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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.05.23

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Patrícia Reis: «Egoísta, a edição número 50, dedicada aos Artistas ganha menção honrosa para design e Grande Prémio Revista na edição dos Prémios Papies referentes a 2012. Foi um privilégio trabalhar nestes 50 números e, mesmo agora, sentir que os prémios recordam o que tentámos fazer. Parabéns a todos os que colaboraram (ao Rodrigo Saias e à Sara Cunha), à Norprint que imprimiu, à Estoril-Sol que apostou na cultura durante tanto tempo e a todos escritores, pintores, ilustradores, fotógrafos, jornalistas, experimentalistas e mais... - todos sem excepção - que fizeram da Egoísta uma casa para mim, uma boa casa. O meu agradecimento nunca será suficiente.»

 

Eu: «O leitor pronuncia reCtificativo? Pois eu também. E garanto-lhe que estamos bem acompanhados. Em Portugal pronuncia-se genericamente assim, tal como acontece noutros países de língua oficial portuguesa. Pronuncia-se desta forma e escreve-se em conformidade, sem omitir um tão sonoro. Mas não em todo o lado, como mandariam as boas regras. Lamentavelmente, isso não sucede nas televisões generalistas portuguesas, manietadas pelas absurdas imposições do acordês, que aceitam sem um sussurro de protesto. O "acordo ortográfico" consagra o predomínio do "critério fonético a desfavor do critério etimológico", como reconheceu o professor Malaca Casteleiro, pai desta aberração. Mas alguém se esqueceu de comunicar a novidade aos responsáveis do Portal da Língua Portuguesa, gerido pelo Instituto de Linguística Teórica e Comunicacional, que proíbe a utilização do c em reCtificativo apesar de todos o pronunciarem entre nós, como ainda esta noite se ouviu à hora dos telediários. Em todos os canais.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.05.23

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Ana Vidal: «Belíssimo e contundente, este texto de Nuno Camarneiro sobre uma Europa que é cada vez mais uma espécie de museu do mundo, cheia de preciosidades mortas e pó nas esquinas das salas, à espera de turistas que venham de lugares longínquos para admirá-las depressa e voltar para as suas terras onde se vive uma vida de vivos. A Europa está a morrer, orgulhosamente agarrada aos seus pergaminhos de rainha-mãe e sem perceber que eles hão-de ser a sua mortalha. Mas ainda tenho esperança de um dia poder votar moções de nuvem e eleger pássaros.»

 

Helena Sacadura Cabral: «A ser verdadeira a notícia não posso deixar de me congratular com a decisão por muito que ela ofenda os apoiantes do Acordo. Torna-se cada vez mais evidente que vão perdurar duas formas de escrita por muitos e bons anos...»

 

JPT: «É uma série política. "Borgen" significa castelo, sendo o nome popular do Palácio Christiansborg, sede dos três poderes dinamarqueses. Trata da surpreendente ascensão a primeira-ministra da chefe de um pequeno partido de centro-esquerda, algo devido ao impacto público da sua pureza algo idealista (e ao facto de ser bem apessoada, diz este telespectador), a personagem Birgitte Nyborg [a actriz Sidse Babett Knudsen].»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.05.23

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Ana Vidal: «Azul-alfazema, azul-Quénia, azul-violeta, azul-lavanda, azul-anil, azul-lilás. Eu chamo-lhe azul-Leonor, como me ensinou a minha avó. A minha cor favorita.»

 

Bandeira: «O Euclides enrola cigarros porque não tem dinheiro para pacotes. Ele não fuma tanto quanto isso, é mais para matar o tédio, mas ainda assim o pai faz pressão para que corte no hábito. Um homem que não vê o filho há dezoito anos porque não pode pagar a viagem torna-se presa fácil para chamadas de atenção à moral. Mas eu estive com o Euclides nas horas de melancolia. Para quase toda a gente no bairro Clemente Vicente, partir é o outro nome da felicidade. “Para Santiago”, diz. “Plantar batatas?”, pergunto eu. “Plantar batatas”, ri-se. “E tu tens de ir também”.»

 

João André: «Quer eu concorde com as afirmações de Soares quer não (e até me parece que politicamente têm uma certa lógica), a verdade é que este tipo de acusações, dirigidas a ambos os partidos do governo (um por chantagear, outro por ser chantageado) não podem passar completamente em branco. É verdade que Soares tem o direito de dizer as asneiras que quiser, mas como antigo presidente e membro do conselho de estado, tem que mostrar mais responsabilidade.»

 

JPT: «De quando em vez encanto-me na televisão. Aconteceu-me há algum tempo com Boston Legal, então repetido e que não conhecera antes. E agora, por razões bem diversas, ando a seguir o Masterchef (USA), porventura também uma repetição no canal Fox. E sigo-o tão afincadamente que até a mim me surpreendo. Não sou um bom garfo, contrariamente ao que a minha barriga filha do sofá e das teclas (e de alguma cerveja) anunciará. E na cozinha nada percebo nem faço, para além de ocasionais ovos mexidos e uma ou outra lata de atum a misturar com Hellmann's. O que me prende ao Masterchef é outra coisa.»

 

Eu: «Há filmes que facilmente se associam a outros. E há filmes que não se parecem com nenhum outro. É este o caso do deslumbrante Lawrence da Arábia, que David Lean rodou durante mais de um ano em quatro países (Reino Unido, Espanha, Marrocos e Jordânia), por vezes sob um sol inclemente, quase insuportável, que chegou a originar queimaduras na pele de alguns actores. Nenhum filme é confundível com este porque a personagem central aqui é o deserto e a magia que dele emana vai-nos guiando de cena em cena ao som da hipnótica partitura de Maurice Jarre. Desde o plano-sequência - um dos mais famosos da história do cinema - que começa na chama do fósforo nos dedos de Lawrence e se prolonga pelo sol que começa a elevar-se, como bola em chamas, iluminando a vastidão das areias arábicas em alegoria à primeira aurora do mundo.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.05.23

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Ana Vidal: «Parabens a Mia Couto, que acaba de ganhar o prémio Camões. É actualmente um dos meus escritores preferidos de língua portuguesa e o único (repito, o único) que me leva ao sacrifício de ler um livro escrito em acordês. Porquê? Porque, simplesmente, pior do que isso seria não poder lê-lo. Mas é pena que tenha cedido ao AO e ao enganador argumento da uniformização do português. Logo ele, que tem um vocabulário tão próprio e por isso contribui de forma tão expressiva para a diversidade da nossa língua

 

JPT: «Sou um mau leitor de Mia Couto, transporto-me com dificuldade para a sua ficção. E gosto muito dos seus textos de opinião, pelo que diz, pela forma como o apresenta. E nesse âmbito não esqueço nunca o seu extraordinário texto, de sentimento e de coragem, até física, lido no funeral do jornalista Carlos Cardoso, assassinado em 2000. Que mais me fez admirar o homem ali, sempre gentil no seu jeito muito próprio, para além do escritor afamado, reconhecido. E sempre amado pelos leitores, um tipo que não precisa de confrontar quem o aprecia, sinal de grandeza.»

 

Luís Menezes Leitão: «Acho que nunca uma capa do Economist teve uma imagem tão violenta como esta. Mas a seriedade da crise do euro justifica-a plenamente. Os líderes europeus parecem de facto um grupo de sonâmbulos caminhando para o abismo, insensíveis a tudo o que se passa à sua volta. Mas o mais chocante na imagem nem é o passo decidido dos que caminham à frente, liderados por Merkel e Draghi. O que mais me perturba é ver no canto direito Durão Barroso e Passos Coelho, irmanados e cabisbaixos, seguindo os líderes do grupo como cordeiros no caminho do suicídio.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.05.23

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André Couto: «A Jorge Jesus, no Benfica, é pedido muito mais que o mero papel de treinador e gestor de recursos humanos, é pedido o papel de criador e valorizador de activos, activos esses que são alienados para enfrentar o passivo do clube. Não fosse isto e o Benfica podia, como fazem outros grandes da Europa, acumular no plantel valores como os vendidos nos últimos anos, e que dariam uma dimensão desportiva diferente pela antiguidade e desempenho técnico.»

 

Helena Sacadura Cabral: «Vencendo a intempérie do clima em Lisboa, lá estive na Feira do Livro na sexta, sábado e domingo e lá estarei todos os próximos fins de semana, à excepção do 8 de Junho, em que irei ao Porto receber um prémio. Muita gente me pergunta porque é que ali estou tantos dias, quando se sabe que é uma tarefa cansativa, sobretudo para quem, como eu, trabalha com três editoras. Respondo sempre que é o mínimo que posso fazer por quem compra os meus livros e vai àquele espaço para me ver e dar um abraço. De um ponto de vista pessoal, quem publica deve ter uma componente de proximidade e de acessibilidade face aos seus leitores. Eu sei que os "intelectuais" não pensam assim e até há muitos que nunca foram à Feira. Mas eu não sou intelectual, não escrevo para intelectuais.»

 

Eu: «Temos, portanto, um acordo que quase ninguém defende, que quase ninguém respeita, que quase ninguém aplica na íntegra. O Presidente da República, que o promulgou, confessa numa entrevista que em casa continua a escrever como aprendeu na escola. O Ministro da Educação, que o faz aplicar no sistema lectivo, admite que não gosta de mudar a maneira de escrever. O secretário de Estado que o assinou em nome do Governo português continua a escrever, em blogues e jornais, na correcta grafia anterior ao convénio de 1990.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.05.23

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Eu: «Julgo que foi o único colega de profissão com quem estive em cinco continentes. Desde logo em Lisboa, onde chegou a ser um dos profissionais mais qualificados da RTP. Os nossos caminhos profissionais cruzaram-se depois em Macau, onde dirigiu os canais de rádio e televisão da TDM. Mais tarde, reencontrei o José Alberto de Sousa em Nova Iorque, onde desempenhava as funções de conselheiro da missão permanente de Portugal junto das Nações Unidas e vivia do outro lado do estuário do Hudson, já em Nova Jérsia. Encontrámo-nos de novo em Cabo Verde, quando ele ali chefiava a delegação da RTP África, e em Díli, onde era assessor da administração da Rádio e Televisão de Timor-Leste. (...) Despeço-me dele, como tenho a certeza de que gostaria, com esta morna na voz do Ildo Lobo que escutámos num dos nossos jantares na cidade da Praia. Quando havia muitos amanhãs no horizonte e a Morte era uma dama distante a que nenhum de nós sonhava passar cartão.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.05.23

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Ana Vidal: «[Lawrence da Arábia] é a história de um homem e da sua utopia, da sua fuga à realidade, da sua atormentada circunstância e da sua catarse muito pessoal, vivida em cenários das mil e uma noites. A irresistível magia do deserto acrescenta a tudo isto a porção necessária de mistério e fantasia, para já não falar na magnífica fotografia e na banda sonora, épica como convém. Em suma, é um feliz regresso aos sonhos mais ousados da nossa adolescência, um mergulho repentino nesse tempo e espaço em que éramos só hormonas.»

 

Bandeira: «Eu sabia que o João estava a pensar ir-se embora pela Primavera, tínhamos conversado sobre isso, falou-me da Suíça, o Luxemburgo talvez, era tudo mais ou menos segredo. Ele não é do Dafundo: veio com a mãe e os dois irmãos da Madeira, onde há três décadas se travou de razões com os independentistas da Flama. Até há um par de anos, trabalhava na indústria do cinema: era responsável pelos geradores durante as filmagens. Conheceu um monte de gente famosa, a Cameron Diaz e outros nomes que não retive mas sei importantes. Certa vez alguém na tasca estranhou uma impressão minha a preto-e-branco. Porque não a cores, perguntava. O João irritou-se e abanou a cabeça em sinal de desdém, ignorante que o outro era. Os vizinhos têm-lhe respeito, é um homem difícil mas nobre.»

 

Gui Abreu de Lima: «Hoje nem a literatura. Todos os livros neste dia são nós na goela. É dó do escritor que eu sinto, como se o cansaço do seu esforço fosse todo meu e as penas expostas junto às minhas, quase sobrepostas, me amortalhassem mais ainda, e o riso não existisse. Que tortura olhar o texto, montanha minada de silvas, horas e horas sobre um poço onde nunca se mata a sede. Haviam de queimar todos os livros hoje. De agrilhoar todos os escribas agora. E as palavras só deviam ser faladas, para que todos as ouvissem já.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 24.05.23

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Ana Vidal: «Fui vê-lo há poucos anos, quando ele veio ao CCB para um concerto único. Levava na alma a memória de um êxtase de adolescência e a absurda esperança de voltar a senti-lo através daqueles magníficos poemas, daquelas melodias inimitáveis. Arrependi-me amargamente. Por culpa das minhas expectativas rebeldes, que sempre ignoram a passagem dos anos, não estava preparada para o choque: o meu ídolo tinha-se transformado num velhinho arfante, de cabelo e voz igualmente ralos, a arrastar os pés no palco (era mesmo capaz de jurar que estava de chinelos). Um drama em gente, como diria Pessoa. Quem me manda medir forças com o Tempo? Agora será eterno, como merecia. A toujours, inoubliable métèque

 

Bandeira: «Sabe que as visitas ao paço de Vila Viçosa são guiadas? Saem de hora a hora, acho eu. De uma das várias vezes que lá fui, o cicerone tropeçou na língua, mas fê-lo com filosofia. Falou das virtudes históricas de certa cadeira; contou-lhe os episódios;  e no fim, compungido, olhando tão para baixo que o olhar dele atravessava a cadeira e o chão e a Terra toda, abanou a cabeça e disse: “Não tem valor”. O Oscar Wilde já tinha posto a questão em perspectiva quando fez um dos seus personagens dizer (perdoe a tradução, sei que fala inglês bem melhor do que eu): “O que é um cínico? Um homem que sabe o preço de tudo e o valor de coisa nenhuma”. No Mundo das Ideias do cicerone de Vila Viçosa, preço e valor correspondem-se, eles são uma e a mesma coisa. No bairro Clemente Vicente, honestamente, não sei.»

 

Helena Sacadura Cabral: «Vou falar-vos dos homens que estão na minha memória e que embalaram as minhas paixões. São vários. Na música, quatro: Sinatra, Montand, Cohen e Aznavour. Georges Moustaki é da mesma fornada mas não ocupava o lugar dos outros. Vinha na segunda linha. Acaba de morrer. Ficará o registo da sua voz, já que o da imagem se degradou muito. Quando veio a Lisboa já era um velho. Ao contrário dos outros dois vivos que citei, nos quais o passar dos anos foi menos cruel.»

 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 23.05.23

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Ana Cláudia Vicente: «A C. entrou-me hoje pela biblioteca a perguntar se amanhã ia à Feira, e eu sem saber que a dita já tinha começado. É uma entre alguns dos miúdos do oitavo que andam quase sempre com um livro a jeito, naquele modo draga-minas no qual tanto faz marchar Agatha Christie como Stephenie Meyer, J. R. Tolkien ou J. K. Rowling. Já juntou o que lhe faltava para lá ir em missão de resgate dos dois volumes desejados. Abriu o site para me mostrar o programa, quis explicar-me onde estavam os livros do dia. As boas dúzias de quilómetros para lá e para cá vai fazê-las com os pais, a quem diz ter dado pré-aviso de, mesmo em caso de chuva, haver total precisão de gelados.»

 

Bandeira: «É estranho pensar que a do Dafundo já foi uma das praias mais chiques da costa de Lisboa, talvez mesmo a mais chique, leia Eça e verá. Mas sabe o que dizem: as fotografias – as que têm mais de cem anos, quero dizer – não mentem jamais.»

 

Fernando Sousa: «Tortura e outras formas de maus-tratos. Uso excessivo da força por parte das polícias. Violência de género e um balanço do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas de pôr os cabelos em pé. Eis em poucas linhas o que diz o Relatório da Amnistia Internacional de 2013 sobre a situação dos direitos humanos em Portugal, com as medidas de austeridade a ajudar à degradação de direitos, liberdades e garantias que o Estado, esse ente estranho, cada vez mais estranho, deveria proteger, para mais quando acaba de ratificar o Protocolo Facultativo do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, que assim aparece como um embuste - como mais um embuste.»

 

Luís Menezes Leitão: «Jorge Sampaio acha que as eleições antecipadas não são um cenário mortal. Claro que não. Precisamente porque há muito mais vida para além do défice.»

 

Eu: «Da Relógio d'Água, trago Paixões Passadas, uma colectânea de prosa jornalística assinada por Javier Marías - talvez o melhor escritor espanhol da actualidade. No pavilhão da Presença, fixo-me noutro grande nome da literatura espanhola contemporânea: Rosa Montero. Também em textos jornalísticos, sob o título Paixões. Ela explica num pequeno texto introdutório: trata-se de uma série inicialmente publicada no suplemento dominical do diário El País "sobre as grandes paixões da história". Mais um para o saco das compras.»

 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 22.05.23

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Bandeira: «A frequência do Café Africano, no Dafundo, é feita sobretudo de reformados, imigrantes, desempregados e um ou outro sem-abrigo. Ao contrário do que sucede nos outros cafés da zona, para não falar dos bairros menos pé-de-chinelo, ninguém é obrigado a consumir: todos conhecem a sensação de não se ter cinquenta cêntimos no bolso para um copo de vinho, dispensa-se justificações.»

 

JPT: «Carlos Abreu Amorim, bloguista no Blasfémias e político, é um andrade. No twitter celebrou (mais um ...) título do seu clube e chamou-nos, aos adeptos do Benfica e de clubes do Sul (um Sul tão próximo, já agora), "magrebinos", termo com requebros de particular perversão pois denotando maior "estrangeirice" do que o habitual "mouros", dado que estes chegaram a povoar a Península e, por vezes, ainda "andam pela costa". A reacção, à esquerda e à direita, a sul e norte, ao facebook e aos blogs, foi abespinhada. Inúmeros ademanes adversos ao "muro do Mondego" assim proposto, ao que pareceu.»

 

Eu: «Um amigo que não pôde comparecer ontem ao lançamento do meu livro perguntou-me como correu. Respondi-lhe com uma expressão facilmente entendível em todo o vasto e multifacetado universo lusófono, sem necessidade de nenhum acordo ortográfico: foi bonita a festa, pá. Parece-me a melhor síntese para esta estimulante reunião entre autor e leitores, na livraria Bertrand do Picoas Plaza, em Lisboa, onde tive o prazer de encontrar ou reencontrar pelo menos cem pessoas (cálculos por baixo) entre as 18 e as 20.15, e assinei mais de 70 livros (cálculos também por baixo).»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 21.05.23

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Bandeira: «Pensava eu que o Euclides tinha oferecido umas sardinhas ao senhor Sequeira, mas afinal foi o contrário: o dono da casa encarregou-se das batatas, do vinho e da mesa, o cliente trouxe o petisco. Nem um nem outro mastigam – o Euclides porque tem sempre muito apetite, o senhor Sequeira porque, enfim, “já não pode”, diz um grande bigode que lê o jornal noutra mesa. O brincalhão quer aproveitar a entrada da mulher do senhor Sequeira para se meter um pouco mais com o vizinho, mas a Dona Zulmira faz-lhe que se cale palerma com um gesto largo e ralha com o marido por ter posto o pão em cima das batatas – “As outras pessoas”, entenda-se o Euclides, “ainda podem querer comer”.»

 

João Campos: «A minha relação com a música dos norte-americanos The National é curiosa. Em 2008, altura em que muito se falava deles a propósito do excepcional Boxer, vi-os ao vivo no festival Optimus Alive (fui lá pelos Rage Against the Machine - ainda não estava bem no mood indie rock, caso isso não seja óbvio). Lembro-me de ter achado o concerto morno, sem chama ou qualquer outra coisa que o fizesse sobressair. Dito de outra forma, não entendi de todo o hype promovido por alguns blogues que acompanhava na época. Isto, claro, até chegarmos a 2010 e High Violet cair nos meus ouvidos como uma bomba. A todos os níveis notável, High Violet fez-me redescobrir uma banda que julgava sobrevalorizada.»

 

José Navarro de Andrade: «As “tias da linha” podem irromper de súbito e assumindo formas inesperadas, às vezes em aparente contradição com o que delas é expectável. Um caso muito discutido recentemente tem sido o da Doutora (por extenso) Raquel Varela (DRV). Alguns estudiosos ficaram surpreendidos por DRV perfilhar um dos alelos da célula trotskista, o que deveria situá-la mais ou menos do lado esquerdo do espectro político. Para esses especialistas, semelhante ideologia, ao manifestar-se no seio de uma grelha comportamental, mental e emocional, tipicamente de “tia da linha” faria de DRV uma impostora. Outros estudiosos, porém, não cessam de apelar à abertura de espírito, declarando que DRV em tudo se conforma ao estereótipo da “tia da linha” e não será por um pormenor de somenos que o deixa de ser.»

 

Eu: «E, de súbito, o reencontro com a excelente escrita de um autor - um dos meus eleitos, um dos meus de sempre. Vergílio Ferreira. Livro: Pensar (Quetzal, 2013).»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 20.05.23

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JPT: «Felicidade cá em casa. Pois o nosso sobrinho (e primo) Francisco Alves acaba de renovar o seu título de campeão nacional sub-20 de surf, culminando esplendidamente a sua carreira júnior, enquanto vem somando sucessos já no escalão profissional superior.»

 

Teresa Ribeiro: «Ando há anos a levar com doses maciças de fetichismo masculino. Calculo que à razão de mil pares de mamas por cada rabinho viril. Ainda há quem diga que o sexo não interfere com a produção artística. As câmaras continuam a ser maioritariamente os olhos dos homens. Mas o Malick neste filme exagera. (...) Nada que convença. Porque no fim a Olga volta. De frente, de costas, de lado. Assim e ao contrário, em todas as estações. Se To the Wonder (em português, A Essência do Amor) era um filme para auto-satisfação, que petulância Terrence Malick, só porque é considerado um realizador de culto, tê-lo distribuído comercialmente.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 19.05.23

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Luís Menezes Leitão: «Enquanto houver autarcas com estas ideias despesistas e megalómanas, o país está completamente perdido. Não vale a pena o Governo pedir sacrifícios, pois com autarcas assim nunca veremos a luz ao fundo do túnel.»

 

Patrícia Reis: «O bicho do jornalismo instala-se e não desaparece. Às vezes adormece. Outras, parece morto. De repente, regressa.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 18.05.23

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Bandeira: «O Rui é um filho do bairro e trabalha como maquinista na linha Lisboa-Cascais, a mesma que os seus amigos e vizinhos atravessam todos os dias. “Da primeira vez que passou por cima de um”, disse o Costa, “não comeu nem o pequeno-almoço, nem o almoço, nem o jantar. Da segunda vez já conseguiu jantar. Da terceira, almoçou e jantou”. Então o Costa ficou em silêncio. Não havia necessidade de continuar, havia? É bem capaz de haver uma história como esta em cada apeadeiro de cada linha de caminho-de-ferro do mundo, mas não deixa de impressionar.»

 

Helena Sacadura Cabral: «A liberdade de expressão, como todas as liberdades, tem limites. Não gostar, não estar de acordo, censurar, é um direito adquirido. Mas insultar, difamar, ofender, além de perturbar e de afastar certo tipo de pessoas, acaba por beneficiar quem se pretende criticar. Ou seja, consegue-se prestar um serviço ao adversário, quando, pela forma usada, o tornamos numa vítima.»

 

Patrícia Reis: «O meu tio-avô dizia que se tivermos quatro amigos já temos uma casa, nós podemos fazer de chão ou de tecto se, porventura, optarmos por ficar a olhar o céu estrelado. Nos nossos dias brasileiros, entre fados e canções de Chico Buarque, poemas e histórias de vida, cinco escritores construíram uma casa e, sem o dizerem – ou talvez tenha sido dito pela Patrícia Portela de uma forma tridimensional e transfigurativa – decidiram que não se largariam. Não nos largámos. Somos, portanto, a frase que começa este belo livro do Nuno Camarneiro, frase que diz “Uma história são pessoas num lugar por algum tempo”. E durante aqueles dias nós fomos uma história feliz.»

 

Eu: «Alguns dos blogues mais citados são os que menos gostam de citar os outros

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 17.05.23

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Bandeira: «Alguns dias atrás, a Dona Francisca celebrou o seu 93º aniversário (ela diz 82,mas o Euclides, do Café Africano, diz-me que 82 faz ela há já uma quantidade de anos). Cabo-verdiana de S. Vicente, a Dona Francisca responde a tudo com um inclinar de cabeça e um “Como é?”, por ser quase surda, mas a verdade é que faz uma grande companhia para a conversa.  Abre o jornal, lê as gordas em voz alta, ri-se delas, canta, “Estás no meu coração”. Sentamo-nos à mesma mesa e eu peço-lhe para tirar um retrato. “E porquê não?”,  diz, “Com o vento a soprar assim, eu não posso ir dar o meu passeio da manhã”.  A Dona Francisca parece uma folha seca de tão leve. O marido é mais novo, anda pelos oitentas e carrega malas na estação de Algés. É disso que vivem, parece. Ainda me lembro de quando lhe vi a figurinha pela primeira vez. Entrou na tasca, chamou o pai do Euclides – que a trata por tia, embora não lhe seja nada – e deu-lhe um pacotinho de leite, daqueles pequeninos, dentro de um saco de plástico.»

 

Fernando Sousa: «Quis de repente escrever sobre ele e não consegui. Incapaz de resumir a sua vida e obra - o regime militar argentino que instaurou em 1976 e chefiou nos primeiros cinco anos - ou mesmo de mencionar sequer o seu nome, remeto os leitores do DO para este pequeno texto - Murió la muerte. Não era realmente um marciano e esse é que é o problema: era humano.»

 

Helena Sacadura Cabral: «Começo por fazer uma declaração de interesses: gosto muito de Nuno Lobo Antunes. É difícil explicar porquê, uma vez que não convivemos muito. Eu diria que assim como no amor, também na amizade, existem coups de foudre. É o caso. E posso confessá-lo porque gosto muito da sua Mulher. Há uma serenidade e uma doçura neste pediatra que se ocupa de crianças com graves problemas de saúde que me cativa profundamente. É um inspirador de bondade, se é que entendem.»

 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 16.05.23

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Ana Vidal: «[Nuno Júdice] é um homem sereno, tímido, afável e generoso. Tão generoso que me prefaciou um livro e depois se dispôs a fazer de propósito, com toda a naturalidade, uma viagem de 300 Km só para apresentá-lo. Bastaria isso para elogiá-lo e ficar feliz por ele.»

 

Bandeira: «Esta manhã, ao atravessar uma rua do Dafundo em direcção ao Café Africano, causei uma revoada de pombos. Repare, foi sem querer, mas podia tê-lo feito de propósito. Os pestinhas voaram em todas as direcções – a maior parte para cima – assim que me viram; e eu dei comigo cara-a-cara com esta senhora de ar amável. Eram seus, os pombos que eu havia assarapantado. “Não se preocupe”, disse-me, “eles voltam”, e mostrou-me o isco, uma embalagem de comida para pássaros. Era tão bonita que eu mesmo poderia comer dela.»

 

José António Abreu: «Seis milhões de portugueses reagem mal a descontos.»

 

JPT: «No sábado vibrei com o golo de Kelvin, aquele com que, já no fim do jogo, o Porto derrotou o Benfica, assim quase quase roubando o campeonato que parecia decidido. Parei o carro, saí, entrei no restaurante mais próximo ("Cristal", na 24 de Julho), ainda vi a repetição do golo, ri-me de alguns conhecidos benfiquistas ali, tão desamparados estavam, troquei sorrisos cúmplices com amigos sportinguistas, ali algo seráficos mas contentes. Bebi uma cerveja.»

 

Luís Menezes Leitão: «Parece que, depois do desastre de em Portugal se ter querido ser mais troikista que a troika, agora é Durão Barroso, que se especializou em ser mais germanófilo que os alemães, que vai ser por estes atirado borda fora. O padrão é típico. O mandante dá as ordens e quando as coisas não resultam, o mandatário é que é sacrificado como bode expiatório.»

 

Eu: «Há romances espantosamente premonitórios, que fazem da sua circunstância a principal chave de um êxito a que talvez nunca aspirassem à partida. É o caso deste, o terceiro de José Cardoso Pires (1925-1998), após O Anjo Ancorado e O Hóspede de Job, surgido em 1968, um ano de mudanças várias nas sete partidas do globo - e nomeadamente na sociedade portuguesa, com Salazar a sair de cena após quatro décadas de poder quase absoluto, dando lugar a Marcelo Caetano, a quem se poderia pôr também o apodo de Delfim, novo guarda-mor de um regime em decomposição acelerada que este livro vislumbrava, logo no próprio título, com olhar lúcido e visionário

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 15.05.23

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Bandeira: «Para os frequentadores do Café Africano, no Dafundo, ele é “o Pai Natal”. Ninguém sabe em que rua ele vive ou qual o seu verdadeiro nome. É a primeira vez que o vejo e já anseio por lhe tirar o retrato. Quase tudo no Pai Natal é raro: a longa barba branca, a malinha de couro batido, a gravata azul com jogadores de golfe bordados. Ele lembra-me Walt Whitman. Não que eu tenha conhecido o homem, mas o facto é que me lembra.»

 

Helena Sacadura Cabral: «Tenho a honra e o privilégio de conhecer Maria de Lourdes Modesto, a qual, a seguir à minha avó materna, me ensinou tudo o que sei de cozinha e creio saber alguma coisa. Foi a olhar os seus programas de televisão e a ler as suas obras que nasceu o amor que nutro pela gastronomia nacional, que considero entre as melhores.»

 

Eu: «Agradeço a todos quantos, na blogosfera e redes sociais, têm destacado o meu livro Vogais e Consoantes Politicamente Incorrectas do Acordo Ortográfico, editado pela Guerra & Paz. (...) A sessão de lançamento do livro - que já se encontra nas livrarias - será na próxima terça-feira, dia 21, a partir das 18.30, na Bertrand do Picoas Plaza (Lisboa), cabendo a apresentação ao Pedro Mexia, a quem também agradeço desde já.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 14.05.23

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Luís Menezes Leitão: «Cavaco Silva quer demonstrar ao país que anda completamente nas nuvens. Sabe-se que, apesar da rendição de Portas, a coligação se encontra presa por arames, podendo romper-se a qualquer momento. Vítor Gaspar pode ser muito apreciado pelo Ministro das Finanças alemão, mas não tem qualquer credibilidade a nível interno. A economia vai de mal a pior, multiplicando-se as falências e o desemprego.»

 

Teresa Ribeiro: «Agora que o novo Papa veio dar gás aos movimentos católicos que não se conformam com a despenalização do aborto, é bom lembrar que para prevenir este desfecho, melhor que pregar o evangelho ou lançar uma nova polémica, será usar a sua influência na sociedade ajudando a criar condições às futuras mães para conciliar trabalho/ família e conseguir o seu sustento.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 13.05.23

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Bandeira: «Mesas e cadeiras sobrevivem entre barcos sem uso, pilhas de garrafas vazias e tralha de toda a espécie. O Zé (um natural do Dafundo: ele lembra-se até de ter andado ao colo da Condessa de Ribamar, hoje com uns cem anos) foi o primeiro a trazer-me a este reduto, meses atrás, e a mostrar-me a engenhosa cadeira que se vê no postal. Aponto-a ao João que, não sem orgulho, avoca para si a autoria da peça: fê-la a partir de dois objets trouvés. Tiro-lhe o retrato com a sua obra de arte.»

 

Fernando Sousa: «António Pires de Lima disse esta manhã à Antena 1 que existe "consenso" no Governo para que a nova taxa sobre os reformados não seja inscrita no orçamento de 2014. É extra-ordinária a capacidade de manipulação desta gente! Extra-ordinária!»

 

José António Abreu: «Os Low (Mimi Parker e Alan Sparhawk, casados, mórmones, dois filhos, desde há uns anos acompanhados pelo baixista Steve Garrington) são uma paixão de meia dúzia de pessoas. Enfim, meia dúzia e eu. No início da carreira, ainda em plena onda grunge, a sua música lenta, embora intensa, foi muitas vezes mal recebida em concerto. Diz-se que eles reagiam reduzindo o nível da amplificação. Mais tarde introduziram algumas variações de ritmo e, desde Trust, de 2002, quase todos os álbuns incluem temas mais... hmmmm, digamos animados, com destaque para The Great Destroyer, de 2005, onde se encontra uma das (é verdade que muitas) canções da minha vida: When I go deaf (abaixo, em actuação ao vivo; aqui, em versão de estúdio, com melhor som de forma a nenhuma palavra ficar pelo caminho). No último álbum, The Invisible Way (single acima), Mimi canta mais do que é habitual mas isso está longe de ser um ponto negativo. A qualidade mantém-se.»

 

Luís Menezes Leitão: «Parece que o CDS, depois de ter jurado que a taxa sobre pensões era uma fronteira que não podia ser ultrapassada, afinal já permite "excepcionalmente" que as tropas estrangeiras passem a fronteira. O problema é que quando as fronteiras são atravessadas, a ocupação só termina se o ocupante quiser. O CDS passou a ser assim neste momento um partido tomado e por muito que queiram negar o óbvio, nem o talento político de Portas o tirará do sarilho em que se meteu. Todas as suas bandeiras eleitorais como o apoio aos reformados e a defesa dos contribuintes se esfumaram nesse instante. Resta-lhe continuar no Governo até ao fim, sabendo-se que agora que já nem sequer conseguirá evitar o descalabro para onde está a ser conduzido.»

 

Teresa Ribeiro: «Avaliou-o, indiferente ao que dizia, tentando adivinhar o que separava aquele homem subitamente envelhecido  do virginal candidato que arrematara, há dois anos, uma vitória eleitoral com 38,6% de votos. Odiado por alguns dos seus pares, representantes do poder instalado, essa circunstância era vista como um sinal de esperança até por alguma esquerda que ansiava por reformas, viessem elas de onde viessem. Louro e de olhos claros, como o próprio el-rei D. Sebastião, e acolitado pelos escudeiros do FMI, dizia-se que tinha tudo a seu favor. Até a situação desesperada do País serviria como um poderoso argumento para enfrentar os lóbis e forçá-los a ceder. "Em dois anos envelheceu dez", anotou com frieza, comparando a seguir a sua devastação com a dela. "Há dois anos não estava a ver televisão em casa a meio da tarde".»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 12.05.23

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Bandeira: «Manhã cedo no Café Africano, Dafundo: o habitual ajuntamento de reformados, desempregados e especialistas ocasionais em todos os trabalhos de construção, canalização, electricidade e o mais que calhe nesta época de sabe Deus. Tiro da mochila uma impressora portátil (pense no sistema como uma Polaroid em esteróides), instalo-a sobre uma mesa e pergunto à assistência quem se chega à frente para uma fotografia. Não tenho dificuldade em arranjar voluntários. Os habitués conhecem-me, sentem-se à vontade com o meu trabalho, muitos têm em casa retratos que lhes tirei.»

 

Fernando Sousa: «Irena Sendler morreu há cinco anos. Estas linhas são para que não morra mais. Assistente social quando alemães invadiram a Polónia, introduziu à socapa, no gueto de Varsóvia, comida e medicamentos para os sitiados. Valendo-se ainda da sua condição de enfermeira, resgatou, durante um ano e meio, usando de todos os truques, 2500 crianças desse símbolo maior da iniquidade, registando os seus nomes para que pudessem recuperar a identidade e as histórias pessoais. Descoberta em Outubro de 1943, foi presa e torturada. Teria sido fuzilada se um soldado alemão, subornado pela Zegota, organização clandestina de apoio aos judeus, não a tivesse levado para um interrogatório “adicional” e a certa altura ordenado: “Corra!” Irena Sendler morreu no dia 12 de Maio de 2008. Estas linhas são para que não morra mais.»

 

José António Abreu: «Percorremos as ruas sem vermos as pessoas. Delineamos trajectórias pelos passeios de modo a contorná-las. Irritamo-nos quando elas, parecendo não se aperceber da nossa presença, bloqueiam a trajectória que definíramos. Mostramo-nos apressados e olhamos em frente quando passamos por pedintes ou por adolescentes fazendo inquéritos. Se assistimos a uma discussão ou a um acidente de automóvel, recusamos intervir ou ser testemunhas. Não queremos "envolver-nos" nos problemas alheios. Somos o nosso mundo, ameaçado por todos os lados pelos seus próprios problemas.»

 

Luís Menezes Leitão: «Parece evidente que os países do Sul da Europa precisam de imprimir dinheiro como de pão para a boca, sem o que vão continuar com um sufoco absoluto nas suas economias. (...) A Câmara de Nápoles já assumiu a dianteira e decidiu criar uma moeda própria, o napo, que faz circular em complemento com o euro, aumentando assim a massa monetária em circulação na sua cidade. Ora, é manifesto que se a moda pega, haverá imensas cidades a repetir a mesma iniciativa, a começar por Lisboa, onde António Costa não se deverá esquecer de lançar o lisbo, uma vez que, como se vê pelo amontoar de lixo nas ruas, Lisboa quase parece gémea de Nápoles. A questão é que os alemães, com a sua obsessão pela disciplina orçamental, acharão que os latinos os estão a tomar por "napos", inventando este tipo de estratagemas. É por isso manifesto que o euro não tem salvação possível.»

 

Marta Spínola: «Numa das legislaturas mais (inserir o adjectivo à escolha) as oposições e protestos são mais que muitas, já se sabe. E o importante é mesmo não deixar de apontar o dedo, elogiar o que possível for, salientar o que houver a ser salientado. Para bem e para mal. É o que é feito no blogue desta semana. E bem feito.»

 

Eu: «Há livros que podem ser lidos de várias formas, permitindo diversos níveis de interpretação - sem nunca perderem o fascínio que exercem sobre o leitor. É o caso deste perturbante romance de Albert Camus sobre uma cidade no norte de África - Orão, na então Argélia francesa - sitiada devido à peste. Li-o pela primeira vez na adolescência, sem atender ao seu mais profundo significado metafórico, e pareceu-me um poderoso retrato da fragilidade humana confrontada com um mal supremo num mundo que deixou de merecer o interesse de Deus. É muito curta a distância que vai do homem como ser supremo da natureza ao homem vítima das mil contingências causadas por essa mesma natureza que sempre tentou dominar sem nunca o conseguir.»