Simplesmente vergonhoso
1
Faz agora dez anos, na cimeira de Díli, a Guiné Equatorial foi admitida como membro de pleno direito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Sem cumprir critérios fundamentais plasmados nos estatutos desta organização. Desde logo, o idioma português nunca vigorou naquela república subsariana que foi colónia espanhola até 1968. Além disso o país mantinha a pena de morte no seu ordenamento jurídico - aberração que bastaria para deixá-lo do lado de lá da porta.
Sem esquecer que Teodoro Obiang era à data, como ainda hoje, o tirano há mais tempo no poder em África. Tristemente célebre por violar elementares direitos humanos.
2
Recordo-me bem: senti como uma humilhação nacional ver o Presidente da República e o primeiro-ministro sentados àquela mesa. E fiquei perplexo ao perceber que proclamados defensores de direitos humanos, como Dilma Rousseff e Xanana Gusmão, dobravam a cerviz ao tirano de Malabo.
Dilma, que combateu a ditadura militar brasileira, abraçou Obiang, tão repugnante como os generais e almirantes dessa era de triste memória no Brasil. Com uma agravante: este déspota ocupa o poder para além do dobro do tempo que durou a ditadura militar em Brasília.
Por seu lado Xanana, que liderou o povo timorense na luta contra o regime ditatorial do general Suharto e a ocupação ilegal de Timor-Leste pela Indonésia, devia ter sido o primeiro a pôr Obiang à distância. Lamentavelmente, pelo contrário, deu-lhe honras de astro-rei da política internacional na referida cimeira.
3
Portugal terá resistido até ao limite. Foi vetando a entrada da Guiné Equatorial na CPLP até mais ninguém nos acompanhar nesta posição.
A questão é que na defesa dos direitos humanos - como fizemos em relação a Timor - nunca devemos temer o isolamento. Porque a razão e a verdade não dependem de modas, tendências, calculismos de ocasião ou listas de precedências. Muito menos dependem da descoberta de novas reservas de petróleo.
Prefiro ver o meu país isolado sem perder a razão nem a dignidade do que vê-lo integradinho na "comunidade internacional", perdendo uma e outra.
A originalidade e a força da CPLP assentaria sempre na base cultural. No idioma comum, na cultura comum cimentada pela unidade linguística.
A partir do momento em que o critério dominante assentou na "diplomacia económica", que venha a Noruega, a Venezuela, a Turquia, até a Arábia Saudita.
A organização manteria a sigla, mas com um significado bem diferente. Comunidade dos Países de Ligação ao Petróleo. Da nossa parte apenas como consumidores-aquisidores...
4
Ironias à parte, a CPLP só se justifica enquanto entidade congregadora de Estados onde se fala português. Nada mais.
A nossa língua - a de Camões, de Pessoa, de Alda Lara, de Craveirinha, de Alda Espírito-Santo, de Mia Couto, de Manuel Bandeira, de Drummond, de Sophia, de Agualusa, de Eça e Machado de Assis - não se confunde com o tosco castelhano arengado pelo ditador da Guiné Equatorial.
A questão central é esta. Em 23 de Julho de 2014 foi admitida na CPLP uma torpe tirania com base numa inqualificável aldrabice: a língua portuguesa serviu de falsa moeda de troca a esta entrada.
Um dos mais repugnantes ditadores africanos (e nunca faltaram ditadores em África) passou a contar também com a bênção oficial do nosso Estado. Isto envergonhou-me enquanto cidadão português.
Dez anos depois, continuo a sentir o mesmo.