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Delito de Opinião

O caminho incerto das ideologias (à boleia com os das direitas portuguesas)

João Pedro Pimenta, 11.02.21

Com as presidenciais lá veio a eterna discussão da "reconfiguração da direita", esse assunto cornucópia da política portuguesa. Primeiro com os resultados de André Ventura (e do Tiago Mayan) nas presidenciais. Depois, quando o nosso Adolfo Mesquita Nunes (quando é que ele volta à escrita aqui no Delito?) desafiou Francisco Rodrigues dos Santos para um congresso, vendo o CDS mirrar e perder peso. Uns levantaram-se em seu apoio, a começar pelo grupo parlamentar, outros cerraram fileiras em volta de "Chicão", invocando uma "tentativa de golpe" e outros deixaram os órgãos partidários aos quais pertenciam sem contudo se juntar às hostes rebeldes. O presidente da formação manteve-se, embora enfraquecido. Não é propriamente um facto inédito: se há partido português com historial de lutas fratricidas é exactamente o CDS. Freitas sempre teve de enfrentar dissensões e afastou-se com a ascensão de Monteiro, que protagonizou mais tarde uma luta feroz com o seu antigo amigo Paulo Portas. Os apoiantes deste nunca se conformaram com a chefia de Ribeiro e Castro e não descansaram enquanto não repuseram na liderança o seu inspirador. Cristas teve de enfrentar críticas duríssimas e agora Rodrigues dos Santos sofreu um levantamento de rancho. Aquele partido leva as lutas tão a sério que até já teve estalo a valer nos seus congressos - pelo menos num Avelino Ferreira Torres andou à pancada com outro confrade. E neste caso não seria mal maior se não tivesse a Iniciativa Liberal e o Chega a limitar-lhe o espaço, problema que antes não havia.

A ajudar  à dita "reconfiguração" Pedro Santana Lopes saiu do seu Aliança, que tinha criado há pouco mais de dois anos, e anda por aí à procura uma câmara municipal disponível que lhe sirva de poiso.

Faits divers à parte, e deixando um pouco de lado a interminável discussão da direita portuguesa (à qual vou voltar em breve), a situação do CDS não deixa de ser intrigante. O partido sempre se gabou de ter três componentes: a democrata-cristã, a liberal e a conservadora. A liberal pode estar a mudar-se para a mais enérgica e definida IL; a conservadora dará a sua preferência ao Chega, muito embora este seja um emaranhado de coisas que pouco tem a ver com o conservadorismo clássico, o que daria razão aos que desconfiavam que o CDS albergava alguns reaccionários sem outro pouso e que muito do seu eleitorado estava à direita dos dirigentes. Mas e o democrata-cristão? Aquele que não se revê na face libertária da IL nem nos vitupérios de Ventura ou aproximações a LePen? A julgar pelas sondagens é minoritário, embora até conheça vários que estariam numa situação de orfandade caso o partido desaparecesse. O assunto é também objecto de análise de um artigo recente de André Lamas Leite

 

Não é para menos: a democracia-cristã, cujo berço será a Itália nos inícios do séc. XX e o Partido Popular de Sturzo e De Gasperi (é em sua homenagem que o PPE e restantes partidos populares se chamam assim), está em acelerado declínio, mesmo que parcial e nominalmente ainda pareça dominar em alguns países, como a Alemanha e a Áustria. Mas definitivamente parece estar longe da força e da influência de outros tempos, talvez por vivermos em sociedades que se têm vindo a tornar mais seculares, e o CDS é a prova nacional disso. 

Mas não é caso único. O comunismo, que, para voltar a um exemplo anterior, durante décadas dividiu eleições em Itália com a mesma democracia-cristã, teve uma queda abrupta desde os anos oitenta e ninguém minimamente lúcido aposta nos amanhãs que cantam como força dominante. Mesmo nos países de regime comunista, como a China e o Vietname, já é algo bem diferente do maoísmo original (muito embora permaneça o controlo ditatorial da sociedade), e Cuba é de uma decadência inimitável. Da social-democracia também há anos que se ouve falar do seu esmorecimento, e tirando alguns países onde o poder a mantém, como Espanha e Portugal, tem caído a olhos vistos, como em França, Grécia e Alemanha. O conservadorismo encontra-se numa cruzamento de dúvidas, entre versões descafeinadas e apelos reaccionários. O liberalismo, embora tenha alguns seguidores entusiastas, não parece ser capaz de formar governos, talvez vítima do seu próprio sucesso, já que as suas principais premissas foram cumpridas na maior parte dos regimes democráticos. A extrema-direita teve de abandonar, ao menos à superfície, quaisquer inspirações fascistas, sob pena de ficar absolutamente marginalizada. E as querelas entre monárquicos e republicanos não têm nem um naco da relevância de outrora.

Parece que as ideologias que nos habituámos a seguir no séc. XX já viram dias mais pujantes. Os partidos portugueses também as seguem, e por ora ainda resistem, embora se vejam sinais de erosão no CDS, como se disse, e no PCP. Dir-se-ia que o que realmente está em ascensão são os partidos ecologistas e "verdes" (e mais modestamente os animalistas), o nacional-populismo, ou seja, direitas radicais ou extremas convertidas à democracia (outra influência italiana?) e em certa medida o liberalismo. Serão estas as futuras ideologias predominantes? Veremos confrontos entre estes blocos políticos, reduzindo os restantes -ismos a discussões bizantinas ou a memórias históricas? Terão a companhia de novos movimentos - os federalistas, por exemplo? Ou juntar-se-ão a outras atrás descritas que irão novamente reerguer-se e ocupar o seu velho papel de hegemonia?

 

Fora da caixa (8)

Pedro Correia, 15.09.19

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«António Costa teve sempre um papel de procura da solução e não do problema.»

Jerónimo de Sousa, em entrevista à Lusa (24 de Agosto)

 

Com a mesma cadência a que regressam as andorinhas em cada Primavera, quando surge uma campanha eleitoral logo se erguem vozes a questionar a "ideologia" de alguns partidos.

Tudo normal. Estranho apenas nunca ouvir tais vozes começarem por suscitar dúvidas sobe a "ideologia" do Partido Comunista.

Se obedecesse ao ideário marxista-leninista, aplicado em vários países com os brilhantes resultados que sabemos, o PCP seria um partido de raiz revolucionária, adversário consequente da "democracia burguesa" e dos "interesses de classe" a ela associados. Mas tornou-se afinal um partido reformista, companheiro de estrada da social-democracia que noutros tempos costumava diabolizar com a sua inflamada retórica.

Nestes quatro anos, o partido da foice e do martelo viabilizou as "políticas de direita do governo PS" plasmadas em quatro orçamentos do Estado sujeitos à disciplina orçamental ditada por Bruxelas e ao menor investimento público de sempre na democracia portuguesa. Orçamentos que o PCP aprovou sem pestanejar: nunca mais lhe ouvimos um sussurro contra o malfadado "pacto de agressão" nem a firme exigência de "renegociação da dívida".

Insolitamente, ninguém questiona os dirigentes comunistas sobre os defuntos princípios sepultados numa esconsa gaveta dum obscuro gabinete na Rua Soeiro Pereira Gomes. Sinal dos tempos: hoje, no PCP, só a "paciência" é revolucionária.

Fora da caixa (1)

Pedro Correia, 05.09.19

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«Há uma enorme confusão na definição ideológica dos outros partidos.»

André Silva

 

Espreitei parte da entrevista que o porta-voz do partido animalista deu ontem à noite à TVI. André Silva rejeita a dicotomia esquerda/direita e prefere «outras bússolas», segundo confessou, etiquetando de «progressista» o seu partido, assumidamente «pós-ideológico».

Convocado a descer da nuvem retórica, logo se apressou a desdizer o que dissera: «O PAN é um partido que se posiciona, acima de tudo, pela preservação dos ecossistemas.»

Tudo e o seu contrário, portanto. «Preservar os ecossistemas» é a definição perfeita de um partido conservador. O deputado único do PAN, que nesta entrevista se atreveu a acusar as restantes forças partidárias de fuga às respectivas matrizes ideológicas, devia olhar-se um pouco mais ao espelho. Não para acertar o nó da gravata, adereço que recusa usar talvez por lhe lembrar uma coleira, mas para ver a cara com que fica ao receber o ricochete dos tiros que dispara.

As etiquetas partidárias

Pedro Correia, 17.02.17

 

Ouço por vezes falar em "ideologias" na política portuguesa. Há até uns sábios que se assumem como guardiães dos respectivos templos.

Mas que ideologias, afinal?

 

O CDS reivindicou-se sempre como partido "do centro". C de centro, aliás. Mas esteve sempre à direita do centro, contrariando aliás a vontade de um restrito núcleo dos seus fundadores.

O PCP só seria comunista se fosse um partido revolucionário. Mas é um partido institucionalista, com base social no funcionalismo público a nível nacional e local. Nada tem de revolucionário.

O PSD nunca foi social-democrata. Foi - e é - um partido liberal, conservador, com matizes populistas nas suas adjacências regionais.

O PS meteu o socialismo na gaveta ainda na década de 70. Teve sempre uma matriz dominante - a da social-democracia clássica, com erupções sociais-cristãs sobretudo no consulado de António Guterres.

O Bloco de Esquerda é vagamente "socialista" mas contemporizador com a UE capitalista, da qual não quer dissociar-se. Burguês até à medula, com representação residual junto dos segmentos mais pobres da sociedade. 

O PEV é tão ecologista como eu sou evangélico, xintoísta ou libertário. Eterna muleta do PCP, sempre foi muito mais vermelho que verde.

 

Esqueçamos portanto as etiquetas. Dizem-nos muito pouco ou quase nada dos partidos portugueses.

E reincide

Diogo Noivo, 18.05.16

Nuno Saraiva diz-nos esta semana que o mundo está perigoso. Por via democrática, afirma, o mundo anda a eleger déspotas. Convenhamos que o fenómeno não é novo, mas, claro, quando achamos que o mundo nasceu connosco tudo nos parece uma novidade.

No entanto, é curioso assistir à inflexão de pensamento de Nuno Saraiva de uma semana para a outra. Na semana passada, o jornalista do Diário de Notícias jubilava com o regresso da ideologia à política. Em boa verdade, era apenas o elogio da ideologia – o regresso identifiquei-o eu. Mas esta semana insurge-se contra a ideologia. Os tiranetes que Nuno Saraiva critica, dos Estados Unidos da América à Ásia, têm em comum programas políticos fortemente ideológicos e, na maioria dos casos, abertamente nacionalistas. São, portanto, o expoente máximo da ideologia na política. E obtêm bons resultados eleitorais porque fazem política usando ideologia. Na semana passada, Nuno Saraiva escrevia que “aquilo que se exige a um governo, seja ele qual for, é que cumpra e respeite a ideologia à boleia da qual foi eleito”. Esta semana a ideologia é nefasta.

Como é evidente, mais do que discutir a existência ou não de ideologia, o que se deveria discutir é a adesão das várias ideologias aos valores e às instituições que fundam o Estado de Direito Democrático. Mas isso obrigaria o jornalista a reequacionar a sua opinião sobre os partidos que sustentam o actual Executivo. O que, como é óbvio, não interessa. Logo, o que na semana passada era bom, nesta já é mau. Se continuo a ler o Diário de Notícias acabo esquizofrénico.

O Fim da História e os Homens que Temos

Diogo Noivo, 12.05.16

Neste editorial do Diário de Notícias, Nuno Saraiva afirma, e bem, que a existência de uma agenda ideológica de esquerda no Governo é natural e expectável. Escreve mesmo que “um dia destes ainda os ouviremos [a “direita”] exigir a queda do governo porque, vade-retro, só faz política”. Seja bem-vinda a política e seja bem-vinda esta leitura da nossa vida pública.

Porém, vemos aqui uma das principais mudanças na opinião publicada no nosso país. Há uns anos, não muitos, as litanias da imprensa viam nas decisões entendidas como sendo ideológicas – privatizações, concessões a privados, redução da tributação das empresas, entre outras – expressões de sectarismo. Escrevia-se na altura que Portugal precisava de consensos, de acordos, de pactos de regime. A ideologia era portanto um anacronismo perigoso que impedia o país de tomar o caminho correcto. Passados seis meses, a ideologia volta a ser política. Sem sobressaltos ou ruído. E ninguém se ri.

What a wonderful world this would be

Rui Rocha, 19.03.16

Don´t know much about ideology

But I do know that Lula is a crook

And that Dias Loureiro is a crook, too

And I know if you shout it loud with me

What a wonderful world this would be.

 

Don´t know much about ideology

But I do know that Sócrates is a crook 

And that Tecnoforma and "Submarinos" are a shame, too

And I know if you shout it loud with me

What a wonderful world this would be. 

 

Don´t know much about ideology

But I do know that Hitler was an assassin

And  that Stalin was an assassin, too

And I know if you shout it loud with me

What a wonderful world this would be.

 

Don´t know much about ideology

But I do know that brazilian right wingers are mostly sons of a bitch 

And  that Castro ans Maduro are sons of a bitch, too

And I know if you shout it loud with me

What a wonderful world this would be.

 

Yeah, but I do know that I if I shout it loud with you

And I know that if you shout it loud with me, too

What a wonderful world this would be.

Um sonho de criança

João André, 10.12.13

Como muitos saberão, costumo ter umas discussões - por vezes intensas, por vezes engraçadas, por vezes irritantes - com o nosso comentador lucylucky. Aqui há uns tempos pedi-lhe numa caixa de comentários que me explicasse o seu pensamento, como via o papel do Estado. Gentilmente respondeu-me em comentário. Por o considerar interessante, decidi dedicar-lhe um post que espero ser pouco maçador. Um ponto: caro luckylucky, não pretendo em momento nenhum do texto ser ofensivo ou menorizar as suas ideias. Apenas apresento as minhas razões para as refutar. Como sempre, pode fazer o mesmo com o meu texto na caixa de comentários.

 

Começo sendo facilitista: vejo o mecanismo de pensamento de luckylucky como semelhante ao de um comunista ou de um religioso fundamentalista. Tem uma visão a que chamarei em provocação d'os amanhãs que cantam e nela crê com todas as fibras do seu ser. É semelhante aos comunistas que crêem que a igualdade absoluta pode ser atingida. São visões dogmáticas que selectivamente ignoram os obstáculos. A maior diferença é que o luckylucky tem perfeita noção que as pessoas são diferentes umas das outras, algo que o comunismo puro e duro (nem sei se em versão marxista-leninista ou adicionando-lhe o -estalinista) prefere ignorar ou simplesmente negar.

 

Escreve o luckylucky, grosso modo, que quanto mais leis, mais probabilidades de cercear as liberdades. Em termos puramente abstractos é verdade. Mesmo quando as leis protegem as liberdades, estarão a restringir alguma liberdade de alguém. Se impedirem o homicídio estarão certamente a limitar a liberdade dos homicidas. É a tal questão da diversidade. Por outro lado, luckylucky defende que qualquer grupo de pessoas poderia viver num sistema comunista, desde que tal desejassem. Da mesma forma, quem quisesse viver fora desse (ou de outros) sistemas, deveria ter possibilidade de o fazer.

 

Não preciso de apontar as falhas deste raciocínio porque o próprio luckylucky já o faz. Aponta como caminho o estabelecimento de colónias, no mar, debaixo da terra, noutros planetas, etc, para poder criar o espaço físico capaz de englobar toda esta diversidade. Tem consciência que se um determinado grupo de pessoas quiser criar um sistema político numa determinada região, um outro grupo de pessoas não poderá viver dentro dos seus critérios no mesmo espaço físico. Se 99,99% dos habitantes de uma cidade decidirem que querem viver num espaço sem fumo, não podem permitir que dois ou três indivíduos fumem. Aqui entramos no óbvio problema: exercer a liberdade de uns limitará a liberdade de outros. Isto é verdade independentemente dos números de indivíduos que estejam de um lado ou outro da barricada. A situação complica-se quando em relação a outro tema a separação dos indivíduos é feita de forma diferente (por exemplo, 99,99% dos indivíduos não querem o roxo na cidade e outros dois ou três apenas desejam essa cor, mas esses três indivíduos não são os mesmos que desejam fumar). No limite, por cada indivíduo teremos um sistema político diferente.

 

E é por isso que surge a ideia de colónias. Cada um poderia encontrar um espaço onde vivesse de acordo com as suas próprias regras. É uma ideia simples, mas faz-me lembrar as "Robot series" de Isaac Asimov, que descrevem um planeta, Solaria, onde os seus habitantes não suportam encontrar-se fisicamente, vivem em propriedades com o tamanho de países e onde se encontram com o/a cônjuge apenas e só para poderem reproduzir-se (numa versão mais tardia os habitantes usam engenharia genética para se tornarem hermafroditas e cortarem todos os laços físicos com outros habitantes). Nestes livros, esta sociedade contrasta com a da Terra, onde existem mega-cidades que contêm toda a população humana, o espaço pessoal é mínimo, as casas de banho e os refeitórios são públicos e partilhados entre todos e apenas aqueles de mais elevada casta teriam alguns privilégios extra.

 

No fundo, luckylucky descreve a sua utopia, esperando que um dia a tecnologia a permita. Asimov, na sua clarividência, descreve como esse caminho estaria cheio de obstáculos numa direcção (pseudo-comunismo) ou noutra (liberdade pura). Inteligentemente, Asimov não toma um partido óbvio, procurando simplesmente um meio-termo. Pessoalmente opto pelo mesmo. "A Democracia é o pior de todos os sistemas à excepção de todos os outros" é uma frase que deveremos lembrar sempre. A Democracia, num sistema ou noutro, é imperfeita. Mas num mundo onde temos, imperativamente, que partilhar recursos (espaço, água, terra, ar, etc), ainda é aquele que nos tem servido melhor.

 

O mundo (ou universo) de luckylucky talvez um dia venha a ser possível. Até lá, vejo-o simplesmente como um sonho de criança que ainda não despertou para a realidade.

A falácia da teoria da empresa como local e espaço de cooperação

Rui Rocha, 16.11.12

Emerge uma concepção da empresa e do trabalho como lugares e espaços de cooperação. Trata-se, se quisermos, da visão simétrica da que resulta da  luta de classes marxista. Marx estava, é claro, enganado. Falta, na sua análise redutora e para dar só alguns exemplos, e se nos quisermos manter apenas na dinâmica do conflito, a perspectiva da luta entre o norte e o sul, entre insiders e outsiders do mercado de trabalho e o sentido da ironia histórica que viria a deslocar o epicentro da luta de classes como ele a entendia para a China. E, se quisermos ir mais longe, a percepção dos múltiplos sentimentos e formas de ser humanas que não se explicam na estreiteza da ideologia, seja ela marxista ou outra. Entre as quais se incluem o altruísmo, a solidariedade, a compaixão, o egoísmo e outras virtudes e vícios, adquiridos ou de fabrico, que dão origem a lutas sem classe. Muitas vezes, a lutas sem classe mesmo nenhuma que são capazes de minar as relações entre pessoas estejam elas ligadas por uma qualquer hierarquia ou sejam pares de uma mesma função. Mas, se isto é assim, deve admitir-se que a dita concepção da empresa como local de cooperação é igualmente falaciosa pelas exactas e mesmas razões. Aliás, para perceber que assim é, basta levar as consequências do argumento até ao fim. No tempo das empresas colaborativas, dizem, não faz sentido ver consagrado o direito à greve que, pela sua natureza conflitual, está completamente ultrapassado. Pois muito bem. Demos então todos os passos em frente ao mesmo tempo. E expurguemos da legislação do trabalho, também, a possibilidade de despedimento individual com justa causa. Pois se a empresa é local de cooperação... No fundo, o que temos de concluir, para marxistas e teóricos da cooperação, é que podes saber tudo sobre os vários pilares da sociologia. Mas, se não te conheces a ti mesmo, com todas os teus méritos, defeitos e limitações, isso é sinal de que ainda não sabes nada do mundo.