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Delito de Opinião

No dia dos irmãos, duas histórias de irmãos

beatriz j a, 31.05.22

Tenho seis irmãos -quatro raparigas e dois rapazes. Nós raparigas, excepto a mais nova, temos um ano ou dois de diferença umas das outras. Não faltam histórias para contar. Hoje lembrei-me destas duas:

1. Um dia, éramos ainda muito miúdos, devia eu ter uns seis anos, fomos chamados para ir almoçar e quando chegámos à mesa faltava a minha irmã Maria. Onde está a Maria? A Luíza disse que a Maria estava muito doente. A mãe pediu a uma empregada para buscá-la. Passado uma bocado ela volta e diz, 'a menina Maria está na cama e não quer sair. Diz que foi a Luíza que mandou.' Fomos ao quarto ver o que se passava. A Maria estava escondida dentro da cama. Nessa altura tínhamos peles em cima das colchas. Eram peles de vaca ou de cabra, às vezes cosidas umas às outras e faziam de cobertura. A da Maria era de cabra malhada, com enormes manchas escuras. Sentámo-nos na cama dela e saltavam cabelos de todo o lado da cobertura. Quando a cabeça da Maria apareceu de debaixo dos lençóis, parecia saída de um hospício ou de um campo de concentração. Em vez do cabelo comprido, tinhas uns tufos raquíticos espalhados pela cabeça meio careca. Então, a Luíza tinha resolvido fazer de cabeleireira e quando viu o que tinha feito escondeu o cabelo dela no pêlo escuro da coberta e mandou-a ficar na cama. Ahah

2. Outra vez, numa altura em que vivíamos numa herdade, no campo, andávamos pelos onze, doze anos, saímos logo a seguir ao almoço e fomos para a ribeira que atravessava a herdade, brincar. Éramos seis: eu, mais duas irmãs, duas amigas que eram irmãs uma da outra e mais um amigo. Passámos a tarde na ribeira, de galochas, a apanhar sapos, rãs, uma cobrinha pequena, pedras com musgo e voltámos para casa todos molhados, emporcados de terra e com sacos com os animais. Entrámos em casa delas e fomos à procura de um sítio para pôr a bicharada. Nesse dia estava tudo num certo alvoroço. A casa estava a encher-se porque era o início da época de caça e esperava-se muita gente sendo um deles o presidente da República. Mas nós não sabíamos disso, nem ligávamos nenhuma porque a casa estava sempre cheia em certas alturas do ano. Só queríamos pôr os animais na água. De maneira que fomos à procura de um quarto que já estivesse arranjado para não sermos incomodados e fechámo-nos na casa-de-banho. Enchemos a banheira de água e despejámos os animais, as pedras, etc. As rãs saltavam por todo o lado e sujavam tudo de modo que usámos as toalhas para secar o chão. Como os sapos faziam um chinfrim e nós também, alguém ouviu e foi avisar a minha mãe. De repente ouvimos a voz da mãe no quarto, 'Está aí alguém?' Fizemo-nos de mortos, mas as rãs denunciaram-nos. Quando ela abriu a porta e viu aquele caos com rãs a saltar por todo o lado ia tendo uma apoplexia. Aquele era o quarto para o Presidente. Por isso já estava todo arranjado. A Luíza (outra Luíza, não a minha irmã) só dizia, 'ó tia Palmira, os animais estavam a morrer, precisavam de água. Não podíamos deixá-los morrer'. Ficámos de castigo e proibidos de várias coisas ao mesmo tempo. O que nos rimos a lembrar disto...

também publicado no blog azul

Emoções #5

Banda desenhada

Maria Dulce Fernandes, 01.05.21

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Tex Willer e o Signo da Serpente

Por volta dos meus quinze ou dezasseis anos, todas as sextas-feiras depois da escola eu ou o meu irmão íamos à CaJor e trazíamos emprestadas as novidades aos quadradinhos da semana.

Desde os fascículos do Tintin, com publicações como o Blueberry, o Michel Vaillant, o Olivier Rameau, o Cubitus,  Blake & Mortimer, etc, passando pelos Almanaques Disney, o Falcão com o Major Alvega e o Ene 3 e, naquela altura particular, os livros do Tex Willer.

Estranhamente, nunca fui fã de cowboiadas e dispensava westerns, porque partia do pressuposto errado de que quem viu um, viu todos, mas a história da Serpente Emplumada, passada na Mesoamérica com muito sobrenatural e o culto Quetzalcoatl à mistura, era por demais emocionante para pôr de parte por um capricho de julgamento.

Era uma festa à sexta-feira à tarde poder sentar-me nas almofadas encostada à cama, com um enorme prato de torradas com manteiga e geleia de marmelo caseira, garrafa do leite à mão e uns poucos de livrinhos para também devorar e actualizar a narrativa gráfica, que me iria deixar numa emocionante expectativa durante mais sete dias.

Ler sempre foi uma emoção. 

Ler BD ainda é uma emoção redobrada.

Acabámos por coleccionar todos os livros com as aventuras do Tex Willer, que muito mais tarde foram oferecidos a uma instituição quando a minha mãe mudou de casa. De algum modo, aprendi com a sua leitura a ver westerns sem ter em conta apenas o preconceito do enjoativo índio-bandido/cowboy-herói, mas sobretudo a arte da sua concepção.

Há pouco tempo um amigo emprestou-me o Signo da Serpente.

Eu ainda sei toda a história de trás para a frente, mas, como tantas outras histórias em tantos outros livros lidos e relidos, foi uma indescritível emoção voltar a ler.