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Delito de Opinião

Os grafitos no Padrão dos Descobrimentos

jpt, 11.08.21

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Alguém foi-se ao Padrão dos Descobrimentos e escreveu uma qualquer tralha. Caiu "o Carmo e a Trindade". Gente "saiu à rua" (hoje em dia é "aos teclados") arrepenhando os cabelos, rasgando as vestes, acorrendo à honra pátria, a Câmara aprestou-se a limpar a ofensa aos ancestrais, a célere Polícia Judiciária pôs-se em campo e logo desvendou ser o crime uma agressão estrangeira, assim sossegando-nos por não se tratar de uma sempre temível traição.
 
Todo este disparate dá-me vontade de... também bramir. Desde há imensos anos que está Lisboa (e não só) carregada dos tais grafitos. Boçais e imundos. Dizeres estapafúrdios, desenhos indigentes, rabiscos, miríades de "bastos" de todos os tamanhos e posições. Toda essa tralha amadora e morcona de facto legitimada e potenciada pela consagração - pela academia, pelas instituições estatais, pelo "gosto informado", agora até pelos construtores civis - da "street art" (de facto, uma mera "street curio"), que nada mais é do que o piroso desta era - a patética Pasionaria da Graça, os "Pierrot com lágrima" a louvar os profissionais de saúde ditos a "linha da frente" contra o Covid, etc. No fundo, tudo isto seguindo a coberto pelo culto da "intervenção".
 
E agora todo este "ó da Guarda!", "Aqui-d'el-rei!"? Recordo que há uns tempos o jornal "Público" (claro) publicou um artigo de 4 universitários sitos em universidades americanas. Portugueses, brancos, de meia-idade, e de nome compósito. Defendiam a prática espontânea da "intervenção" "decolonial" sobre os monumentos. E desvalorizavam os críticos dessa festança como meros "homens, velhos, brancos e de certa classe social" [burgueses, entenda-se. Ou seja, os que tendem a assinar com nomes compósitos, para quem não perceba]. Alguém deu porrada nesse "paper curio"? Nada, que ninguém se vira a esta gente dos ademanes.
 
Enfim, vai um ror de disparates. E nisso lembrei-me de um texto que escrevi há sete anos quando encontrei uma "intervenção" "decolonial" no ex-libris colonial em Bruxelas. Para quem tiver paciência aqui deixo a ligação.

Ainda os Graffiti. A minha contribuição.

Ana Lima, 28.09.11

Isto de só ter tempo para os blogues tarde e a más horas é o que dá. Corro o risco de vir já um pouco fora de contexto (agora que a discussão está praticamente encerrada). Mas porque este é um tema que me interessa e sobre o qual já estudei algumas coisas pensei que poderia meter a minha colher.

 

Terão razão os dois “Luíses”. Cada um, dentro de uma perspectiva diferente. Eu concordo com o Luís Menezes Leitão em alguns aspectos e com o Luís M. Jorge noutros. E, ponto prévio, gosto, de uma forma geral, de graffiti.

 

Há quem considere as pinturas e gravuras rupestres a primeira forma de graffiti, confundindo-se, assim, com a primeira forma de arte. Mesmo não indo tão longe é unanimemente aceite que o graffiti se tornou fundamental na civilização romana uma vez que não havia parede que não fosse aproveitada para inscrever, a carvão (daí o nome), os protestos, as ordens, os acontecimentos públicos, aquilo que se queria dizer a alguém sem se denunciar a autoria. (Se se lembrarem da série “Roma” era assim que as paredes apareciam e os historiadores dizem que é um retrato fiel daquela altura). Ao longo dos séculos nunca deixou de se escrever e desenhar nas paredes. Passando para um tempo bem mais perto de nós, quando, em  Maio de 68, os muros serviram de suporte das mensagens era a transgressão que contava. Foi essa transgressão que levou muitos a adoptarem os muros e os comboios das cidades norte americanas, nos anos 60 e 70 do século passado, como as telas onde eram desenhadas imagens e mensagens de protesto, utilizando já não o carvão mas materiais mais recentes como eram as tintas em spray. Foi esse movimento que se estendeu a todo o mundo, tornando-se uma forma de arte urbana. O muro de Berlim foi durante anos estudado, os artistas mais emblemáticos (Jean-Michel Basquiat, por exemplo, ou mais recentemente Banksy) foram alvos de teses. Também os grandes museus do mundo fazem exposições de obras de graffiters. Em Portugal o Museu Efémero foi uma iniciativa interessante no Bairro Alto, em Lisboa. Ainda agora, de vez em quando, aparecem, naquele bairro, obras de artistas “consagrados” no meio.  E a exposição do ano passado, no museu do CCB, dos “Gémeos” brasileiros estava muito bem conseguida.

 

E os “Gémeos” trazem-me à actualidade. São eles os autores dos graffiti que a Câmara de Lisboa autorizou nos edifícios da Av. Fontes Pereira de Melo. Neste momento vale a pena dizer que a terminologia associada a esta arte urbana é imensa e que distingue vários tipos de inscricões e vários tipos de graffiters. Mas mesmo não falando dessa questão aqui, não se pode deixar de distinguir o que é a complexidade de um graffiti, de um conjunto sem nexo de tags, as malfadadas assinaturas, que aparecem na primeira fotografia do Luís Menezes Leitão (na R. Diário de Notícias, parece-me) e que são, normalmente, feitas apenas para marcar um território ou meramente com a intenção deliberada de sujar. (Em Portugal não se utiliza tanto mas no Brasil distingue-se completamente entre graffiti e pichação). Nem podemos pensar que qualquer parede poderá servir de suporte aos graffiti. Os “verdadeiros graffiters” normalmente seleccionam criteriosamente esses suportes.

 

Então o que podem ou devem fazer as câmaras? Não é por nunca terem pensado no assunto que ele não é resolvido. Algumas autarquias reprimem, pura e simplesmente o que, até agora, não se tem revelado eficaz. Os graffiters são transgressores e o risco de ser apanhado faz parte das condições de realização dos trabalhos. O principal debate está em saber se se deve dar um enquadramento legal, disponibilizando espaços onde os artistas possam desenhar com o compromisso de o fazerem apenas nesses locais. A Galeria de Arte Urbana, em Lisboa, ou as pinturas de viadutos e túneis no município de Oeiras são disso exemplo. Mas, dentro da comunidade de graffiters, muitas são as vozes que entendem que essa situação é uma subversão completa do espírito do graffiti que inclui sempre o elemento transgressor e que a sua institucionalização não faz qualquer sentido.

 

No Porto não sei se já foi feita alguma coisa neste âmbito mas em Lisboa optou-se por uma situação mista. Ao mesmo tempo que se põem à disposição espaços próprios (os painéis na Calçada da Glória, por exemplo), avançam-se acções de limpeza de fachadas.  Quem conhece o Bairro Alto sabe que, de há uns meses a esta parte, tem sido feita uma campanha de remoção de graffiti, limpeza e repintura de paredes que, em algumas ruas, tem feito uma enorme diferença. A ideia da autarquia era estender a acção a outros bairros. Mas o contrato com a empresa acabará e a fiscalização, que hoje em dia é diária e tem corrigido as situações que todas as manhãs surgem, não poderá ser feita eternamente. A fiscalização policial também existe mas, tal como em tantos outros casos, não é, nem nunca será, suficiente. Falou-se nas câmaras de vigilância que podiam ajudar a esse controle mas também não chegaram a ser instaladas. Os moradores estão satisfeitos com o esforço mas as verbas para o efeito são limitadas e para a câmara é um verdadeiro trabalho de Penélope. 

Isto ficava bem era sem o boneco (2).

Luís M. Jorge, 27.09.11

 

- Amigo Antunes, oubi dizer que aí em Lisboa podem dejenhar bonecos nos prédios. É berdade, carago? 

- Ó pá, não me fales nisso. É uma coisa horrivel, um nojo, um desrespeito infame pela propriedade privada. 

- Mas olha que o meu genro biu um numa abenida e gostôu-e!

- Vocês não têm destas porcarias aí em cima?

- Não, que o gáju não deixa.  Mas já temos metropolitano.

- Lá isso é verdade. 

- É berdade, pois. 

- Os meus parabéns. 

De facto, venha para Lisboa

Luís Menezes Leitão, 27.09.11

 

Não é necessário fazer nenhum apelo para que os grafiteiros venham para Lisboa, pois eles já cá estão há muitos anos. Há muito que sabemos que a Câmara de Lisboa é amiga dos grafiteiros. Não é amiga é do povo de Lisboa. É por isso que é isto que vemos em toda a Lisboa. Alguns graffitis podem ter alguns laivos artísticos, mas isso não justifica a utilização da propriedade alheia sem consentimento dos seus donos. A esmagadora maioria dos graffitis é pura e simplesmente horrível, gerando um ambiente degradado. Por mim, é Rui Rio que pode descer a Lisboa que faz cá muita falta.

Os graffitis nas nossas cidades.

Luís Menezes Leitão, 27.09.11

 

Rui Rio tem toda a razão. É absolutamente inaceitável que a propriedade alheia e o espaço público sejam constantemente vandalizados por graffitis que só servem para dar uma imagem degradada das nossas cidades a quem as visita. A incapacidade do Estado em reprimir estes actos de vandalismo é um sinal claro da decadência da sociedade em que vivemos. Para quando uma política de tolerância zero em relação aos graffitis?