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Delito de Opinião

Misoginia comunista e socialista

Pedro Correia, 12.06.25

Oiço gente próxima do PS e do PCP criticar o novo Governo por ter «menos mulheres em pastas ministeriais». Curiosas, estas críticas. Vindas de militantes ou simpatizantes de dois partidos que nunca tiveram lideranças femininas.

Vale a pena lembrar que o PCP existe há 104 anos e o PS já tem 52 anos. Tempo mais do que suficiente, em qualquer dos casos, para se aliviarem da ganga misógina que continua a dominá-los.

Velho Governo*

José Meireles Graça, 07.06.25

Vai, como é natural, grande curiosidade sobre o novo Governo. Há alguma comoção sobre umas mudanças que não têm qualquer relevo, e uma para a qual vale a pena olhar.

As primeiras:

A Economia (o nome do ministério que se ocupa da torrefacção dos fundos europeus, em tempos fazendo parte, como devia, da pasta das Finanças) fica associado à Coesão Territorial. Esta tem um pretensioso e amplíssimo escopo – tutela a execução das políticas públicas respeitantes à gestão territorial. O que, na parte em que quer dizer alguma coisa, bem podia estar na Administração Interna.

Os fundos europeus são um veneno que enxundia a economia: financiam a concorrência desleal, potenciam a corrupção, facilitam a assunção de riscos empresariais insanos, alimentam agências caras e improdutivas, falseiam a liberdade de empreender, impedem a reforma do Estado porque o subsidiam e instalaram a ideia que está ao alcance de políticos e funcionários decidirem que empresas e que sectores têm e não têm futuro. Gerou-se a convicção de que, sem fundos, o país não pode crescer e que, com eles, convergirá com a “Europa”, que aliás qualquer dia também precisará de fundos para convergir com os EUA e a China. Ideia daninha, que os factos não confirmam, mas perene.

Porém, é impossível acabar com a subsidiação porque demasiada gente depende dela e dos poderes que confere, a começar por políticos da nebulosa europeia, departamentos bruxelenses, agências nacionais e sobretudo políticos domésticos, que com a famosa coesão garantem o poder da munificência e um módico de crescimento com dinheiro dado.

Impossível acabar, até porque o desmame seria doloroso. Mas deveria ser possível eliminar todo o financiamento a investimentos privados, fechar todas as agências com esse propósito, suprimir qualquer apoio à actividade ou despesas correntes do Estado, e canalizar todos os recursos da variedade mão-beijada do contribuinte europeu para investimentos públicos reprodutivos. Conduzidos pelo Estado (que, neste sentido, é uma abstracção, do que estamos a falar é de pessoas que decidem o que o Estado faz) é claro que as tolices seriam legião. Menos danosa todavia que o que temos tido. O progresso das empresas faz-se com Justiça eficaz, impostagem não predatória e simples, instituto falimentar rápido, eliminação da miríade de obstáculos grandes e pequenos à actividade económica, particularmente licenciamentos, e muitas outras coisas. Com subsídios? Não.

A Cultura deixa de ser ministério e passa para o da Juventude e Desporto. É uma mudança cómica porque a própria juventude não precisava mais de uma pasta que a terceira idade. E, já agora, também a meia-idade, desde logo com os problemas da menopausa e da andropausa, deveria ser objecto de atenção – no mínimo duas direcções-gerais.

Que seja ministério ou secretaria de Estado não releva. Será sempre um organismo que cuida muito dos vivos (isto é, directores disto e daquilo, artistas, criadores) e pouco do património edificado, museus, acervos, bibliotecas, etc. – tudo coisas que não berram a reclamar apoios nem escrevem nos jornais.

De modo que até aqui é lana-caprina, isto é, mais do mesmo.

Sobra uma dúvida: Vai ser um governo reformista ou não?

Foi criado um novo ministério, o da Reforma do Estado. Bom sinal, reconhece-se que o Estado precisa de ser reformado. Já tinha havido um ministério da Reforma Administrativa, em 1978 e 1981, que deixaram memória de coisa nenhuma, e houve várias secretarias de Estado com o mesmo propósito, esquecidas todas pela sua irrelevância.

Também há, desde 2006, o Simplex, agora mais discreto mas que nos tempos de Costa foi trombeteado como o abre-te Sésamo do Estado práfrentex, aberto, transparente e eficiente.

Sabe-se no que deu: um maná para empresas de software porque se deixou muitas vezes de ir aos balcões praticar a inutilidade que obriga as pessoas a lá irem, a qual se transplantou, via internet, para os sites dos vários serviços. Sites que, não poucas vezes, são um nó-cego desesperante porque em vez de serem, como deviam, testados por ignorantes, são-no por informáticos ou funcionários incapazes de calçar os sapatos do cidadão que não conhece os escaninhos da casa. E que ainda trouxeram essa coisa extraordinária de serem os próprios serviços a decidirem pela internet quem e quando atendem presencialmente.

Se alguém se desse ao trabalho de coligir as provas do crescimento de exigências burocráticas, declarativas ou outras, de dificuldades de licenciamento, e de multiplicação de taxas, por exemplo, descobriria que por baixo do verniz do simplex está um Estado obeso que não para de requerer mais alimento.

Vai reformar a Justiça, é, fazendo com que seja célere? E o ministro da Justiça faz o quê? Reforma os palácios, que alguns até metem água? Mas que faz então o das Infraestruturas? E vai aligeirar as exigências para licenciamentos de obras pelas câmaras municipais? Ah bom, não sei o que pensa disso o da Coesão Territorial, que superintende a Administração Local, cujo Secretário tem um medo que se pela do poder dos municípios. E na fiscalidade, vai simplificar, acabar com os poderes e abusos demenciais da AT? Eh lá, o SEAF deve ter duas ou três coisas a dizer sobre isso. Duas: Não; era o que faltava. A terceira: Talvez, mas de momento estamos assoberbados.

E é tudo assim. A reforma do Estado é transversal: ou o Governo todo está imbuído do espírito reformista (ou seja, diminuição do peso do Estado, dinamitação de legislação intrusiva, emagrecimento violento do dirigismo económico e um longo etc.) ou não.

Reformar é ferir interesses, mesmo que se arranjem expedientes (como é devido) para recolocar funcionários sobre os quais caia o machado da extinção de “serviços”. E é claro que o clamor será imenso. 

O cidadão escolhido para a função parece para ela bem-talhado, não é impossível que faça algum trabalho de préstimo. Mas no essencial?

Enganei-me no passado mais vezes do que gostaria e, é claro, como qualquer cidadão temente a Deus arrependo-me. Desta vez também apreciaria vir a arrepender-me. Não me parece.

* Publicado no Observador

O melão vinha aberto

Sérgio de Almeida Correia, 05.06.25

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E eis que ontem chegou o XXV Governo Constitucional liderado por Luís Montenegro.

Poderia ter sido, verdadeiramente, um novo executivo. A final saiu-nos mais uma remodelação. Uma espécie de melão encetado e com partes tocadas. Há, contudo, aspectos, uns mais  positivos do que outros, que importa salientar. As talhadas do melão não são todas iguais e a exposição ao sol não foi equilibrada. Ainda assim olhemos para ele.

Se a saída de Pedro Duarte era uma verdade anunciada, e a de Pedro Reis inesperada, embora possam vir a dar mais pela sua falta na hora dos croquetes, já a continuidade de Castro Almeida, Pinto Luz e Ana Paula Martins poderá revelar-se a curto e médio prazo um imbróglio de difícil resolução, se não der escandaleira.

Castro Almeida, após um ano atribulado, em que se viu envolvido em várias, evitáveis, polémicas e decisões discutíveis a propósito da Lei dos Solos, e com um secretário de Estado forçado a demitir-se por más razões, vê os seus poderes reforçados com a atribuição da Economia. Não me parece boa opção a junção desta pasta com a da Coesão Territorial. Pela sua dimensão, peso político, atenção constante e esforço exigido. Ou o ministro se rodeia de secretários tecnicamente capazes e para valer ou acabará enredado em palpos-de-aranha.

Pinto Luz mantém uma área decisiva e da qual muito se espera e exige. A sua postura e perfil, proximidade aos lobbies e quantidade de "tachos" que estão em lume brando, e que tanto podem entrar em ebulição dentro de semanas como de meses, dependendo das agendas do Palácio Palmela, aconselhariam a sua substituição numa perspectiva prudencial. Montenegro pensou de maneira diferente. As fidelidades e dependências partidárias contam muito, embora me continue a parecer que o escolhido não tem perfil, nem técnico nem político, para o lugar, não oferecendo segurança a ninguém. Nem ao seu partido.

Quanto a Ana Paula Martins só entendo a sua permanência, perante o desastre que tem sido a sua actuação, com a impossibilidade de encontrar alguém com currículo, competência e suficientemente louco disponível para substituí-la. A sua continuidade na Saúde não encontra outra explicação na equipa de um primeiro-ministro que quando era oposição dizia à boca cheia que todos os problemas nesta área eram culpa da má gestão dos governos socialistas. Tem-se visto e vai-se continuar a ver a má, a péssima e a gestão desastrada da escolhida.

A lógica para a permanência de Paulo Rangel, Miranda Sarmento, Leitão Amaro, Nuno Melo, Rita Júdice, Fernando Alexandre, Maria do Rosário Palma Ramalho e José Manuel Fernandes é perfeitamente aceitável na perspectiva de quem dirige, cumpre um programa anteriormente delineado, e também na de quem assumiu funções em 2024 para uma legislatura de quatro anos. Isso dar-lhes-á oportunidade de prosseguirem o que iniciaram e no final apresentarem os resultados que foram capazes de alcançar.

A continuidade e reforço do papel de Margarida Balseiro, mais uma carreirista vinda da JSD, é uma má notícia. Não acrescenta nada, não constitui mais-valia em circunstância alguma. Se não tinha nada que a recomendasse como ministra, a não ser com a pasta do megafone e da propaganda, será ainda mais difícil vê-la a substituir Dalida Rodrigues na Cultura. É mais ou menos como a diferença entre ter alguém que completa em dois tempos um cartão do bingo e substitui-la por quem tem dificuldade em fazer uma linha por não saber colocar os feijões nas casas à medida que as bolas saem.    

Realço aqui a entrada de Gonçalo Saraiva Matias. Parece-me uma excelente escolha – como todas deveriam ser – pela preparação académica e experiência profissional, pelos conhecimentos, pela inteligência, por não depender do partido para nada e estar a fazer um trabalho muito meritório na Fundação Francisco Manuel dos Santos. O cargo que vai ocupar tem outro grau de exigência e só espero, para sorte nossa, que consiga sair-se bem deste novo desafio, esperando que desta vez não dure apenas três semanas.

Outra boa notícia é a entrada de Maria Lúcia Amaral. Mulher com currículo inatacável, competente onde elas faltam, jurista de mérito, sensata, e que sabe distinguir o interesse público de todos os outros que à volta deste gravitam, intelectualmente séria sob qualquer prisma de avaliação. Uma óptima escolha, uma boa surpresa, que espero não nos desiluda nas funções que vai abraçar e independentemente das posições que pontualmente possa defender em relação a algumas matérias, como aconteceu na questão da eutanásia. Montenegro pode e deverá ouvi-la, espero que com frequência, pois que com esta sua ministra só terá a aprender.

Nota final para a promoção do portista Carlos Abreu Amorim para o lugar de Pedro Duarte. Goste-se ou não do homem, do seu estilo, e por vezes da sua casmurrice e partidarite, se quiser e tiver bom senso para evitar asneirar e controlar os excessos, próprios e de alguns com quem terá de lidar, poderá fazer um bom papel.

Esperemos agora pelos secretários de Estado. E daqui a uns tempos voltaremos a falar.

Vêm aí tempos muito difíceis. Seria bom que se arranjasse um presuntinho simpático para acompanhar as talhadas que se aproveitarem.

Até lá, desejo-lhes boa sorte.

Os dados estão lançados

Sérgio de Almeida Correia, 11.03.25

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Salvo qualquer surpresa de última hora, será hoje votada na Assembleia da República a “Moção de Confiança”, apresentada pelo XXIV Governo Constitucional, liderado por Luís Montenegro, depois de aprovada na reunião do conselho de ministros de 6 de Março p.p..

Os pressupostos dessa moção são muito discutíveis, havendo uma falsa premissa e um objectivo que se reconduzem ao mesmo e que não se verificaram antes, nem jamais ocorrerão no futuro com o actual primeiro-ministro e o seu governo: é falso que tivesse sido conquistada a estabilidade política, que esta tivesse sido colocada em causa, e que, no futuro, se a moção não for chumbada, o Governo passe a ter “estabilidade política efe[c]tiva (...) para que possa prosseguir a execução do seu programa de transformação do País”. Ademais, é absolutamente falso que seja apresentada com “pleno sentido de responsabilidade e exclusivo foco no interesse nacional”.

Nem o Governo teve estabilidade política desde que tomou posse – quer pelo magro resultado obtido pelo PSD nas eleições do ano passado, quer pelas próprias circunstâncias em que este Governo foi investido e conseguiu fazer passar o seu programa na Assembleia da República, quer ainda pela sua instabilidade interna, só não tendo caído já porque o PS deixou passar o orçamento e se absteve na votação de duas moções de censura –, nem será pelo facto desta moção, eventualmente, poder passar com a abstenção do PS, se entretanto o primeiro-ministro não tiver o bom senso de retirá-la, que este Governo terá estabilidade política no futuro.

Enquanto Luís Montenegro não der de uma vez e sem rodeios as explicações que há muito devia ter dado, de forma séria e credível, coisa que até hoje não aconteceu, este Governo estará sempre à beira do precipício. Por culpa própria, erros evitáveis e a mais absoluta inépcia política.   

A apresentação da moção de confiança corresponde apenas a uma vontade conjuntural inequívoca do líder do PSD de fazer cair o Governo. Convencido como está, mais a sua equipa de spin doctors, que há dias se desdobrou em cinco canais televisivos para se ir contradizendo em directo, de que em futuras eleições poderá reeditar a maioria absoluta alcançada pelo PSD de Cavaco Silva nas distantes eleições de 19 de Julho de 1987.

Não estou convencido que o consiga. As condições actuais são bastante diferentes das vividas naquele tempo. Ainda porque há uma grande diferença de formação, carácter e personalidade entre os líderes e as suas equipas. Basta pensar que este PSD é dirigido por uma espécie de Three Stooges, correspondendo Montenegro, Hugo Soares e Leitão Amaro, na perfeição, aos famosos Moe, Larry, e Curley, tal é a falta de jeito e de preparação que exibem para gerir a coisa pública e de que têm dado abundante mostra.

Nenhum dos objectivos teorizados sobre o significado político de uma moção de confiança – a Constituição fala em voto de confiança no art.º 193.º, mas como salientam Canotilho e Vital Moreira “a sua disciplina reconduz-se, nos termos constitucionais e regimentais, à categoria de moção”, constante dos art.ºs 163.º, alínea e) e 195.º, n.º 1, alínea c) – será cumprido com esta iniciativa: (i) não existe uma maioria parlamentar de suporte do Governo que possa renovar o apoio à sua actuação, (ii) não subsiste nenhuma maioria parlamentar de apoio e, se o PS se abstiver, (iii) não será possível “provocar o reconhecimento formal da falta de condições de governo”, para com isso desencadear um novo rearranjo governamental nos quadros existentes da AR.

Este último inviabilizado pela antecipação do PR em anunciar ao país, antes mesmo da apresentação da moção, de qualquer votação e de reunir o Conselho de Estado, a dissolução do parlamento e a convocação de futuras eleições. Marcelo Rebelo de Sousa nunca escondeu a sua aversão a Montenegro e, quer-se queira quer não, foram os tais comportamentos e uma “mentalidade rural” que nos colocaram neste impasse.

Sobre o que nos trouxe até aqui não têm faltado opinadores. E como sobre o essencial já me pronunciei, não vou perder mais tempo com esse rosário. Preocupar-me-ei sim em aqui equacionar os cenários possíveis e o que nos pode esperar.

Admitindo, por um bambúrrio que me escapa, que o PS abster-se-á, a moção de confiança passará e o Governo sobreviverá, nem por isso deixaremos de ter um primeiro-ministro a prazo e com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça. O PS avisou que com ou sem eleições haverá sempre Comissão Parlamentar de Inquérito. As eleições autárquicas não constituem futuro seguro de vida, as presidenciais também não – mais a mais com o ultra desacreditado Marques Mendes – e o chumbo de um futuro orçamento é mais do que garantido. Se a moção passar e o Governo não cair hoje, cairá mais tarde, e entraremos em 2026 com a mesma instabilidade, com um governo de duodécimos e um novo PR sem saber muito bem como gerir uma crise que permanecerá.

Se o Governo vir hoje “chumbado” o voto de confiança, a incerteza também continuará.

Para lá do que as sondagens que começaram a surgir possam indicar, parece-me claro que só por milagre é que eleições em 11 ou 18 de Maio nos trarão qualquer clarificação.

O PSD sairá sempre penalizado. Em que medida ninguém sabe. O PS, com este líder, e com os tiros que começou a disparar para o ar a propósito das presidenciais, não oferece segurança e confiança ao eleitorado. Uma vitória em próximas eleições terá sempre uma dimensão equivalente à vitória do PSD de Montenegro em 2024.

O impasse estará garantido. Com um BE em queda vertiginosa, depois de se conhecer a sua faceta patronal e senhorial, enredado em despedimentos, amamentadoras e rentabilizações imobiliárias do seu património; com um PCP que sobrevive nas catacumbas do Muro de Berlim e que, imagine-se, afinal também paga sem declarar e despede como qualquer outro patrão manhoso, não há alternativas credíveis, capazes e com perspectivas de crescimento e mobilização à esquerda.

À direita o quadro é ainda mais tenebroso. O CDS é um defunto que está há anos em câmara ardente. O prestígio e capacidade de liderança política do seu líder e actual ministro da Defesa estão bem espelhados na imagem que nos dias que correm nos chega da Marinha: depois de uma gloriosa missão no Árctico (!), afundou-se um navio-escola que estava atracado numa doca, sem sequer sair para o mar, e os dois únicos submarinos estão inoperacionais. Nem na guerra do Solnado se conseguiria melhor às portas de uma campanha eleitoral.

Quanto ao Chega tenta fazer pela vida. Ventura corre desaustinado atrás dos votos despachados nas malas do deputado Arruda, nas confissões e evidências de abusos sexuais sobre menores de alguns da sua pandilha, mais os insultos parlamentares a uma deputada invisual e os apartes boçais dos muitos labregos da sua bancada, revelando a falta de preparação para o trabalho parlamentar no primeiro relatório que lhes coube elaborar e a ausência de quadros sérios e capazes, num sem-número de situações a que o bombeiro André não se cansa de acudir e que fica ainda mais perturbado pelo cenário de eleições legislativas antecipadas em ano de autárquicas e depois de apregoada a sua candidatura presidencial.

O partido de Rui Rocha, Iniciativa Liberal, embora abalado pelo caso das falsificações de um antigo dirigente, ainda parece ser o único onde se consegue pensar e equacionar cenários, mantendo alguma compostura, como ao revelar que votará favoravelmente a moção de confiança, sempre insuficiente quando tarda em ver crescer a sua base de apoio – culpa dos dirigentes – e a sua mensagem continua a mostrar muitas dificuldades de assimilação por um eleitorado que desconfia da errância que vai de um discurso mais sério do líder às mensagens trauliteiras de alguns deputados e aos saltinhos histéricos de apoio ao palhaço argentino Milei.

Correndo o risco de errar, tanto mais que de vidente ou cartomante não tenho nada, apostaria que assistiremos a mais uma subida da abstenção nas legislativas que se avizinham, que retirará ainda mais legitimidade ao regime e aos partidos que o sustentam, e que só poderá vir a ser contrariada nas presidenciais.

Qualquer que seja o resultado da votação da moção de confiança, teremos de continuar com estes figurões durante mais uns tempos, não havendo a mínima esperança, à falta de alternativa, de nos livrarmos destes ou dos que anseiam desesperadamente substituí-los na gestão do pote.

Sem uma revolução nos partidos, sem que estes se libertem dos seus emplastros, destes “avençados” do regime, e sem verdadeiras reformas do sistema eleitoral e do sistema de partidos, não haverá democracia que resista.  

Belém poderia fazer toda a diferença. Infelizmente, o friso de tocadores de berimbau, cartomantes e tudólogos que se posiciona só vai garantir mais chinfrim.

Depois desta última experiência marcelista, tornou-se clarinho que é muito mais fácil colocar em Belém um D. Sebastião do que encontrar no universo dos partidos um primeiro-ministro decente. Bastava haver um, um que fosse, com o bom senso, a seriedade, o equilíbrio, o distanciamento, a ética, e a preparação política e intelectual de um Guilherme de Oliveira Martins ou de um Correia de Campos, para só referir dois nomes, para nos safarmos.

Mas não. O que se afigura é um corso carnavalesco liderado por um almirante que traz consigo um manual e roteiro político à Borda d’Água, onde encontra, pelo que se leu no Expresso, receita e resposta para tudo: das sementeiras às marés, dos provérbios populares à astrologia e às fases da lua.

Não sei é se será tão bom no registo das efemérides. Mas é bom que se prepare. O velho Américo de Deus, também ele almirante, não falhava uma. Ficou lá uma vida. E só não ficou mais tempo porque o despacharam para o Brasil.   

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Não havia mais ninguém?

Sérgio de Almeida Correia, 15.02.25

Posse mw-694.jpeg(créditos: Expresso)

Dez meses passados sobre a data em que Luís Montenegro tomou posse como primeiro-ministro do XXIV Governo Constitucional, e os seus membros investidos em funções (02/04/2024 e 05/04/2024), os portugueses tiveram direito à primeira mini-remodelação, assistindo à saída de seis secretários de Estado e à entrada de outros tantos para as vagas abertas.  

Não me debruço aqui sobre as razões para a saída desses e a permanência de outros, nomeadamente ministros, cujo desempenho anda paredes-meias com o sofrível. Esse é por agora problema dele e do seu partido. Dos portugueses sê-lo-á ao longo do tempo que aí virá, mas sobre isso, para valer, só se poderão pronunciar em futuras eleições. Em democracia é assim que as coisas funcionam, independentemente da crítica a que o Governo esteja exposto na sua actividade diária. 

Confesso, porém, que me faz muita espécie, numa altura em que acabou de ser conhecida a acusação do processo Tutti-Frutti, cujo número de arguidos atinge as seis dezenas, na maioria gente do PSD ou da sua esfera de acção – com excepção de uns laparotos tresmalhados do socratismo que continuam a ter refúgio no Largo do Rato –, e que vão de dirigentes a deputados, de autarcas a pseudo-empresários e empresários, e mais alguns peões, e sabendo-se que o tempo é implacável no desgaste da acção governativa, que o primeiro-ministro não tenha conseguido arranjar mais ninguém para substituir o  empreendedor Hernâni Dias, digo, ex-secretário de Estado e ex-autarca, que não fosse o homem que, também numa autarquia, e no curto período em que nas últimas décadas não esteve como deputado, fez ajustes directos de mais de 200 mil euros à sociedade de advogados de que era sócio.  

Presumo que, embora a acusação do processo Tutti Frutti tivesse sido notificada ao PSD, que o primeiro-ministro não tenha tido tempo para ler o que lá está. Acredito, porém, que haverá alguém na sede do PSD que o terá feito. E certamente que lhe disseram que grande parte dos factos constantes da acusação, e que se reportam às moscambilhas e crimes imputados aos arguidos, pessoas com percursos político-partidários em tudo semelhantes ao dele, se reporta exactamente a ajustes directos em autarquias geridas pelo PSD (com excepção de uma junta de freguesia do PS, salvo erro).

Verdade ou não, e da culpa ou não de cada um saber-se-á mais tarde, está lá tudo abundantemente descrito e suportado em múltiplas provas que serão carreadas para julgamento. Escutas, mensagens telefónicas, emails, tudo numa linguagem tão colorida e com tantos erros que fiquei com dúvidas se aquela gente que dirigiu a JSD, que ajudou Passos Coelho e Montenegro a chegarem à liderança e ao Governo, a Moedas a ser presidente do município lisboeta, e entrou no Conselho Nacional do PSD, em assembleias municipais, na Assembleia da República, presidindo a juntas de freguesia, ocupando lugares em vereações, chegou algum dia a concluir a escolaridade obrigatória.

Dúvidas que aumentaram ontem quando soube da posição assumida pelo deputado e autarca da Junta de Freguesia da Estrela, Luís Newton, que certamente não terá compreendido o que consta da acusação do processo Tutti-Frutti.

Bem sei que quase toda esta rapaziada das "jotas" nunca trabalhou na vida, andando sempre encostada aos partidos para sobreviver, e que desta vez o Presidente da República não se apressou a "meter veneno" e a pedir a cabeça dos arguidos, como fez noutras situações, só que a acusação não é mera “percepção” e o sujeito está acusado da prática em co-autoria de 4 crimes de prevaricação e 1 de corrupção passiva, e da prática em autoria de mais 1 crime de corrupção passiva agravado, de 3 crimes de corrupção passiva e de 1 crime de prevaricação. Só por iliteracia e manifesta incompreensão sobre a importância e o papel inerente aos cargos que desempenha, e o seu relevo para a confianca pública nas instituições e nos actores políticos, é que se pode compreender que ao fim de mais de uma semana da acusação ser conhecida se mantenha em funções, não tendo ainda apresentado a renúncia ao mandato de deputado na AR e continue como presidente da Junta de Freguesia da Estrela.     

Com uma suspeição desconcertante, crescente, diária e quase permanente sobre a classe política e os autarcas – já se sabe que pelo pecador paga o justo –, sobre a integridade dos actores políticos e com múltiplos processos e investigações em curso, será legítimo perguntar se  o primeiro-ministro não tinha mais ninguém para escolher para a Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, expondo-se de forma tão pouco inteligente à crítica?

Todos podemos acreditar que não há ali qualquer troca ou pagamento de favores antigos. Nem vagamente. E que o escolhido tem qualificações para o lugar, sendo política e tecnicamente competente, pessoa da sua confiança e do ministro para assumir as funções do “dispensado”. Mas não havia mesmo mais ninguém que pudesse ser nomeado para esse lugar sem levantar uma onda de desconfiança, e fazendo de novo pairar a nuvem do clientelismo, do compadrio e do favorecimento?

Não vai nem racha*

José Meireles Graça, 18.05.24

Diz-se que a fragmentação política implica a recomendação para entendimentos que os eleitorados, na sua superior sapiência, fazem; e que na Europa são cada vez mais os governos de coligação.

Cada caso é um caso mas se a tendência é generalizada (naqueles países em que os sistemas eleitorais não são da variedade que afunila os resultados por as circunscrições serem do tipo quem ganha ganha tudo, como no Reino Unido, ou outra combinação que remeta partidos pequenos para as franjas da opinião) isso carece de interpretação. A qual consiste num crescente mal-estar num continente a envelhecer, invadido por hordas de jovens e famílias que vão constituir guetos por vezes de difícil, ou impossível, integração, com o pano de fundo difuso de a Ásia e os EUA (estes desmentindo a decadência que vozes sábias periodicamente lhes anunciam) a crescerem como há muito por cá não se vê e a ameaça, para a qual a UE não está (nem poderia estar) preparada, mas os países que a constituem também não, viciados no tradicional chapéu americano da OTAN, de uma guerra generalizada.

Chegam também modas de pensamento, quase todas sob a égide do pujante marxismo do séc. XXI: onde dantes havia o proletariado explorado há agora uma minoria qualquer (ou maioria, se forem mulheres) alegadamente oprimida cuja vanguarda mora nas universidades e nos partidos da extrema-esquerda, a qual se veio associar, e em parte substituir, à tradicional.

Sucede que o caso português tem, como não podia deixar de ser, particularidades: a Europa em retrocesso relativo no plano mundial é o Eldorado dos empregos bem remunerados que cá não há; os que se criam, sobretudo na estância turística que hoje o país é, são crescentemente preenchidos por imigrantes com menos formação do que os emigrantes; e uma grande fatia do eleitorado é hoje uma massa de velhos sentados à mesa da Segurança Social para a sua sobrevivência, enquanto jogam sueca no café, ou no jardim quando o tempo está bom.

Este é o resultado de mais de 20 anos de doutrina socialista, em que pese o PSD ter tibiamente, quando a oportunidade surgiu, tentado reverter o processo. Que processo é esse? O da dependência da esmola europeia para um módico de investimento e funcionamento de uma administração aliás pletórica; a cativação para a dependência do Estado de uma mole de eleitores; uma comunicação social falida repetindo os puídos motes da gesta de Abril como se esta, depois de um parto difícil, pudesse dar por si, além da democracia razoavelmente consolidada, desenvolvimento; e uma classe política cansada repetindo o mesmo jogo, que é o único que o eleitorado consente, com novos actores porque os outros se reformaram, foram reformados ou morreram.

O problema de atraso relativo que nos acompanha há mais de 200 anos (e que foi interrompido durante o Estado Novo, sobretudo na sua última década, mas cujo preço alto, sob a forma de autoritarismo e atropelo de direitos, é hoje impensável) não está em vias de solução prospectiva; e a propaganda da magra convergência com a média europeia resulta apenas das dificuldades da RFA e da Itália, que puxam a média para baixo.

Tudo isto, e mais, é sabido. A AD ganhou as eleições porque, sem ofender nenhum benefício dos que o Estado outorga a quem outorga (pelo contrário, prometendo reforçá-los modestamente) pareceu mais capaz de oferecer algum crescimento e a eficácia dos SNS e outros serviços na qual o PS, para lá da barragem da sua eficaz propaganda, falhou. O PS perdeu porque não se pode enganar toda a gente o tempo todo; e aquela vitória da AD, por previsivelmente exígua, criou um problema inteiramente novo, que é o da ingovernabilidade.

Disse antes das eleições, aqui e aqui, que as linhas vermelhas em torno do Chega eram um erro estratégico; e, depois das eleições, que com o PS não se podem fazer as reformas que este nunca fez, nem sabe ou quer fazer.

Sucede que no tempo já decorrido o Chega, livre de peias, tem asneirado com abundância: a acusação de traição à Pátria contra Marcelo, além de uma aberração jurídica (o Presidente é apenas réu do crime de querer agradar a qualquer plateia que tenha pela frente e ser um depositário acrítico, como sempre foi, de patetices que imagine consensuais), é uma oportunista confusão entre assuntos de natureza política e criminal; a aliança com o PS na abolição de portagens nas SCUTs é, objectivamente, uma participação num conluio perigoso para pendurar ao pescoço da AD a derrapagem nas contas públicas; e a inacreditável entrevista do putativo conspiracionista e anti-Judeu cabeça de lista às Europeias, o embaixador Tânger Correia, é uma ilustração penosa da falta de quadros do partido. É certo que aquele tentou, e em parte conseguiu, em nova entrevista, desta vez à TVI, corrigir o tiro. E no debate de quarta-feira passada na RTP3 pareceu um modelo de sensatez e equilíbrio. Mas no resto da mesa estavam Paupério e Fidalgo, respectivamente do Livre e do PAN, que têm opiniões com acne e toilettes retóricas de arco-íris; e Catarina Martins, mais polida nos delírios sobre uma Europa na versão do capitalismo anticapitalista que o BE defende, e que todavia não conseguiu (nem sequer se esforçou) disfarçar o genuíno ódio que nutre pelo que considera ser o partido que o promove contra os imigrantes.

Se acordos discretos com o Chega já eram difíceis agora ficaram-no mais. De modo que de reformas (as quais, por definição, desagradam sempre a uma parte do eleitorado) estamos conversados. Resta esperar que o Governo não caia na esparrela de ficar mal na fotografia da comparação com o PS, que com algumas moscambilhas de permeio, as cativações à sorrelfa e a ajuda da inflação, se apresentou como o campeão da redução da dívida pública. E se o preço dessa defesa de um módico de racionalidade tiver de ser entregar as chaves de S. Bento a Belém, que Montenegro não hesite, informando o senhor Presidente: Não fui eleito para desgovernar.

* Publicado no Observador

Governo com mais mulheres

Pedro Correia, 06.04.24

 

É o Governo que tem mais mulheres desde sempre em Portugal: são 24 entre 59 titulares de ministérios e secretarias de Estado.

Percentagem: 40,6%.

Facto positivo, sem sombra de dúvida.

 

ADENDA: Escrever que este é o Executivo com «mais mulheres desde o 25 de Abril», como faz o Polígrafo, é um sofisma. Antes do 25 de Abril - I República e Estado Novo - só houve uma mulher no Governo: Teresa Lobo, subsecretária de Estado da Saúde e Assistência (1970-1973). 

E agora, o nosso momento zen

João Sousa, 12.11.23

«Vítor Escária não sabia “muito bem o que fazer” ao dinheiro, afirma o seu advogado.

O advogado de Vítor Escária, Tiago Rodrigues Bastos, falou aos jornalistas no Campus da Justiça em Lisboa, afirmando que “Vítor Escária foi confrontado com uma quantia avultada e que efetivamente não sabia muito bem o que lhe fazer, era uma questão que ele estava a ponderar como fazer”.»

Jornal Económico, 11/11/2023

O suplente

Pedro Correia, 11.11.23

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O facto de António Costa ter sugerido o nome de Mário Centeno - com o consentimento do próprio, presume-se - para rumar do Banco de Portugal (BdP) à chefia do Governo, como assumido suplente dele, diz tudo sobre a independência do ex-titular da pasta das Finanças.

Haver um ministro disposto a transitar sem etapa intermédia do posto governativo para o comando da entidade que regula e supervisiona o nosso sistema financeiro, como aconteceu com Centeno, já era mau. Que a mesma figura estivesse agora disposta a fazer a rota inversa, regressando por uns quantos meses ao Executivo como substituto ocasional de Costa, pior ainda.

Centeno devia desmentir com vigor as mais recentes notícias em torno do seu nome ou afastar-se do Banco de Portugal. Para não ferir ainda mais esta instituição na sua idoneidade. Mas nem vale a pena alimentar tal ilusão. A famosa "ética republicana" anda ausente em parte incerta. O governador do BdP vai continuar a fingir que é isento. E alguns de nós vamos continuar a fingir que acreditamos nisso.

O descrédito das instituições.

Luís Menezes Leitão, 10.11.23

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"Remember, remember, the 7h of November". Nesse dia, depois de buscas ao seu gabinete e de se saber que iria ser autonomamente investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o Primeiro-Ministro comunicou ao país o seguinte: "A dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com a suspeita de qualquer acto criminal. Obviamente apresentei a demissão ao senhor Presidente da República (…). A minha demissão foi aceite pelo Presidente da República. Porventura quererá ponderar a partir de que data produz efeitos a minha demissão".

Ontem o Presidente da República anunciou ao País que as eleições seriam a 10 de Março e que só para Dezembro aceitaria a demissão do Governo, para garantir a aprovação do Orçamento do Estado. O problema, no entanto, é que, segundo uma comunicação oficial do Primeiro-Ministro ao País, a demissão já foi aceite e portanto o Governo está demitido (art. 195º, nº1, b) da Constituição). Ora, quando o Governo é demitido, caducam todas as propostas de lei que apresentou ao Parlamento (art. 167º, nº6, da Constituição), incluindo naturalmente a do Orçamento do Estado. O que tem toda a lógica, pois não faz sentido que um Governo demitido condicione o Governo que lhe vai suceder, ainda mais durante todo o ano, que é o tempo da vigência do Orçamento do Estado, e com medidas altamente controversas, como a subida do IUC, que nunca deveriam vir de um Governo demitido.

O que o Presidente fez, segundo Reis Novais, foi uma fraude à Constituição. Eu acho mais do que isso. Acho que há um desrespeito flagrante da Constituição por quem tinha o dever de a defender, o qual coloca o País numa situação altamente complexa. Temos um Governo envolvido num escândalo de corrupção e um Primeiro-Ministro investigado no Supremo Tribunal de Justiça, que por isso se demitiu. Mas o Governo vai continuar na plenitude de funções durante meses, como se nada se tivesse passado. Se isto não é uma República das Bananas, não sei o que será uma República das Bananas. Numa altura em que deveríamos festejar os 50 anos do regime democrático, as nossas instituições caíram num descrédito total, não só aos olhos dos Portugueses, mas também da comunidade internacional.

Será desta o fim do fogacho?

Paulo Sousa, 25.10.23

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[Ler até ao fim]

Quem anda razoavelmente informado sabe que o CEO da Web Summit, Paddy Cosgrave, apresentou a demissão. Esta renúncia ao cargo ocorreu na sequência das suas declarações sobre o ataque terrorista no passado dia 7 de Outubro em Israel. O que disse terá sido, no mínimo, condescendente para com todo o terror que ali foi perpetrado e levou as tecnológicas israelitas, a Alphabet (dona da Google), a Meta (dona do Facebook, do Instagram e WhatsApp) e a Amazon, entre outras, a anunciar que não participarão na próxima edição desta cimeira tecnológica.

Sobre este assunto gostaria de aqui deixar apenas duas notas.

A primeira respeita ao cancelamento. A cancel culture tem progredido com mais notoriedade na academia norte-americana e também na indústria do entretenimento. Na sua esmagadora maioria, as causas do cancelamento são causas ditas progressistas que procuram uma rotura contra valores tradicionais, associados aos redutos de alguma direita mais conservadora. Os mais histriónicos canceladores, os torquemadas dos nossos tempos, militam nas franjas mais assanhadas do partido democrata norte-americano, assim como nas coloridas extremas-esquerdas europeias.

Desta vez foi ao contrário. O que o senhor Cosgrove disse imagino que não seria suficiente para sacar uns aplausos a nenhum dos parentes pobres da geringonça que nos governou, até porque lhes cairiam as mãos se tentassem aplaudir alguém que representasse o que ele até há dias atrás representava, mas ainda assim deu no que deu. Eu defendo que as pessoas possam dizer coisas livremente, mas é normal que quando um sujeito assume determinadas funções consiga separar a sua derme da camisola que é pago para vestir. Ele só terá descoberto isso com este episódio, mas, e é aqui que que entro no segundo ponto, falta avaliar o custo dessa aprendizagem.

Para as ilustres figuras da nação, este evento era muito importante, assim-assim pelos eventuais negócios que por cá passassem, mas muito mais por ser um excelente disfarce de modernidade tecnológica. Para eles, as consequências das afirmações do CEO agora demissionário equivalem a um sério abalo na sua narrativa. Sem a nata das empresas do sector, para poderem continuar a jogar ao entrudo disfarçados de governantes que procuram atrair investimento terão de fingir muito melhor, até porque se esse fosse o seu fito, há muito que teríamos abandonado o pódio da mais alta tributação às empresas em toda a OCDE.

Fico curioso, mas não ansioso, por saber quais os custos contratuais em que o senhor Cosgrove incorreu ao proferir declarações que literalmente mandaram a barraca abaixo. Que condições e contrapartidas lhe foram exigidas no contrato que celebrou com o Estado português? Poderá a coqueluche da modernidade tecnológica chique ser responsabilizada por danos causados pelas suas declarações?

O Irish Independent afirmou que os trabalhadores da Web Summit já foram informados que, actualmente, os seus empregos não estão ameaçados. Este é o tipo de notícias que serve para lançar assuntos e ideias subliminares. O abalo foi suficiente para que a continuidade dos seus empregos, do projecto, já seja assunto de jornal. Se isto não fosse suficiente para os deixar preocupados, o governo português já veio garantir que há condições para que a Web Summit possa decorrer com “normalidade”. Quem lhe conhece o currículo, já sabe o que valem as garantias dadas por António Costa.

Sabendo que dinheiro nosso rola neste jogo e conhecendo a profunda competência de quem, neste negócio, representou os chamados “interesses nacionais” não posso dizer que temo o pior, porque já me vou habituando.

 

Adenda às 18:00

Precipitei-me. Há quem tenha salvaguardado o interesse e os recursos público. Bem haja por isso.

Moedas com cláusula para Web Summit: organização terá de devolver dinheiro se empresas e participantes falharem

OrXamento de EXtado XoXialYsta

Pedro Correia, 12.10.23

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Assim qualquer de nós elabora orçamentos. Até orçamentos do Estado. Nem é necessário fazer contas: basta conhecer o alfabeto, com destaque para as letras X e Y.

Eis um exemplo, extraído da página 51 do relatório do OE 2024: o Governo promete investir «XX milhões de euros no parque público a preços acessíveis, XX milhões de euros na educação e YY milhões de euros na coesão territorial». Captado com olho de lince pela economista Susana Peralta, na sua conta da rede social X (nome disparatado mas que aqui faz todo o sentido).

Já está, é muito fácil. Um OrXamento de EXtado verdadeiramente XoXialYsta.

Há sempre alternativa

Pedro Correia, 08.08.23

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Ramalho Eanes empossa Mário Soares como chefe do I Governo Constitucional (1976)

 

Recordo que em 47 anos de Estado de Direito, na vigência da actual Constituição, já houve:

- Governos minoritários PS

- Governo PS-CDS

- Governos de iniciativa presidencial

- Governos AD (PSD-CDS-PPM)

- Governo PS-PSD

- Governo minoritário PSD

- Governos maioritários PSD

- Governos PSD-CDS

- Governos maioritários PS

- Governo minoritário PS com apoio parlamentar PCP+BE

 

Ementa variada.

Em democracia, felizmente, há sempre alternativas. Por mais que isso possa baralhar algumas boas almas.

Dai "commissioni fantasmi" ai ministri fantasma

Sérgio de Almeida Correia, 27.07.23

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Se já não era fácil ter boa impressão política e governativa quer do anterior ministro da Defesa, actual ministro dos Negócios Estrangeiros, quer da ministra da Defesa Nacional, por muito estimáveis que sejam, e eu não duvido, o relato que a Visão dá esta semana à estampa pela mão do jornalista Carlos Rodrigues Lima acabaria com todas as dúvidas que restassem.

O rol de factos, no mínimo de difícil explicação, mas quase todos reveladores de uma tremenda mistura de falta de senso, ingenuidade e inaptidão para o exercício de funções governativas dos protagonistas, para além de outras coisas que serão, espero, devidamente apuradas em sede própria, leva-me a perguntar como é possível manter em funções, num Estado de direito e numa democracia madura, João Gomes Cravinho e Helena Carreiras.

Não sendo crível que o chefe de gabinete do então ministro da Defesa não o colocasse ao corrente do que sabia e do que estava a ser feito, em cada dia que passa aumenta o seu desprestígio e surgem novos factos que colocam em xeque o seu desempenho e o profissionalismo e a seriedade da actividade político-governativa.

Dando de barato os emojis do tal Alberto Coelho, e que não será nos anos mais próximos e com gente como ele que a democracia-cristã voltará a chegar ao poder, a circunstância de perante a gravidade dos factos e das comunicações reveladas pela Visão, aliado ao que que já se sabia da actuação de Cravinho e do ex-secretário de Estado da Defesa, e que motivou a sua queda em desgraça, torna chocante a resposta dada pelo gabinete da actual titular da pasta da Defesa Nacional quando questionada sobre a razão para não ter enviado todas as comunicações trocadas entre Marco Capitão Ferreira e a Direcção-Geral de Recursos e Defesa Nacional (DGRDN) quando isso lhe foi solicitado.

Conhecendo-se agora o conteúdo do que foi omitido, percebe-se a incomodidade, perguntando eu se àquela alminha a quem António Costa entregou a Defesa Nacional não lhe passou pela cabeça que as comunicações escondidas, e que não lhe diziam directamente respeito, viriam um dia a ser do domínio público. 

Os imbróglios que estão a ser investigados, a gravidade dos factos em causa e a displicência da actuação dos titulares da pasta da Defesa é tudo menos consentânea com uma actuação inteligente e responsável.

Daí que se compreendam cada vez menos as razões para, perante tanto despautério – a pasta da Defesa Nacional tem sido particularmente fustigada nos últimos governos pela inépcia dos nomeados, o que até parece ter-se tornado numa sina –, o primeiro-ministro manter em funções, e continuar a proteger, mais estes ministri fantasma, que não contribuindo em nada para o prestígio e a dignidade das instituições, só servem para enfraquecer ainda mais um Executivo que se vai perdendo no atoleiro em que se transformou a maioria absoluta e a actuação de algumas pessoas em quem os portugueses um dia confiaram para gerir a coisa pública. Lamentável.

Disparar com excesso de rapidez

Pedro Correia, 12.07.23

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1

O ministro da Cultura, que terá recebido instruções de António Costa para sair do doce recato em que permanecia há 15 meses, deu enfim prova de vida política. Mas não da melhor maneira. Em dois dias seguidos, colidiu com os deputados da comissão parlamentar de inquérito à TAP e com o seu colega da Administração Interna.

Num caso esteve quase bem, noutro esteve muito mal. Sem perceber, de qualquer modo, que se contradizia por completo nas duas intervenções públicas.

 

2

Esteve quase bem quando saiu em defesa da liberdade de expressão a propósito do controverso ataque em forma de desenho satírico aos agentes da polícia, apontados como potenciais homicidas racistas na televisão do Estado.

A liberdade editorial dos cartunistas deve ser irrestrita: sempre pensei assim e continuo a pensar. Mesmo quando a sátira ofende, é de mau gosto e estigmatiza um sector socio-profissional, como as forças de segurança. Adão estaria bem, sem o advérbio quase, se não entrasse em polémica pública com José Luís Carneiro: nem parece que se sentam ambos no Conselho de Ministros.

Outra trapalhada absolutamente desnecessária. Esta, certamente Costa não lhe agradeceu.

 

3

Esteve muito mal ao esgrimir contra os deputados, esquecendo-se de um princípio fundamental do Estado de Direito: o Governo é responsável perante a Assembleia da República, devendo-lhe respeito institucional. Além disso, sendo membro do Executivo, viola o sagrado princípio da separação de poderes - outro pilar das democracias liberais - ao ter dito o que disse.

«Os deputados são uma espécie de procuradores do cinema americano de série B da década de 80. Isto contribui para a degradação da imagem da democracia», declarou Adão e Silva em entrevista à TSF, talvez nostálgico dos dias em que ganhava a vida como tudólogo do comentário bem remunerado na televisão, na rádio e nos jornais. Agora em dura crítica aos parlamentares que se atreveram a fazer perguntas incómodas na sede própria, agindo como representantes dos eleitores.

Ironicamente, o mesmo ministro que sai em defesa da liberdade de expressão para os cartunistas ataca o exercício dessa mesma liberdade pelos deputados. Uma coisa não cola com a outra. Acontece a quem dispara mais rápido do que a própria sombra após longa hibernação mediática.

Faz lembrar o que cantava Sérgio Godinho nos idos de setenta: «Só quer a vida cheia quem teve a vida parada.» 

 

4

Quem esteve muito bem - este sim - foi o deputado socialista António Lacerda Sales, ex-secretário adjunto da Saúde e presidente da comissão parlamentar de inquérito à TAP. Reagindo às farpas lançadas pelo titular da Cultura.

Em dois momentos.

Primeiro, afirmando isto à Lusa: «Parece-me uma falta de respeito pelo trabalho dos senhores deputados, da comissão e do próprio parlamento. Relembro que o Governo responde ao parlamento. Nenhum político está isento de respeitar as instituições, por maioria de razão o parlamento, especialmente os ministros.»

Depois, acentuando isto à Antena 1: «Os membros do Governo, mesmo quando se sentam à mesa do café ou em esplanadas, nunca se devem esquecer que são membros do Governo.»

Parafraseando aqui o que disse António Costa em Abril de 2016, quando afastou do Governo, por delito de opinião, João Soares - um dos antecessores de Adão e Silva. O primeiro-ministro é mesmo assim: molda os princípios às conveniências da sua geometria política, sempre muito variável.

 

5

Lacerda Sales merece aplauso. Defendeu a instituição parlamentar e deu uma bofetada metafórica ao ministro impertinente.

De luva branca, claro. São sempre as que doem mais.

A viagem prossegue

Sérgio de Almeida Correia, 11.07.23

Retirado o Capitão de cena, regressa o ministro Galamba ao palco. Desta vez tendo como pano de fundo a desclassificação de 101 dos 105 documentos classificados "preventivamente" a título confidencial.

A notícia do Público fala por si. E também pelo ministro. 

Ao contrário dos documentos "confidenciais", que necessitaram de ser desclassificados, o ministro já não precisa de ser classificado ou desclassificado.

A actuação de Galamba enquanto ministro há muito que é transparente e está para além de desclassificada porque se tornou politicamente inqualificável. 

Não faço a mínima ideia quando é que esta nave de loucos em que se tornou o XXIII Governo Constitucional irá parar. Nem como; apesar de estar certo de que com a velocidade que leva, com todas portas hermeticamente fechadas, o primeiro-ministro vai conseguir manter lá dentro aquele membro da tripulação enquanto a nave for percorrendo, sem rumo, o espaço sideral.

Espera-se que um dia pare por falta de combustível.

Mas até lá, e por agora, para desconsolo de muitos, daquela nave só se sai cuspido. Por uma ruptura no casco, o que é pouco provável numa nave tripulada por uma maioria absoluta, ou por colisão com a realidade quando reentrar na atmosfera terrestre. Inclino-me mais para esta última hipótese.

O cartoon da RTP e o catavento socialista

jpt, 11.07.23

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Apesar de nos seus congressos, aquando no poder, o PS ser um partido unanimista - como o comprova a memória dos apoios albaneses neles sempre conseguidos por Guterres, Sócrates e Costa - os socialistas não são exactamente monolíticos. Vê-se agora na disputa interna sobre a pertinência e até legitimidade do cartoon anunciando o racismo assassino ("de Estado") da polícia, transmitido pelo serviço público televisivo. Há dirigentes contra, e até o ministro da administração interna, há os que o defendem, em nome da radical liberdade de expressão.

O ministro da Cultura surgiu agora defendendo o direito ao cartoon e atacando os seus detractores. E acabo de ver - no canal público RTP3 - o ex-ministro Paulo Pedroso também defendendo o supremo direito a essa liberdade de expressão, enquanto invocava, como exemplo contrário, episódios censórios do humor suportados por políticos do PSD (a patética inibição de um livro de Saramago, o ridículo ataque a Herman José feito pela igreja católica, apoiado pelo actual presidente da república, então presidente do PSD). Mas se Pedroso já não é da elite partidária -  julgo mesmo ter saído do partido --, a posição de Adão e Silva tem um peso diferente. Não só por ser ministro. Mas também porque Adão e Silva, de quem se diz ser uma criatura maçónica, o que dará substrato à sua influência política, foi um arreigado plumitivo socratista, não só directamente mas também como contribuidor do pérfido amplexo digital Câmara Corporativa/Jugular, agregando-se a gentes como as Câncios, os Galambas e os Vales de Almeidas na desmesurada e desbragada defesa dos desmandos de Sócrates. Ou seja, Adão e Silva está no cerne do actual poder político.

Essa sua centralidade política dá mais relevo à defesa que veio fazer do cartoon invectivador da polícia. Não vou discutir a adequação do cartoon à sociedade portuguesa, nem a sua pertinência no serviço público televisivo, nem mesmo a sua correspondência aos factos da realidade francesa (à qual, a posteriori, veio a ser ligado pelos seus transmissores, ainda que tal não explícito no seu conteúdo). Vou-me restringir a esta realidade de um ministro socialista, da ala socratista, e de um ex-ministro socialista, que nunca foi socratista, surgirem a defender a irredutibilidade do direito ao... cartoon, à liberdade criativa, de expressão. E sua divulgação. 

É interessante - e para mim em particular - porque isto é avesso à concepção que aquele partido, e suas figuras gradas, vêm tendo nas últimas décadas relativamente à liberdade criativa, em especial se sita aos cartoons. E dou exemplos comprovativos dessa contradição, que em muito ultrapassam os recentes ataques à caricatura de António Costa usada pelos sindicalistas do FENPROF (ligado ao PCP), e a posterior censura de organismo sob financiamento estatal ao trabalho daquele professor-cartonista. Lembro episódios mais antigos - que o comentador televisivo Paulo Pedroso deverá desconhecer, pois não os convocou para o seu episódio de comentário de hoje - e que, exactamente pela sua antiguidade e por não se restringirem às querelas da política portuguesa, mais demonstram a mundivisão estrategicamente censória que conduz os próceres socialistas.

Recordo que após o tétrico atentado de 2015 à "Charlie Hebdo" o antigo ministro Oliveira Martins, também relevante figura de instâncias culturais nacionais, dinamizou um debate sobre liberdade criativa e nele defendeu o estabelecimento de limites à liberdade de expressão - censura e, acima de tudo, auto-censura. Narrei o espantoso desplante aqui. Mas mais relevante ainda, por mais demonstrativo do que é a elite socialista, também já recordei que o ministro dos Negócios Estrangeiros de um governo PS em 2005 criticou oficialmente a publicação de cartoons num jornal dinamarquês porque "atentatórios de crenças e sensibilidades alheias". 

Mais interessante ainda - e também já o recordei - é que em pleno parlamento um deputado socialista, e antigo governante, considerou que cartoonistas e assassinos terroristas são iguais. E é muito relevante, para o entendimento do PS actual, que esse notável socialista, correligionário próximo de Sócrates, e que tem essa peculiar concepção de liberdade criativa, de expressão e divulgação, - repito, a igualdade entre um cartoonista e um assassino terrorista, tornada posição parlamentar do seu partido - foi recentemente proposto pelo PS para membro do Tribunal Constitucional. E num país onde um outro candidato ao mesmo Tribunal fora dissecado por em 1984 ter escrito algo contra a interrupção voluntária de gravidez, e um outro zurzido por em 2011 ter resmungado junto dos seus alunos sobre a influência de uns propalados lóbis "gay", ninguém se preocupou com o facto do PS ter proposto tal personalidade, com tal concepção de liberdade de expressão, para o importante Tribunal Constitucional.

Eu notei o caso, protestei - e o influente Vitalino Canas meteu-me em tribunal e lá tive que recuar, doando 200 euros ao IPO. Mas os outros, em particular o socratista (e quiçá maçónico) Adão e Silva e o ex-ministro Paulo Pedroso, agora palavrosos, sobre essa candidatura nada disseram! Passou-lhes, não devem ter considerado relevante. Mas surgem agora veementes a defender que a RTP enuncie, de modo implícito, o racismo da polícia portuguesa. O racismo sistémico, estatal, para usar o jargão. 

Enunciam por catavento. Nada mais. E vão para o governo. E depois para a televisão, formar opinião pública em trejeitos de "comentadores". Já agora, Vitalino Canas também por lá anda, num desses painéis. Ainda o apanharão a defender a liberdade de expressão, se tiverem paciência para assistir a tal coisa.

Falta a explosão do paiol

Sérgio de Almeida Correia, 10.07.23

Nef des fous.jpeg(Hieronymus Bosch, c. 1500)

Naquele estilo escorreito de quem acompanha as coisas, as investiga­ e tira conclusões sabendo do que fala, Sebastião Bugalho há muito chamara a atenção para a mal disfarçada nudez de alguma tropa‑fandanga na caserna, a conspurcar as instituições e, em especial, as Forças Armadas.

A passagem de João Gomes Cravinho pela Avenida Ilha da Madeira transmitira inúmeros sinais de alarme que diziam não ser aconselhável a sua continuação em funções governativas. Ao contrário de um outro que, entretanto, foi despachado, embora ainda muito esteja por esclarecer sobre os negócios do lítio, de Sines e afins, António Costa optou pela continuidade daquele, uma vez mais assumindo os riscos da sua teimosia. Esse e o da nomeação de uma espécie de candidata a ministra para a anterior pasta do diplomata.

O resultado, à semelhança do que se verificou noutras ocasiões, voltou a ser sofrível, sem que houvesse claridade sobre as razões de tão magníficas escolhas e para a continuidade de gente cuja actuação passada não se recomendaria a ninguém, nem sob o efeito de um moscatel ordinário, muito menos para continuar a tomar conta dos negócios públicos.

Aliás, ainda um dia haveremos de perceber as razões do afastamento de gente como Alexandra Leitão ou Jorge Seguro Sanches para depois o primeiro-ministro se rodear de um exército de chicos‑espertos do garimpo e de laparotos vindos das concelhias e das catacumbas do Largo do Rato.

Uma vez mais imperou o mau gosto, a fuga em frente, a teimosia e a desvalorização dos sinais em manifesto prejuízo de todos e para protecção da casta e suas clientelas. Vícios herdados de um socratismo que impregnou todos os alicerces do partido e do qual nunca quiseram libertar‑se para não ferirem as susceptibilidades das primas‑donas partidárias.

Passada a interminável fase dos tiros nos pés, parece que com o tal relatório da CPI à TAP e a saída do Capitão espertalhão entramos numa espécie de Nave dos Loucos, com a agravante de que agora os bípedes que lá estão dentro, para além de se banquetearem, correm de um lado para o outro aflitos, deixando cair umas quantas granadas que lhes pediram para guardar enquanto alargam o cinto, e as majoretes saltam e guincham nos seus uniformes sem saberem para onde hão‑de fugir.

Cenas de gritos que prometem ter continuidade até que o fala-barato Moedas cumpra a promessa de tirar os carros de Lisboa ou o paiol vá pelos ares.