Guimarães
Aqui à minha volta está tudo em obras e estas consistem em tirar o cimento ou alcatrão que têm os passeios para pôr cubos e guias de pedra, alargando alguns e construindo outros onde ainda não os havia, alterar o desenho das placas (a que me fica perto da porta foi em tempos alargada, com o propósito aparente de dificultar a circulação de autocarros, e está agora a ser emagrecida para o efeito de a bordejar com uma bonita guia de pedra e, provavelmente, corrigir o asneirol anterior), modificar os espaços ajardinados tirando isto e pondo aquilo e colocando uma profusão de postos de recolha de lixo diferenciado. As ciclovias, claro, permanecem, para os raros ciclistas que as utilizam, os quais aliás agora também circulam no espaço dos automóveis porque, supõe-se, sempre dá outra pica.
Não parece muito mas as obras já duram há bastante mais de um ano, envolvem considerável maquinaria, barulho e pessoal, e nos sítios emporcalhados onde já estão concluídas (emporcalhados porque o acabamento da pavimentação com cubos é feito com areia que fica ali até que as chuvas a infiltrem ou removam) vê-se um mar granítico que os edis locais, os arquitectos projectistas destes arrebiques e, suponho, os munícipes, apreciarão – está muito giiiiro.
A ideia de pôr cubos nos passeios é uma cedência ao uso das sapatilhas porque com outro calçado são desconfortáveis, o que me leva a supor que terá havido influência dos comerciantes locais de equipamento desportivo. Ou então os decisores têm uma grande insensibilidade ao mau cheiro dos pés, hipótese que, conhecendo alguns, não descartaria prima facie.
Na antiga estrada que conheci ainda em paralelepípedos, e que há muitos anos foi alcatroada, foi tudo rebentado para pôr os tais cubos e construídos passeios, que em parte não existiam. A ideia dos passeios é boa porque se trata, actualmente, de um arruamento. Quanto aos cubos (muitíssimo mal postos) é de supor que a racional seja ou a reversão da impermeabilização do solo ou razões estéticas. Nesta zona, porém, não há memória de inundações; e não entendo com que direito o dinheiro do contribuinte é espatifado ao serviço do mau gosto de escravos da moda em arranjos urbanísticos que desprezam a função: é para os carros circularem? Então cubos são a pior escolha, que o diabo vos carregue, mesmo que o autor da ideia seja o celebrado Siza Vieira, conforme se diz na peça de propaganda em que se apresenta a “requalificação estruturante”.
Fui tentar saber quanto dinheiro se está a torrar nestas masturbações urbanísticas, mas sem sucesso: os sites da Câmara local, como é típico de edilidades, têm propaganda muita, no paleio pedante e analfabeto que tem curso no meio, e informação pouca. Muitos milhões, decerto.
É provável que andem por aqui fundos do patego europeu, e é aliás por isso que o munícipe quer obras: julga que nada lhe sai do bolso.
Sucede porém que parte da cidade é rodeada por uma impropriamente chamada “circular”, construída na década de 80 e cujos autores, e quem a aprovou, deveriam ter sido objecto de sevícias em pelourinho público: tem 4 faixas mas sem valetas (os rails ficam a poucos centímetros do leito) e sem faixa separadora central, que no caso consiste num murete de cimento, com acessos de tipologias diferentes mas sempre sem faixa própria suficientemente longa para permitir a incorporação fluida no tráfego. Os acidentes sempre foram, e serão, mais do que muitos, incluindo graves e até mortais. As obras de arte não foram previstas para alargamentos, tendo os pilares junto aos rails, o que significa que a reconversão (ou requalificação, ou lá o termo que na altura os engenheiros usarem para babujar memórias descritivas) ficará sempre caríssima. A urgência na aprovação decorria da rivalidade com Braga, uma tradicional má conselheira que norteia estupidamente não poucas decisões municipais locais.
É evidente que a circular (que aliás aguarda conclusão há décadas) é prioritária, as brincadeiras de arranjo urbano do tipo tira alcatrão põe cubos, alarga aqui e estreita acolá, aumenta a rede de ciclovias para a juventude se divertir e ocasionais velhos fingirem que pedalam bicicletas eléctricas – não.
Porquê, então, esta má alocação de recursos? Porque o automóvel não está em cheiro de santidade, o pedestre, o ciclista e a modernidade parva sim.
Há gente, e gente boa, que acha que o poder local deve ser reforçado. E é evidente que as autarquias têm mais meios, e mais poderes, do que alguma vez tiveram. A mim, sempre que confesso os meus pendores anti-regionalização, dizem-me que o poder central é, na malbaratação de fundos, muito pior. Será: mas é só um e longe. As autarquias municipais são 308 e perto.