Acabei de ler através do site blogtailors, que recolhe a notícia no Correio da Manhã e no Diário Digital (tudo muito em rede, portanto) que o digníssimo (será este o tratamento protocolar?) procurador regional Cléber Eustáquio Neves (contém-te Zé, os nomes no Brasil são diferentes…) deu entrada no Ministério Público Federal de Uberlândia (MG) uma acção em que solicita a imediata retirada de circulação, venda e distribuição do Dicionário Houaiss.
Sendo eu possuidor de um exemplar em 7 tomos da referida obra, dei atenção à noticia, até por razões assaz egoístas e perversas, com vista ao lucro fácil, pois podia ser que os calhamaços se pudessem valorizar nos alfarrabistas.
De que se queixa o dr. Neves? Do verbete relativo a “ciganos” cujo §5 reza: “que ou aquele que trapaceia; velhaco, burlador” e §6: “que ou aquele que faz barganha, que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina.”
Após arrumar o tomo II "Bat-Cza", onde recolhi a citação supra, corri a verificar no tomo IV "Fre-Mer" se à apoquentação do dr. Neves não teria escapado o verbete relativo a “judeu” e “judiaria”, tendo constatado – e não vos maço mais com citações – que a ira dele poderia ir muito mais além, tendo matéria de sobra para reforçar a queixa de que o Houaiss colabora para “semear a intolerância étnica”. Será que o dr. Neves, ele próprio, sofre de preconceito, saindo em defesa dos ciganos mas negligenciando a proteção linguística dos hebreus?
Ora aqui está um caso chapado desta espécie de fascismo linguístico, que no seu puritanismo e nas suas certezas ideais, intende rasurar a utilização mundana da língua, em nome de uma adequação perfeita aos supinos conceitos que a deve informar. A minha avó, na sua profunda e rústica ignorância teológica, apodava-me de judeu cada vez que eu atirava pedras aos gatos, o que era, no dizer dela, cheia de piedade pelos felinos, uma "judiaria”. Para o procurador de Uberlândia este linguajar eticamente errado (digo eu hoje, ignorava ela, coitada, então), como não deveria ter existido, não deve ser cientificamente registado.
Pior do que o soneto do causídico é a emenda do Instituto Huaiss, que embora lá vá explicando que o dicionário deve ser o “espelho” das “ocorrências da fala”, acaba prostrando-se em desculpas e jurando que na próxima edição da obra tudo estará conforme.
Pobre avó, nunca disseste o que te ouvi dizer, e do teu desaparecido mundo rural não ficará uma vírgula que seja.