No dia dos irmãos, duas histórias de irmãos
Tenho seis irmãos -quatro raparigas e dois rapazes. Nós raparigas, excepto a mais nova, temos um ano ou dois de diferença umas das outras. Não faltam histórias para contar. Hoje lembrei-me destas duas:
1. Um dia, éramos ainda muito miúdos, devia eu ter uns seis anos, fomos chamados para ir almoçar e quando chegámos à mesa faltava a minha irmã Maria. Onde está a Maria? A Luíza disse que a Maria estava muito doente. A mãe pediu a uma empregada para buscá-la. Passado uma bocado ela volta e diz, 'a menina Maria está na cama e não quer sair. Diz que foi a Luíza que mandou.' Fomos ao quarto ver o que se passava. A Maria estava escondida dentro da cama. Nessa altura tínhamos peles em cima das colchas. Eram peles de vaca ou de cabra, às vezes cosidas umas às outras e faziam de cobertura. A da Maria era de cabra malhada, com enormes manchas escuras. Sentámo-nos na cama dela e saltavam cabelos de todo o lado da cobertura. Quando a cabeça da Maria apareceu de debaixo dos lençóis, parecia saída de um hospício ou de um campo de concentração. Em vez do cabelo comprido, tinhas uns tufos raquíticos espalhados pela cabeça meio careca. Então, a Luíza tinha resolvido fazer de cabeleireira e quando viu o que tinha feito escondeu o cabelo dela no pêlo escuro da coberta e mandou-a ficar na cama. Ahah
2. Outra vez, numa altura em que vivíamos numa herdade, no campo, andávamos pelos onze, doze anos, saímos logo a seguir ao almoço e fomos para a ribeira que atravessava a herdade, brincar. Éramos seis: eu, mais duas irmãs, duas amigas que eram irmãs uma da outra e mais um amigo. Passámos a tarde na ribeira, de galochas, a apanhar sapos, rãs, uma cobrinha pequena, pedras com musgo e voltámos para casa todos molhados, emporcados de terra e com sacos com os animais. Entrámos em casa delas e fomos à procura de um sítio para pôr a bicharada. Nesse dia estava tudo num certo alvoroço. A casa estava a encher-se porque era o início da época de caça e esperava-se muita gente sendo um deles o presidente da República. Mas nós não sabíamos disso, nem ligávamos nenhuma porque a casa estava sempre cheia em certas alturas do ano. Só queríamos pôr os animais na água. De maneira que fomos à procura de um quarto que já estivesse arranjado para não sermos incomodados e fechámo-nos na casa-de-banho. Enchemos a banheira de água e despejámos os animais, as pedras, etc. As rãs saltavam por todo o lado e sujavam tudo de modo que usámos as toalhas para secar o chão. Como os sapos faziam um chinfrim e nós também, alguém ouviu e foi avisar a minha mãe. De repente ouvimos a voz da mãe no quarto, 'Está aí alguém?' Fizemo-nos de mortos, mas as rãs denunciaram-nos. Quando ela abriu a porta e viu aquele caos com rãs a saltar por todo o lado ia tendo uma apoplexia. Aquele era o quarto para o Presidente. Por isso já estava todo arranjado. A Luíza (outra Luíza, não a minha irmã) só dizia, 'ó tia Palmira, os animais estavam a morrer, precisavam de água. Não podíamos deixá-los morrer'. Ficámos de castigo e proibidos de várias coisas ao mesmo tempo. O que nos rimos a lembrar disto...
também publicado no blog azul