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Bandeira: «Manhã cedo no Café Africano, Dafundo: o habitual ajuntamento de reformados, desempregados e especialistas ocasionais em todos os trabalhos de construção, canalização, electricidade e o mais que calhe nesta época de sabe Deus. Tiro da mochila uma impressora portátil (pense no sistema como uma Polaroid em esteróides), instalo-a sobre uma mesa e pergunto à assistência quem se chega à frente para uma fotografia. Não tenho dificuldade em arranjar voluntários. Os habitués conhecem-me, sentem-se à vontade com o meu trabalho, muitos têm em casa retratos que lhes tirei.»
Fernando Sousa: «Irena Sendler morreu há cinco anos. Estas linhas são para que não morra mais. Assistente social quando alemães invadiram a Polónia, introduziu à socapa, no gueto de Varsóvia, comida e medicamentos para os sitiados. Valendo-se ainda da sua condição de enfermeira, resgatou, durante um ano e meio, usando de todos os truques, 2500 crianças desse símbolo maior da iniquidade, registando os seus nomes para que pudessem recuperar a identidade e as histórias pessoais. Descoberta em Outubro de 1943, foi presa e torturada. Teria sido fuzilada se um soldado alemão, subornado pela Zegota, organização clandestina de apoio aos judeus, não a tivesse levado para um interrogatório “adicional” e a certa altura ordenado: “Corra!” Irena Sendler morreu no dia 12 de Maio de 2008. Estas linhas são para que não morra mais.»
José António Abreu: «Percorremos as ruas sem vermos as pessoas. Delineamos trajectórias pelos passeios de modo a contorná-las. Irritamo-nos quando elas, parecendo não se aperceber da nossa presença, bloqueiam a trajectória que definíramos. Mostramo-nos apressados e olhamos em frente quando passamos por pedintes ou por adolescentes fazendo inquéritos. Se assistimos a uma discussão ou a um acidente de automóvel, recusamos intervir ou ser testemunhas. Não queremos "envolver-nos" nos problemas alheios. Somos o nosso mundo, ameaçado por todos os lados pelos seus próprios problemas.»
Luís Menezes Leitão: «Parece evidente que os países do Sul da Europa precisam de imprimir dinheiro como de pão para a boca, sem o que vão continuar com um sufoco absoluto nas suas economias. (...) A Câmara de Nápoles já assumiu a dianteira e decidiu criar uma moeda própria, o napo, que faz circular em complemento com o euro, aumentando assim a massa monetária em circulação na sua cidade. Ora, é manifesto que se a moda pega, haverá imensas cidades a repetir a mesma iniciativa, a começar por Lisboa, onde António Costa não se deverá esquecer de lançar o lisbo, uma vez que, como se vê pelo amontoar de lixo nas ruas, Lisboa quase parece gémea de Nápoles. A questão é que os alemães, com a sua obsessão pela disciplina orçamental, acharão que os latinos os estão a tomar por "napos", inventando este tipo de estratagemas. É por isso manifesto que o euro não tem salvação possível.»
Marta Spínola: «Numa das legislaturas mais (inserir o adjectivo à escolha) as oposições e protestos são mais que muitas, já se sabe. E o importante é mesmo não deixar de apontar o dedo, elogiar o que possível for, salientar o que houver a ser salientado. Para bem e para mal. É o que é feito no blogue desta semana. E bem feito.»
Eu: «Há livros que podem ser lidos de várias formas, permitindo diversos níveis de interpretação - sem nunca perderem o fascínio que exercem sobre o leitor. É o caso deste perturbante romance de Albert Camus sobre uma cidade no norte de África - Orão, na então Argélia francesa - sitiada devido à peste. Li-o pela primeira vez na adolescência, sem atender ao seu mais profundo significado metafórico, e pareceu-me um poderoso retrato da fragilidade humana confrontada com um mal supremo num mundo que deixou de merecer o interesse de Deus. É muito curta a distância que vai do homem como ser supremo da natureza ao homem vítima das mil contingências causadas por essa mesma natureza que sempre tentou dominar sem nunca o conseguir.»