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Delito de Opinião

Comparações úteis com o passado

João Pedro Pimenta, 16.07.20

Já ouvi não sei quantas vezes comparações da pandemia do Covid-19 com a Gripe Espanhola de há cem anos, que matou milhões pelo Mundo e dezenas de milhar em Portugal, por causa da possibilidade de uma "segunda vaga" mortífera. Mas do que percebi poucas comparações se podem estabelecer. A Gripe Espanhola aconteceu sobretudo como consequência da Grande Guerra, com os parcos sistemas de saúde e as economias destruídas, numa época em que as pessoas não tinham os meios de higiene, a nutrição ou os meios hospitalares que têm hoje. Os soldados vinham das trincheiras num estado deplorável  traziam com eles a epidemia. Ainda por cima a doença veio com uma carga bacteriológica num tempo em que não havia antibióticos. Ou seja, uma tempestade perfeita.

O covid será provavelmente mais próximo da dimensão da Gripe Asiática de 1957/58, de que os nossos pais e avós se lembram. Começou na China, depois veio pela Austrália, Irão, entrou na Europa pela Itália, França...tal como agora, com a diferença de que chegou no fim do Verão. O início das aulas teve de ser adiado, tal era a quantidade de alunos doentes, e as fábricas ficaram a meio gás. Segundo os dados oficiais, morreram mil e tal pessoas em Portugal, embora como não houvesse os testes nem o SNS como o conhecemos esse número esteja com toda a certeza subavaliado. Em França contabilizaram-se na altura onze mil e tal mortos, mas nos anos recentes chegou-se à conclusão de que seriam bastante mais, assim como no Reino Unido, com mais de trinta mil na altura. Nos Estados Unidos passaram os cem mil. Isso numa altura em que havia menos população, a média de idades era mais baixa e havia por isso menos "comorbilidades". Mas ainda em 1957 criou-se uma vacina, que diminuiu muito a intensidade da pandemia, e meses depois praticamente desapareceu. Ao todo, terá deixado perto de dois milhões de mortos em todo o mundo.

Quais as diferenças? Provavelmente o facto de não haver tanta informação instantânea (pouca gente tinha televisão, por exemplo), de não circular tão depressa entre os vários continentes e da Ásia ser mais subdesenvolvida e portanto ter sofrido mais. E também dos sintomas durarem menos dias que o actual covid (a minha Mãe, que na altura era miúda, esteve cinco dias de cama). Talvez por isso os países não se tenham fechado tanto e a economia tenha sofrido menos. Mas o Mundo não acabou, a Europa e os EUA continuaram prósperos e os anos sessenta seriam animados. Além disso, demonstrou-se que uma vacina não precisava de anos e anos para ser concebida. Ou seja, esta pandemia do Covid é um assunto sério, mas não apocalíptico, mais ao nível da Gripe Asiática (ou da de Hong Kong, dez anos depois) e menos com a fulminante Gripe Espanhola. A importância da História é que nos ensina com a experiência passada.

Deixo-vos com alguns links em francês e inglês, com mais informação:

https://france3-regions.francetvinfo.fr/hauts-de-france/nord-0/temoignages-coronavirus-pandemie-grippe-asiatique-1957-avait-deja-durement-frappe-nord-1827458.html?fbclid=IwAR1sj8JX76JMYDGOy7Qd2hdbt3ifsM1ap1--0ZbfrIVT4wwOTm5vqD6_W7A

https://www.franceinter.fr/histoire/histoire-des-pandemies-oubliees-la-grippe-asiatique-en-france-1957-1958?fbclid=IwAR22amlUmp1XuEnTAx-FPotMwaMu3vCq6J70S-vjH51yuUEq9ZOjDkpZKro

https://www.rfi.fr/fr/podcasts/20200419-avant-le-coronavirus-les-ravages-la-grippe-asiatique-et-la-grippe-hong-kong?fbclid=IwAR1mnmIlviSNbrSDQ0BaJMoxx1-pO7wTrKiaioU8YVcK0iHpQk1vpp0cJHc

https://www.gavi.org/vaccineswork/how-does-covid-19-compare-past-pandemics?fbclid=IwAR1HouKOsfSMZVNg968kSiuzXgPA-gWMq6OhU9EpITAEO5oNzBZaiFdgfEs

https://l.facebook.com/l.php?u=https%3A%2F%2Fwww.easternherald.com%2Fop-ed%2Fhistory-asian-flu-vs-coronavirus-64216%2F%3Ffbclid%3DIwAR0_XgE8wUooUqEGgvb5PRMPdtRMecbdBNvjA_Gxoyt6S097_Px3wn-0iqQ&h=AT2iKWuM4MD7VOzAXhb-6pbzDuR-Xj3F-RcpTGMVnRP0UFFR-8D9-lSR6q96TcSNWT912FY42ycDoSHupA3Omr3vxjk_opu_40PUW1ZKjViWbjcNvBlPiVb7K2TGTdO4OxIYPxp28DxR-WmsSw-5m9QEZlcddQmzb3Cr5HNJ0FF8aRPGYTXR3GYxxQ

Today, we refuse to accept sickness and death” - Linköping University

Bruno Lage e Portugal

jpt, 21.03.20

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(Postal mais pessoal - e menos cuidado - escrito para o meu blog)

O ano passado o Benfica, atrasado no campeonato, mudou de treinador, promovendo Bruno Lage. Então desconhecido, algo jovem (ainda que, de facto,  já quarentão), Lage não só teve enorme sucesso desportivo como colheu generalizado agrado: bom discurso, plácido, elegante. E inteligente. Bem diverso do vigente no mundo do futebol, e também no agreste discurso público português. Na hora do triunfo teve uma saída que foi aclamada como exemplar, ao dizer que "Se vocês se unirem e tiverem a força e a exigência que têm com o futebol nos outros aspetos do nosso Portugal, da nossa economia, da nossa saúde, da nossa educação, vamos ser um país melhor".

Tem razão, os portugueses são muito exigentes com o futebol (qualquer pessoa que tenha vivido no estrangeiro pode, por comparação, perceber como a nossa cultura está futebolizada). O  dos respectivos clubes. E o da selecção, na qual me centro para a analogia que procuro (e que as declarações de Lage alimentaram). Pois longe vão os tempos dos elogios ao "brilharete" dos "magriços" de 1966, que duraram 20 anos, constantes na imprensa portuguesa. Desde há décadas que se exigem triunfos à selecção. Queremos que ela ganhe aos outros. Que seja mais pressionante, mais bem sucedida, mais sortuda, mais estratégica e mais táctica, mais forte e mais artística. Ou seja, que ganhe seja lá como for. Não queremos que Cristiano Ronaldo seja tão bom marcador como Higuaín ou Benzema, mas que marque mais. Que Rui Patrício defenda tantos penalties como Neuer ou De Gea, mas mais um pelo menos. Que Pepe corte tanto como Sérgio Ramos, mas mais. Que Moutinho ou Bernardo sejam tão funcionais como Pogba ou Hazard, mas mais, muito mais. Por isso o engenheiro Santos é tão gostado, pois ganhou não apenas uma mas duas vezes. E por isso Queirós, que sossobrou diante de uma enorme Espanha com um golo fora-de-jogo, anda pelos longínquos e secundários estrangeiros, mal-amado aqui. Tal como Paulo Bento, que perdeu uma meia-final nos penalties.  Pois somos mesmo exigentes com a nossa selecção. 

O troféu que deparamos agora é uma luta terrível contra o Covid-19. Tivemos tempo para nos preparar o melhor possível. Mas preparámo-nos como os nossos parceiros, ao mesmo ritmo que a França de Pogba, a Espanha de Sérgio Ramos, a Bélgica de Courtois, etc. Não fomos mais rápidos, não fomos mais pressionantes, não  fomos mais argutos, não fomos nem mais estratégicos nem mais tácticos. E temos menos meios, menos jogadores, menos campos (o racio de camas hospitalares per capita é muito pior, o serviço de saúde pública é menos capacitado em termos infraestruturais). Mas ainda assim reina a ideia de que o governo (e o Estado) esteve globalmente bem. Apenas porque não somos exigentes com as coisas reais - e até com estas dramáticas - como o somos na "bola".

Diante desta verdadeira crise reina a congregação, entre compatriotas e residentes. E há quem apele ao acriticismo, à suspensão do olhar crítico. Certo, há uma necessidade (executiva mas também espiritual) de coalizão. Mas isso não implica a suspensão do olhar crítico, nem deve convocar a amnésia futura. Algumas coisas poderão ser lembradas, outras avisadas. O aviso que tenho, e é por deformação profissional que me ocorre, é que todas as sociedades convocam bodes expiatórios (e já brinquei com isso). Se o drama for grande, como se anuncia, a comoção convocá-los-á. E sempre de forma injusta, até aleatória. Sejamos racionais, na avaliação futura do que se passou. Mas também, de modo mais comezinho, efectuando  de modo mais plácido essa expiação: o humor sobre os dignitários agora em voga, políticos e funcionários destacados, é por muitos criticado como indigno. Julgo que não, julgo mesmo que é a melhor forma de deixar fluir esse resmungo social. Muito mais justo do que as furibundas piras a posteriori.

Outras coisas poderão ser lembradas, para crises futuras mas, acima de tudo, para avaliação de quem nos governa (nos governos e nos altos postos do funcionalismo) e de como o regime está estruturado, tanto em termos formais como em termos de redes de relações sociais que alimentam o poder. O Presidente esteve péssimo, ainda que possa vir a recuperar o seu fito único, a popularidade. Esteve horrível. E também isso, essa sua deserção intelectual e política, vem valorizando António Costa. Este muito aprendeu com os efeitos da inenarrável postura que teve na dramática crise dos incêndios florestais (e com a pantomina da pequena crise militar com o "affaire Tancos"). E tem discursado bem, dando segurança à população. Para além disso, as medidas tomadas pelo governo são, mais dia menos dia, similares e contemporâneas às dos países nossos vizinhos. O que aparenta legitimar a pertinência do ritmo das decisões estatais.

Mas isso não é suficiente para projectarmos o futuro. Repito, tivemos tempo para nos preparar de modo mais eficiente, mais lesto, do que os nossos vizinhos. Mas temos responsáveis da saúde que despreocuparam a sociedade em relação ao que se passava na saúde pública mundial, que nos isentaram de riscos. E temos uma ministra da agricultura que saudava as hipóteses que a nova gripe abria para nossas exportações. Já a vizinha Itália sofria e os nossos responsáveis pela saúde negavam a gravidade da situação - não se preocupem, nós avisaremos quando houver motivo para isso, dizia a ministra da saúde. Há nisto uma enorme incompetência intelectual, uma incapacidade para prever e planificar que ultrapassa o aceitável. E há também uma mundividência anti-democrática, estapafúrdia no mundo actual hiper-comunicante, o de "evitar o pânico" através do sonegar de informação à população. E que é inadmissível no Portugal democrático actual.

E, num momento em que o auto-confinamento da população era urgentíssimo, houve um verdadeiro desvario.  Na semana anterior ao governo fechar as escolas (de modo já tardio) a directora da saúde protestava com a própria escola das suas netas por ter encerrado as aulas. As universidades públicas, alertadas, começaram a fechar. Mas nem todas: numa universidade pública do centro de Lisboa a reitora não o fez, ao contrário das suas congéneres, por esperar a deliberação da direcção-geral da saúde. Que levou alguns dias. É um mero exemplo do tergiversar, que neste momento é inadmissível. Tal como o foi o patético e descabido atraso do encerramento escolar devido a uma reunião de um absurdo conselho de saúde pública, pejado de dezenas de figuras excêntricas à problemática, após o qual surgiu Jorge Torgal, veterano da cooperação com Moçambique, enfileirado com a directora-geral e a ministra da saúde, a negar a realidade. Como logo se viu. 

Para quem se recuse a reconhecer isto, a incapacidade de céleres decisões de ruptura: a minha filha adolescente tinha viagem marcada para a Jordânia, onde vive sua mãe. No dia 9 de Março esse reino tinha proibido a entrada de viajantes provenientes de Espanha, Itália, França e Alemanha. E a vizinha Israel proibira a entrada de estrangeiros. Ao invés, dois dias depois os passageiros de paquetes turísticos ainda desembarcavam em Lisboa, para a jornada do agora sacrossanto turismo. Por essa altura um deputado e dirigente do BE, que continuará a ser ouvido e influir em assuntos importantes no nosso devir, clamava que o encerramento de fronteiras era projecto da "extrema-direita". Onde está a racionalidade do Estado e dos políticos, diante da inércia e do disparate?

De facto, o que aconteceu foi que foram os próprios cidadãos, múltiplas instituções privadas e mesmo públicas e as famílias, que começaram o processo de recuo, de necessário resguardo. Adiantando-se ao Estado, e seu governo, e a estes compelindo à acção. Foi a sociedade - os tais indivíduos que os governantes temiam que entrassem em pânico - que se foram adiantando a um Estado moroso, inábil. Todos olhamos e criticamos as "festas Coronas" e as idas à praia dos alunos universitários. Mas estas aconteceram por falta de uma avisada política de informação - e mesmo de propaganda [os "influencers" do youtube que Marcelo corteja, os campeões de futebol, as figuras da TV e etc, foram agora chamados para apelar ao recuo da população? Nada, nem uma acção dessas, nem a norte nem a sul do Sado, diante do silêncio e inaptidão da ministra da cultura] - e são menos significantes do que todos os esforços pessoais e familiares feitos em relativa autonomia do Estado.

Ou seja, muito podemos falar sobre o desinvestimento estrutural no SNS. E elaborar sobre as causas disso - que mais do que o maquiavélico projecto das iniciativas privadas é o da incapacidade de diferenciar os processos internos ao Estado e seu alto funcionalismo -, que é um processo de regime, não deste governo. Mas, num outro âmbito, mais imediato temos que encarar que a forma como esta crise anunciada, este "crónica das mortes anunciadas", não foi suficientemente abordada. E que não são boas conferências de imprensa, entrevistas ou discursos do político António Costa que o poderá elidir. Esperemos que os resultados não sejam excessivamente dolorosos. 

Quer este postal resmungar e pedir a cabeça de Costa e do PS? Não. Julgo, sinceramente, que após esta crise - e até porque compatível com o calendário eleitoral - um homem como Rebelo de Sousa tem que abandonar o posto para o qual, em má-hora, o elegeram. Mas nas questões do poder legislativo e executivo são bem diferentes as conclusões que se podem perspectivar. Temos que ter melhores pessoas nos postos importantes (tem sido um rosário de desajustes ministeriais) e isso implica outros funcionamentos partidários. E temos que enfrentar a confusão "regimental", aligeirar a democracia - o caso do tal conselho de saúde etc. e tal é demasiadamente pungente para poder ser esquecido.  E, francamente, governar menos por "consenso" e mais com "rupturas". Porque foi, muito, essa apologia do "consenso" que conduziu ao rame-rame.

Em suma, se formos tão exigentes com a sociedade e sua política como somos com o futebol, deveremos agora obedecer às regras e às instruções estatais. Mas não nos podem pedir que aplaudamos quem não ganhou. Podemos respeitar o esforço, reconhecer o empenho. Mas devemos procurar um  melhor plantel, exigir um competente "scouting". Mesmo que mantendo o treinador. (Mas nunca o presidente, repito-me, exasperado).

Gripe (3): Encerramento da Direcção-Geral de Estabelecimentos Escolares

jpt, 12.03.20

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Agora virão dizer que é aproveitamento (populista) para criticar governo e o topo da hierarquia do funcionalismo socialista. Mas como digerir a notícia de que a Direcção-Geral de Estabelecimentos Escolares encerra o atendimento público a partir de amanhã. E as escolas não encerram! Estes gajos estão loucos!?

(Conviria entretanto perceber que o tal Conselho Nacional de Saúde Pública, que decidiu "esperar para ver" nisto da questão do encerramento das escolas, são 30 pessoas. Cuja esmagadora maioria nada tem a ver com a matéria, meros representantes da "sociedade civil".)

Isto é uma pantomina, desnorteada. As "duas catatuas", a apatetada ministra e a anciã das hortas (essa decerto directora-geral da Saúde que nos dizia que muito dificilmente o raio do vírus cá chegaria, tanto ajudando assim à consciencialização dos cidadãos e dos seus próprios funcionários) . Acima Costa dirá, a seu tempo, "não me faça(m) rir, a esta hora".

Adenda: A Direcção-Geral nega, dá o dito por não dito, volta atrás. A notícia é esclarecedora, adiantaram-se umas horas ao que vai ser anunciado. Entretanto o governo continua à procura de um "consenso político" entre os partidos para encerrar as escolas, e isto porque o "Conselho Nacional de Saúde Pública" (os tais representantes dos grupos corporativos, dita falsamente "sociedade civil") terem negado esse encerramento. Isto não é um desnorte. É até pior, é uma disfuncionalidade. Desesperante.

Gripe (1)

jpt, 12.03.20

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Sobre isto da gripe também aparecem os moralistas, a criticarem(-nos) porque só nos preocupamos quando as coisas (o vírus) nos bate à porta, assim imorais vamos, pois desvalorizando o prévio sofrimento dos pobres chineses, o dos refugiados em Itália, até mesmo o dos próprios italianos. Somos uns egoístas, só pensamos em nós, desprezando os "outros" (sejam lá quem estes forem).

Impaciento-me sempre com moralistas, ainda mais com estes, óbvios sucedâneos intelectualóides e burguesotes do velho internacionalismo proletário. E diante destes choradismos sempre resmungo com isto da humorística ("g'anda") "melga", que tantos usam para risotas. Pois a malária mata imenso, outros pobres "outros". E não vejo quem verdadeiramente se preocupe com isso, a dita malária. Ou mesmo depure o linguajar, abdique da piadola com o maldito mosquito. Pois não lhes bate em casa, a tal melga assassina.

Não que eu seja purista, gozo com o bicho apesar de já quase ter morrido (por incúria minha) com a doença. E por isso digo que estes apatetados moralistas são uma G'anda Melga. Pois fazem e sentem exactamente o que tão ufanos vêm criticar. Calai-vos. Parvos.

Ó freguês, vai uma vacina?

João Carvalho, 08.10.10

«As pessoas saudáveis com menos de 65 anos vão poder deslocar-se aos centros de saúde para receber o milhão e meio de vacinas contra a gripe A que sobraram da época passada.» É pena que não tenham sobrado coisas mais úteis a tanta gente por este país fora, para dar outra força a esta inesperada campanha de saldos. Mas vale a pena: são vacinas quase novas.

Portugal tinha encomendado seis milhões de vacinas na época passada. Perante o logro, as nossas autoridades disseram ter conseguido cancelar dois milhões. Recebemos, pois, quatro milhões de vacinas. Agora dizem que têm um milhão e meio para distribuir. Quer dizer que chegaram a vacinar 2,5 milhões de portugueses? Cheira-me que é melhor contarem as sobras outra vez.

A pandemia da blogosfera

João Carvalho, 23.04.10

"Portugal tem das mais altas taxas de mortalidade por gripe A". Quem o diz é a subdirectora-geral da Saúde (onde andará o comunicativo e sempre disponível George?), referindo-se aos números contabilizados e divulgados pelo Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças. Um ano depois dos primeiros casos detectados no México, os mesmos números indicam que a gripe A afectou 214 países, que houve 17.798 mortes no mundo, que Portugal registou 121 mortes, que Espanha, França e Itália se ficaram pelas 0,31 a 0,6 mortes por cem habitantes e que Portugal teve 0,91 a 1,2 mortes por cem habitantes.

Com números tão precisos, fica por entender o quadro de variações das mortes por cada cem habitantes, mas isso são minudências. Adiante. Vale a pena dar atenção aos lucros fabulosos à custa da produção de vacinas, do alarme generalizado e da aquisição atabalhoada à sombra das campanhas de vacinação. Porém, a mesma subdirectora diz que "ainda é cedo para saber se estes números traduzem diferenças reais de mortalidade e não diferentes taxas de detecção e notificação" e que "os números são tão pequenos que a comparação se torna estatisticamente difícil".

Avancemos, pois, para outro dado: a Suécia, por exemplo, alcançou uma taxa de vacinação que parece ter rondado os 60 por cento; já em Portugal, referem as nossas autoridades que a cobertura se ficou pelos cinco por cento. O que diz sobre isto a subdirectora da Saúde? Diz, como não podia deixar de ser, que «os governos tiveram capacidade para se organizar», que "é preciso melhorar a comunicação" e que "com os media convencionais (jornais, TV, rádio) até correu bem", mas acrescenta: «Temos muito que aprender.» Porquê? Porque, «onde circularam as notícias mais estranhas sobre as vacinas, foi em blogues anónimos, no YouTube, Facebook, Twitter».

Ó ignomínia! Ainda bem que o DELITO DE OPINIÃO não é um blogue anónimo e não fica abrangido pela ilustre subdirectora, porque a verdade é que nos fartámos de andar aqui a desmascarar os disparates sobre a gripe A que foram sistemática e insistentemente oficializados pelas nossas instituições. É só reler o que temos arquivado no mesmo tag aqui patente. Claro que o DO é muito bem frequentado e por muita gente, mas nunca nos passou pela cabeça influenciar 95 por cento da nossa população. Tudo gente influenciável e pouco amiga de vacinas, pelos vistos.

Sendo assim, preferimos começar a colaborar:

— Senhora subdirectora, se é preciso melhorar a comunicação, deve ser por vir aí outra pandemia parecida, certo? É só dizer-nos, para não pormos a circular notícias estranhas. Já agora, talvez seja melhor encomendar mais vacinas, porque devem andar por aí umas toneladas fora de prazo, não?

Segure o seu porco

João Carvalho, 02.03.10

 

Já viu algum porco a voar? Por acaso, eu já: é tipo super-porco, mas sem muda de roupa numa cabina telefónica. Fique a saber que é por causa do frio que faz lá pelas alturas que, quando eles aterram, trazem a gripe suína, que é descendente da gripe das aves voadoras.

Quem tiver porcos lá na terra é melhor que os mantenha com uma corrente metálica presa a uma perna e uma bola de ferro na outra ponta, tipo Irmãos Metralha, não venha por aí outra epidemia porcina que leve a Organização Mundial de Saúde a confundir vírus com entrecosto.

Escândalo descoberto

João Carvalho, 25.01.10

Jim Shore Pig on Cart

O presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa encara a gripe A como um dos maiores escândalos médicos do século e aponta o dedo à OMS. Nada que não tivéssemos adivinhado há muito (aqui, aqui e não só). É natural que certos comentadores, na altura, se tenham mostrado muito indignados: até a inteligência de Bruxelas demorou a perceber.

Com o coração destroçado

Pedro Correia, 15.12.09

 

Passar uns dias enfiado em casa devido a uma gripe gera destas coisas: às tantas apetece folhear uma daquelas revistas que ficaram abandonadas a um canto qualquer da sala, semanas a fio, por absoluta falta de interesse. Entre duas séries de espirros, pego numa dessas revistas 'cor-de-rosa', como agora se diz, que são oferecidas como brinde de certos jornais.

O que encontro? A total devassa da intimidade de alguns 'famosos', por vezes com a conivência dos ditos cujos ou das respectivas famílias.

 

Fico a saber, por exemplo, que um escritor famoso "já não se preocupa em esconder a relação" que mantém com certa senhora: "o casal" foi visto em centros comerciais, "onde não passou despercebido". Que uma conhecida jornalista da televisão "passou não há muito tempo por um processo de divórcio" e hoje garante que "a prioridade é a sua filha", após "alguns rumores que lhe atribuíram vários romances com colegas de profissão". Que a jovem actriz A está "sem namorado desde que terminou a sua relação" com o fulano B, "ainda sofre com a ruptura e diz mesmo que não tem vontade de voltar a apaixonar-se". Que a mãe dessa menina confidencia que desde a referida "ruptura" a filha "só teve um relacionamento muito curto" com o beltrano C, "após o qual se apercebeu que continuava a gostar" de B. Entretanto, sem perder tempo, B "já foi surpreendido com uma companhia feminina no Algarve". Vem com nome completo: só falta número de bilhete de identidade e de número de contribuinte. "Os dois mantiveram encontros secretos num hotel, em Lisboa, mas mais uma vez o relacionamento acabou por não ser assumido", acrescenta a folha de couve, com requintes detectivescos.

Que mais se aprende folheando esta revista de grande tiragem? Que a sicrana D "tem fechado os olhos" a numerosos pretendentes, incluindo o empresário E, "que já namorou com a jornalista F, da estação de televisão X, e com a relações públicas G". E que quatro 'celebridades' da nossa praça "lutam contra o excesso de peso seja pela idade, problemas hormonais ou gravidez": uma delas "assume ter ganho oito quilos em meio ano", sem assumir no entanto que isto se deva a problemas hormonais e muito menos à idade.

 

Parei aí, mas havia muito mais matéria do género na referida revista de bisbilhotices, igual a tantas outras que por aí circulam. São publicações que  prestam culto a "famosos" que ninguém conhece, ignoram o significado do termo "intimidade", adoram escrever o verbo "assumir", imaginam um "casal" em cada par que vislumbram ao virar da esquina, acreditam que uma pessoa se realiza essencialmente pela "relação" que estabelece seja com quem for, e não concebem que uma jovem possa viver sem ser "com o coração destroçado" após ter terminado o namoro, forjado ou real, que essas mesmas publicações garantiam ser "eterno" semanas antes. Recentemente houve mesmo uma revista que dava determinado "casal" por separado quando páginas antes, na mesma edição, assegurava que "irradiavam felicidade".

Com o coração destroçado fiquei eu ao saber de tudo isto. E só me apetece é espirrar. Felizmente não sou 'famoso': ainda me tiravam uma fotografia a assoar-me, o que não é das coisas mais bonitas de se ver. 

Nada como um espirro dos antigos

João Carvalho, 28.10.09

As autoridades de Saúde norte-americanas – ao que dizem – rejeitaram a vacina anti-gripe A que Portugal encomendou e está a aplicar. A Alemanha parece que está a fazer o mesmo que os EUA.

No hemisfério Sul, onde já é Primavera, a gripe A não teve maiores efeitos do que as gripes sazonais comuns. A OMS, porém, insiste na ideia de pandemia e corre por aí o aviso de que a gripe A pode afectar um-terço da população europeia. Talvez algo como a ainda recente "gripe das aves", que ia varrer um-quarto da população mundial?

Em Portugal, as nossas autoridades de Saúde andam a esclarecer que quaisquer eventuais efeitos provocados pela vacina são sempre preferíveis à gripe A, sem que esclareçam de facto que efeitos podem ser esses.

♦ ♦ ♦

Tal como há uns meses se adivinhava, a pior epidemia é a da informação e contra-informação em torno de tudo isto, é a da "guerra" entre os laboratórios multinacionais, é a da primazia das grandes distribuidoras farmacêuticas, é a dos interesses obscuros envolvidos. Isto, sim: é epidemia e gera alarme.

Há necessariamente muita coisa escondida por baixo do que vem à superfície. Nada melhor do que darmos um belo espirro dos antigos, colectivo e com a boca destapada, para ver sair da toca quem se esconde.

O homem que espirrou

João Carvalho, 08.10.09

O Ministério da Saúde tem andado a promover cuidados para prevenir o surto de gripe A, designadamente, através de sketches televisivos. Um deles é curioso. Vê-se um balcão de atendimento com uma pessoa a ser recebida, atrás da qual se alonga uma fila de espera. A terceira pessoa que aguarda vez na fila é um homem e acontecem então três coisas simultaneamente: o homem levanta um braço e protege a boca com a mão para espirrar, a pessoa atendida deixa o balcão e chega a vez da pessoa seguinte, aquela que está à frente do homem que espirrou.

Acontece depois o seguinte: o homem que espirrou fica em segundo lugar e é o próximo a ser atendido, mas deixa a fila e abandona o local. Vai lavar as mãos e essas coisas todas que se sabe. Que é o mais natural. Está-se mesmo a ver que o homem que espirrou e que aguarda vez há vá-lá-saber-se-quanto-tempo desiste da fila para ir lavar as mãos quando está finalmente prestes a ser atendido...

A sobrevivência dos mais fortes

Paulo Gorjão, 08.10.09

Não é a primeira vez que, perante o risco potencial de uma epidemia, são elaboradas listas prioritárias para vacinamento. A mais recente abrange 5% da população. Neste caso o tema nem tem merecido grande atenção da população -- até porque as pessoas não interiorizaram a situação como sendo especialmente grave -- mas parece-me que seria útil uma reflexão mais aprofundada.

Explico-me. Juro que me faz um pouco de confusão que num Estado democrático se elaborem listas de primus inter pares, ainda por cima num tema tão sensível, listas essas cuja elaboração é ainda por cima relativamente opaca e definida burocraticamente. Em que medida tal não colide com um dos princípios fundamentais do Estado democrático e que é a igualdade de tratamento dos cidadãos?

Não sei, não sou especialista nestes temas, mas seria para mim, enquanto cidadão, reconfortante que a Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) -- que julgo ser a instituição adequada para o efeito -- reflectisse (se é que já não reflectiu) sobre isto. Seria útil que reflectisse a CNECV e a sociedade civil, bem entendido.

Insuportável

João Carvalho, 26.09.09

Ouço na SIC-Notícias: morreu uma pessoa esta tarde, infectada com a gripe A e internada num hospital. O pivot acrescenta: «Vamos continuar a acompanhar este caso.» Será vício ou tique? Vão continuar a acompanhar o quê? É insuportável ouvir estas coisas.

Fossas partidárias resistem à gripe

João Carvalho, 15.08.09

As constipações devem combater-se ao «primeiro indício», sem dúvida. Este anúncio publicado aqui recorda uma velha receita para travar os sintomas de constipação. Tendo em conta que as constipações geram alguma fragilidade que nos torna mais vulneráveis aos vírus das gripes, talvez seja de investigar se o Mentholatum ainda existe por aí.

Portanto, já sabe: tente encontrar este produto, espere pelo «primeiro indício» e «aplique logo o Mentholatum no peito, na garganta e nas fossas nasais». No peito, não tem que saber. Na garganta, é no exterior. Já nas fossas nasais, fica ao seu critério. Alguns deputados, por exemplo, já têm sido vistos durante os plenários do Parlamento a proceder a esta aplicação.