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Delito de Opinião

Grande Dicionário das Organizações e Tudo à Volta (2)

Rui Rocha, 10.12.14

Empreendedor: indíviduo inodoro, incolor, insípido, terno, saudável, fofinho e biodegradável que, em lugar de explorar um negócio com fins execravelmente lucrativos, concebe estratégias de inovação com o objectivo de promover o crescimento sustentável, o desenvolvimento da sociedade, o bem-estar da humanidade e a paz no mundo; ilumina-se com a simples menção do termo start-up; não confundir com empresário (bandido); não confundir com candidata a miss universo.

Grande Dicionário das Organizações e Tudo à Volta (1)

Rui Rocha, 09.12.14

Curriculum Vitae: descrição detalhada de um percurso laboral recheado de sucessos que, exposto à luz, revela nódoas e zonas cinzentas; antologia de grandes êxitos profissionais que se oferece a menos de metade do seu valor facial devido a uma diminuição persistente da procura.

 

Curriculum Vitae (desambiguação): obra de natureza puramente ficcional em que, a pretexto de uma candidatura a uma função profissional, um artista ainda não devidamente reconhecido pelo público dá asas à sua natureza eminentemente criativa.

Houaiss te pego

José Navarro de Andrade, 01.03.12

 

Acabei de ler através do site blogtailors, que recolhe a notícia no Correio da Manhã e no Diário Digital (tudo muito em rede, portanto) que o digníssimo (será este o tratamento protocolar?) procurador regional Cléber Eustáquio Neves (contém-te Zé, os nomes no Brasil são diferentes…) deu entrada no Ministério Público Federal de Uberlândia (MG) uma acção em que solicita a imediata retirada de circulação, venda e distribuição do Dicionário Houaiss.

Sendo eu possuidor de um exemplar em 7 tomos da referida obra, dei atenção à noticia, até por razões assaz egoístas e perversas, com vista ao lucro fácil, pois podia ser que os calhamaços se pudessem valorizar nos alfarrabistas.

De que se queixa o dr. Neves? Do verbete relativo a “ciganos” cujo §5 reza: “que ou aquele que trapaceia; velhaco, burlador” e §6: “que ou aquele que faz barganha, que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina.”

Após arrumar o tomo II "Bat-Cza", onde recolhi a citação supra, corri a verificar no tomo IV "Fre-Mer" se à apoquentação do dr. Neves não teria escapado o verbete relativo a “judeu” e “judiaria”, tendo constatado – e não vos maço mais com citações – que a ira dele poderia ir muito mais além, tendo matéria de sobra para reforçar a queixa de que o Houaiss colabora para “semear a intolerância étnica”. Será que o dr. Neves, ele próprio, sofre de preconceito, saindo em defesa dos ciganos mas negligenciando a proteção linguística dos hebreus?

Ora aqui está um caso chapado desta espécie de fascismo linguístico, que no seu puritanismo e nas suas certezas ideais, intende rasurar a utilização mundana da língua, em nome de uma adequação perfeita aos supinos conceitos que a deve informar. A minha avó, na sua profunda e rústica ignorância teológica, apodava-me de judeu cada vez que eu atirava pedras aos gatos, o que era, no dizer dela, cheia de piedade pelos felinos, uma "judiaria”. Para o procurador de Uberlândia este linguajar eticamente errado (digo eu hoje, ignorava ela, coitada, então), como não deveria ter existido, não deve ser cientificamente registado.

Pior do que o soneto do causídico é a emenda do Instituto Huaiss, que embora lá vá explicando que o dicionário deve ser o “espelho” das “ocorrências da fala”, acaba prostrando-se em desculpas e jurando que na próxima edição da obra tudo estará conforme.

Pobre avó, nunca disseste o que te ouvi dizer, e do teu desaparecido mundo rural não ficará uma vírgula que seja.