Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Pensamento da semana

Pedro Correia, 18.05.25

 

A Igreja Católica, que proclama valores universais e absolutos, é hoje a única instituição com verdadeira presença global. Isto ficou novamente comprovado com a morte do Papa, o conclave e a sucessão de Francisco.

Um dia Estaline perguntou quantas divisões possuía o Vaticano, ignorando a força do poder espiritual. Eis a resposta: dez mandamentos e nove bem-aventuranças, sem fronteiras espaciais ou temporais. Além de três palavras essenciais como sementes da civilização: piedade, perdão e paz.

O estalinismo afundou-se em escassas décadas no lodo da História, enquanto o cristianismo permanece vivo dois mil anos depois. Vocacionado para abraçar a eternidade.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

O novo pároco da minha terra

Paulo Sousa, 12.05.25

Soube há dias que o pároco da minha terra ia mudar. Dada a há muito diagnosticada falta de padres, a Diocese de Leiria tem tentado ultrapassar esta limitação de várias formas. Já há uns anos que cada pároco deixou de estar atribuído exclusivamente a uma única paróquia. Isso eu já sabia. Mas confesso que fiquei surpreendido quando soube que alguns padres originários de latitudes longínquas prestavam os seus serviços também nesta zona do país. Assim, e desde há algumas semanas, o conjunto das três paróquias do Juncal, Pedreiras e Aljubarrota passará a ser servido por dois padres, um indiano e outro brasileiro.

Quando soube disso, e antes de qualquer outra consideração, saltou-me à ideia o conceito do retorno nos ciclos longos. Noutra época histórica, foram os portugueses, abundantes então em clérigos, evangelizar outras latitudes, sendo incapazes de imaginar que muitas gerações depois, quando fossem escassos de sacerdotes, de lá viria quem os acudisse em tais necessidades.

Entretanto, e já depois disso, travei conhecimento com o novo pároco que é indiano. O que foi atribuído a Aljubarrota é brasileiro.

O Pedro Correia já aqui tinha trazido uma reportagem da SIC sobre outros padres indianos que vêm para Portugal para terminar os seus estudos teológicos, mas o Padre Sebastien José já foi ordenado há mais de quinze anos e já esteve ao serviço em diferentes Dioceses do país. Pertence à Congregação missionária do Verbo Divino e tanto podia ter sido colocado em África ou na América Latina como acabou por ser colocado aqui.

Numa conversa informal disse-me que quando os portugueses chegaram ao subcontinente indiano, já lá existiam cristãos. Hã!! Como assim? Era capaz de teimar o contrário... É bem feito para não teres a mania que sabes bastantes coisas sobre vários assuntos! Vai buscar.

Contou-me que, na primeira diáspora cristã, o apóstolo São Tomé viajou até ao que agora conhecemos por Índia e por lá andou a converter os locais à sua fé. Como resultado disso, na actualidade existem apenas três templos cristãos construídos sobre o que se aceitou serem os túmulos de apóstolos de Jesus. Um em Roma, de São Pedro, outro em Santiago de Compostela (de São Tiago) e um outro em Chenai (de São Tomé). O Padre Sebastian é da região de Cochim, onde também existem vestígios dos portugueses do séc. XVI e seguintes.

À data da chegada dos portugueses à Índia, este culto cristão da Igreja de São Tomé obedecia ao Patriarcado do Oriente, também conhecido como Igreja Nestoriana. Era por isso independente de Roma ou de Constantinopla, e desde o Concílio de Éfeso, em 431, era considerada uma igreja herética. No séc. XVI, pela força da fé, acompanhada certamente pela força da pólvora e do chumbo, os portugueses conseguiram que alguns destes cristãos adoptassem o rito latino e reconhecessem a obediência papal. Alguns não aceitaram tal exigência, o que criou entre eles algumas divisões. Os dois principais grupos que resultaram desta cisão foram a Igreja Jacobita/Sírio Ortodoxa e a Igreja Sirio-Malabar, sendo que esta última mantém o rito siríaco mas obedece a Roma. Quem se quiser debruçar sobre detalhes históricos e teológicos destas igrejas de São Tomé encontrará informação sem fim.

Regressando ao relato do Padre Sebastien, depois de ter vindo para cá para aprender a língua de Camões, completou os seus estudos de Teologia na Universidade Católica em Lisboa. Retornou à Índia para ser ordenado sacerdote de acordo com seu rito e só depois se estabeleceu em Portugal onde, como disse, já está há uns anos.

Confesso que achei toda esta situação muito curiosa e interessante. O regresso a Portugal destes descendentes dos evangelizados pelos portugueses de outrora é como o fechar de um ciclo, e daqueles muito longos. Perante tal invulgaridade, não posso deixar de guardar tudo isto na prateleira cerebral que etiquetei como “a magia do mundo”.

Leão

Pedro Correia, 08.05.25

8300c4bf-5df1-46af-a808-3fddb8f3efa4_750x422.webp

Robert Prevost em 2023 com o seu antecessor, Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco

 

O cardeal-norte americano Robert Francis Prevost, também com nacionalidade peruana, foi esta tarde eleito pontífice supremo da Igreja Católica. Sucessor de Francisco, falecido a 21 de Abril.

Bastaram dois dias para os 133 cardeais eleitores, reunidos em conclave na Capela Sistina, proporcionarem fumo branco aos 1400 milhões de católicos do mundo.

Prevost será conhecido, a partir de agora, como Leão XIV.

Não podia ter escolhido melhor nome.

Habemus Papam!

Do meu baú (8)

Pedro Correia, 07.05.25

1.jpg

 

No inigualável cenário da Capela Sistina, começa hoje o terceiro conclave do século para eleger um Papa. Haverá novidades já amanhã? Não faço previsões. Prefiro revisitar a minha hemeroteca: dela extraio este recorte. «Seis candidatos da América», peça de abertura da página 6 no El País de 7 de Abril de 2005.

João Paulo II falecera cinco dias antes, especulava-se sobre quem seria o seu sucessor. Neste artigo, escrito por Francesc Relea, equaciona-se a hipótese de o Sumo Pontífice vir da América hispânica. Sendo indicados seis nomes: o hondurenho Óscar Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa; o argentino Jorge Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires; o brasileiro Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo; o cubano Jaime Ortega, arcebispo de Havana; o colombiano Darío Castrillón, prefeito da Congregação para o Clero na cúria vaticana; e o mexicano Norberto Rivera, arcebispo da Cidade do México.

 

2.jpg

Sabemos hoje que o trono de Pedro não foi ocupado por nenhum deles nesse Abril de há vinte anos: no dia 19, o conclave elegeria o alemão Josef Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. 

Mas há um toque profético neste artigo, arquivado no meu baú: Bergoglio seria mesmo eleito Papa. Não daquela vez, mas no conclave seguinte, a 13 de Março de 2013.

Foi preciso esperar oito anos para a hipótese se tornar realidade. o argentino Francisco, primeiro chefe da Igreja oriundo do continente americano e do Hemisfério Sul, primeiro pontífice católico não nascido na Europa em mais de 1200 anos.

 

Sobre o jesuíta Bergoglio, Relea escreveu as seguintes linhas:

«Aparece em várias listas [de possíveis Papas]. Estudou Química e é considerado progressista. Teve papel destacado na fracassada tentativa de conseguir um largo entendimento entre amplos sectores da sociedade argentina após a grave crise política, económica e social desencadeada em Dezembro de 2001 que provocou a queda do Governo de Fernando de la Rúa.»

 

Por curiosidade, o que sucedeu aos cinco restantes?

Óscar Maradiaga manteve-se até 2023 à frente da maior diocese das Honduras: é hoje, aos 82 anos, arcebispo emérito e participa no restrito grupo de cardeais que estudam a revisão da constituição apostólica Pastor Bonus, na Cúria Romana.

Cláudio Hummes permaneceu como arcebispo de São Paulo até 2010. Faleceu em 2022, aos 87 anos. 

Jaime Ortega viria a renunciar ao posto máximo da Igreja cubana em 2016, após 35 anos em funções, tendo assumido relevante papel de mediador no restabelecimento das relações diplomáticas entre Havana e Washington, ocorrido em Julho de 2015, durante a administração Obama. Faleceu em 2019, aos 82 anos.

Darío Castrillón - o mais velho deste grupo destacado no El País - renunciou no ano seguinte às funções que desempenhava no Vaticano. Faleceu em 2018, aos 88 anos.

Norberto Rivera cessou funções, a seu pedido, como arcebispo primaz do México em Dezembro de 2017 após 22 anos neste posto. Hoje, com 82 anos, integra a Cúria do Vaticano. 

 

Sairá fumo branco da chaminé da Capela Sistina ainda no decurso desta semana? É esperar para ver. Muitos são chamados, mas só um é escolhido.

Lübeck

Cristina Torrão, 27.07.24

Além da Casa Buddenbrook, Lübeck tem outras atracções. E eu não poderia ir a esta cidade sem visitar a Igreja católica do Coração de Jesus, onde se encontra a ala de homenagem aos quatro mártires, dos quais já aqui falei: Hermann Lange, Eduard Müller, Johannes Prassek e Karl-Friedrich Stellbrink - os quatro sacerdotes (três católicos e um luterano) executados pelo regime nazi, a 10 de Novembro de 1943.

2024-07-16 Lübeck 127.JPG

Foto © Horst Neumann

 

Não vimos tanta gente nesta bonita igreja como tínhamos imaginado. E um conhecido nosso, morador em Lübeck (embora não natural de lá) e com quem nos encontrámos, não tinha ainda ouvido falar destes mártires! Por a homenagem se encontrar numa igreja católica?

2024-07-16 Lübeck 094.JPG

Foto © Horst Neumann

 

Na verdade, além de, hoje em dia, muita gente, apesar de ser mais ou menos crente, andar afastada das igrejas, os católicos são uma minoria, no Norte da Alemanha, de esmagadora maioria luterana. Muitas vezes, as comunidades católicas sobrevivem à custa dos imigrantes: muitos polacos, bastantes sul-americanos, alguns portugueses e um ou outro espanhol. De qualquer maneira, a igreja do Coração de Jesus estava em muito bom estado e até fomos presenteados com música, tocada ao vivo, no órgão. A entrada na ala de homenagem é gratuita, mas os visitantes costumam deixar um contributo voluntário nas várias caixas de esmolas.

2024-07-16 Lübeck 121.JPG

Foto © Horst Neumann

 

Ao contrário da igreja católica, a catedral de Lübeck, pertencente à Igreja luterana, tinha muitos visitantes (os católicos do Norte da Alemanha pertencem à arquidiocese de Hamburgo). Enfim, uma catedral é sempre mais imponente, apesar de esta, para a sua categoria, até nem ser muito grande.

2024-07-16 Lübeck 028.JPG

Foto © Horst Neumann

 

Nesta fotografia, estou a filmar antigos túmulos, pertencentes a elementos da nobreza dos séculos XVIII e XIX, que me impressionaram pela sua imponência. E aqui está o resultado das filmagens:

A Ponte do Trancão

jpt, 13.08.23

cardeal.jpg

Leio, com ligeira surpresa, que a Câmara Municipal de Lisboa quer dar à nova ponte pedonal sobre o Trancão o nome de Manuel Clemente, até há pouco cardeal de Lisboa. À igreja católica portuguesa correu bem este recente Festival Juvenil em Lisboa, uma gigantesca enchente, simpáticos visitantes, a presença de um Papa carismático, uma organização escorreita. Decerto que reanimou a congregação nacional, que se sentiria esmaecida pela perda de influência política e social nas últimas décadas. E veio doirar o clero, atrapalhado pela pérfida (é o termo) reacção ao problema geral católico, a pedofilia praticada por alguns dos seus membros diante do silêncio conivente da corporação profissional. E para quem queira negar isso (pois há holigões católicos) bastará recordar as recentes diatribes da hierarquia eclesiástica, como o bispo que se "esqueceu" de responder ao inquérito sobre essa questão ou as sucessivas declarações do feio bispo Linda, do Porto, este ciciando serem as enrabadelas aos petizes apenas "disparates" similares aos dos treinadores de futebol que se insinuam às jogadoras... Ao que constou - e tão recentemente - Manuel Clemente também se atrapalhou um bocado nas medidas disciplinares internas e nas denúncias criminais aos seus inferiores - e convém lembrar que, ao contrário do que alguns bispos mariolas quereriam, isto de andar a violar os membros (juvenis, juniores ou seniores) do rebanho não é apenas um assunto interno da igreja, é mesmo assunto de tribunal e polícia. Até porque a igreja, seja sob João Paulo, Bento ou Francisco, não é um Estado aqui. Por mais que - e repito-me - os holigões beatos perdigotem isso.
 
Mas o cardeal Clemente talvez tenha apenas sido timorato, no ocaso da sua carreira, face ao grande problema internacional católico. Terá pecado por tergiversação... Lapide quem nunca tenha pecado!
 
Agora nomear a ponte do Trancão com o seu nome parece-me descabido, e por outras razões. Sim o Estado é laico, mas isso não implica que não possa homenagear clérigos. Mas eu recordo-me que Manuel Clemente, já cardeal de Lisboa e após ter sido sufragado pela empresa de Pinto Balsemão, e políticos e intelectuais cooptados, como ilustre intelectual (Prémio Pessoa), andou na década passada a consagrar padres exorcistas, que possam "expulsar os demónios" dos pobres membros da congregação
 
Ou seja, o Estado português, o Governo da República, a Câmara Municipal de Lisboa, a Junta Metropolitana, o Presidente Carlos Moedas, a oposição PS (que não se oporá à igreja, ainda para mais agora), esta rapaziada toda prepara-se para botar à ponte do Trancão o nome de um promotor de exorcismos? Em 2023? Está tudo maluco? Andam a beber o vinho da missa?
 
(E depois vão lá ver ao domingo na TVI o dr. Portas tecer loas à igreja e invectivar as "seitas" cristãs sul-americanas...)
 

Escritos sobre as jornadas

João Pedro Pimenta, 03.08.23

Finalmente um artigo, da autoria de Pedro Gomes Sanches, que fala das JMJs referindo-lhe a sua diversidade, uma palavra que está tão na moda mas que curiosamente não tem sido utilizada no maior evento de sempre em Portugal, com quase todas as nações do mundo. E também refere Deus, coisa tão pouco usada no discurso público com a estúpida justificação de que "a sociedade é laica" (como se a sociedade fosse um todo homogêneo, as pessoas não pudessem falar porque as outras não estão habituadas e o sentimento religioso não fosse parte da sociedade). Um pouco agressivo aqui e ali, mas assertivo.

Mas mais assertivo, mesmo de mão na anca, é este, de Maria João Marques, que desbarata a malta que não esconde o seu ódio (não confundir com algumas críticas razoáveis) pelo evento, com especial ênfase no BE. Dá cabo de um conjunto de ideias pré-concebidas e autêntica xenofobia vinda de gente que costuma acusar os outros disso mesmo.

Noutro registo, mas igualmente com algumas críticas, ver o que escreveu Afonso Reis Cabral.

Entretanto, sabem qual é o zénite da ironia? É ver a estátua de um tipo que expulsou os jesuítas, construída por outros que os reexpulsaram, no meio de uma enorme multidão que ali se deslocou para ver e aclamar um jesuíta. Definitivamente, muito pouco é definitivo.

Quem salva o Cristianismo?

Cristina Torrão, 16.07.23

Na Alemanha, paga-se o "imposto da Igreja". Não é a única fonte de receitas para as duas Igrejas cristãs (Católica e Protestante), mas representa a maioria dos seus rendimentos. Este imposto não é, porém, obrigatório, qualquer pessoa é livre de requerer a suspensão do pagamento. Não sei bem quais as implicações de tal atitude (não penso, por exemplo, que seja recusado um funeral católico a quem deixou de pagar o imposto), mas fica-se sujeito a limitações. Enfim, será tema para um outro postal, pois hoje é outro o assunto que aqui me traz.

A suspensão do pagamento é um indicador de quanta gente “vira as costas à Igreja”, ou “sai da Igreja”. Os números respeitantes ao ano de 2022 foram publicados recentemente. E fizeram tremer a instituição, pois quebraram todos os recordes. No ano passado, 522.821 habitantes deste país (não só alemães, pois eu, por exemplo, também pago imposto) negaram-se a continuar a “sustentar” a Igreja Católica. Em 2021, considerado ano recorde, tinham sido 359.338. Actualmente, os católicos, na Alemanha, não chegam a ser um quarto da população total.

Responsabiliza-se o escândalo da pedofilia pelo descalabro. Mas também a falta de reformas que acabem com a obrigação do celibato, autorizem a ordenação de mulheres, ou aceitem a relação homossexual. Estas reformas estão, porém, longe de serem a única solução. Se assim fosse, a Igreja Protestante não se veria igualmente a braços com uma crise semelhante.

O padre alemão Jan Loffeld, Professor de Teologia Pastoral na Tilburg University (Holanda), tem-se vindo a ocupar deste assunto. E a dura realidade, é que, pelo menos, no meio europeu ocidental, as pessoas não consideram precisarem de Deus e da religião para serem felizes. Nas suas palestras e conferências, o Professor Jan Loffeld confronta os ouvintes com os números do World Happiness Report. Este ano, os países onde as pessoas consideram ser mais felizes são a Finlândia, a Dinamarca, a Islândia, a Holanda, a Suécia, a Noruega e a Suíça. Ou seja, países, onde os crentes se limitam a cerca de 20% da população!

Jan Loffeld.jpg

© Tobias Schulte / Arquidiocese de Paderborn

O Professor avisa: as pessoas deixaram de depender da Bíblia para darem sentido à sua vida. Encontram esse sentido, por exemplo, na família, em bons amigos, na próxima viagem de férias, ou numa profissão que as faça felizes. E a verdade é que se sentem de facto preenchidas. Longe vão os tempos em que a Fé se transmitia de pais para filhos. A Fé passou a ser uma opção entre muitas. Hoje, ninguém convence pessoas a acreditarem em Deus com discursos pomposos ou pregações bonitas. A Fé desenvolve-se através de experiências subjectivas, cada pessoa encontra uma motivação diferente.

O Cristianismo está a sofrer uma transformação radical, os seus crentes tornam-se numa minoria. E o Professor Jan Loffeld é peremptório: as reformas são imprescindíveis. O objectivo principal não deve, porém, pôr a Igreja em primeiro lugar, mas as pessoas. A Igreja tem de modificar a sua relação com o poder, tem de aprender (ou reaprender) com Cristo: neste processo, não se trata dela própria, mas da salvação e da felicidade dos indivíduos. O desafio consiste em manter uma certa relevância e ser eficaz na resolução de problemas sociais, mesmo tornando-se uma minoria e dispondo de menos meios financeiros.

Segundo ele, a Igreja do futuro será uma Igreja daqueles que descobrem a Fé por eles próprios e se comunicam, sobretudo, através das plataformas digitais. A Igreja tem de ir ao encontro dessas pessoas, ajudando-as nas suas reflexões e dando-lhes orientação, a fim de não se tornarem manipuláveis, por exemplo, por sistemas totalitários.

Não há dúvida de que o nosso mundo está a mudar. Estaremos à altura do desafio?

 

Nota: Texto baseado num artigo do Jornal Católico da diocese de Hildesheim (nº 22, 4 de Junho de 2023).

O Caminho Sinodal da Igreja Católica alemã

Cristina Torrão, 03.04.23

Finalmente, encontrei um artigo que resume muito bem o que se tem vindo a passar na Igreja Católica alemã, nos últimos três a quatro anos. Na verdade, anda ao rubro e eu já quis escrever sobre isso, mas nunca conseguiria resumir tão bem. Por isso, deixo aqui excertos. Quem quiser ler o texto na totalidade, só tem de seguir o link.

A Igreja Católica na Alemanha tem estado a percorrer, nos últimos quatro anos, o chamado Caminho Sinodal, ou seja, reuniões em que são debatidas fórmulas para superar a crise que vive a Igreja Católica, sacudida por escândalos de abusos sexuais de menores.

Nos últimos meses têm sido avançadas propostas como o fim do celibato obrigatório, o acesso das mulheres ao sacerdócio e questões sobre a homossexualidade.

O texto mais problemático diz respeito à "cerimónia de bênção para casais que se amam", uma vez que inclui uma fórmula destinada a casais homossexuais e também há referência a segundos casamentos por parte de pessoas divorciadas, o que vai contra a doutrina da Igreja Católica.

O presidente da Conferência Episcopal Alemã afirmou, em novembro de 2022, que iria continuar a abençoar os casais homossexuais que o peçam, apesar de o Vaticano proibir, e descartou qualquer possibilidade de um cisma na Igreja alemã.

“Não podemos seguir como antes, trata-se de transmitir a mensagem do Evangelho aqui e agora, e nem sempre olhando para o passado, mesmo correndo o risco de uma Igreja ferida”, disse na altura.

Outro tema abordado e que pode vir a causar polémica é a possibilidade de se falar de "identidade de género" dentro da Igreja.

Celibato - culpado, ou não?

Cristina Torrão, 12.03.23

Mal rebentou o escândalo da Igreja Católica, em relação aos abusos sexuais de crianças e jovens, logo se apontou o celibato como a causa de todo o mal. Considerei um disparate. O celibato, por si só, não faz de ninguém pedófilo. Há muitos pedófilos casados, com filhos, que não deixam de abusar de crianças, a maior parte das vezes, usando as que têm em casa.

No entanto, depois de alguma reflexão, considero de facto ser indirectamente responsável. A instituição Igreja Católica sempre foi apetecível para homens que não tinham tendências sexuais consideradas normais pela sociedade. Antigamente, havia preconceito em relação a homens que não levavam uma vida como deles era esperado: andar atrás de mulheres, casar, ter filhos. Quantos não teriam decidido tornar-se padres, a fim de acabarem de ser assunto de falatório e, com sorte, poderem dar asas às suas preferências sexuais?

Este era igualmente o caso dos homossexuais, noutros tempos, metidos no mesmo saco das "taras pecaminosas". Felizmente, a homossexualidade deixou de ser crime (não sei se na maior parte, mas em muitos países), desde, claro, que seja praticada de livre vontade, entre adultos. Calculo, ou espero, que isto evite, hoje em dia, muitos homossexuais sem vocação de se fazerem padres. Mesmo protegidos pela "sua" Igreja, eles levavam uma vida clandestina, propensa a comportamentos menos desejáveis (como sempre acontece, quando nos empurram para a marginalidade).

Mas isso seria assunto para um outro postal. O que me levou a escrever este foram os predadores sexuais, que sempre existiram e ainda existem: pedófilos, violadores, etc. Para esses, a vida eclesiástica é ainda apetecível: sabem que podem dar largas às suas práticas e ficarem impunes. Por isso, apesar de não estar directamente relacionado com o celibato, está-o por vias travessas.

O celibato pode bem continuar a existir, mas devia ser voluntário.

 

Nota: sem querer menorizar a gravidade da pedofilia, não esqueçamos que muitos padres usam o seu poder de manipulação, criando dependência espiritual, para violar e abusar de mulheres adultas, freiras ou outras, o que também devia ser alvo de investigação. Quantos podres esconde ainda a Igreja?

 

O Relatório*

José Meireles Graça, 17.02.23

É pouco provável que o Relatório seja o assunto do dia, ou da semana, porque não é coisa que vá ser esquecida.

Os católicos que conheço, mesmo aqueles cuja ligação à Igreja e aos seus ensinamentos não vai muito além da missa dominical, estão aturdidos: uma coisa são pastores transviados (a Igreja é feita de homens, não de santos, donde nunca se pode ter a certeza absoluta de por baixo das vestes talares não estar um pulha, ou um tarado), outra muito diferente é a quantidade de casos indiciar que os houve (e haverá ainda, talvez) em quantidade suficiente para se detectar um padrão.

É que, parece, mesmo noutros ambientes em que as crianças estão, em situação de fragilidade, expostas a adultos, como no seio das famílias e em instituições, os casos não são percentualmente tantos.

Depois o encobrimento, que durou décadas senão séculos, e que faz aparecer a Igreja Católica à luz de uma burocracia que defende os seus, a qual se manifestou com afloramentos recentes no nosso episcopado – e se manifesta ainda agora num ou noutro bispo, quando a procissão demoníaca há muito saiu do adro.

Aturdidos estão. E muitos que, como eu, não são católicos nem fiéis de outras confissões, evidenciam uma mal disfarçada satisfação: sempre acharam a Igreja um elemento aglutinador de tudo quanto é retrógrado na sociedade, inquisitorial em seu tempo, colaboracionista no do Estado Novo, reaccionária no PREC e obsoleta agora.

Fosse eu católico, e estivesse embrulhado numa qualquer estrutura que se ocupasse dos destinos da Fé, e trataria de perceber o que fazer não para limitar estragos – estão feitos, ainda que venhamos a assistir a sequelas – mas para garantir mecanismos eficazes de alerta e repressão para situações como as que o Relatório ilustra. E como estamos a falar de crianças mas não de um jogo de dominó em que uma derruba o tabuleiro para dizer: este não valeu, vamos jogar outro, é essencial que a própria Igreja persiga implacavelmente, e expurgue do seu seio todos os prelados com culpas no cartório da pedofilia, quer possam quer não possam ser perseguidos criminalmente, e não apenas no futuro, também no passado, e não apenas quem fez mas também quem encobriu.

Pessoa amiga, mulher, disse-me: se as mulheres fossem ordenadas nada disto teria acontecido. Fiquei a pensar: não faltam exemplos de mulheres na Igreja que se distinguiram por casos terríveis de crueldade e fanatismo (contra mães solteiras, por exemplo), mas pedofilia não. Não é que seja impossível, é que simplesmente é raríssimo, o que leva a pensar que estariam menos disponíveis para fingir que não viam.

Para compor um quadro de soluções, haveria de ponderar se há o mesmo número de crimes desta natureza, percentualmente, em confissões onde não exista o celibato, caso em que este também faria parte da equação. E ainda que os remédios para a cura desta chaga digam sobretudo respeito aos católicos, os que o não são, mas não sofrem de anticlericalismo primário, têm muito em jogo. Explico:

Desde a noite dos tempos que as religiões acompanham o Homem. Mesmo que a ciência, que desfez muita crença ilusória, a liberdade, que autoriza o incréu, a separação da Igreja do Estado (onde teve lugar), que diminuiu a importância da primeira, e a evolução dos costumes, tenham reduzido a importância da Igreja a ponto de no Ocidente escassearem as vocações e os fiéis desertarem os templos, a raiz do nosso modo de vida é cristã, como são as convicções de inúmeras pessoas que julgam que as não têm.

Isto é assim porque a maior parte de nós não se exime às pulsões que definem a condição humana, uma delas sendo a interrogação sobre a vida além da morte – a que só as religiões dão resposta.

Ser ateu ou crente não é uma característica da inteligência ou da estupidez – não faltam indivíduos intelectualmente brilhantes que são profundamente crentes, idiotas que são ateus, e ao contrário.

Isto significa que do descrédito da Igreja Católica o herdeiro não será nem o agnosticismo nem o ateísmo – serão outras religiões, incluindo as laicas, como tal se entendendo todas as que pretendem fazer um Homem Novo e a sociedade perfeita, igualitária e impoluta, que é o céu na terra. E das outras religiões propriamente ditas é melhor nem falar, que a Católica tem atrás de si dois mil anos de evolução, donde uma organização sábia por acumulação de diuturnidades.

Não sou católico, disse. Mas também não sou anticatólico, nem acho que tenha nada a ganhar, nem os meus concidadãos, com a proliferação de seitas que nada têm a ver nem com a nossa história, nem com a nossa identidade, nem com o laicismo que os mata-frades de ontem e de hoje acham que é um progresso.

 

* Publicado no Observador

Ironia infernal

João Campos, 13.02.23

publico.jpg

Isto aconteceu - acontece - no mesmo país que tem passado as últimas semanas a debater fervorosamente os apoios públicos a um evento da Igreja Católica intitulado "Jornadas Mundiais da Juventude." Não fosse a dimensão absurda da tragédia e a piada - desta nem os Monty Python se lembrariam - até se faria sozinha.

Se o deus cristão existisse, haveria decerto um círculo especial no inferno para estes padres, e para os bispos e cardeais que durante décadas tudo abafaram - com mais labaredas, mais espinhos, e mais demónios a atormentar. Não existindo, ou não devendo a sociedade aguardar por um qualquer castigo divino pelos crimes tão terrenos e tão rasteiros, resta esperar que este escancarar de portas ao horror eclesiástico sirva para a justiça actuar.

O palco

José Meireles Graça, 27.01.23

download.webp

Não sou católico, a Jornada Mundial da Juventude não me aquece nem arrefece. Salvo pelo facto de a ICAR, no Ocidente esfarelado pelas demências woke originadas nos E.U.A., representar mais vezes sim do que não um polo de resistência ao corte absoluto com o passado e um obstáculo à instalação de sociedades onde toda a gente é livre de dizer o que pensa, se o que pensa couber nos apertados limites do bem-pensismo de esquerda em matéria de costumes, direito de propriedade, ensino, imigração, minorias, poderes do Estado e regime económico.

O investimento para o efeito é de um pouco mais de 80 milhões de euros, divididos pelo Governo e câmaras municipais de Lisboa e de Loures, conforme aqui se diz, além do que gastará a Igreja, que ainda não esclareceu quanto é nem tem de o fazer. Podemos estar certos de que apesar de a previsão ser de 80 milhões o custo total será superior – o Tribunal de Contas em devido tempo, isto é, quando tudo estiver esquecido, fará uma estimativa, em parecer que não comoverá ninguém.

A efeméride terá lucro – este tipo de iniciativas, tal como as sucessivas uebesâmit ou a Expo 98 ou, antes dela, a XVII não sei quê da Arte e Cultura, ou as capitais europeias da cultura (já tivemos Lisboa, Porto e Guimarães e vamos ser contemplados com Évora, Braga, Aveiro e Ponta Delgada – para Paços de Ferreira é que não está previsto nada) dá sempre lucro por causa das externalidades. Neste caso, o responsável, José Sá Fernandes, em raciocínio prudente mas cartesiano, estima que o retorno será de 350 milhões.

O nosso Presidente, em entusiasmado discurso, põe a coisa nos cornos da Lua, e haveria decerto muita gente a partilhar a excitação de Marcelo se este não tivesse tendência a esgotar-se em hipérboles para gabar todo o fait-divers que ilustra a sua versão de patriotismo.

Mas o que verdadeiramente mobiliza a opinião é o palco do evento, que vai custar mais de 4 milhões de Euros, fora as fundações. O palco é cómico e uma incompreensível discrição leva a que não se saiba quem é o autor de semelhante aberração – por mim pensei em Cabrita Reis ou Joana Vasconcelos, que têm inclinação para coisas grandes, caras e horrendas. Já o crismei de skatedromo, e decerto se o conservarem no fim da festa os praticantes daquela modalidade dar-lhe-ão uso intensivo.

Costa, esse, está satisfeitíssimo: enquanto se falar do palco não se fala do desmoronar da sua associação de malfeitores, comummente designada por governo.

Infelizmente, muita gente aproveita o evento não para o inserir na litania de munificências do Estado em prejuízo do contribuinte, mas para exercitar a sua militância anticatólica. E esta atitude serôdia (essa guerra foi a da I República e teve resultados desastrosos) atinge o seu clímax nesta extraordinária argumentação de um reputado constitucionalista: o Estado não poderia gastar um cêntimo com as Jornadas porque a violação do princípio constitucional da separação entre o Estado e as igrejas “consiste na própria edificação de um altar religioso, com cruz e tudo, por uma coletividade pública”.

Fantástico: se a câmara edificasse um palco para um “concerto” de cantautores a trinarem umas mensagens políticas empolgantes enquanto esgaçam desastradamente guitarras, ou para uns actores rebolarem no chão em defesa da interseccionalidade, nada a dizer. Já para os católicos, que são muito mais numerosos do que os apreciadores de má música ou peças teatrais fajutas, nada. Ou, se quiserem alguma coisa, que a paguem eles.

E isto sem falar da dignidade da Igreja Católica e da sua história, que é indissociável da do país, nem da sua acção assistencial, nem do consolo que a sua existência representa para milhões de portugueses.

É possível em termos jurídicos rebater cada um dos argumentos de Vital Moreira. E, para estar em igualdade de condições (o próprio costuma pesporrentar envolto em autoridade), nada melhor do que um constitucionalista – encontram-se com facilidade, para dizer tudo e o seu contrário.

Por mim, estaria disposto a censurar esta despesa se o Estado não fosse o alfa e o ómega de todo o investimento na “cultura”, como tal se entendendo não museus, nem bibliotecas, nem monumentos, nem escolas, nem investigações em humanidades ou arqueologia ou outras indispensáveis, mas o sustento de pessoas que dela se reclamam sem que ninguém lhes compre os gorjeios, as pinturezas, as “instalações” e os delírios, as peças teatrais a que ninguém quer assistir ou os filmes que ninguém quer ver.

O palco, que de toda a evidência é o novo unicórnio da Websummit, tem servido para um mundo de piadas com bom ou mau gosto. Tenho dado o meu contributo, na secção de foleiras. E estou grato por isso, ainda que, como contribuinte, ache carote e entenda que só por um milagre da Senhora ninguém encherá os bolsos. Mas também já “investi” e sustento o CCB, na esperança de que um dia seja convertido para prisão, finalidade para a qual reúne os requisitos, de modo que estou habituado.

A Fé possível

Cristina Torrão, 12.12.22

2022-12-11 Stanislaw Szyrokoradiuk bispo de Odessa

Da Leitura do Primeiro Domingo do Advento:

«Ele será o juiz entre as nações e o árbitro nas questões entre os povos. Então eles hão-de converter as suas espadas em arados e as suas lanças em foices. Nenhum povo levantará a espada contra outro, nem voltarão a ser treinados para a guerra.»

(Is 2,4)

O Jornal Católico da Diocese de Hildesheim (nº 47, de 27 de Novembro de 2022), entrevistou Stanislaw Szyrokoradiuk, bispo de Odessa, a propósito destas visões do Profeta Isaías. E, quando o pontífice se vê confrontado com a necessidade de confortar os seus fiéis, admite:

«Na teoria, as palavras soam bem. Na prática, é, no momento, difícil falar sobre estes textos».

Mais adiante:

«O que aqui se passa é genocídio. É uma guerra diabólica. Sem motivo! A Ucrânia nunca prejudicou a Rússia (…) Já correu tanto sangue. Tanto ódio, tantas mortes, tantas ruínas, tantas lágrimas».

Quanto à probabilidade de os ucranianos terem de aguentar um Inverno sem electricidade e aquecimento:

«As pessoas compreendem porque temos de pagar um preço tão alto. Lutam pela nossa liberdade. Preferem passar agora estas dificuldades do que tornarem-se escravas da Rússia».

«Todos os padres de Odessa ficaram, também todas as freiras. Ninguém abalou. Este é um sinal para a nossa gente: resistimos - juntos».

 

Nota: a tradução das palavras de Stanislaw Szyrokoradiuk, a partir do alemão, é de minha autoria. O extracto bíblico é copiado de A Bíblia para todos: Edição Comum, LBE - Loja da Bíblia Editorial Lda. © 1993, 2009 Sociedade Bíblica de Portugal

Do nojo

João Campos, 11.10.22

marcelo.jpg

Para que conste: um único caso de abuso sexual de menores em qualquer instituição é mais do que suficiente para se considerar um número "particularmente elevado". 400 casos (número provisório) só em Portugal, independentemente do intervalo temporal em questão, é uma aberração absoluta, um crime imperdoável da Igreja Católica.

Sabia-se desde aquela chegada nocturna a Pedrógão em Junho de 2017 que seria impossível Marcelo acabar o mandato - qualquer mandato - com um mínimo de dignidade, mas as declarações de hoje demonstram de uma vez por todas que não está à altura do cargo. É simplesmente nojento. 

O Bispo Linda

jpt, 06.10.22

bispo linda.jpg

Estas declarações do bispo do Porto, Linda (um tipo que, pelos vistos, não faz jus ao nome), são absolutamente execráveis. Deste Linda só conhecia a alarvidade que botara há alguns anos quando, a propósito de um sanguinolento atentado em França, veio acusar os europeus "desrespeitadores" da religião de serem a causa do terrorismo islâmico. Mas agora o tipo vai mais longe, bastante mais longe, na ignomínia...
 
O que de abjecto diz o melífluo bispo é incomportável - mentiras, comparações falsárias (o energúmeno chega a comparar violação de menores a assédio sexual a jogadoras de futebol). E, ainda pior do que tudo, desculpas literais à enorme escumalha clériga: "não podemos julgar os actos do passado com os valores de hoje", atreve-se o bispo, como se seviciar rapazinhos (às vezes também rapariguinhas mas os padres tendem, sabemos, a serem invertidos, porventura por isso aprenderem nos seminários, tal como o sotaque ciciado) fosse uma coisa aceitável nos finais de XX e agora não. Filho de uma dema, este Linda, está visto.
 
Mas há algo evidente: ter um bispo como este, ainda para mais no contexto actual, conspurca toda a gente da igreja católica. Desde logo aqueloutro bispo, Ornelas, de Leiria, que vem em socorro do colega ceceante, alvitrando ter este tido apenas um "lapso de linguagem", outro da mesma laia, é evidente. E também o de Lisboa, esse Prémio Pessoa que é mobilizador de vocações de exorcistas, ele próprio agora atrapalhado com os silêncios que são, sem dúvida, efectiva cumplicidade. Mas não só a hierarquia. Todos os da igreja, crentes praticantes - deixemo-nos de rodeios, eu nem baptizado sou, à igreja só fui a festas e finais de vida, e mesmo assim, nesta distância toda, desde jovem que ouço alusões a histórias de padres sequiosos de rapazinhos. E se assim é não as ouviram e ouvem os crentes praticantes, das beatas que levam netos e sobrinhos-netos ao colo dos curas, aos doutores de missa ao domingo, partido político cristão e que julgam que os padrecas só enrabam os putos pobres?
 
Deixemo-nos de coisas: se há alguma "ideologia de género" vigente é mesmo esta, a de se pensar que os padres são um "género" específico, com características próprias, direitos particulares e sob leis "inclusivas". Tem sido assim. E continua assim, algo comprovado pela mísera tralha de bispos portugueses vigentes. Exorcizem-nos. E exorcizem os crentes que os têm aceitado, uma cáfila de gente que nem a rebanho ascende.
 
(E como vem a propósito lembro uma dos meus primeiros postais de blog, em inícios de 2004, dedicado a um destes panascas, que conheci em Moçambique: é este "Numa Missão").

O Presidente e os Cardeais

jpt, 31.07.22

marcelo.jpg

O Presidente da República decidiu intervir, isentando a priori o cardeal de Lisboa (e o seu antecessor) de qualquer responsabilidade na ocultação de crimes de pedofilia e, por inerência, na preservação de pedófilo(s) em funções - e fê-lo numa conferência de imprensa decorrida a propósito da visita de um Chefe de Estado estrangeiro (!), assim sublinhando o desatino desta atitude de Rebelo de Sousa.

É consabida a incontinência verbal do presidente, o seu afã de sobre quase tudo pontificar - um desvio atitudinal que o leva a extremos tais que é possível vê-lo, até, a comentar jogos de futebol no cenário das entrevistas imediatas (flash) em pleno campo de jogos. Será legado psicológico das décadas de comentariado televisivo que o conduziram a Belém. Há quem aprecie, nisso veja uma salutar aproximação da instituição com o eleitorado, há quem veja nessa encenação de familiaridade uma depreciação da instituição. 

Mas, independentemente do que se possa pensar desta pose presidencial, não é aceitável que o PR intervenha numa gravíssima situação destas, deixando a sua presunção (pois nada mais é do que isso) desresponsabilizadora. A igreja católica enfrenta um problema gravíssimo, de âmbito mundial. Os seus efeitos institucionais chegaram agora a Portugal. Vive, e desde há séculos, sob uma cultura institucional que (pelo menos) induz a sexualidade pedófila, hetero e homossexual. Algo que, é evidente, deriva do seu molde organizativo - o qual nem sequer assenta em dogmas fundamentais mas em opções estratégicas de cariz económico (para quem tenha interesse deixo este célebre The Development of the Family and Marriage in Europe do antropólogo Jack Goody, que explicita o desenvolvimento histórico do celibato eclesiástico).

Diante do que se passa, da generalizada (auto)consciencialização dos contextos católicos - e da sua instituição religiosa matriz - da horrível chaga que vêm acoitando, não me parece que seja admirável recuperar um anticlericalismo "iluminista" setecentista nem o exaltado "mata-fradismo" tão vigente até à nossa I República. Poderemos, crentes e incréus, aceitar a religião que nos é estruturante (mas não mandante) e a sua instituição fundamental. E nisso exigir, mas com esta última ombreando, o seu expurgar das horríveis práticas que os seus oficiais vêm cometendo. Ou seja, deverá a sociedade portuguesa - tal como tantas outras - exigir a responsabilização e combater silêncios e os biombos que a pesada instituição clerical veio procurando manter nestas últimas décadas. Como têm sido noticiados em tantos outros países. Ora nenhuma destas posições, justas, "humanistas" (no sentido de humanitárias e também no de vivificadas pelo respeito aos saberes antigos), ecuménicas no respeito às religiões, se acolhem sob esta intempestiva intervenção do presidente. Apenas um apressado, destravado até, acto de conivência com as autoridades clericais - e é importante recordar que noutros países várias autoridades eclesiáticas, até cardinalícias, foram apontadas pelo acto de denegação sem que tivessem sido alvo de defesa apriorística por parte das autoridades políticas democráticas. Ou seja, Rebelo de Sousa, nas suas funções de presidente, opta por defender - aprioristicamente, repito - não só os cardeais. Pois nisso, também, procura socorrer a igreja católica, desvalorizando à partida a hipótese das suas responsabilidades, minimizando as teias de silêncio a que esta recorre(u).

Esta inaceitável atitude do presidente não advém do seu catolicismo. Mas da sua concepção política. Sobre esta insisto naquilo que já escrevi: Rebelo de Sousa tem o projecto mais conservador ("reaccionário", para utilizar o velho termo) que este regime já acolheu. Por um lado, e num verdadeiro mimetismo do Estado Novo tardio, encena uma pose política que intenta a efectiva despolitização da sociedade - um populismo "lite", que invoca já não um pater familias até autoritário mas sim um "magister familias", o Professor afável - num rumo que é, verdadeiramente, antidemocrático ainda que nada ditatorial.

E por outro lado - e sem que isso tenha convocado reacções na sociedade, seja no espectro partidário, atrapalhado com outras circunstâncias, nem na intelectualidade ou na vasta sub-intelectualidade estabelecida no comentariado nacional -, Rebelo de Sousa investiu contra a laicidade do Estado, que é característica do nosso regime. Fê-lo, sem qualquer rebuço, desde o início do seu mandato - recordo que no dia do seu primeiro empossamento se deslocou a um templo lisboeta para se reunir com uma série de autoridades clericais de várias congregações religiosas, assim assumindo-as explicitamente como interlocutoras políticas. O que é um traço do secularismo estatal mas não é, bem pelo contrário, uma característica dos regimes laicos. E nesse viés anunciado colheu total silêncio por parte das elites partidárias, dos intelectuais e dos sub-intelectuais radiotelevisivos.

Enfim, agora surge com estas declarações sob assunto tão gravoso. As quais não lhe eram requeridas, bem pelo contrário. Poderiam ser "inaceitáveis" se efectivamente o fossem, se não estivesse a sociedade obnubilada pelo "Marcelo", tudo lhe aceitando. E assim serão consideradas apenas como mais um episódio do afável e gentil "Marcelo", justificadas (apolitizadas, entenda-se) pelo seu "catolicismo" e pela "amizade" pessoal que vota aos cardeais. 

E não haverá muito mais a dizer, tudo isto segue politicamente impune. E até moralmente impune. Sobre o assunto - de facto é mesmo (também) sobre esta matéria - recordo um postal que escrevi em 27.09.2018, encimado pela mesma fotografia. Porque disse tudo o que tinha a dizer...

Marcelo Rebelo de Sousa diz que não saudou o presidente americano por respeito à posição portuguesa sobre o multilateralismo ( 25.9.2028  ). Ou seja, explicita que as suas formas de saudação denotam a posição do país, dado que ele é Presidente da República. Muito bem. E a posição portuguesa, do Estado e da sociedade, sobre a laicidade, essa conquista da democracia? Pode o Presidente da República, nessa condição, saudar o Papa neste gesto de "islão", de submissão expressa no beijo ao anel? Não. A "direita" portuguesa, mais ou menos católica, (pelo menos disto) gosta. A "esquerda" portuguesa, entre os descendentes da capela do Rato e a igreja PCP, encolhe os ombros. Está-lhe grata, pela protecção ao governo na cena dos fogos, pela protecção ao regime na cena da substituição da Procuradora-Geral da República - e é estruturalmente avessa à laicidade [Nem a compreendem, ignorantes seguem confundindo-a com um secularismo de tempero multicultural] (...) E os "tudólogos"? Falam do resto ... 

Credibilidade

Cristina Torrão, 13.02.22

«Readquirimos a nossa credibilidade, quando examinamos a nossa consciência, mostramos sinais de arrependimento sincero, admitimos os nossos erros e tentamos compensar o mal por nós causado. Estes são os quatro elementos que validam uma confissão. Há anos que me ocupa a questão, porque exigimos tudo isto dos outros, mas não o aplicamos a nós próprios enquanto Igreja»*.

Hans Zollner, padre jesuita alemão, teólogo e psicólogo, professor na Universidade Gregoriana, presidente do Centro de Protecção de Menores, em entrevista ao Jornal Católico da diocese de Hildesheim, depois da reacção do papa emérito Bento XVI ao relatório sobre abusos sexuais na diocese de Munique/Freising (edição nr. 5, 6 de fevereiro de 2022).

*Tradução livre, de minha autoria