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Delito de Opinião

Podem chamar-lhe Lei Costa ou Lei Santos

Legislativas 2024 (17)

Pedro Correia, 05.03.24

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Sempre que na campanha em curso ocorre qualquer debate sobre questões da habitação (um dos problemas que mais se agravaram durante a governação socialista), vejo alusões à chamada "Lei Cristas", que em 2012 introduziu profundas alterações ao regime legal do arrendamento em Portugal. Já lá vão 12 anos.

Lamento desiludir muito boa gente, mas não há "Lei Cristas". Existe, sim, a Lei Costa. Após mais de oito anos de vigência consecutiva de governos do PS mantendo tal diploma inalterado no essencial, tornou-se Lei Costa de pleno direito.

Quem preferir poderá chamar-lhe Lei Santos, pois o actual secretário-geral do PS deteve o pelouro da habitação no elenco governativo entre Fevereiro de 2019 e Janeiro de 2023. Quatro anos é muito tempo. Merece ver tal lei crismada com o nome dele também.

Casa para todes

José Meireles Graça, 04.10.23

Sei lá se o Chega foi ou não convidado pela “plataforma” Casa para Viver para a manifestação de 30 de Setembro, conforme disse André Ventura no Parlamento.

Se foi, o convite é estranho porque as manifestações pelo direito à habitação, como aliás a generalidade das manifestações, são coisa sobretudo da esquerda, compreensivelmente. A razão é simples: se te é impossível ganhar eleições mas acreditas na superioridade moral das tuas posições, e contas com uma quantidade de deserdados da sorte, descontentes, fanáticos das tuas visões salvíficas, moços com acne e moças com as axilas por depilar ansiosos por çalvar o planeta (assim, com cedilha), tudo sob a égide de “movimentos” patrocinados pelos estimáveis dois partidos da extrema-esquerda, então a rua é o lugar certo.

Não dizem, mas poderiam dizer como se fazia, em 1975, nas manifestações (essas sim impressionantes) do anticomunismo: Se isto não é povo, onde é que está o povo?

Actualmente está em casa, que é onde a maioria costuma estar. E o Chega faria bem em não se misturar com exaltados, não pelas consequências mas por uma questão de seriedade: o berreiro não ajuda à reflexão.

Mas misturou, e é o caso para lembrar que o direito à manifestação que a Constituição garante (art.º 45º) é reconhecido a todos (a todes, se a Constituição tivesse sido promulgada num tempo de demência lexical). E, ao contrário do que disse Santos Silva, participar não constitui, em si, um acto de provocação, mesmo que as motivações do Chega para cascar no Governo não sejam, como de facto não são, as mesmas da generalidade dos manifestantes.

Basta para isso verificar o que diziam os cartazes. Os do Chega, se levasse alguns, rezariam apenas: “Já chega”, “É preciso destelhar o Governo”, “Costa, a porta da rua é a serventia da casa que não temos” – ou coisas assim, e nada de “Todas as crises do planeta e lutas estão ligadas”, ou “Senhorios são bué cringes”, ou ainda “Habitar sim, despejar não”.

Deixemos portanto Santos Silva, a sua parcialidade e as suas tácticas eleitoralistas (quer demonizar o Chega para aparecer como o campeão da “luta” contra o fascismo na campanha presidencial, e no intervalo dividir a direita para garantir o futuro do PS) em paz.

Sucede que os manifestantes têm razão: Garantir o direito à habitação não só é possível como inclusive não é particularmente difícil. Vejamos:

  1. Há ou não há inúmeras habitações devolutas (casas de férias, na praia e no campo, e de emigrantes ausentes que as construíram no terrunho, por exemplo)?;
  2. Há ou não há imigrantes que beneficiam de impostos mais baixos do que os Portugueses, e rendimentos mais altos, e que por isso, se se lhes fizesse a vida dura, dariam à sola, deixando as casas vazias?
  3. Há ou não senhorios que, por terem medo de não conseguirem actualizar rendas no futuro, começam por, em primeiro arrendamento de inquilinos novos, e dada a escassez de oferta, exigir preços exorbitantes?
  4. Há ou não despejos de inquilinos que, meramente por não poderem pagar, são cruelmente expulsos sob pretextos capciosos, como por exemplo o proprietário ter investido para garantir um rendimento? E
  5. É ou não verdade que o Estado pouquíssimo tem investido na habitação, por causa da sua absurda obsessão com o défice?

Um levantamento sumário permite concluir que estas e outras situações seriam talvez suficientes, se tivessem o tratamento adequado, para resolver o problema a contento. E quando mesmo isso não fosse suficiente, poder-se-iam acrescentar aquelas famílias que vivem em casas grandes, muito maiores do que o necessário, e que bem poderiam ser obrigadas a transitarem para outras mais adequadas ao tamanho do seu agregado, podendo a antiga mansão albergar famílias mais numerosas, ou mais do que uma família.

Diz a direita que, na habitação como em quase tudo, há um mercado, e que este reage ao aumento da procura aumentando a oferta. Ora, o processo de construção está eriçado de impostos e dificuldades, desde logo no licenciamento; e como o investimento é arriscado no caso dos arrendamentos, cuja rendibilidade futura está condicionada pelo resultado das eleições e pelo estado de facto criado, o melhor é construir para vender ou então procurar pastagens mais verdes para investir.

Tretas, já se vê. Que isto configura o capitalismo na sua face mais odiosa – falar em mercados e rendimentos em vez de direitos.

É certo que, cessando o investimento privado na habitação, Lisboa e Porto ficariam inteiramente, no espaço de uma geração, com o mesmo aspecto que tinham as respectivas baixas antes da explosão do turismo e dos alojamentos locais. E não menos verdade que, no resto do país, haveria que semear aqueles imensos blocos de habitação económica que se viam antigamente nos países de Leste, enquanto o resto se esboroava. Por outro lado, se em nome do direito à habitação se pisoteia o direito de propriedade, então haveria motivo para, por exemplo, em nome do direito ao trabalho se pisotear a propriedade privada das empresas.

E o património? Havana pode estar a cair, mas é inegável que aqueles bairros são lindíssimos. O camartelo capitalista não respeita nada, o socialismo tudo o que é de justiça para o povo trabalhador.

De modo que mon cœur balance. Não sei se, caso fosse militante do Chega, não teria ido lá para o meio, associar-me sobretudo a elas, que calha às vezes serem giras, para o efeito de sair escoltado pela polícia.

A habitação e os bancos

José Meireles Graça, 22.09.23

As medidas que Medina tomou para ajudar os aflitos no pagamento das prestações dos empréstimos para habitação poderiam perfeitamente ter sido tomadas pelos próprios bancos – reescalonar pagamentos, que é do que se trata, não sendo bom, é melhor do que incumprimentos que, ultrapassado um certo nível, podem passar a bolha que rebenta.

Não o fizeram porque a gestão bancária é caracteristicamente estúpida, ao contrário da percepção pública. Isto é assim porque a concorrência entre bancos é ilusória por uma multiplicidade de razões, porque a autonomia decisória é limitadíssima por causa do colete de forças regulamentar do BCE e do seu balcão local, o BdP, e porque as camadas superiores da direcção estão povoadas de carreiristas cinzentos que não suportam as consequências negativas das suas decisões mas beneficiam dos resultados, que auto-atribuem à excelência oca das suas decisões. Há também o factor humano: o gestor que, confortável na sua sinecura, toma decisões que afectam a vida dos “clientes”, entende tanto dos problemas deles como o saciado dos dos que têm fome.

E Medina? É um político de carreira a tomar decisões políticas com grande componente técnica. Um refrescante contraste com um professor de economia a tomar decisões que imagina técnicas, tendo uma componente política que embrulha pedantemente em palavreado com tinturas académicas.

E em matéria de elogios (que aliás, se para isso me desse o vezo, compensava enunciando o estendal de asneiróis que nos levou onde estamos) chega para, pelo menos, um ano.

Quantos edifícios tem o Estado?

Pedro Correia, 22.02.23

É quase caricato. O Governo tem sido incapaz de elaborar um inventário rigoroso e exaustivo do seu património imobiliário, o que aliás mereceu severas críticas do Tribunal de Contas. Apesar disto, atreve-se a impor regras aos privados no âmbito de um "pacote" (detestável palavra) de medidas - a que alguns propagandistas chamam reforma - no sector da habitação.

Vale a pena recordar que em 2021 o TC alertava: «Uma das áreas mais prejudicadas pela inexistência de uma plataforma de gestão do imobiliário público é a da política da habitação.» A advertência entrou a cem, saiu a mil. O tal "pacote" só foi anunciado agora - aliás na sequência de vários outros, todos sem efeito prático - porque dava jeito a António Costa, penalizado em recentes sondagens, para se enfeitar com o rótulo de "consciência social". Nada mais.

É um estilo de governar. Sete anos depois, já não surpreende ninguém.

O muro não caiu, apenas se deslocou para dentro do PS

Paulo Sousa, 20.02.23

Na passada quinta-feira, António Costa apresentou o 4.º pacote de medidas para a habitação desde que é Primeiro-Ministro. Desde 2016 que, de dois em dois anos, apresenta o que será a solução definitiva e que afinal nunca resulta. Olhando para a frequência dos anúncios, que terá sido alterada apenas pela pandemia, podemos dizer que dois anos é o tempo médio de amadurecimento de cada um destes fracassos.

Em cada uma destes grandes anúncios, as regras, as soluções, os impostos, os apoios, os culpados vão sendo alterados. Estranhamente, como se ninguém soubesse que a confiança se acumula gota-a-gota e se perde aos alguidares, muitos proprietários receiam colocar casas no marcado de arrendamento. Num dos anteriores pacotes de medidas até se criou o conceito de contratos de renda vitalícios. Como é que querem atrair moscas com vinagre?

Todo este ziguezague governativo comprova que, também na habitação, as boas práticas que funcionam noutros países não são para aqui chamadas. Nós governamo-nos, que é como quem diz, não de acordo uma linha de raciocínio, mas de acordo com preconceitos ideológicos.

Nas redes sociais, os apoiantes da narrativa vigente insultam os senhorios, fingindo não reparar que estas medidas pretendem transformar proprietários em senhorios à força.

De tão “visionário” que é este 4.º pacote, arrisco dizer que o PS não se teria atrevido a apresentá-lo durante a vigência de geringonça, pois seria logo acusado de estar a ser arrastado pelos radicais.

Depois existe aquela maravilha que consiste no estado se propor a pagar rendas ao preço de mercado (por exemplo 1700€/mês) para as colocar no mercado a valores acessíveis (por exemplo 1300€/mês), tendo até sido dito que poderia pagar as rendas vincendas. Quem irá avaliar cada um destes casos? Estou certo que alguns amigos do PS já estarão a pensar em como podem fazer pela vida a partir desta ideia.

Ao mesmo tempo, o estado propõe-se a reabilitar cada imóvel de forma a que este esteja em condições para ser colocado no mercado e ainda a verificar o enquadramento de cada um dos agregados familiares candidatos. Tudo isto vezes dezenas de milhares de habitações. Olhando para a excelência dos serviços públicos, podemos mesmo perguntar o que é que pode correr mal?

Recomendo a audição deste Conta-Corrente em que o convidado do programa, Vítor Reis, antigo presidente da IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), pessoa muito experiente nesta área, que aborda estes e outros aspectos deste 4.º pacote de medidas, esclarecendo até o ínfimo peso marginal dos Alojamentos Locais no mercado da habitação, assim como o enviesamento em que consiste anunciar o fim dos Vistos Gold neste contexto.

A questão da constitucionalidade das medidas será tratada em devido tempo, mas esta imposição coerciva sobre o património dos contribuintes, esta declarada ilegitimidade em ter casas vazias (António Costa dixit) cheira a geringonça requentada, cheira a PREC da habitação e cheira a neo-gonçalvismo. Por uma questão de coerência e de revivalismo, este 4.º pacote devia ficar mais uns dias na gaveta e ser apenas apresentado no próximo dia 11 de Março.

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PS: Acabei de saber que a jotinha que chegou a ministra, e que além de assessora nunca faz mais nada na vida, também se chama Gonçalves. Há coisas que nem contadas.

Diz que vem aí nova bolha imobiliária

Teresa Ribeiro, 14.07.17

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Ouvi esta conversa e não estranhei. Os sinais estão aí: preços das rendas a subir, o que leva, como no passado recente, muita gente a considerar que mais vale comprar casa, e a confiança dos consumidores a aumentar, em resultado de um optimismo que nasce mais da necessidade de acreditar que há futuro do que do efectivo melhoramento das suas condições de vida.

O caldo já está ao lume, por isso o jovem dado à especulação imobiliária, que há dias comentava este assunto, esfrega as mãos de contente. As oportunidades estão aí para quem estiver atento. Venda-se agora ao melhor preço para depois voltar a comprar os despojos dos que, movidos pelo desejo de ter uma vida, se vão estatelar ao comprido, mais cedo do que tarde.

Tic, tac, tic, tac... 2008 não foi assim há tanto tempo, mas o relógio biológico do sistema neo-canibal nunca pára.

Sinais de alarme

Pedro Correia, 31.03.17

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A moda dos alojamentos temporários, privilegiando a instalação ocasional de estrangeiros no centro das cidades enquanto se vão empurrando os habitantes permanentes cada vez mais para as periferias, ameaça implodir de vez o já débil mercado de arrendamento em Lisboa, que nem as imposições da tróica conseguiram dinamizar.

A um ritmo vertiginoso, a capital portuguesa continua a ser gerida muito mais em função de quem nos visita do que em função de quem cá vive ou aqui trabalha. O que está bem patente na licença já concedida à edificação de mais 40 hotéis na cidade até ao fim de 2017.

Até quando a pressão turística continuará a condicionar o mercado imobiliário, sem correcções nem ajustamentos que permitam conciliar os interesses de quem por cá passa com as legítimas expectativas de quem cá habita em permanência, sem aumentar ainda mais a distância diariamente percorrida entre locais de residência e postos de trabalho?

Enquanto os responsáveis alfacinhas se debruçam sobre esta questão, é tempo de perceberem os sinais de alerta que nos vão chegando de outras paragens, convertidas igualmente em destinos turísticos muito afamados. Para que a ganância desenfreada de uns quantos não acabe por matar em poucos anos a galinha dos ovos de ouro.

Aqui ficam alguns:

Maiorca esgotará em cinco anos o seu solo edificável.

Palma deixa de ter apartamentos para alugar.

Médicos de Ibiza vão dormir num velho hospital devido ao elevado preço da habitação na ilha.

Professores sem casa dormem em ginásios.

500 euros por viver numa varanda.

A Paz, o Pão... Habitação?

Tiago Mota Saraiva, 30.10.16

A partir do acompanhamento do caso das demolições dos Bairros de Santa Filomena e 6 de Maio na Amadora e de uma queixa do Coletivo Habita, o Provedor de Justiça emitiu uma recomendação ao governo (n.º 3/B/2016) – destinada ao Ministério do Ambiente que tutela as questões da Habitação – para que fosse legislado um novo Plano Especial de Realojamento (PER) de modo a suprir as carências e necessidades urgentes que ainda hoje existem por todo o país. Passados três meses o governo ainda não respondeu ao Provedor, nem o OE2017 parece oferecer espaço para uma resposta decente.

Se é certo que o problema da habitação não se coloca como há quarenta anos - não faltam casas – o direito à habitação, nos termos consagrados no Art. 65º da nossa Constituição - “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” - ainda está por cumprir.

Urge colocar no terreno um novo PER, desburocratizado e sem ser concebido por quem não tem qualquer sensibilidade para o problema ou contacto com os territórios, ainda que o problema não se esgote na resposta de emergência, no realojamento ou na habitação social.

A substituição das políticas de habitação por políticas de incentivo ao crédito para habitação de casa e endividamento, a tolerância para com a degradação do edificado ou, mais recentemente nas cidades turísticas, a emergência do alojamento local conduziu-nos a uma situação em que o direito à habitação, nos justíssimos termos em que a Constituição o coloca, não está garantido para largas camadas da população. Casas com humidades, sem condições de salubridade ou ventilação, em sobrelotação ou em condições de elevada degradação, são situações que não devem ser tidas como normais porque “há quem viva pior” ou porque “já se viveu pior”.

Faltam uma política pública de habitação, não apenas para a dita “habitação social”, e um instrumento legislativo que enquadre no plano dos princípios e das acções toda a legislação dispersa, desarticulada ou incompetente. Hoje, mais do que nunca, cumpre-nos exigir que todos e todas vejam cumprido o que tão bem está descrito no Art. 65º da nossa Constituição, na certeza que não há governo de esquerda sem uma política de habitação.

 

(publicado no jornal i)