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Delito de Opinião

A Antígona e o covid

Paulo Sousa, 26.07.20


Antígona condenada à morte por Creon,  Giuseppe Diotti

Há cerca de 2500 anos, Sófocles escreveu a Antígona.
Pelo que sei, esta foi apenas uma de sete outras representações teatrais que chegaram aos nossos dias. Muitas outras terão sido perdidas pela voracidade do esquecimento.
Esta obra relata a defesa apresentada por Antígona perante um coro de anciãos de Tebas, que representam a polis.
Depois de inúmeras maldições que lhe fulminaram a família, os seus irmãos, Etéocles e Polinices, combateram e morreram em lados opostos numa luta que levou o tirano Creonte ao poder.
O cadáver de Etéocles, por vontade do novo soberano, foi tratado de acordo com a justiça e a lei, sendo homenageado honrosamente e recolhido a um sepulcro.
Polinices, pelo contrário, seria deixado por enterrar. Seria um tesouro bem-vindo para as aves de rapina. Por ordens de Creonte os cidadãos ficaram impedidos de o lamentar e até o facto de o seu cadáver ter sido coberto com pó, fez o guarda que assegurava o cumprimento da sentença correr risco de vida .
A outra irmã deles, Ismena, teme a lei tirânica e tenta dissuadir Antígona dos seus planos.
Durante a representação diz Ismena:
- Sou incapaz de de actuar contra o poder da cidade.
E responde-lhe Antígona
- Eu por mim vou erguer um túmulo ao meu irmão tão querido.
- Ai desgraçada como temo por ti!
- Não temas por mim. Assegura a tua vida. (…) Mas deixa-me a mim e à minha loucura, a sofrer este mal terrível. Eu por mim, não creio que haja outro tão grande como morrer sem honra.

 

Não quero ser spoiler e não vou revelar o desenrolar do drama, até porque se trata de uma obra que se lê num dia. E merece ser lida.
Perante isto, perante a sabedoria dos clássicos, questiono-me sobre que causas na actualidade levariam um cidadão a ir contra a polis a ponto de arriscar a própria vida.
A tecnologia permitiu-nos alargar a duração da vida e a resposta ao “até quando vale a pena viver?” tem diversas formas. A polis vacila entre a defesa da eutanásia e a proibição do tabaco. No geral privilegia-se o prolongamento da vida, o que é um bom critério.
Mas questiono-me se, apenas porque é possível, é motivo suficiente para prolongar a vida?
A Covid trocou-nos a voltas em muitos detalhes do dia a dia e, entre outras coisas, colocou os anciãos da actualidade num isolamento que mais não é que um ensaio para o além.
As residências de idosos, especialmente neste tempo de pandemia, não são mais do que antecâmaras da casa velório.
Quantos dos nossos, que para lá estão emprateleirados, não trocavam três ou quatro meses mais de uma existência asséptica, com cortinas de acrílico, com cheiro a desinfectante e habitada por andróides de máscara e viseira, por uma dúzia de abraços sentidos, por um passeio à beira mar, por uma sardinhada ou uma matança do porco, a ouvir crianças aos gritos, com o sol a bater na testa, com os pássaros a cantar, com vinho tinto entornado na toalha da mesa, com uns bafos de cachimbo e, no final, com o esterno enxaguado por uma aguardente velha?
Já nem é de honra que falo, mas apenas de propósito.

PS:
O coro de anciãos de Tebas, do além, deixou um recado para os animalistas:
- Muitos prodígios há; porém nenhum maior do que o homem.

Quando Rodákino ofendeu Deméter - o mito que faltava

Paulo Sousa, 15.07.20

Há muitos muitos anos, no tempo em que os deuses gregos dividiam o seu tempo entre divinas companhias no Olimpo e os locais habitados pelos humanos, existiu um talentoso preparador de refeições chamado Rodákino.

A sua arte na elaboração de comida era de tal forma distinta que ele achava ser um desperdício cozinhar apenas para si próprio. Começou por isso a servir comida também para quem passava perto do seu casebre.

O seu talento começou a ser comentado nas redondezas e, com o tempo, o inseguro carreiro que levava os transeuntes até à sua mesa tornou-se num muito pisado caminho.

A satisfação e surpresa de todos quantos lá comiam era geral e Rodákino ruborescia com tantos elogios.

Um dia ao misturar ingredientes nunca antes experimentados criou algo que, se lhe desse a devida forma, podia parecer-se com um fruto. Começou por isso a ensaiar diferentes formas. Estava a ensaiar uma quase esférica, mas ainda não tinha chegado a algo que o satisfizesse, e estando já a imaginar qual seria o seu revestimento, pensou para si que nem Deméter, a deusa da fertilidade e das colheitas, filha de Cronos, irmã de Zeus, e mãe de Perséfone - a criadora das estações do ano - alguma vez conseguiria tal combinação.

Como é de todos sabido, os deuses gregos não ficavam indiferentes perante afrontas que lhe ferissem o orgulho, especialmente vindas de meros humanos. Por mais talentoso que Rodákino fosse nunca impunemente se poderia atrever a achar que a sua arte ultrapassava as capacidades divinas da própria Deméter.

Estava Rodákino a ultimar a sua obra-prima quando ouviu passos a pisar o caminho. Alguém bateu à porta. Uma senhora com ar distinto perguntou-lhe se tinha alguma coisa que se comesse.

Ele, querendo agradar a tão distinta senhora e mesmo ainda não tendo terminado a sua maravilha, não resistiu e disse:

- Prove esta minha novidade. Nem Deméter no Olimpo conseguia um prodígio destes!

Nesse momento a distinta senhora transfigurou-se e Rodákino entendeu que a sua imodéstia tinha ofendido a própria deusa.

No seu último instante na forma humana, o prendado experimentador insistiu que ela provasse o petisco. Ela, irada, transformou-o numa bola de madeira.

Ainda furiosa, e antes de regressar ao Olimpo, Deméter foi vencida pela curiosidade e acabou por provar algumas das muito imperfeitas esferas que ali estavam na mesa.

Quando as trincou ficou algum tempo sem conseguir dizer nada. Era de facto algo maravilhoso. Nem se preocupou que as suas vestes tivessem ficado tingidas pelo sumo que espirrou de algo que por sua vontade passaria a ser um fruto de pleno direito.

Em homenagem ao seu criador, que nesse momento era apenas uma bola de madeira, Deméter fez com que no centro de tal fruto existisse para sempre uma bola de madeira.

Ainda levou alguns dos restantes consigo para o Olimpo. Com receio de os perder, abraçou-os com tal vigor que se tornaram aveludados como aveludada era a pele de Deméter.

O fruto, esse, passaria a chamar-se rodákino (ροδάκινο), que em grego quer dizer pêssego.

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Grécia antiga (49)

Pedro Correia, 29.07.15

«Ulisses ainda não chegou a Ítaca, mas a verdade é que a dupla Tsipras e Varoufakis já conseguiu agitar as águas estagnadas da longa agonia europeia. Varoufakis - que tem um currículo científico que supera o conjunto dos sinais de pensamento publicados pelo conjunto dos seus colegas do Eurogrupo - tem surpreendido pela inteligência.»

Viriato Soromenho-Marques, no Diário de Notícias (5 de Fevereiro de 2015)

Grécia antiga (47)

Pedro Correia, 22.07.15

«Por cá, anda muita gente nervosa. Umas vezes explicam que o Syriza está a ceder em toda a linha. Outras que é irresponsável e está a atirar a Grécia para o buraco. Ninguém se dá ao trabalho de contestar a validade técnica e a justiça política das propostas dos gregos. (...) É agora que somos mesmo gregos.»

Daniel Oliveira, no Expresso (7 de Fevereiro de 2015)

Grécia antiga (46)

Pedro Correia, 21.07.15

«A eleição do Syriza na Grécia e o consequente processo negocial iniciado pelo governo grego com as instituições europeias deita por terra o mito do aluno disciplinado. Afinal, a Grécia, país periférico do sul da Europa, resgata para si o direito à sua cátedra, cuja origem da palavra significa cadeira, assento. Face a isto, o governo português reage como o aluno que faz queixinhas ao professor.»

Renato Miguel do Carmo, no Diário Económico (5 de Março de 2015)

Grécia antiga (43)

Pedro Correia, 16.07.15

«Temos já duas boas notícias: o acordo de governo com o Anel e a nomeação de Yanis Varoufakis como Ministro das Finanças. Sobre esta segunda notícia, a escolha parece-me incontroversa. Varoufakis tem sido um incansável e qualificado defensor da restruturação da dívida e o homem certo para conduzir o que será um processo dificílimo, do ponto de vista técnico e político.»

José Gusmão, no Ladrões de Bicicletas (26 de Janeiro de 2015)

Grécia antiga (40)

Pedro Correia, 10.07.15

«A desigualdade não surge por acaso; torna-se uma determinação política. Como não reagir a este gritante retrocesso civilizacional? Diversas instituições internacionais humanitárias têm alertado, mas por ora, na Europa, o Syriza é a única voz política legitimada pelo voto democrático que trava esta batalha na União Europeia. Atrás dele virão mais, este é um movimento amplo, com diferentes nomes, em vários países, uns mais consistentes que outros, mas estou certa que imparável e que necessariamente terá o mérito de recuperar valores da esfera socialista adormecidos.»

Gabriela Canavilhas, no Diário Económico (18 de Fevereiro de 2015)

Grécia antiga (37)

Pedro Correia, 03.07.15

«Há a esperança de [o Syrizia] devolver a largos sectores sociais da Grécia o reconhecimento da sua dignidade essencial. Volto a lembrar: a doutora Manuela Ferreira Leite falou disso há bocadinho e falou muito bem. É exactamente isso: é resgatar a dignidade de grande parte [da população grega].»

José Manuel Pureza, na TVI (29 de Janeiro de 2015)

Grécia antiga (36)

Pedro Correia, 02.07.15

«A Grécia renasceu hoje. O medo falou e perdeu. Ganhou a democracia. Ganhou a esperança. A Grécia mostra hoje o caminho que pode ser de todos: deter a austeridade, renegociar a dívida, garantir a saúde, a educação, as pensões e o emprego, desenvolver. Esse é o programa comum de recuperação da esperança.»

José Castro Caldas, no Facebook (25 de Janeiro de 2015)

Grécia antiga (33)

Pedro Correia, 29.06.15

«Há dois aspectos essenciais que os novos governantes gregos - de que, tenho a certeza, vou discordar muito no futuro - trouxeram e que eram e são essenciais: o declarar alto e em bom som que o caminho seguido vai destruir a sua comunidade - e o resto das europeias e a própria ideia da União Europeia, digo eu - e o de porem a discussão no único plano possível, o da política.»

Pedro Marques Lopes, no Diário de Notícias (8 de Fevereiro de 2015)