Nos meus primeiros tempos na Alemanha, tive receio de "desaprender" o meu inglês e passei a ler quase só livros nessa língua. Um dia, o meu marido chegou a casa com um romance histórico de Sharon Penman. Nenhum de nós conhecia a autora, mas ele tinha deparado com o livro em promoção e resolveu oferecer-mo.
Posso dizer que este livro mudou a minha vida. Apaixonei-me logo pela escrita desta autora. E, até hoje, ainda não encontrei melhor, em matéria de romances históricos. Além disso, foi ela que me levou a igualmente escrever este tipo de ficção.
Sharon (Kay) Penman não se limita a narrar os acontecimentos, ela puxa-nos para o meio da acção. É facílimo identificarmo-nos com as suas personagens. Não há vilões, nem santos, nos seus livros. Há pessoas, com todos os seus lados, bons e maus. Sharon Penman revela uma lucidez invrível sobre a natureza humana.
Depois de ler seis livros dela (alguns, duas vezes) estive cerca de vinte anos afastada das suas obras. Em fins do ano passado, descobri, na minha estante, um romance ainda por ler: Time and Chance, o segundo volume de uma saga de cinco, sobre a família de Henrique II de Inglaterra e Leonor da Aquitânia. Peguei nele. E "a febre" voltou. Soube que Sharon Penman tinha entretanto falecido, mas não descansei enquanto não arranjei os três volumes que me faltavam. A sua aquisição provocou-me um entusiasmo raramente sentido, em matéria de livros.
Leonor da Aquitânia e Henrique II provocaram alterações profundas, na Europa medieval. Naquela altura, o rei de Inglaterra era igualmente duque da Normandia. Henrique II, o primeiro rei Plantageneta, herdou ainda de seu pai os condados de Anjou e da Bretanha e, por casamento com Leonor, tornou-se conde de Poitou e duque da Aquitânia. Era, porém, vassalo do rei de França, por esses territórios, criando uma situação bizarra. Por um lado, muita da França actual pertencia-lhe, possuía inclusive mais terras do que o próprio monarca francês. Por outro, custava-lhe, como rei de Inglaterra, ser vassalo do de França. Para complicar mais ainda, Luís VII tinha sido o primeiro marido de Leonor da Aquitânia. O casal conseguiu o divórcio e Leonor foi, até hoje, a única mulher a ser rainha de França e de Inglaterra. Mas a rivalidade entre os dois "maridos" foi uma constante, enquanto viveram.
Leonor e Henrique fundaram uma das dinastias europeias mais poderosas: os Plantagenetas, que regeram sobre a Inglaterra durante cerca de 300 anos. Além disso, foram pais de dois dos mais famosos monarcas europeus: Ricardo Coração de Leão e João Sem-Terra.
Conhecemos estas personagens, sobretudo, através dos filmes e séries sobre Robin dos Bosques. Essas narrativas nada têm a ver com a verdade histórica. Não há a mínima referência a essa figura, nas vidas de Ricardo e João. Aliás, Robin dos Bosques é uma personagem mítica, nem se sabe se existiu. E, no caso de ter existido, quando viveu.
Henrique e Leonor tiveram oito filhos. Três eram raparigas, uma delas casou com Afonso VIII de Castela. Dos cinco rapazes, um morreu em criança, mais dois ainda jovens. Por isso, à altura da morte do pai, apenas Ricardo e João eram vivos. Dez anos os separavam.
Admira-me que a saga desta família ainda não tenha sido filmada. Nada ficaria a dever à Guerra dos Tronos, com as suas intrigas, rivalidades e guerras constantes. Depois de cerca de quinze anos de casamento, a forte paixão entre Henrique e Leonor foi-se transformando em ódio. Os dois guerrearam-se e instigaram os filhos a tomarem posição, ou contra o pai, ou contra a mãe, conforme os casos. Ricardo era o preferido de Leonor e lutou sempre contra o pai. A situação chegou a tal ponto, que Leonor esteve presa durante dezasseis anos, por ordem do marido. Mas sobreviveu-lhe, apesar de ser dez anos mais velha. Leonor viveu mais de oitenta anos. Assim que o marido morreu, Ricardo Coração de Leão, feito rei, ordenou a libertação da mãe.
Túmulos de Henrique II e Leonor da Aquitânia, na Abadia de Fontevraud*
Ricardo e João odiavam-se, apesar de o mais novo ter ficado a tomar conta do trono inglês, quando o Coração de Leão partiu para as cruzadas (este é o fundo verdadeiro das histórias de Robin dos Bosques). João cobiçava a coroa. E esta acabou mesmo por lhe cair no regaço! Ricardo morreu, com cerca de quarenta anos, atingido por uma flecha. O grande guerreiro, que regressara das cruzadas com uma fama inigualável, acabou por perecer numa luta "menor", uma escaramuça contra um seu vassalo francês.
Túmulo de Ricardo Coração de Leão, na Abadia de Fontevraud*
João nem acreditava na sua sorte. Ricardo não deixou descendentes, apesar de ter sido casado. Terá tido um filho ilegítimo, mas ainda não esclareci esse aspecto, pois ainda não li a saga toda. Aliás, a sua vida sexual é objecto de especulações. Diz-se que se interessava mais por guerra do que por mulheres e, claro, põe-se a hipótese de ter sido homossexual.
João Sem-Terra (assim apelidado por ter sido o mais novo de todos os irmãos, com poucas hipóteses de conseguir herança) ficou conhecido por ter assinado a Magna Charta, considerado assim o "pai" da representação parlamentar. De resto, perdeu todos os territórios franceses pertencentes ao progenitor e quase lhe escapava igualmente a coroa inglesa. Mas foi ele quem deu seguimento à dinastia Plantageneta.
Viajo regularmente de carro entre a Alemanha e Portugal. Na zona de Tours, vejo a placa mencionando a Abadia de Fontevraud e, muitas vezes, penso ser uma pena passar ali tão perto e não a ir visitar. Lá se encontram os túmulos de Leonor da Aquitânia, Henrique II, Ricardo Coração de Leão e Isabel de Angoulême, que foi rainha de Inglaterra, por ter sido casada com João Sem-Terra.
Perante o túmulo de Ricardo Coração de Leão*
Agora, que ando a ler esta incrível saga, não pude deixar de ir. E senti a emoção de finalmente conhecer pessoas que admirava há muito tempo. Foi uma experiência única.
Uma palavra para a ironia de Ricardo e Isabel de Angoulême jazerem lado a lado. Depois de enviuvar do rei João, Isabel já tinha cinco filhos, mas apenas cerca de trinta anos de idade. Regressou à sua terra-natal e casou com o conde de Lusignan, de quem teve mais oito filhos. E acabou por ficar sepultada em Fontevraud, na altura, um dos maiores centros religiosos franceses.
Túmulos de Isabel de Angoulême e Ricardo Coração de Leão, na Abadia de Fontevraud*
O rei que não deixou descendência ficou, para a eternidade, ao lado da cunhada, a esposa do irmão que odiava. O certo é que Isabel de Angoulême foi mãe, avó, bisavó, trisavó, etc. dos reis que regeram sobre a Inglaterra, por mais de dois séculos.
João Sem-Terra está sepultado na catedral inglesa de Worcester, que visitei em 2003.
Túmulo de João Sem-Terra (John Lackland) na Catedral de Worcester*
Nota: há apenas um livro de Sharon Kay Penman traduzido em português: Quando Cristo e os Seus Santos Adormeceram, o primeiro volume desta saga, sobre a guerra civil inglesa, travada entre a mãe de Henrique II, a imperatriz Maude, e o seu primo, o rei Estêvão (Stephen).
D. Afonso Henriques: só ele e mais dois monarcas portugueses ultrapassaram os 70 anos de idade
Fiz há dias uma investigação sumária, por mera curiosidade, sobre os 34 monarcas que reinaram durante quase nove séculos em Portugal e cheguei a uma conclusão inesperada: só oito morreram mais velhos do que a minha actual idade.
A morte prematura foi uma constante no trono português, em qualquer das dinastias. E a esperança média de vida, em vez de aumentar, foi diminuindo. Basta anotar que o nosso primeiro Rei, D. Afonso Henriques, foi também um dos que viveram mais tempo - faleceu em 1185, aos 76 anos. Enquanto o último, D. Manuel II, morreu com apenas 42, em 1932.
Destas cabeças coroadas, apenas uma chegou a octogenária: D. Maria I, falecida aos 81 anos. De pouco lhe valeu a longevidade física: passou o último quarto de século de vida como doente mental.
Septuagenários, apenas três. Além do fundador do Reino de Portugal, já mencionado, D. João I chegou aos 76 anos e Filipe I (luso-espanhol e o primeiro de três que durante seis décadas ocuparam simultaneamente os tronos em Madrid e Lisboa) morreu aos 71. Ninguém mais.
Ser monarca, na História de Portugal, parece ter implicado quase sempre falta de saúde. Até reis sexagenários, tivemos poucos. Eis o registo, por ordem cronológica: D. Afonso III (falecido aos 68 anos), D. Afonso IV (66), D. Henrique (68), Filipe III (60), D. João V (60), D. José (62) e D. Miguel (64).
Os nove monarcas da Dinastia Afonsina, entre 1143 e 1383, viveram em média 54 anos. A Dinastia de Avis, entre 1385 e 1580, teve oito reis, com 51 anos como idade média. Seguiu-se o domínio filipino, de 1580 a 1640: três cabeças coroadas, 58 anos anos de longevidade média. Superior à da Dinastia de Bragança, que se estendeu de 1640 a 1910: 14 monarcas, sem ultrapassar os 50 anos como idade média.
Não faltaram óbitos abaixo dos quarenta. Segue a lista, pela mesma ordem a contar do início: D. Afonso II (37 anos), D. Sancho II (38), D. Fernando I (37), D. Sebastião (24), D. Pedro IV (35), D. Maria II (34) e D. Pedro V (24).
Por causas muito variadas: D. Afonso II morreu com lepra, D. Duarte (46 anos) e D. Manuel I (52 anos) com peste. D. Afonso VI (40 anos) e D. Pedro IV foram vitimados pela tuberculose. D. João III (55 anos) e D. José sucumbiram a tromboses. D. Maria II (retratada na imagem ao lado) morreu de parto e seu primogénito, o malogrado D. Pedro V, enlutou os súbditos ao desaparecer muito jovem, com febre tifóide. Tinha a mesma idade do infeliz D. Sebastião, um dos dois reis portugueses que sofreram morte violenta, tendo perecido na batalha de Álcacer-Quibir (1578). Já no século XX (1908), D. Carlos foi assassinado no Terreiro do Paço. Tinha 44 anos.
Há fortes suspeitas de que pelo menos três acabaram envenenados: D. Fernando I em 1383, D. João II em 1495 (40 anos) e D. João VI em 1826 (58 anos).
Vidas breves, em grande parte. Vidas trágicas, em vários casos. Quase todas davam séries ou filmes de pendor dramático.
D. Manuel II, último Rei português, faleceu em 1932 com apenas 42 anos
Lula com Putin em Moscovo: vénia do ex-opositor da ditadura brasileira ao tirano russo
Lula da Silva, vergonhosamente, foi um dos 29 dirigentes internacionais que ontem compareceram ao beija-mão a Putin na Praça Vermelha, assinalando o chamado Dia da Vitória. Ocasião aproveitada pelo ditador russo, com descarado despudor, para comparar a guerra defensiva que a URSS travou contra a Alemanha nazi à actual "operação militar especial" iniciada em Fevereiro de 2022 pelo Kremlin contra a vizinha Ucrânia, em flagrante violação do direito internacional.
A Praça Vermelha costuma atrair péssima gente. A 1 de Maio de 1941, noutro desfile, apareceram ali outros convidados: oficiais de alta patente da Alemanha hitleriana, então aliada da União Soviética de Estaline no esmagamento de diversos Estados europeus. Da Polónia à França. Passando por Checoslováquia, Dinamarca, Noruega, Bélgica, Luxemburgo, Estónia, Letónia, Lituânia, Finlândia.
Berlim e Moscovo haviam-se aliado em 23 de Agosto de 1939, o que esteve na origem imediata da II Guerra Mundial. Estreita cumplicidade só quebrada a 22 de Junho de 1941, quando Hitler deu ordem à sua tropa para invadir a URSS.
Cinquenta e dois dias antes, nesse 1.º de Maio moscovita, ainda figuravam como sorridentes comparsas no estrangulamento de outros povos. Vale a pena ver o filme desse dia. Para que a infame aliança comuno-nazi não se dissipe no nevoeiro da memória colectiva.
Hoje é dia apropriado para lembrar um dos mais notáveis discursos políticos do século XX. O chamado Discurso da Paz, proferido por John Fitzgerald Kennedy a 10 de Junho de 1963 na Universidade Americana, em Washington.
Disse o malogrado presidente dos Estados Unidos, que cinco meses depois seria assassinado em Dallas:
«Que paz ambicionamos? Não a Pax Americana, imposta no mundo pelas nossas armas de guerra. Nem a paz dos cemitérios nem a segurança da escravatura. Falo da genuína paz - a paz que torna viável a vida na Terra, a paz que dá esperança às nações e lhes permite obter melhor vida para as gerações mais jovens, e não apenas trazer paz aos americanos, mas paz para toda a humanidade. Não apenas paz para o nosso tempo, mas paz para todos os tempos.»
Princípios, ideais, valores. Que diferença entre estas palavras e as que dominam as notícias de hoje, centradas num despudorado materialismo que a pretexto da paz só visa validar o esbulho de bens alheios e estrangular nações soberanas.
Eis já posta em prática a lei das consequências não intencionais a que aludo aqui. Com a dissolução da legislatura que o Presidente da República se prepara para anunciar ao País esta semana, após o chumbo de ontem à moção de confiança apresentada pelo Governo no hemiciclo de São Bento, superamos agora a turbulência eleitoral registada na segunda metade da I República, de má memória.
Nesse período foram convocadas quatro "eleições gerais" para preencher assentos parlamentares: em Maio de 1919, Julho de 1921, Janeiro de 1922 e Novembro de 1925. Quatro actos eleitorais em seis anos e seis meses.
Apesar de tudo, num intervalo mais dilatado do que a alucinante série de recentes eleições legislativas: Outubro de 2019, Janeiro de 2022, Março de 2024 e as que vão seguir-se, provavelmente a 11 de Maio. Cinco anos e sete meses.
Há cem anos, nada de substancial ia sendo solucionado com as sucessivas chamadas às urnas. Pelo contrário, cada toque a rebate eleitoral deixava o quadro político e governativo sempre mais convulso.
Os políticos dos nossos dias, sejam de que quadrante forem, deviam assimilar as lições da História. Antes, porém, é indispensável conhecê-la.
11 de Março é uma data simbólica da nossa história recente. Mas também o foi há 746 anos.
A 11 de Março de 1281, o rei D. Afonso X de Leão e Castela concedeu terras e igrejas aos Hospitalários, a título de escambo, para os compensar da perda de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. O monarca castelhano pretendia doar estes lugares e vilas à filha D. Beatriz, rainha-viúva de Portugal. D. Beatriz tinha-se refugiado na corte castelhana, depois de enviuvar, por desentendimentos com o filho D. Dinis.
Imagem de D Dinis, publicada na História Universal da Literatura Portuguesa (2006)
Depois de aguardar uns momentos, Dinis inquiriu:
- As vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão continuam em vosso poder, não é verdade?
- Sim, com todos os seus termos, castelos, rendas e direitos. Foi essa a recompensa de vosso avô, por eu lhe haver prestado assistência.
- Presumo então nada terdes contra o facto de integrá-las no reino de Portugal.
Beatriz fixou-o pensativa e, assim pareceu a Dinis, um pouco acusadora. Na verdade, o rei receava que ela dissesse ele não merecer tal, por ter abandonado o avô. Mas ela acabou por retorquir:
- Longe de mim contrariar vosso pai nessa questão.
- Meu pai?!
- Fosse ele vivo, não tenho a menor dúvida de qual seria a sua vontade.
Para Dinis, aquela era uma vitória de sabor amargo. Sua mãe concordava em alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, mas, pelos vistos, não porque ele merecesse, ou por ela lhe querer dar esse gosto.*
Foi graças a esta herança de sua mãe, que D. Dinis pôde alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, alargamento confirmado no Tratado de Alcañices, a 12 de Setembro de 1297.
*Excerto do meu romance "Dom Dinis - a quem chamaram O Lavrador"
«Quando a guerra terminar usarei um fato. Talvez semelhante ao seu, talvez melhor e talvez mais barato.»
Zelenski, a um repórter que o questionou na Sala Oval por não usar fato e gravata
Em Dezembro de 1941, o mundo mergulhara no mais devastador conflito bélico da História. Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, foi convidado a visitar Washington, onde conferenciou com o Presidente norte-americano, Franklin Roosevelt.
Roosevelt tratou-o com cortesia e cordialidade: nada mais natural, tratando-se de um aliado. Jamais lhe passaria pela cabeça dizer - ou permitir que alguém proferisse - qualquer frase menos cordata sobre a indumentária do visitante.
Outros tempos. Totalmente ao contrário do que ocorreu há dias, no mesmo local, durante a visita do Presidente ucraniano, quando Zelenski se apresentou ali com a sua icónica sweatshirt militar, que jurou usar até ao fim da matança dos ucranianos pelos russos. Foi quanto bastou para desencadear um chorrilho de ganidos soezes, lá e cá.
Que diferença abissal entre a Casa Branca de Roosevelt e a Casa Branca de Donald Trump. Até nisto. Parecem dois mundos antagónicos: nada a ver um com o outro.
D. Dinis foi aclamado rei de Portugal há 746 anos. Tinha apenas dezassete.
A aclamação deu-se depois da morte de seu pai, nesse mesmo dia. D. Afonso III foi sepultado em São Domingos de Lisboa. Dez anos mais tarde, foi trasladado para Alcobaça.
Também a 16 de Fevereiro, mas doze anos antes, foi assinado em Badajoz o documento que legitimou para sempre a integração do Algarve em Portugal.
D. Afonso III conquistara as praças do Algarve com a ajuda da Ordem de Santiago, cujos cavaleiros portugueses estavam dependentes do Mestre castelhano. Por isso se sentia o rei Afonso X de Leão e Castela com direito a exigir vassalagem ao monarca português por esse território.
Conquista de Loulé, Luís Furtado
Os primeiros passos para a resolução do problema foram dados em Maio de 1253, quando D. Afonso III, ignorando o seu casamento com Matilde de Bologne, desposou a filha mais velha do rei castelhano (ilegítima) D. Beatriz. Depois do nascimento de D. Dinis, Afonso X de Castela enfeudou o Algarve ao neto, a fim de acabar com a situação de vassalagem do rei português ao castelhano, causadora de mal-estar em Portugal.
Porém, se ele aliviou a situação, não a resolveu. Uma vez chegado ao trono, D. Dinis deveria igualmente prestar vassalagem ao rei castelhano por aquele território. Iniciou-se uma acção diplomática e, no dia 16 de Fevereiro de 1267, em Badajoz, Afonso X concordou em renunciar a todos os seus direitos sobre o Algarve, recebendo em compensação as povoações de Aroche e Aracena, conquistadas por Afonso III em 1251. O Guadiana ficou a demarcar a fronteira entre Portugal e Leão, a partir da foz do Caia para sul. Essa fronteira seria modificada trinta anos depois, pelo próprio D. Dinis, no Tratado de Alcañices (12 de Setembro de 1297).
Nem Trump nem Biden foram à tropa. Um alegando ter um calcanhar inflamado, o outro por sofrer de asma
Há 32 anos, cumpridos anteontem, saía da Casa Branca o último inquilino que fez tropa à moda antiga, participando em combates no campo de batalha. George Walker Bush, que combateu na II Guerra Mundial como piloto da força aérea norte-americana, participando em 55 missões nas Filipinas e no Japão em 1944 e 1945.
Depois dele, tudo mudou. O Presidente dos Estados Unidos é considerado "comandante supremo das forças armadas", mas quatro dos últimos cinco chefes do Executivo não prestaram serviço militar. E todos quantos tinham idade para combater no Vietname, na época em que a tropa ainda era obrigatória, evitaram ser mobilizados sob pretextos vários.
É o caso do novo-velho inquilino. Nascido em 1946, Donald Trump festejou o 20.° aniversário no auge da intervenção norte-americana na Indochina. Mas esquivou-se a vestir farda, com cinco adiamentos sucessivos - os quatro primeiros invocando a sua condição de estudante de Economia, o quinto alegando ter um calcanhar inflamado. Anos depois Trump gozou com o sucedido, garantindo já não saber em que pé teria o suposto problema. E gozou ainda mais, observando que «o seu Vietname particular» fora a trepidante vida nocturna de Nova Iorque, onde o risco de contrair doenças vénereas era elevado para alguém como ele.
Joe Biden foi outro "comandante-em-chefe" que nem a recruta cumpriu. Nascido em 1942, agiu exactamente como Trump: foi metendo papéis para o adiamento da incorporação por frequentar um curso de Direito. No fim, já formado, solicitou dispensa por sofrer de asma, livrando-se do Vietname. Ficou sine die na reserva territorial.
Bill Clinton, nascido em 1946, estudava também Direito quando atingiu a idade de ir à tropa. Antes, como bolseiro em Oxford, participara em manifestações públicas contra a guerra do Vietname. Alegadamente, uma cunha familiar terá contribuído para o safar da incorporação. Nunca envergou farda.
George W. Bush, um dos três presidentes nascidos em 1946, resolveu o problema de outra forma: evitou ser enviado para a Indochina incorporando-se na secção da força aérea da Guarda Nacional do Texas. A guerra, para ele, ficou muito longe. A mais de 13 mil quilómetros de distância.
O caso de Barack Obama é diferente. Nascido em 1961, tinha 12 anos incompletos quando terminou o serviço militar obrigatório nos EUA. Uma decisão da administração Nixon concretizada em Janeiro de 1973, antecedendo a retirada dos EUA do Vietname.
Este divórcio entre os inquilinos da Casa Branca e as forças armadas de que são nominalmente chefes é recente. Vinte e um dos primeiros 26 presidentes tiveram participação muito activa na vida militar.
No conjunto, três foram generais: George Washington (1789-1797), Ulysses Grant (1869-1877) e Dwight Eisenhower (1953-1961).
Andrew Jackson, William Henry Harrison, Zachary Taylor, Rutherford Hayes, James Garfield e Chester Arthur foram majores-generais. Franklin Pierce, Andrew Johnson e Benjamin Harrison foram brigadeiros. Thomas Jefferson, James Madison, James Monroe, James Polk, Theodore Roosevelt e Harry Truman chegaram a coronéis. Lyndon Johnson e Richard Nixon foram comandantes da Armada. Gerald Ford, comandante adjunto. Também John Kennedy (herói na II Guerra Mundial) e James Carter se destacaram na Marinha. Millard Fillmore serviu nas fileiras como major. Abraham Lincoln chegou a capitão do Exército - tal como John Tyler, William McKinley e Ronald Reagan.
Apenas 14 dos 45 presidentes não fizeram tropa - metade dos quais nos últimos cem anos. Nem sequer seguiram o exemplo de James Buchanan (1857-1861), que cumpriu serviço militar sem passar de soldado raso.
Noutros tempos, o incumprimento dos deveres militares num país com fortíssima tradição castrense como são os EUA, maior potência bélica do planeta, mancharia a reputação de um político. Não é assim nestas décadas mais recentes, como os exemplos de Clinton, Obama, Trump e Biden comprovam.
O que talvez ajude a explicar este facto: o Vietname foi o único conflito bélico com forte presença norte-americana que não beneficiou o currículo de nenhum político com verdadeiro sucesso. Pelo contrário, três que lá estiveram - o republicano John McCain em 1967-1973 (várias vezes condecorado devido ao seu comportamento heróico, incluindo o longo cativeiro em que foi submetido a torturas diversas) e os democratas John Kerry em 1968-1969 (três vezes condecorado como herói de guerra) e Al Gore em 1971.
McCain foi derrotado por Obama na corrida presidencial de 2008. Kerry perdeu contra Bush nas presidenciais de 2004. Gore, vice-presidente com Clinton entre 1993 e 2001, sofreu uma derrota tangencial em 2000, também frente a Bush. Confirma-se: o Vietname pode ser matéria boa para filmes e séries, mas não é trunfo político. Daí Trump gozar com o tema.
Resta ver se ele, que nunca fez tropa, alguma vez hesitará em enviar os jovens de hoje para palcos de guerra.
Constatei, nas redes sociais, que muitas pessoas ficaram chocadas com esta reconstrução do rosto de D. Dinis, apresentada no passado dia 7, nos 700 anos da sua morte. Há quem faça mesmo disto uma anedota, rindo-se e dizendo piadas.
Não tenho competência para avaliar o trabalho da Liverpool John Moores University FaceLab. E nunca saberemos se estas reconstruções faciais estão realmente perto da realidade. Mas todo este estranhamento tem seguramente a ver com a imagem de D. Dinis formada na cabeça de todos nós. E sob que pressupostos?
D. Dinis, um rei poeta, culto, fundou a Universidade e amava a vida (significa: as mulheres - como se só os homens pudessem amar “a vida”). Ora, estes pressupostos não formam, na nossa cabeça, o rosto de um homem envelhecido e triste. Além disso, é apresentado com olhos azuis e, apesar do cabelo quase todo branco, pode adivinhar-se ter sido algo como loiro. Isto parece desagradar a muita gente, vá-se lá saber porquê.
Vamos por partes.
Rei poeta, culto, fundador da Universidade portuguesa: disto, não há dúvida. Mas que nos diz sobre a sua aparência? “Amava a vida” - não mais do que os outros. D. Dinis teve amantes, sim, como (quase) todos os reis. Na verdade, porém, ele está longe de ser o monarca português com maior número de amantes e de filhos ilegítimos.
Esta reconstrução mostra-nos como ele era à altura da sua morte e bem pode estar perto da realidade. D. Dinis viveu os seus últimos três anos com graves problemas de saúde. Por duas vezes, foi atingido, calcula-se, por um AVC, ou enfarte. Da segunda vez, morreu mesmo, aos 64 anos. E não esqueçamos que os cuidados médicos, na sua época, não se podem comparar aos de hoje.
Há, porém, ainda a referir um outro motivo, talvez o maior, para o seu desgaste: nos últimos cinco anos de vida, D. Dinis viu-se a braços com uma guerra civil, uma guerra contra o seu próprio filho e herdeiro, que dilacerou o reino. Uma guerra não só de armas e combates, mas também de muitos nervos, raiva e desespero (como só o pode ser, entre pai e filho). Quando faleceu, a 7 de Janeiro de 1325, D. Dinis era um homem esgotado, quebrado, amargurado.
O avô materno de D. Dinis era Afonso X, rei de Castela, apelidado de o Sábio. Também ele culto e poeta, revolucionou a vida cultural toledana, ao reunir letrados cristãos, judeus e muçulmanos, fomentando a tradução, para latim e castelhano, de muitos tratados árabes sobre várias áreas do saber, como a medicina e a astrologia. Foi autor de um novo Código Legal e de vários livros, incluindo uma História da Hispânia. Também escreveu versos e compôs música, são de sua autoria as Cantigas de Santa Maria, escritas em galaico-português (a língua dos poetas da época), um dos maiores tesouros literários medievais da Península Ibérica.
Afonso X o Sábio tinha ascendentes germânicos e costuma ser representado como ruivo. Na sua biografia do rei-poeta, o Professor José Augusto de Sotto Mayor Pizarro é peremptório a afirmar que D. Dinis era igualmente ruivo, não só baseado nas observações feitas, por altura da “abertura acidental” do seu túmulo, em 1938 (p. 274), como pelos genes que herdou. Passo a citar da citada biografia (mesma página):
"D. Dinis não foi o único ruivo da sua família, uma vez que o seu tio materno, o infante D. Fernando de Castela, herdeiro de Afonso X falecido em vida do pai, também era ruivo (…) esta herança terá sido recebida do lado da mãe de Afonso X de Castela, a rainha D. Beatriz, filha de Filipe da Suábia e neta paterna do grande imperador Frederico I, de alcunha o Barba Ruiva."
No túmulo de D. Dinis, foram de facto encontradas evidências de cabelos ruivos, castanhos claros e grisalhos. E o Professor Sotto Mayor Pizarro diz ainda, na página 275 da citada obra, que o rei-poeta possuía possivelmente “olhos claros”.