartão de cidadão o valor cobrado é de 16,20€. Nesta discrepância de valores, interpreto um também querer meter a unha. Se aqui há dinheiro para tantos, também deve chegar para o orçamento de estado.
Sobre o tema da imigração, é muito mais fácil elaborar teorias, mais ou menos humanistas, do que tomar medidas que alterem o que se está a passar. Que a actual situação não é sustentável, não temos dúvidas que não é. Que o tema está inquinado num maniqueísmo de bons e maus, de humanistas e xenófobos, também é verdade, e essa será a maior dificuldade que se coloca ao actual governo.
Não estou por dentro do novo pacto para as migrações, mas a definição de uma política clara é determinante para o futuro do projecto europeu. É na indefinição dos detalhes que as redes mafiosas se irão alojar. Arriscaria a que a prioridade destas medidas devia ser complicar ao máximo a vida dos criminosos. Se o transporte dos imigrantes for assegurado pela UE, não haverá náufragos, mas para isso é necessário começar o processo na margem sul do Mediterrâneo, o que coloca outros desafios. O que não duvido é que combater quem explora imigrantes é a melhor forma de fazer com que os seus direitos sejam respeitados. E nisso incluo o valor cobrado pela renovação de um cartão de residência.
O nosso companheiro José Meireles Graça trouxe aqui ontem um assunto pertinente e que realmente merece ser debatido com seriedade.
Salto rapidamente a parte em que tenho de dizer, e digo por o sinto, que é bem-vindo quem vier por bem. Mas antes desta ideia, existe uma outra mais abrangente e não menos válida, que costumo resumir por “nem sempre, nem nunca”, querendo nestes termos dizer que em tudo temos de procurar um equilíbrio.
A falta de bebés é uma sentença que condicionará irremediavelmente as gerações futuras. Uma das consequências deste inverno demográfico é a sustentabilidade da segurança social, que não sendo pouco importante, é apenas uma das suas muitas consequências. A diversidade social que resulta dos imigrantes que chegam, os emigrantes que não conseguimos reter é uma outra lavra, irá alterar a nossa sociedade nas próximas décadas. Confesso que gosto de diversidade, mas sei bem que a natureza humana nos muniu de vários sistemas de defesa, de entre os quais um que, perante o desconhecido, nos retrai. A génese de bichos gregários que durante dezenas de milhares de anos nos ajudou a sobreviver num mundo pejado de ameaças, faz disparar um alerta sempre que encontramos um indígena oriundo de outra tribo. Sem novidade.
Ouvi há dias um viajante dizer que quando começou a acumular países, encantava-se com as diferenças culturais em que tropeçava, mas com o tempo passou a procurar aquilo que sente ter em comum com aqueles com quem se cruza. Dizia ele, que depois disso, e perante tanto em comum que o bicho humano tem em cada região do mundo, passou a saborear muito mais cada quilómetro percorrido.
Dito isto, recebermos cinco mil imigrantes é diferente de recebermos cinquenta mil, e muito diferente de recebermos quinhentos mil. Dizem que o melting pot norte-americano é um dos factores por detrás do sucesso dos EUA na sua afirmação enquanto potência maior dos nossos tempos. Mas dizer isto não é suficiente. O Brasil é também um melting pot e, embora prenhe de recursos naturais, não foi tão bem-sucedido, nem um pouco mais ou menos. Poderia para aqui trazer muitas explicações para essa diferença, mas podemos simplificar a explicação com a forma diferente como estes dois países lidaram com aquilo que designamos como “estado de direito”. A igualdade de tratamento perante a lei, pressupõe instituições sólidas e capazes de esvaziar os impulsos dos que se sentem poderosos e privilegiados perante os mais simples ou indigentes. Isso existe nos EUA e nunca se comparou com o que existe no Brasil. E, perguntará quem me lê, o que é que isto tem a ver com o assunto do postal? Tem a ver na medida em que a serenidade com que a chegada de toda esta gente de diferentes latitudes ao nosso rectângulo, irá depender da solidez das nossas instituições. E isso, sabendo nós o que a casa gasta, não me deixa entusiasmado.
Os intelectos de fina espessura já andam a espalhar a magia que se esperava. Para eles este é um assunto sem matizes nem tonalidades. Mal o assunto é puxado, logo desatam a distribuir carimbos. Adoram seres humanos, desde que sejam estrangeiros, e odeiam os fascistas com a mesma intensidade com que desprezam o discurso de ódio. E a sua definição de fascista incluiu todos os aqueles que não aplaudem a sua cor partidária, passando pelo tipo que não faz pisca à saída das rotundas, até ao vizinho que tem um carro melhor que o dele. Como é linear o mundo dos simples!
Há uns anos, li algures (não sei se isso continua válido) que a Austrália criou um modelo que atribui pontos às diversas valências e capacidades aos estrangeiros requerentes de um visto de trabalho. Idade, formação académica, nível de inglês, estado de saúde e região de origem. Só quem reunisse mais de 100 pontos era autorizado a ali poder trabalhar. Uma coisa parecida cá no burgo seria inaceitável, mas teria impedido o aumento significativo de sem-abrigos que, segundo as notícias, está em curso em Lisboa.
Como disse no início, o assunto merece ser debatido com seriedade, mente aberta, sem sectarismos nem dedos em riste. Mas bem sabemos que isso não irá acontecer. Vai ser mais do mesmo, medidas avulsas, legislação a quente, debates de raspão e regados com emoções. A treta do costume, quem vier depois que feche a porta.
Há uns tempos, levantou-se um coro geral de indignação, entre as bempensâncias lisboetas, contra as condições infra-humanas em que viviam imigrantes contratados para a apanha de frutos vermelhos nas estufas de Odemira. Aproveitou-se a ocasião para debitar a ladainha do costume, inflamada de indignação moral.
Lamento que muitas dessas almas cândidas e benfazejas (e grandes consumidoras de frutos vermelhos, óptimos para a saúde) se indignem mais depressa com aquilo que se passa a 200 quilómetros de distância enquanto fingem não reparar no que se passa na própria cidade onde residem. Aqueles imigrantes de Odemira, apesar de tudo, vivem em melhores condições do que estes estafetas que a todo o momento distribuem refeições ao domicílio dos mesmos lisboetas tão arrepiados com as degradantes condições no Alentejo profundo.
O trágico incêndio ocorrido neste fim-de-semana na Mouraria, provocando dois mortos e 14 feridos (incluindo quatro crianças) demonstra o que é a realidade actual nesta Lisboa impante de modernidade e efervescente de "consciência social": imigrantes asiáticos amontoados num cubículo desse bairro.
Foi na Mouraria, mas podia ter sido noutro local. Anjos, Intendente, Arroios - numa vasta cintura em torno do centro histórico da cidade. Em casos como este, que se multiplicam como cogumelos: prédio insolvente, resgatado por um banco, que leiloa fracções a estrangeiros ligados a redes de exploração de trabalho quase escravo. Cada um destes desgraçados paga 150 euros - não por apartamento, nem por quarto, nem por cama, mas por colchão amontoado junto a tantos outros.
Neste rés-do-chão vegetavam 22 seres humanos. Esses, que não merecem um sopro de indignação da parte das tais vozes indignadinhas que incentivam a existência destas redes - e das plataformas digitais que delas se aproveitam - cada vez que pedem comidinha ao domicílio. Sem perceberem sequer a relação entre uma coisa e outra.
(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo, "Ljubomir Stanisic", manifestação na Baixa de Lisboa, 14.11.2020)
O meu amigo Miguel Valle de Figueiredo continua, paulatinamente, a fotografar esta época do Covidoceno lisboeta - e lembro que já publicou o livro "Cidade Suspensa: Lisboa em Estado de Emergência". Anteontem foi à Baixa fotografar a manifestação de trabalhadores do sector da restauração que ali decorreu. Não conheço o pormenor das reclamações apresentadas nem sei quais os "orgânicos" organizadores. Enviaram-me um filme telefónico com um discurso, algo tétrico, um orador numa torrente de imprecações e insultos a tudo e todos. Boçal. Mas uma boçalidade tão desesperada que pungente, até cativando piedade - talvez o menos solidário dos sentimentos ...
Uma das imagens que o mvf trouxe foi esta, um (ao que me dizem) conhecido cozinheiro e dono de restaurante, Ljubomir Stanisic, que é figura relevante deste movimento profissional, e que tem tido discursos críticos ao poder político - nunca o ouvi, dizem-me que assim é. Trata-se de um cidadão português, antigo imigrante proveniente da Bósnia-Herzegovina.
Entretanto o que leio nas redes sociais?, para o que me chamam a atenção? Um deputado socialista alude ao financiamento bancário que o homem tem, como se isso possa minorar os seus direitos de cidadania - numa óbvia, ainda que subjacente, ameaçadora alusão ao seu estatuto de ex-imigrante, qual cidadão deficitário [e não substituirão o deputado, ainda por cima conhecido por se furtar a uma pena devido a condução inebriada, através de influências políticas, algo vergonhoso ... Pois pecar todos pecamos mas se assim é penar também é para todos]. E leio inúmeras pessoas invectivando que o homem volte para a terra dele. Assim mesmo, sem mais. Que isto de um "estrangeiro" criticar o governo é inaceitável. Esteja ou não naturalizado, pouco importa ... Esta mole humana socialista pensa - e alguns deles falam e escrevem - exactamente como a rapaziada do Chega. Já se vira aquando da eleição do Bolsonaro, quando no Expresso, no DN, na junta de Arroios e por tantas socialistas casas e teclados, se escreveu (e "laicou") que fossem os imigrantes brasileiros expulsos pois maioritariamente eleitores do novo presidente (esse uma peça irrecomendável, mas isso é assunto deles).
Amigo cruel chama-me a atenção para que um deputado (e plumitivo) socratista aproveita a onda e alude pejorativamente à "macholice" deste homem. Uns gritam a este português que vá para a terra dele porque criticou este governo (e mesmo que fosse imigrante isso seria curial, mas a tanto já não se pode imaginar que esta gente chegue ...). E este socratista chama-lhe "machola", como se diminuindo-o.
Fosse este homem oriundo de outro qualquer recanto onde tivesse havido guerra fraticida, tivesse este homem outra cor de pele, e estes pantomineiros gritariam pelo seu direito à livre expressão - para dizer as patacoadas que entender, o que muito provavelmente é o caso. E se fosse um invertido histriónico, uma "bicha louca", também o defenderiam com dentadas e unhadas, ao seu direito para que se exprimisse em liberdade consoante a sua "natureza". Mas não neste caso. Pois, pior do que tudo, crítico do PS. Por isso estrangeiro, devedor, atrevido, até ingrato. "Machola".
Esta gente - locutora, laicadora, e os tantos habituais das "boas causas" agora tão inertes nos clics (des)laicadores e nos irados "indignismos" - é o "Chega".
Apesar da recente campanha - que uniu políticos, jornalistas, colunistas e escritores - apelando à expulsão dos imigrantes brasileiros, o fluxo transatlântico continua. Nunca houve tantos brasileiros em Portugal - e presumo que o número real de imigrados seja maior, se contabilizando os que têm a dupla nacionalidade.
Sede bem-vindos a esta terra de emigrantes. E singrai.
Ontem fomos confrontados, mais uma vez, com as imagens de homens, mulheres e crianças transportados em condições insuportáveis. Desta vez foram 39. Não há meio de comunicação que não se lhes refira como "ilegais". Por seu lado, o ser desumano que os transportava é referido como "condutor". É muito curioso. A violação de regras de circulação entre territórios leva de forma automática à utilização de uma semântica de condenação. Em contrapartida, aqueles que violam regras básicas de respeito por seres humanos são apenas suspeitos da prática de crimes.
Um título de jornal: "Itália: 40 mil imigrantes dão à costa em 2014". Fiquei a pensar.
Até nestas pequenas coisas, nos títulos dos jornais, são mal tratados. "Dão à costa", como o petróleo depois dos desastres marítimos, a nafta ou as baleias. Bem sei que alguns chegam já sem vida, vogando à deriva pelo mar, até que alguém os recolha. Mas não serão eles, também, gente como nós?
Enquanto à esquerda se argumenta que nem preenchemos as quotas para imigração e à direita se acende o rastilho da xenofobia, eles fazem as malas. Portugal já não é solução para uma boa parte dos que vieram à procura de uma vida melhor.