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Delito de Opinião

O que podereis fazer pela vossa cidade?

Pedro Correia, 02.01.25

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Imagens aleatórias das ruas de Lisboa por estes dias. Sabendo da greve prolongada dos trabalhadores da recolha do lixo, coincidindo com o período das festas natalícias e do Ano Novo, os moradores encolheram os ombros e insistiram em despejar na rua os "desperdícios" - mesmo aqueles que, como sucede nestes casos, podem esperar num canto de casa sem urgência de serem levados para fora. O papel não se deteriora em poucos dias nem larga mau cheiro. 

Enfim, é o que há. Os lisboetas gostam de contribuir para "enfeitar" as ruas da pior forma. Não se incomodam de ver a cidade assim. E não se pense que estas imagens foram colhidas no centro histórico ou em bairros populares: são da Lisboa burguesa das Avenidas Novas, cheias de gente da chamada classe média-alta. 

 

Falamos sempre muito em direitos. Quase só em direitos. Pouco ou nada se fala em deveres.

Um desses deveres seria a mobilização de cada um de nós para que a maior cidade do País se mostre um pouco menos suja. Antes de apontarmos o dedo acusador a terceiros, comecemos por pensar o que ainda não fizemos nesse sentido. Por vezes basta manter papéis de embrulho mais uns dias em nossa casa. Com paciência cívica. 

Parafraseando o outro, não perguntem o que pode a vossa cidade fazer por vós; perguntem antes o que podereis vós fazer por ela.

Jornalistas em greve: alerta à cidadania

Pedro Correia, 14.03.24

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Os jornalistas portugueses estão hoje em greve geral. A primeira em 42 anos. Isto é notícia, sem espécie de dúvida.

Há quem concorde, há quem discorde. Entre os que discordam, destacam-se aqueles que apontam para a escolha deste dia concreto, de óbvio vazio governativo. É sempre mais fácil - e muito menos eficaz - paralisar o trabalho em tempo de impasse, quando o Executivo ainda em funções já não manda nada e o que há-de vir ainda não está indigitado. Nem se sabe com estrito rigor qual será a sua cor política, a identidade dos seus futuros elementos ou a data da tomada de posse.

 

De qualquer modo, espero que a greve funcione como alerta para aqueles que lamentam a proliferação desenfreada de aldrabices nas redes e o enfraquecimento dos jornais e do jornalismo, mas não dão um avo para pagar aquilo que consomem de borla pelos dispositivos electrónicos. Condenando assim centenas de jornalistas à penúria e ao desemprego. E contribuindo, no limite, para o fim do jornalismo.

Podiam ajudar? Claro que sim. Numa espécie de militância cívica. Cada vez mais premente, cada vez mais inadiável.

Basta assinar um jornal ou uma revista informativa. Um só, entre tantos títulos disponíveis. Em papel ou digital. E recusar receber versões pirateadas desses títulos que abundam por aí, em clippings organizados - às vezes até oriundos de chancelas oficiais - que vão contribuindo para conduzir tantas empresas jornalísticas à falência. Começando pelas empresas de âmbito local ou regional.

 

Mais de metade do País vive hoje num deserto informativo, sem jornais ou rádios ali localizados. Dos 308 concelhos, 166 estão nessa lamentável situação.

O salário médio dos 5300 jornalistas oficialmente credenciados - 80% dos quais com formação superior - não ultrapassa 1225 euros mensais. Abundam  jovens em início de carreira a receber menos do que o salário mínimo. Muitos profissionais veteranos e conceituados levam para casa menos de 1500 euros ao fim do mês.

Todos trabalham muito mais horas do que a lei estipula e do que as mais elementares normas de prevenção de saúde física e mental recomendam.

 

O trabalho dos jornalistas deve ser recompensado, o esforço financeiro dos investidores deve ter retorno.

Se cada um de nós subscrever um periódico à nossa escolha já faz muita diferença. Para melhor.

É o que faço. Sou incapaz de recomendar aos outros aquilo que não pratico.

 

Quando deixar de haver jornais, quando o jornalismo chegar ao fim, esses mesmos que em nada contribuem para a qualidade da informação, pagando-a, passarão a receber apenas memes idiotas, muitos vídeos com gatinhos e uma brutal enxurrada de lixo desinformativo através dos mesmos dispositivos electrónicos.

Então protestarão: vão querer de volta o rigor informativo.

Mas aí já será demasiado tarde.

Não há almoços grátis. E o que é barato sai caro. A qualidade paga-se. Ou desaparece de vez.

Consciência, consciência, quem és tu?

Maria Dulce Fernandes, 27.10.23

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"Os professores vão juntar-se à greve da Função Pública, na sexta-feira[...]"

 

Sinceramente, não sou contra algumas reivindicações dos professores, ou dos auxiliares de acção educativa. Têm o direito de lutar pelo que lhes é devido. 

Apenas se me afigura estranho demais estas greves serem quase todas às segundas-feiras, às sextas-feiras, em vésperas de feriados ou sempre que dê para fazer uma ponte e as crianças, cujos pais trabalham e não têm onde os deixar, podem ficar até cinco dias em casa sem orientação pedagógica. Depois lá se despeja o programa e quem alcançou, óptimo, quem não alcançou passa coxo, porque até ao quarto ano, salvo raras excepções, todas as crianças transitam.

Hoje fiquei com os meus netos. Feliz da minha filha que teve onde deixar as crianças. Mas se pensarmos em quantas famílias são prejudicadas por estas greves de fim de semana prolongado, já que por cada falta não justificada antes ou depois do fim de semana, o pai ou a mãe perdem três dias de vencimento, constatamos que ao que parece que os professores não querem apenas reivindicar justiça para a sua classe, querem também assegurar menos horas laborais.

Antigamente, as greves faziam-se com os funcionários presentes nos locais de trabalho. Não trabalhavam, mas estavam lá. Assim podiam contestar, dando o corpo ao manifesto e não a uma escapadinha a um local da moda. Afinal, onde é que pára a consciência?

(Imagens cnnportugal)

Greves e direitos*

José Meireles Graça, 29.09.23

A maioria esmagadora dos portugueses não tem nada a correr nos tribunais, isto é, não é parte, nem réu, nem testemunha. E presumo que uma muito menor parte, mas ainda assim maioria, nunca tenha frequentado tais estabelecimentos ominosos.

A maioria esmagadora dos portugueses não está internada, ou tem consultas, exames ou intervenções cirúrgicas marcadas. Porém, será difícil encontrar quem seja indiferente ao que se passa em hospitais e centros de saúde, quer porque já os frequentou, quer porque tem familiares ou amigos que lá estão, estiveram ou têm de regressar, quer porque não ignora que há grandes probabilidades de, a qualquer momento, deles necessitar.

Não é muito nítida na consciência social a necessidade da Educação, cuja utilidade a generalidade das pessoas (e não poucos responsáveis) mede pela quantidade de diplomas. Disto decorre que os danos que as medidas induzidas pela histeria covidesca causaram ao ensino, ou melhor, à aprendizagem, não aflijam excessivamente os pais porque, baixando o nível de exigência escolar, é possível satisfazê-los.

Sucede que estes três sectores – Justiça, Saúde e Educação – estão volta e meia em greve, e esta vai num crescendo de frequência, acrimónia e irredutibilidade.

O PS, que governou em 21 dos últimos 28 anos, nunca se distinguiu pela inflexibilidade na satisfação de reivindicações; e pelo contrário não hesitou em “negociar”, que é o nome que se dá à cedência, mesmo que limitada, às reivindicações dos sindicatos, no caso do sector privado após os respectivos representantes anuírem (voluntariamente coagidos, se posso usar a expressão).

A isto se chama concórdia. E é sobretudo ela, e a consideração pelo interesse de pensionistas e reformados, que explica as vitórias pêessísticas.

Cabe portanto perguntar por que razão há tanta relutância do Governo em pôr-se de acordo com médicos, enfermeiros, oficiais de justiça e professores.

A resposta é simples: não há dinheiro. A dívida pública continua nominalmente a crescer e a falência socratiana enxertou no corpo ideológico do PS a ideia (acertada) de que os défices orçamentais (mais propriamente de execução orçamental, que os Orçamentos tornaram-se instrumentos de manipulação e fantasia) devem tender para zero, uma vitória póstuma de Salazar.

Ora, se foi possível diminuir horários de trabalho, aumentar o número de funcionários públicos e controlar o défice, o preço veio sob a forma de degradação dos serviços que o Estado oferece, por falta de investimento, não obstante a carga fiscal dar sinais, após sorrateiros e sucessivos crescimentos, de estar no limite, mesmo para estatistas de vária pinta.

Essa degradação não pode prosseguir, as queixas e resmungos já começam a erodir o saldo de confiança popular. E o Governo, não tendo outra ideia para o país que não sejam as cansadas receitas da chupice europeia, intervencionismos sortidos na economia privada (sempre promissores e sempre falhados) e “apostas” grandiloquentes nisto e naquilo, conta agora apenas com doses massivas de propaganda, benevolência da comunicação social, um bodo aos pobres e cedências às reivindicações mais perto das eleições, tudo e ainda o que a mestria de Costa nas cabriolas do Poder recomende para tirar um coelho da cartola.

Até onde a vista alcança, porém, ou aumenta uma regressão palpável no que o Estado vem oferecendo na qualidade dos serviços, ou se regressa aos défices, ou nas próximas eleições este Governo é despedido.

Se for, todavia, doses mais modestas das mesmas políticas não vão resolver o problema de fundo, que é o da ausência de crescimento, sem a qual o bolo para distribuir, com o número de velhos a aumentar e os novos a darem à sola, tende a diminuir. E como a criação de condições para sair do arrastar de pés implica, entre outras coisas, diminuir a dívida, há que travar o aumento da despesa,

Dizem alguns que o corte nos impostos induz crescimento. Concordo que sim, a prazo, mas o intervalo é grande e entretanto é preciso maneirar.

Dito de outro modo: ceder às reivindicações na medida das exigências não é um bom caminho; cortar nas despesas sim, desde que sem convulsões sociais (verdadeiras, não o berreiro de sindicatos e a fronda da boa gente de esquerda), ainda que as poupanças daí decorrentes não sejam exaltantes, salvo um esforço sério e nunca empreendido de extinguir serviços inúteis, ou prejudiciais, ou redundantes; e inverter o caminho da degradação dos serviços igualmente sim, na exacta medida em que com isso não se comprometa o sanear das contas públicas.

Não é provável que os servidores públicos aceitem apertar o cinto. E um novo governo, sendo por definição, se for novo, de direita, terá mais e não menos dificuldade em lidar com este complicado puzzle.

Daí que a solução óbvia (tão óbvia que até mesmo um governo do PS tenha porventura de a vir a encarar) seja rever as leis da greve, não para resolver qualquer problema de fundo mas para lhe podar as consequências. As greves assentam no pressuposto de que o direito respectivo se pode sobrepor a outros direitos, nomeadamente o à Saúde, ao Ensino e à Justiça, com a condição de haver serviços mínimos decididos em determinadas condições e que respeitem os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

Esses princípios são actualmente contemplados? Claramente não.

Admite-se que doentes (sobretudo pobres que não podem recorrer ao privado) vejam consultas, cirurgias e exames adiados porque, não correndo o risco de morrer de imediato, podem bem aguentar? Das duas uma: ou essas consultas, cirurgias e exames, não servem para nada; ou, se servem, então o doente vê, provavelmente, diminuir a sua esperança de vida, ou a continuação do seu sofrimento.

Admite-se que se assista pacificamente ao degradar da qualidade do ensino, que vai entupir o país, a prazo, de analfabetos licenciados? Ou acreditamos que o progresso tem necessariamente uma componente de educação ou não. Se acreditamos (e quase ninguém duvida) então é intolerável que uma geração inteira seja comprometida.

É razoável que todos os dias milhares de diligências nos tribunais sejam canceladas (ainda por cima em menu à lista, umas são adiadas, outras não, nuns dias serviços xis sim, noutros não), com danos para credores, devedores, pessoas e empresas que vêm a sua vida gratuitamente complicada e os seus negócios prejudicados? Ou achamos que o progresso material exige o funcionamento tempestivo da Justiça, a que todos têm direito, ou não.

De modo que urge uma clarificação. A ideia de que o direito à greve é universal contempla, no ordenamento jurídico actual, limitações, como os militares, juízes (quanto a estes segundo o melhor entendimento, o ponto não é, inacreditavelmente, completamente pacífico) e deputados, em cada um destes grupos por boas razões. Que não são as mesmas, obviamente, que as dos médicos, professores, enfermeiros e oficiais de Justiça.

Excepto pelo facto de todos serem pagos por dinheiros públicos e todos estarem ao serviço de funções do Estado que satisfazem direitos constitucionalmente garantidos.

Que os partidos de direita tenham paciência: os serviços mínimos não garantem nada; o seu silêncio é interesseiro e cego, traduz apenas uma cedência acéfala a uma bandeira que a esquerda quer impingir como um direito humano; e se precisamos de Forças Armadas que assegurem um módico de respeito para com o país, não precisamos menos de Saúde, Educação e Justiça e não simulacros mancos desses três bens.

* Publicado no Observador

Do direito à greve

Teresa Ribeiro, 27.06.22

Neste último fim-de-semana os trabalhadores do metro fizeram greve. Fosse um fim-de-semana qualquer e as "jornadas de luta" seriam agendadas para outras datas. Mas este era o último fim-de-semana do Rock in Rio, em que milhares de pessoas necessitariam do metro para se deslocar ao Parque da Bela Vista. Já na CP, os grevistas escolheram a noite de S.João para afectar o normal funcionamento dos comboios suburbanos do Porto. Claro que nada disto é novidade, constitui um padrão. Lembro-me de greves de transportes que ocorreram em cheio na quadra do Natal. Na aviação já se sabe que é no Verão que as "acções de luta" se concentram. Mas sendo certo que as greves do sector dos transportes nunca passam despercebidas, pois impactam, em qualquer circunstância, milhares de utentes, agendá-las de modo a lesar o maior número possível de pessoas tem algo de perverso. No limite, é abuso de poder.

A escola da minha terra

Paulo Sousa, 22.01.20

Como disse ontem, frequentei a Escola Secundária de Porto de Mós, aquela que continua cheia de amianto.

O autocarro deixava-me à porta da escola mais de uma hora antes das aulas. Depois disso ia fazer uma segunda volta para a serra a recolher mais alunos. A escola ainda estava fechada e os cafés mais perto da escola ficavam logo cheios. Haviam os grupos que se juntavam atrás do pavilhão 3 ou 4 e haviam os grupos que se juntavam no café A ou B. Eram como uma extensão do espaço escolar. No meu grupo do café todos fumavam menos eu. Confesso que tentei repetidamente travar sem tossir mas apesar de muito empenho nunca consegui. Felizmente era um grupo de mente aberta e apesar de fazerem piadas sobre isso nunca me excluíram por não fumar.

O Instituto Educativo do Juncal (IEJ) foi inaugurado pouco depois disto e desde há mais de 30 anos, foram muitas as centenas de alunos que deixaram de ter de acordar de noite para ir à escola.

Desde o primeiro momento o IEJ conseguiu, e graças à liderança do seu fundador Dr. João Martins, ter um ambiente caloroso onde se aprendia quase em família. Já se sabe que são os clientes satisfeitos que fazem a melhor publicidade e, ano após ano, a procura aumentava. O quadro pedagógico era estável e sintonizado com a identidade da escola.

Muito antes do Ministério de Educação inventar as AEC's para o primeiro ciclo já o IEJ proporcionava aos seus alunos actividades extra-curriculares como o Basquetebol, Futsal, Voleibol, Ténis, Ténis de Mesa, Ginástica, Atletismo, Xadrez, Ciências Experimentais, Pintura, Laboratório de Matemática, Jornalismo, Teatro, Cinema, Culinária (havia alunos que aprendiam a cozinhar!!), Canto Coral, Banda, Italiano, Programação, Horta Pedagógica, entre outros que me estarei a esquecer.

Quando começaram a ser comparadas as classificações dos alunos das várias escolas, o IEJ obteve desde logo uma boa classificação. Ano após ano, os critérios foram sendo afinados de acordo com a sensibilidade do Ministério de Educação, e a boa classificação inicial acabou por não se conseguir manter.

Claro que a procura crescente de alunos fazia concorrência à Escola Secundária do amianto. Os país dos alunos sabiam que as aulas dos seus filhos não eram perturbadas pelas frequentes greves dos professores. O alivio dos pais era simétrico ao desapontamento sentido pela Fenprof.

Alguns anos mais tarde houve quem quisesse comparar os custos por aluno nestas escolas com as demais e os resultados que obteve foram novamente perturbadores para a Fenprof e para os defensores do status quo público. E não é que este tipo de ensino tinha o atrevimento de custar menos ao OE do que a chamada escola pública?

Não sei relatar em detalhe, mas algum tempo mais tarde foram feitas mudanças nas carreiras dos professores de modo a que em pouco tempo o corpo docente passou a ser como os da escola pública, ou seja, mudava com frequência e isso criou, como acontece em todo o lado, instabilidade na escola.

No governo da Troika, ainda antes da Geringonça, o valor assumido pelo estado por cada aluno baixou significativamente o que teve impacto imediato no dia a dia da escola. Era mais fácil cortar ali do que na escola pública.

A narrativa contra os directores que iam de Porche para a escola foi lançada já no tempo da Geringonça, e bem sabemos qual é a última palavra dos Lusíadas. Nessa altura o incómodo acumulado desencadeou o pogrom.

Se em algumas regiões as escolas em contrato de associação eram demasiadas, todas levaram por tabela. Não eram necessários quaisquer estudos pois a decisão já estava tomada. E o resto já sabemos. Ano após ano deixaram de entrar novas turmas, foram acabados apenas os ciclos em curso e algumas já fecharam.

Não fosse ter-se transformado numa escola profissional e o IEJ teria seguido o mesmo caminho.

O meu filho foi aluno do IEJ e agora anda na escola pública. Nos primeiros dias após a mudança chegou a casa espantado dizendo que em cada pavilhão havia 3 funcionários... e na secretaria havia mais de 10!! Isso era impensável no IEJ, onde tudo funcionava com muito menos gente. Lembrei-me novamente disso quando já este ano lectivo ano houve uma greve a denunciar a falta de pessoal não docente.

Se o bom senso fosse para aqui chamado tudo isto seria diferente.

Sobre a greve pelo clima

Paulo Sousa, 01.10.19

Com a devida vénia a estes senhores que vinte anos depois continuam actuais. Souberem captar o espírito dos estudantes e das suas motivações. Reparem só na letra:

Escola boa, escola má
Quem está livre, livre está
Passará, não passará
E quem não passa fica cá

Ficam cá os radicais
Violentos marginais
Que se baldam às propinas
E às provas globais

E é uma fezada
A escola está fechada
Hoje há manifestação!
Aulas não! Aulas não!

E é p'ra palhaçada
A malta está animada
Pode vir a intervenção
Que nós estamos cá para...

Copiar o TPC,
Estudar livros de BD,
Decorar o pavilhão
P'ra festa da associação.

No pátio da C+S
Estudar nunca apetece
E no bar da faculdade
Vai-se o resto da vontade

E é uma fezada
A escola está fechada.
Hoje há manifestação
Aulas não! Aulas não!

E é p'ra palhaçada
A malta está animada
Pode vir a intervenção
Que entramos noutra dimensão

Bué da baldas
Bué da baldas
Bué da baldas

Bué da baldas
Bué da baldas
Bué da baldas

Muita falta, muito estrilho
Muito chumbo, que sarilho
Já mandaram os postais
Para a reunião de pais

Bué da baldas, muita nega
Bué da Mega Drive da Sega
Entrei noutra dimensão
Bué da faltas, aulas não

E é uma fezada
A escola está fechada
Hoje há manifestação
Aulas não! Aulas não!

E é p'ra palhaçada
A malta está animada
Pode vir a intervenção
Aulas é que não!

E é uma fezada
A escola está fechada
Hoje há manifestação
Aulas não! Aulas não!

E é p'ra palhaçada
A malta está animada
Pode vir a intervenção
E entramos noutra dimensão

Bué da baldas
Bué da baldas
Bué da baldas

Pra salvar o planeta
E às aulas baldar
Até escutamos a Greta
Ao Guterres ralhar

Foi de barco a bolinar
Veio de avião a planar
Para fuel poupar
E pró mundo não acabar

(modesta adenda em itálico deste fã dos Despe e SIga)

 

O "desvio de direita" do PCP

Pedro Correia, 20.08.19

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1

Esta é, de um ponto de vista do que se convencionou chamar "esquerda", a pior herança da Geringonça: a rendição dos comunistas aos socialistas.

Aquilo a que Álvaro Cunhal sempre denominou "desvio de direita". Chegando ao ponto de fazer expulsar dos órgãos dirigentes do partido - o Secretariado e a Comissão Política - honestos e valorosos militantes que defendiam teses menos aproximadas ao PS do que as hoje vigentes.

Nunca tive uma sensação tão forte de que o PCP está em derrocada - agora no campo sindical, após ter sido derrubado nos seus principais bastiões autárquicos - como no passado dia 15, quando ouvi Jerónimo de Sousa apontar o dedo acusador aos camionistas em greve por melhores salários e maiores direitos.

Disse ele:

«[Esta é] uma greve decretada por tempo indeterminado, com uma argumentação que instrumentaliza reais problemas e o descontentamento dos motoristas, cujos promotores não se importam de dar pretexto à limitação do direito à greve, como se está a verificar.»

 

2

O secretário-geral do PCP assume-se assim como fiel aliado do Governo no ataque a sindicalistas que reivindicam salários reais decentes, menos tempo de laboração fora do quadro legal previsto para o horário de trabalho e a justa adequação das remunerações que recebem aos descontos para a Autoridade Tributária e a Segurança Social.

Funcionando, na prática, como ponta-de-lança do Governo PS já na corrida rumo à tão ansiada maioria absoluta.

 

3

O líder comunista chegou ao ponto de insinuar que a culpa da inaceitável instrumentalização das forças armadas e das forças policiais contra os grevistas era... dos próprios grevistas

Chegou ao ponto de insinuar que a culpa do desvirtuamento do enquadramento legal dos "serviços mínimos", transformados neste caso afinal em serviços máximos, era... dos grevistas.

Chegou ao ponto de insinuar que o descarado abuso da lei que regulamenta os mecanismos da requisição civil era... dos camionistas em greve.

Que diferença em relação ao comportamento do PCP quando os socialistas estiveram anteriormente no Governo. Num documento que aprovou a 12 de Fevereiro de 2011 definindo as principais linhas de intervenção política do partido nessa recta final do Executivo Sócrates, o Comité Central comunista sublinhava: «As acções de luta realizadas recentemente, como são exemplo as greves e paralisações num conjunto de empresas no sector dos transportes e comunicações (Metro, Carris, Transtejo, Soflusa, CP, EMEF, CP-Carga, REFER, STCP, RBL), nos CTT, INCM, Município de Loures (...) constituem uma importante resposta à ofensiva desencadeada pelo Governo do PS.»

 

4

Nunca imaginei ver o PCP alinhado de forma tão despudorada com uma entidade patronal - neste caso, a ANTRAM - para defender o Governo que vem patrocinando há quatro legislaturas e o sindicalismo que lhe está subordinado.

Nunca imaginei ver em sucessivos debates televisivos o representante da CGTP para os transportes alinhado com os patrões contra os seus camaradas no exacto momento em que estes desenvolviam uma «acção de luta».

Nem supus alguma vez que a Fectrans - braço da CGTP para os transportes - assinasse acordos de capitulação com os patrões no preciso momento em que outros sindicatos do sector se encontravam em greve. Assumindo-se assim como uma central sindical "amarela" e "colaboracionista" - acusações que noutros tempos a própria CGTP fazia à UGT.

Não por acaso, todos os comentadores da chamada "direita" se apressaram a enaltecer a «atitude respnsável» do sindicalismo orgânico ligado umbilicalmente aos comunistas. Diz-me quem te elogia, dir-te-ei quem és.

Nestes dias ficou evidente, aos olhos dos portugueses, que o PCP é hoje um partido anti-revolucionário, reformista e conformista. Que não hesita em contemporizar com quem paga salários de miséria para favorecer os lucros milionários das petrolíferas, que não hesita em demarcar-se daqueles que reivindicam melhores condições de vida recorrendo a um instrumento legal e constitucional.

 

5

Conheço Jerónimo de Sousa e respeito o seu percurso.

Mas não consigo acompanhá-lo neste "desvio de direita" que ameaça descaracterizar de vez o PCP como partido que se afirma representante dos trabalhadores por conta de outrem.

Pelo contrário: a cúpula comunista tornou-se, por estes dias, cúmplice do maior atentado ao direito à greve ocorrido em Portugal desde a instauração do regime constitucional de 1976.

Há vinte anos, isto geraria um intenso debate interno no PCP - sei bem do que falo, pois acompanhei em pormenor a vida interna do partido enquanto jornalista. Que neste momento isto só ocorra em franjas marginais da estrutura partidária, com pequenos reflexos nas redes sociais, revela bem até que ponto o partido de Bento Gonçalves e Cunhal se tornou irrelevante. Não apenas no conjunto da sociedade portuguesa mas os olhos dos próprios militantes.

 

............................................................................................

 

Adenda: É inaceitável que o PCP continue a não ser escrutinado, como se impunha, pelo jornalismo político português. O mesmo que se intromete até na cama dos restantes partidos, se for preciso, mas se mantém respeitosamente do lado de fora da porta da sede central dos comunistas.

His master's voice de Agosto

Pedro Correia, 19.08.19

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«A greve [dos motoristas de veículos pesados e de materiais perigosos] é completamente injusta. (...) Não faz sentido.»

«O que é que as pessoas que estão a passar férias no Algarve têm a ver com esta greve? Absolutamente nada.»

«A requisição civil é perfeitamente justificada.»

«O Governo está a fazer aquilo que qualquer Governo deveria fazer.»

«Esta é uma situação em que qualquer Governo teria muita dificuldade em lidar de outra maneira que não seja esta.»

«Houve, deliberadamente, da parte dos sindicatos e dos trabalhadores, uma "greve de zelo" aos serviços [mínimos] que estavam a prestar.»

«Os sindicatos vieram dizer que não se devem utilizar as forças armadas. Então qual é a solução para tentar resolver isto?»

«O que está em causa não justifica a greve que está a colocar o País nesta situação.»

 

Nicolau Santos, presidente do Conselho de Administração da Lusa por nomeação governamental e "comentador político", aludindo à greve dos camionistas

SIC Notícias, 13 de Agosto

Notícias sobre coisa nenhuma

Pedro Correia, 11.08.19

Terceiro dia consecutivo a ver "directos" atrás de "directos" nos telediários cá do terrunho, com repórteres perorando sobre coisa nenhuma junto a postos de abastecimento de combustível literalmente às moscas. Enchendo chouriços, como se diz na gíria jornalística.

Esta manhã ouvi duas repórteres dizendo que lá onde estão «há hoje até menos gente do que é habitual». Azar para quem previa grande movimentação: as tão ansiadas corridas às gasolineiras não aconteceram.

Alguns pivôs televisivos - com ordenados superiores a um ministro - querem criar um clima de alarmismo nacional responsabilizando os motoristas de matérias perigosas,  em greve para conseguirem melhorar o miserável salário-base de 630 euros, que na melhor das hipóteses subirá apenas para 700 euros a partir de Janeiro de 2020. Mas - lamento muito - não estão a conseguir. E talvez ainda sejam forçados a pagar direitos autorais ao aposentado Artur Albarran, celebrizado pela trilogia «O drama, a tragédia, o horror».

Podem, no entanto, continuar a tentar. Assim, ao menos, acabam por encher o depósito noticioso. De chouriços.

Prós e Contras

José Meireles Graça, 08.08.19

O Governo está contra a greve dos motoristas de transporte de matérias perigosas e, com a extensão enorme dos serviços mínimos, esvaziou-a de impacto, excepto se os motoristas, por terem pouco a perder, decidirem teimar. Mas, mesmo que os motoristas tivessem a obstinação dos coletes amarelos franceses, têm a oposição da opinião pública – as pessoas apoiam calorosamente greves (sagrada conquista de Abril, ai os dereitos dos trabalhadores! e não sei quê) com a condição de não serem directamente lesadas, ou, se forem, desde que antecipem que a entidade patronal vai ceder rapidamente. Por isso não é provável que a greve, que não tem prazo, e se vier a tiver lugar, dure.

Os patrões, que até agora não cederam, porque não podem ou porque não querem (para apurar se é por uma razão ou outra era preciso conhecer a situação das empresas e, em detalhe, a negociação, mas os senhores jornalistas têm apenas tempo e recursos para tomar partido e emitir opiniões – investigar e contar histórias com princípio, meio e fim, isso não fazem), estão satisfeitos: objectivamente, a decisão governamental ajudou-os.

O senhor presidente da República farejou o ar e, tendo descoberto que a greve não é popular, aconselhou conselheiralmente a desistência. O pobre homem toma-se por líder da multidão que segue caninamente.

As centrais sindicais e patronais estão embaraçadas: estes grevistas de novo tipo escapam ao controle da CGTP e da UGT, e são portanto a negação dos méritos da concertação social, uma engenhoca que, há décadas, garante importância, e proveitos, a uma quantidade de gente que fala em nome dos patrões e dos trabalhadores. Por isso, os patrões estão contra, como lhes compete, e as centrais disfarçam mal que não podem com esta gente suspeita, em cujo nome fala um advogado que nem sequer é comunista, ao que se sabe. Na prática, estão contra.

As pessoas lúcidas sabem que o poder destes grevistas advém-lhes de ser necessária uma formação específica para o transporte de combustíveis, e que portanto a concorrência entre trabalhadores é diminuta, por haver obstáculos legais ao recrutamento. Claro que a formação é meia dúzia de tretas caras, e claro que a exigência de outro funcionário para fazer a trasfega do combustível não tem pés nem cabeça, mas chiu!, que a formação é o abre-te sésamo dos subsídios e o sustento de uma prodigiosa quantidade de inúteis, incluindo na Europa. Suceda o que suceder, na formação profissional ninguém toca: mais depressa se criarão subsídios para novos formandos.

Os partidos gostariam muito de passar despercebidos, que, francamente, não se percebe se a greve é de esquerda ou de direita, e ninguém tem a mínima ideia de quem tem razão, salvo talvez o PCP, porque está por dentro destas histórias, e o PS (ou, melhor, o Governo, por ser mediador). Na dúvida, o melhor é não afrontar a opinião pública, de mais a mais em período eleitoral.

Resta que basta imaginar o que seria uma greve destas no tempo de Passos Coelho, se o Governo reagisse do mesmo modo: o país vinha abaixo com tanta manifestação a favor da Constituição e dos direitos dos trabalhadores, nenhum governante faria uma visita a lado nenhum para descerrar uma placa sem se sujeitar a manifestações espontâneas de cidadãos vindos, de camioneta, de todo o país; o cineasta Vasconcelos, o professor Boaventura, frei Anacleto Louçã, e 400 intelectuais, decerto informariam a população atordoada que vinha aí o fascismo; e Pacheco Pereira, na Aula Magna, discursaria perante luzida assistência, incluindo os venerandos membros da Associação 25 de Abril, vituperando o descaminho do regime.

Esta cogitação, a mim, desperta-me alguma simpatia por estes homens (a propósito: não há mulheres? Convém apurar, que talvez ande também por aqui alguma causa que precise de feministas). E depois ouço que parte significativa dos salários, que na base me parecem modestos, é feita de gratificações várias, para evitar descontos – tudo me parece histórias mal contadas.

Pode bem ser que a greve, mesmo falhada, traga coisas boas: o país não precisa de centrais sindicais atreladas a partidos, nem da excrescência corporativa da concertação social, um equívoco em que nas costas dos interessados falsos representantes dos patrões negoceiam com falsos representantes dos trabalhadores; que o país fique refém de um pequeno grupo de trabalhadores, hoje este e amanhã outro qualquer, pode recomendar a necessária revisão da Lei da Greve; e que o sindicalismo, liberto das peias de um passado e de uma tradição marxistas, corresponda à simples liberdade de associação das pessoas para defenderem interesses comuns – tudo seria certamente um progresso.

Um governo fura-greves

Pedro Correia, 08.08.19

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A ver se a gente se entende: instituir 100% de "serviços mínimos" numa greve significa, na prática, anular a prática deste direito. Além de perverter as palavras. Cem por cento não é mínimo: é máximo.

Se o Governo considera que uma greve prejudica seriamente a economia nacional, tem sempre o recurso de ordenar a requisição civil dos grevistas: existe, desde logo, o histórico precedente criado em 1977, durante a vigência do I Governo Constitucional, quando Mário Soares determinou a requisição por quinze dias dos trabalhadores da TAP.

Distorcer o direito à greve, reduzindo-o a uma caricatura, é que não faz o menor sentido.

 

Tenho aliás verificado que este é o Governo que mais "narrativas" vem desenvolvendo contra movimentos grevistas, sobretudo no último ano. Foi assim com os professores, com os médicos, com os estivadores, com os enfermeiros - transformados em alvos preferenciais do Executivo no seu afã de se mostrar "centrista". Está a ser assim com os motoristas de matérias perigosas, em que se coloca declaradamente do lado da entidade patronal, em colisão aberta com os representantes dos trabalhadores.

Bastou ouvir o ministro Vieira da Silva na bem encenada conferência de imprensa de ontem, já como peça da campanha eleitoral que se avizinha. Segundo afirmou o titular da pasta do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, entre os motivos que levaram o Governo a decretar estes "serviços máximos" inclui-se o facto de a greve «pôr em causa a qualidade de vida das famílias portuguesas e aspectos essenciais da nossa economia». É curioso: nunca estes motivos foram invocados para travar as incontáveis greves nos sectores dos transportes urbanos e suburbanos - dualidade de critérios difícil de justificar. Além disso, tais considerandos inviabilizarão doravante a realização de qualquer greve geral no País - e recordo que já houve dez desde a entrada em vigor da Constituição de 1976.

 

Que tudo isto decorra sem o menor esboço de perplexidade por parte dos parceiros que apoiam o PS na actual solução governativa é algo que não deixa de me surpreender. BE e PCP calam e consentem. Num futuro nada distante, quando perceberem enfim que as restrições severas ao direito à greve se tornaram regra e não excepção em Portugal, já terão acordado tarde. E os protestos que então esboçarem serão sempre confrontados com o pesado silêncio destes dias.

Greves

José Meireles Graça, 01.08.19

Para as férias, a começar a 14 de Agosto, as autoridades do lar haviam planeado um périplo pelo Alentejo durante uns quantos dias e término na Meia Praia, em Lagos, um local abençoado onde se pode andar a pé umas horas enquanto se miram os concidadãos e os bifes estendidos ao sol sem resguardo, com o incompreensível propósito de adquirirem uma tez de lagosta cozida e, com azar, cancro na pele.

Quanto ao périplo, kaput. Que pode acontecer que as gasolineiras estejam fechadas, por causa da greve dos motoristas, e portanto é mais avisado ir por Zamora, Tordesilhas, Toledo, Mérida e o mais que se verá. Não é impossível que o problema se resolva até lá, mas nunca fiando.

Parece que quase metade dos portugueses não pode pagar uma semana de férias fora de casa, o que significa que mais de metade pode. E a metade privilegiada quer, e conseguirá se o Governo arranjar maneira de comprar a aquiescência dos sindicatos e o beneplácito dos patrões, que não lhe falte o gasóleo para o carrinho, um perigo que tem comovido o país.

Metade é muito. Muito mais do que os doentes e cidadãos que as greves dos médicos e enfermeiros, ou dos juízes, afectam. E isso explica o empenho e o nervoso das autoridades.

Um nervoso hipócrita e eleiçoeiro. Porque os veraneantes não merecem mais respeito do que os doentes ou os carentes de justiça. Assim não entende o ministro da Economia, que vem defender a revisão da Lei da Greve agora, coisa que nunca antes fez e só é possível comprando uma briga com comunistas e esquerdistas sortidos, os mesmos sem cujo apoio Siza não seria ministro (o que, aliás, seria um benefício quase tão grande como o de o ministério nem sequer existir com as atribuições que tem, mas não cabe aqui explicar).

Quanto à greve em si, não sei para que lado caio porque os senhores jornalistas estão do lado dos camionistas quando detestam o governo, poucos, ou do lado dos patrões porque o amam, muitos, mas não fornecem resposta a duas perguntas: i) As empresas de camionagem podem todas, ou sequer a maior parte, pagar o que lhes é exigido sem risco de falência? ii) Os patrões podem repercutir o aumento dos custos nos preços sem que isso beneficie seriamente a concorrência estrangeira, se existir, e as grandes empresas em detrimento das pequenas?

Depois, é uma tentação simpatizar com estes grevistas porque são de um modelo novo: não dependem do bolor da CGTP ou da UGT; fazem-se representar por um advogado com um discurso articulado, sem os bordões enjoativos da classe trabalhadora, do patronato e da exploração – quando usam as mesmas palavras é no sentido corrente e não marxista e fóssil; e são genuinamente teimosos, sem que se suspeite que sejam meros peões para o velho jogo do PCP de conseguir mais poderes, e vantagens, do que as que os votos lhe dão.

Já com as greves dos enfermeiros o sentimento era igual: são genuinamente combativos e, com razão ou sem ela, a exigência das funções casa mal com a pobreza dos vencimentos. E a perseguição à bastonária é simplesmente um asco: a acusação de “envolvimento em atividade sindical” poderia com igual propriedade aplicar-se à Ordem dos Médicos, cujos bastonários nunca hesitaram em defender sindicalmente os associados, ou à Associação Sindical dos Juízes Portugueses, cuja hipocrisia começa no nome capcioso para cobrir pudicamente um sindicato. (Que, pessoalmente, ache que a actividade sindical deveria estar vedada aos juízes, como está aos militares, e que as Ordens de criação recente nem sequer deveriam existir, não tira nem põe nada ao raciocínio – pertence a outra categoria de assuntos).

Os interesses dos grevistas opõem-se aos dos patrões, mas não devem opor-se com carácter universal aos da comunidade. E num conflito seria portanto desejável que apenas aqueles resultassem prejudicados, ainda que, por ser inevitável, também sejam causados danos a terceiros. Mas isto não é a mesma coisa que aceitar a ofensa de bens que só o Estado pode garantir, como é o caso da Saúde, da Segurança, da Justiça ou da livre circulação de pessoas e bens.

Isto quer dizer que a Lei da Greve precisa de ser revista, sim. Não no sentido de anular o direito à greve, de resto constitucionalmente protegido para trabalhadores por conta de outrem, nem no de o constranger de tal modo que o seu exercício resulte na prática impossível. Mas no de o casar melhor com interesses com pelo menos igual força.  Se isso significar a criação de desigualdades em direitos para trabalhadores que calhe estarem em sectores que afectem o conjunto da população, paciência. Não consta que os funcionários públicos, que jamais são despedidos por falência do empregador, sejam postos na rua por o desemprego aumentar no sector privado, o que significa que há esta, e inúmeras outras, diferenças de estatuto consoante o sector em que o acaso, ou a escolha, colocaram cada qual.

É que não é a mesma coisa um, ou dois, ou três, hospitais entrarem em greve ao mesmo tempo, e fazerem-no quase todos; uma, ou duas, ou três empresas de transporte de combustíveis e todas ou quase. E como quem decide do interesse público, em termos executivos, é o Governo, que é aliás também julgado por isso, precisa de ter meios legais ao seu alcance.

O ministro Siza (que, entretanto e previsivelmente, já se desdisse, metendo os pés pelas mãos como o homúnculo político que efectivamente é) esteve originalmente bem. E é decerto irónico que seja um responsável, ainda que menor, do PS a querer mexer nesta vaca sagrada do direito à greve. Não parece que vá suceder, claro, que no Rato têm um medo que se pelam ao berreiro dos comunistas e primos, para não falar dos esquerdistas sortidos que enxundiam o espaço da opinião, como Pacheco Pereira, Daniel Oliveira e outros vultos do asneirol.

Mas lá que pareceu, por um momento, que Deus estava a escrever direito por linhas tortas – pareceu.

E uma greve de chico-espertos?

João Pedro Pimenta, 14.12.18

Este ano a época natalícia confunde-se com a época grevista. Há dias, um noticiário começou falar das greves em curso e só aos vinte minutos é que mudou de assunto. Havia-as de enfermeiros, estivadores, guardas prisionais, oficiais de justiça, bombeiros, funcionários da RTP, transportes públicos (como não podia deixar de ser), etc, etc, etc. Para além desta vaga grevista toda ao mesmo tempo - depois da aprovação do Orçamento, note-se - reparei que a maior parte era às sextas e segundas-feiras, e nalguns casos em dias de ponte. Caros grevistas, bem sei que esse é um direito que lhes assiste, mesmo que que por vezes abusem dele. Mas logo nesses dias? Isso já ultrapassa largamente a falta de vergonha. Para quando uma greve ao chico-espertismo?

A greve boa e as greves más

Pedro Correia, 11.09.17

 

Ministro da Saúde avisa enfermeiros:

«Greve terá consequências disciplinares.»

 

Ministra da Justiça avisa magistrados:

«Não se começa uma negociação apontando para a bomba atómica.»

 

Secretária-geral adjunta do PS critica greve na Autoeuropa:

«Choca-me que não seja possível que os sindicatos possam dialogar com a comissão de trabalhadores e com a administração.»

 

Ministro dos Negócios Estrangeiros incentiva greve na PT:

«Se fosse trabalhador da PT também estava a fazer greve.»

 

À custa de todos nós

Pedro Correia, 26.06.15

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O Metropolitano de Lisboa está hoje todo o dia parado, devido a mais uma "greve dos trabalhadores". É a oitava que se realiza este ano, que ainda nem vai a meio - atingimos portanto uma média superior a mais de uma por mês.

Oito dias de greve, que paralisam este imprescindível serviço de transportes públicos da capital, porquê? Não por questões de carácter laboral: os funcionários do Metro têm um nível salarial muito acima da média nacional, regalias de que nenhum outro trabalhador dispõe, vínculos contratuais sólidos, estabilidade profissional e uma carreira bem definida.

O motivo destas greves é protestar contra a subconcessão do Metro a entidades privadas - uma decisão já assumida pelo Governo, com plena legitimidade, tanto mais que constava do seu programa eleitoral, sufragado em 2011.

Dizem os sindicatos do sector que as paralisações se destinam a "defender o serviço público". Mas, por amarga ironia, cada greve constitui um argumento suplementar contra a estatização dos transportes urbanos junto das centenas de milhares de portugueses que os utilizam. Porque são eles - em larga medida pertencentes aos segmentos mais desfavorecidos da população - os principais afectados por estas paralisações.

Direi mesmo mais: são os únicos. As direcções das empresas até beneficiam, pois poupam em custos de energia e pagamentos de salários. E o Governo vê o seu argumentário reforçado: nas empresas privadas de transportes não existem greves. Essas sim, defendem os desfavorecidos.

 

Só na Área Metropolitana de Lisboa, 43% dos residentes utiliza regularmente os transportes públicos. Mas, em vez de servirem a população, empresas como o Metro servem interesses políticos - em estreita convergência com o Partido Comunista, que encontra hoje no segmento dos transportes urbanos o seu principal reduto de apoio sindical. Hipocritamente, dizem defender os mais pobres enquanto lhes negam o direito constitucional ao transporte. Roubando-lhes dias que foram antecipadamente pagos no momento da aquisição dos passes sociais. Abusando da posição dominante, num arremedo de darwinismo social.

Hoje todos nós - e somos, só os utentes do Metro, quase meio milhão por dia - tivemos de inventar meios alternativos para nos deslocarmos rumo ao local de trabalho, ao centro de emprego ou ao centro de saúde. Sem carro ou sem gasolina para o pagar. Sem dinheiro para gastar em táxis. Com passes tornados inúteis pelo oitava vez em 2015.

 

Em 2014, as três empresas públicas de transportes que servem a capital (Metro, Transtejo e Carris) apresentaram um défice de natureza operacional superior a 110 milhões de euros - quantia paga pelo Orçamento do Estado, ou seja pelos contribuintes. Muitos deles pagam três vezes estes prejuízos: através dos impostos, dos títulos de transporte adquiridos por antecipação e dos meios alternativos que têm de inventar para deslocações nos dias como hoje.

Indiferente a tudo isto, a casta sindical já planeia novas paralisações. Aniquilando o transporte público enquanto proclama defendê-lo. À custa de todos nós.

As greves do metro na óptica do utilizador

Marta Spínola, 18.06.15

Agora que já passei por diversas greves de metro - há mais de dez anos que o utilizo diariamente -, desde as só até às dez às de 24 horas, de quando havia uma de vez em quando até às regulares, posso dizer com propriedade: façam greves para aí, já contorno de forma relativamente simples a questão.

Já sei que é um direito, que nem sempre se percebe para o que ou para quem são e isso nem importa muito porque, lá está, as pessoas têm direito e podem fazer greve.

Muito bem, mas para quem usa no dia a dia, para quem tem de chegar a algum lado e depende do metro para isso, não é imediata a solidariedade e a compreensão. Somos assim, pronto, não é por mal. Isto também é pouco relevante para os números da greve, deixem-nos ter este amor/ódio por elas e desabafar redes sociais e blogues fora.

Coisas que só acontecem em países do terceiro mundo na véspera de feriados e fins-de-semana

Sérgio de Almeida Correia, 01.04.14

 

Na semana passada foi a greve dos aeroportos alemães a anunciar o cancelamento de voos. Esta semana é a greve de 3 (três) dias dos pilotos  de uma organização chamada “Vereinigung Cockpit” (VC), ou seja, o sindicato respectivo. O resultado são só 3800 (três mil e oitocentos) voos cancelados. A razão da greve, que começa na quarta e terminará sexta-feira, de maneira a que o fim-de-semana seja de arromba, foi a falta de entendimento sobre uma questão tão "corriqueira", imagine-se, como aumentos salariais. E como se isso não bastasse para indispor os passageiros que optaram por viajar nessa companhia aérea, o número de chamadas telefónicas deu-lhes cabo do sistema. Como há dias se soube que os lucros ficaram aquém das expectativas, não havendo perspectiva de a curto prazo serem despedidos alguns dos seus 118.000 trabalhadores - uma ninharia - , dir-se-ia tratar-se de uma companhia aérea da Europa do sul.

Aos que em Portugal pugnam por mais alterações à lei da greve, e que em pleno século XXI ainda se queixam do defunto Conselho da Revolução, ficaria bem que agora dissessem uma palavra sobre o assunto. Quanto mais não fosse, por exemplo, para defenderem uma aproximação da lei da greve nacional, sei lá, à lei colombiana. Todos os que ficaram, e ficarão, em terra compreenderiam a oportunidade da intervenção. E a necessidade de se aumentar esses tesos dos pilotos alemães.