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Delito de Opinião

Cada vez menos livres

Pedro Correia, 05.07.23

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Observando caricaturas antigas, de mestres do desenho satírico como José Vilhena (1927-2015), é fácil concluir que vivemos tempos menos livres do que naquelas décadas de 70, 80 e 90 em que ele pontificava em publicações diversas, sempre com o seu traço corrosivo e cáustico, sem fazer vénia fosse a quem fosse.

Hoje, nestes dias do respeitinho e da autocensura, vemos pouco ou nada disto. Aliás os cartunistas tornaram-se espécie em vias de extinção - desde logo no The New York Times, que ajoelhou ao ponto de banir desenhos satíricos das suas páginas. Gigante do jornalismo a comportar-se como anão perante micro-indignações tribais. Com muitos outros a seguirem-lhe o exemplo, cá também.

Atentos, veneradores e obrigados. De cerviz dobrada até ao chão.

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 16.08.22

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Hoje é O Dia Internacional de Contar uma Piada

"Esta é uma data muito apropriada para contar piadas, apurando o nosso sentido de humor.

Piadas foram identificadas em textos da Antiguidade Clássica. O mais antigo livro de anedotas existente, uma colecção de 265 piadas escritas em grego, data do século V.

Não importa como é expressa. O principal resultado é fazer o destinatário rir, o que é um dos melhores remédios. Poucas coisas são mais saudáveis."

 

Eu adoro o sarcasmo e a ironia. Tentar transformar as tristezas em sorrisos é o meu moto no trabalho e em casa. Tudo pode ser uma piada se for levado a sério. Dar a volta ao texto é aligeirar o ambiente, remexer as água sem as turvar, promulgar a obrigatoriedade da boa disposição, pois só Deus sabe a importância que tem. Desconstruir indisposições críticas com a "outra face" é fundamental. 

Tem piada?

Qual é o cantor preferido dos castores?
- Luís Represas.

Como se sabe que o Estado é católico?
- Porque tudo o que faz leva um terço.

Que nome se dá a uma ferramenta perdida?
- Foice.

(Imagem Google)

Rir

Maria Dulce Fernandes, 15.08.22

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Não acredito que haja muita gente com motivos para sorrir. O saudoso Raul Solnado, na sua fase musical, gravou um 45 rpm com uma espanholice que se chamava “Es preferible… reir que llorar”, e deixou como reminder a todos nós, uma frase memorável: “Façam o favor de ser felizes."

Ora como é certo e sabido que tristezas não pagam dívidas e que a “nossa” pós-bazucada é um Buraco Negro, de que serve baixar os braços e enterrar a cabeça na areia? A Síndrome da Avestruz é coisa que não me assiste... como diz o Simba (sim, porque eu vejo filmes de autor), eu rio na cara do perigo, da desgraça, da intolerância, da estupidez, da incompetência.

E é assim que tem de ser. Durante 40 anos de ditadura foram as anedotas, as piadas com duplo sentido, os guiões do Teatro de Revista (que o meus pais me levavam a ver ao Parque Mayer), a Parada da Paródia, o Graça com todos, o Vira o Disco, o Teatro Trágico (programas radiofónicos dos saudosos Parodiantes de Lisboa), que a brincar a brincar diziam as verdades e consciencializavam o povo para a realidade do País. É por isso que temos de sorrir! Temos de rir, temos, de gargalhar da desgraça, porque não está sempre atrás da porta e se está, toca a enxotá-la! Vamo-nos rir da chuva, e dizer-lhe que está chover no molhado! Vamo-nos rir do sol, que diz que quando nasce é para todos, e mostrar-lhe que mesmo que alguns sejam mais todos do que os outros todos, a nós esse tipo de deboche não nos afecta, apenas nos faz rir! Vamo-nos rir da lua, e dizer-lhe que estamos com ela de pedra e cal! Vamo-nos rir do mar, que diz que há ir e voltar, mas que para nós só tirou bilhete de ida! Vamo-nos rir do céu, que se diz sempre azul, mas agora tomou-lhe o gosto pelo crepúsculo rosa e parece que nunca mais muda! Vamo-nos rir do vento e dizer que já nem sopra nada de jeito… só se sente uma brisa junto à costa! Vamo-nos rir do mundo e dizer-lhe que já não é o melhor sítio do dito e arredores! Vamo-nos rir do tempo e dizer-lhe "I'm Watch-ing you"! Vamo-nos rir da crematística e dizer-lhe que começaram os fogos e que pode acabar cremada! Vamo-nos rir de Portugal e dizer-lhe que nos havemos de encontrar no sanatório a ver quem no final rirá melhor.

(Imagem do Google)

SuperNature de Ricky Gervais

Paulo Sousa, 30.05.22

Lembro-me de uma vez, no adro da igreja, à saída de uma cerimónia qualquer, ter ouvido uma muito acintosa reprimenda por ter dito “pontapé no cu”. Segundo a senhora dona beata que me corrigiu, a forma não ofensiva deveria ser “pontapé no rabo”. “Não te ensinam isso em casa?”. Esta pergunta tinha outro alcance, que na altura não atingi, mas essa terá sido a primeira vez que me recordo de ter lidado com polícias da linguagem.

É engraçado como nesse tempo, no final dos anos 70, eram as forças conservadoras que ainda insistiam em consumir as suas energias na correcção da forma como os outros se exprimiam.

Acabou por ser mais rápido, mas tal como o norte magnético do globo, que se vai deslocando continuamente para daqui a uns milénios chegar ao hemisfério sul, o policiamento da linguagem acabou por ter sido adoptado, poucas décadas depois, pelas forças ditas progressistas.

Já excluindo o efeito “não é o que disseste, mas a forma como disseste”, a lista de tudo o que se pode dizer sem ofender alguém não pára de aumentar.

Pode fazer-se anedotas sobre alentejanos, sobre padres e freiras, sobre fanhosos, sobre anões, sobre tipos com óculos, sobre prostitutas, sobre drogados, sobre marrecos, sobre políticos que acreditaram no Sócrates, sobre infectados com covid e mais o que a imaginação permita, mas, atenção, nem pensar em gozar as minorias que exigem ser tratadas de forma inclusiva. Talvez por não terem reparado, incluir estas minorias no anedotário é também uma forma de inclusão. Esta piadola não é minha, mas de Ricky Gervais no seu mais recente especial, SuperNature, publicado na Netflix.

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Ricky Gervais, neste seu espectáculo, faz quase o pleno nos temas sobre os quais é suposto não se poder brincar. Ao vê-lo lembrei-me mais vezes das beatas dos anos 70 (que de tanto se persignarem tinham calos na testa) do que do universo Woke, que é também referido pelo autor.

Chamar corajoso a Ricky Gervais é um exagero, pois não passa de um tipo a dizer umas piadas, em que algumas delas estão longe de ser geniais, mas sempre que oiço alguns palermas a querem calar a boca a outros eventuais palermas, acho que faz falta quem goze com todos eles. Assistir ao SuperNature não resolve nenhuma destas questões, não reeduca ninguém, mas ajuda-nos a rir destes nossos dias que vivemos. Eu gostei.

O exclusivo da cassete

Cristina Torrão, 03.08.20

A silly season está a ser abalada por uma polémica da vida política nacional. O Partido Comunista mostrou-se muito incomodado por o líder do “chega chega a minha agulha” lhe ter roubado o exclusivo da cassete.

«Não há direito», lamentou um porta-voz do partido. «Detemos este exclusivo há quarenta e seis anos e tudo faremos para impedir que outros se apropriem dele. Ainda para mais, sendo eles detentores de uma agulha. Que usem um disco! A luta continua!»

Pelo seu lado, o líder do “chega chega a minha agulha”, cada vez mais gordinho (um regalo de menino que orgulharia qualquer mamã) declarou não ter paciência para a ladainha daquela minoria. Entre duas colheradas de Cerelac, afiançou: «As cassetes são livres. E já reparou neste meu talento para criar slogans? Seria um desperdício. Apesar de a minha minoria ser mais minoritária do que a minoria comunista, ninguém me impedirá de usar a minha cassete, era o que mais faltava!» A fim de reforçar esta sua convicção, logo fez uso de uma das máximas já gravadas: «É que eu sou politicamente incorrecto!»

 

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Cocktails Molotov contra a Porta dos Fundos

Paulo Sousa, 25.12.19

Tem sido notícia o ataque com cocktail molotov ao edifício da conhecida produtora humorística Porta dos Fundos, após a divulgação do seu Especial de Natal.

Trata-se de um ataque violento contra a liberdade de expressão, e esta frase não pode ser acrescentada com a conjunção “mas”. O ataque contra o Charlie Hebdo, com um nível muito superior de violência e que causou doze mortes, lançou um debate que utilizou demasiadas vezes a conjunção “mas”.

É um facto que é muito mais confortável e cómodo fazer humor sobre a Igreja e os seus membros do que sobre o Islão. A título de exemplo é fácil lembrar todas a imitações que o popular humorista português Ricardo Araújo Pereira já fez dos padres com sotaque beirão sem que isso nunca lhe tenha levantado qualquer problema. Podemos também contar pelos dedos de uma mão amputada quantas piadas é que ele já fez sobre muçulmanos, e isso não se deve à sua falta de talento mas, arrisco, a uma sensação defensiva que associamos normalmente a um determinado orifício corporal.

Essa escolha, consciente ou não, é humana e aceitável mas acaba por ser redutora das suas inegáveis capacidades. De quantas boas piadas sobre o Ramadão, ou sobre os restantes quatro pilares do Islão, já fomos privados apenas porque é mais seguro imitar um padre? Já o ouvimos várias vezes a elaborar sobre os limites do humor mas continuo à espera de uma boa piada sobre Meca.

No Brasil, a religião é vivida com uma intensidade bem superior à da Europa, ou da maioria dos países maioritariamente cristãos, e isso não justifica de nenhuma forma o ataque, embora possa explicar em que contexto ele aconteceu. A religião faz parte da equação da crispação que caracteriza a vida política brasileira dos últimos anos e este ataque não poderá ser desligado das posições políticas assumidas desde sempre pela Porta dos Fundos.

Mudar de canal, de página ou do café que frequentamos continua a ser a forma civilizada de lidar com o humor, bem ou mal conseguido, que possa apoucar as nossas convicções religiosas, políticas, clubísticas ou outras. Ninguém é obrigado a assinar o Charlie Hebdo, a ver os vídeos da Porta ou a ouvir o Mata Bicho do Bruno Nogueira, na rádio pública. Basta mudar de canal.

Gosto de enquadrar esta abordagem numa outra mais alargada e que consiste em não ambicionar reeducar outros sujeitos, especialmente adultos. O cepticismo prévio para com a capacidade dos humanos em agir com grandeza, permite-me ficar por vezes deliciado quando sou surpreendido com o sentido de dignidade, de generosidade e abnegação de algumas pessoas. Prefiro contar com tacanhez e descobrir grandiosidade do que contar com razoabilidade e tropeçar em grosseria.

Mas isto pode ser tratado noutro post.

Natal 2019

Pedro Correia, 25.12.19

 

O Natal mais bem humorado de 2019 é, sem surpresa, o da Rádio Comercial. Aqui fica esse risonho postal natalício, com a devida vénia ao Nuno Markl, ao Ricardo Araújo Pereira e ao Vasco Palmeirim. E, com ele, os meus votos de Boas Festas a todos os leitores do DELITO DE OPINIÃO.

Speaker do parlamento britânico em montagem de canal televisivo alemão

José António Abreu, 17.01.19

 

Duas notas:

1. Quem disse que os alemães não têm sentido de humor?

2. Até se fica a perceber melhor por que é que os Monty Python nasceram no Reino Unido.

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Mais a sério, uma sugestão interessante para cortar o nó górdio em que o Brexit se transformou: Inglaterra e Gales fora da UE, Escócia e Irlanda do Norte dentro da UE - e do Reino Unido.

Indignações

Diogo Noivo, 30.08.18

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Rober Bodegas 

 

O humorista galego Rober Bodegas fez uma série de piadas sobre ciganos num programa de televisão e colocou o vídeo no Twitter. A indignação voraz ateou a pira moral. Acusaram-no de discurso de ódio. Foi insultado por todos os “colectivos” possíveis e imaginários. Foi até comparado a Le Pen e a Salvini. Depois vieram as ameaças de morte. Em violenta ebulição nas redes sociais, o caso chegou às primeiras páginas dos jornais. Bodegas pediu desculpa e apagou  o vídeo da rede social. Vozes como a de Dani Acosta, humorista de etnia cigana, que alertavam para o óbvio – uma piada é uma piada –, foram olimpicamente ignoradas.

No El Pais, o escritor Andrés Barba traçou o mapa deste tipo de casos: 1) Comediante faz uma piada sobre um grupo étnico, colectivo, comunidade autónoma ou figura política; 2) Coletivo, grupo étnico ... descontextualiza o comentário e ataca em massa contra o comediante com uma violência que excede em muito a piada que o provocou e que acaba por dar à piada uma difusão que nunca teria tido de outro modo; 3) Um certo grupo de intelectuais argumenta que, embora seja verdade que a piada é de um extraordinário mau gosto, não é menos verdade que a liberdade de expressão é garantia de direitos democráticos e um dos pilares da civilização ocidental; 4) Oprimido por ameaças de morte ou pelas consequências da piada no plano laboral, o comediante dramatiza um pedido de desculpas que não sente, faz um comunicado de imprensa e reza a todos os santos para que o caso caia no esquecimento  o mais rapidamente possível.

O melhor resumo de esta e de outras indignações a propósito de textos de humor surgiu na rede que mais zurziu Bodegas, o Twitter: “não façam piadas, por favor. As piadas ofendem. Uma piada matou o meu cão e toda a minha família. Ainda recordo quando uma piada entrou pela minha janela e os matou a todos. É preciso ter cuidado com as piadas”.

The Tancos Show

Diogo Noivo, 18.07.18

No Público, Vasco Lourenço defende que o assalto a Tancos foi um embuste, uma “encenação político-criminal”, uma urdidura destinada a “acentuar e dramatizar ainda mais os ataques ao Governo, devido aos trágicos incêndios do Verão passado”. Tratou-se de um “cozinhado”, de um “logro”, de uma “FARSA” (assim, em maiúsculas). Sem meias-palavras, afirma que se tratou de um ataque à “Geringonça”.

Acrescenta Vasco Lourenço que “Naturalmente, não tenho como provar a minha teoria (...) mas, enquanto não me demonstrarem o contrário, o que ainda ninguém conseguiu fazer, é minha forte convicção que tudo não passou de uma farsa (...)”.

Substitua-se “a minha teoria” por “que D. Sebastião ficou em Marrocos a fumar shisha”, “que a padeira de Aljubarrota era um transformista do Conde Redondo chamado Arnaldo”, ou por qualquer outra coisa que vos venha à mente.

Como escrevi ontem, o caso de Tancos parece um sketch humorístico. Está visto que Vasco Lourenço considera que ainda há umas gargalhadas por dar.

Old Spice

João Campos, 21.07.17

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Curioso, o timing da demissão de Sean Spicer: será apenas uma cortina de fumo para um momento particularmente bizarro (passe o eufemismo) da administração Trump, ou terá Spicer finalmente cedido aos gritos desesperados de socorro da última vértebra da sua espinha dorsal? Por um lado, e por mais tempestuosa que tenha sido a sua relação com a imprensa (passe outro eufemismo), não consigo deixar de sentir alguma simpatia pelo ex-porta-voz da Casa Branca: sempre que o vi na televisão a proferir os disparates mais inusitados fiquei com a sensação de que não acreditava verdadeiramente neles; que, algures no canto mais recôndito da sua mente, ele sabia quão absurdas eram as suas palavras e as suas acções. De resto, o contraste com o fanatismo gelado de Sarah Huckabee Sanders, com a alucinação permanente de Kellyanne Conway, e com o aspecto de Voldemort-de-trazer-por-casa do outro imbecil que emergiu há um par de meses para debitar dois ou três disparates não podia ser mais evidente. Enfim, propaganda por propaganda, prefiro aquela que seja divertida, e as declarações delirantes de Spicer sempre proporcionaram algumas gargalhadas, tanto pelo próprio como pela forma como "alimentou" momentos muito inspirados nos programas de John Oliver, Stephen Colbert, ou Trevor Noah. Enfim, ou muito me engano (e espero enganar-me), ou os norte-americanos ainda irão ter muitas saudades de Sean Spicer.