Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Os três almirantes

Pedro Correia, 04.02.25

111111.jpg

João Canto e Castro (1918-1919)

3333.jpg

José Mendes Cabeçadas (1926)

222.jpg

Américo Thomaz (1958-1974)

 

Alguns evidenciam estranheza pelo facto de um militar liderar todas as sondagens para Presidente da República. Só demonstram ignorância histórica.

O regime republicano português produziu mais militares do que civis na cúpula do sistema. Tivemos até hoje 19 chefes do Estado republicano, dez deles oriundos das forças armadas. Em quase 115 anos de república, 62 decorreram com um oficial-general no Palácio de Belém - ou até um militar de patente inferior, como aconteceu com o carismático major Sidónio Pais (1917-1918).

Seis eram do Exército: Sidónio, Manuel Gomes da Costa (1926), Óscar Carmona (1926-1951), António de Spínola (1974), Francisco Costa Gomes (1974-1976) e António Ramalho Eanes (1976-1986). Um da Força Aérea: Craveiro Lopes (1951-1958). E três da Marinha: João Canto e Castro (1918-1919), José Mendes Cabeçadas (1926) e Américo Thomaz (1958-1974). Ocuparam o poder em todos os ciclos republicanos - o que teve início no 5 de Outubro de 1910, o que começou com o 28 de Maio de 1926 e o que surgiu no 25 de Abril de 1974.

Nenhum espanto se a partir de Março do próximo ano tivermos um almirante como Presidente da República. Se assim for, será o quarto. Antecedido por Canto e Castro (contra-almirante na chefia do Estado), Mendes Cabeçadas (capitão-de-fragata quando se envolveu no 28 de Maio) e Thomaz (contra-almirante como inquilino de Belém até 1970, quando ascendeu a almirante). 

A diferença entre qualquer deles e Henrique Gouveia e Melo é que este, se lá chegar, resultará da escolha do povo português por sufrágio directo e universal. Por consequência, adquire uma autoridade moral que nenhum dos outros teve. Novidade, apenas nisto.

O Almirante Gouveia e Melo

jpt, 04.01.25

War-and-Peace-Anthony-Hopkins-110922-986c0daa59ab4

Consta que o almirante Gouveia e Melo se vai candidatar à presidência. Um tipo lembra-se que ele pôs em sentido os hunos das lideranças do PS, que já andavam a desviar vacinas do Covid e até simpatiza... O país não é uma fragata, nem um quartel, mas sim, alguém que dá ordem de comando àquelas tropas fandangas merece algum crédito..., até um "então onde é que é para meter a cruz?", meio "porque não?".
 
Mas leio agora no jornal que um grupo de maçónicos já se congrega em torno do nosso almirante. Alivia-me... Pois dessa gente aprendi o suficiente no rescaldo que nos confidenciou o Pierre Bezukhov - na imagem representado por Anthony Hopkins, num belo folhetim televisivo que vi bem antes de ler o livro (lera uma edição para juventude) e de... saber quem era o Hopkins. E depois disso nem é preciso saber mais nada, deles nos tempos actuais.
 
Ou seja, os "irmãos" estão com o almirante? Arranjem-me outro em quem votar, sff.

O Almirante

Pedro Correia, 20.06.23

20230615_143013[6709].jpg

Enquanto outros assuntos vão dominando a agenda noticiosa, convém espreitar a chamada imprens tablóide - a mais lida em Portugal. O Correio da Manhã tem dedicado atenção crescente, nas suas capas, a Henrique Gouveia e Melo.

Este súbito destaque, da passada quinta-feira, surgiu - por extraordinária coincidência - no dia seguinte ao do pronunciamento público da ministra da Defesa sobre a rebelião dos grumetes no navio patrulha costeiro Mondego quando recusaram zarpar do Funchal em missão que lhes havia sido ordenada.

O chefe do Estado Maior da Armada anunciara medidas disciplinares, com mão pesada. Helena Carreiras, ouvida no parlamento, mostrou-se de acordo: «As ordens não são negociáveis. Só há espaço para não obedecer a ordens ilegais. A disciplina militar é indispensável para assegurar a eficácia de missões, mesmo quando se discorda, ou em situações de elevado risco, inclusive de guerra.»

Em sintonia com o almirante.

 

Cada vez sinto menos dúvidas sobre as ambições presidenciais de Gouveia e Melo - que, sou capaz de apostar, já terá uma agência de comunicação a trabalhar para ele. É verdade que o próximo escrutínio para Belém só acontecerá em 2026, mas candeia que vai à frente alumia duas vezes, como dizia a minha avó.

Por via das dúvidas, vale a pena ir prestando atenção ao Correio da Manhã

O Almirante

jpt, 19.03.23

almirante.jpg

(Gouveia e Melo, fotografado por Miguel Valle de Figueiredo)

O país estava exausto pelos efeitos do Covid-19, atrapalhado pelos normais constrangimentos e hesitações governamentais face àquele enorme desafio, tudo incrementado por alguns ziguezagues desnecessários. Após um ano de pressão pandémica o alívio da esperada vacinação começou embrulhado em confusão executiva e manchado por alguns casos de nepotismo, na apropriação de vacinas por membros da elite socialista, algo exasperante e incrementando dúvidas sobre a capacidade de uma competente vacinação universal. Neste caso não é necessário fazer o rescaldo das práticas então seguidas pelo Ministério da Saúde, e restante governo, pois nisso logo se dividem as opiniões devido a critérios advindos do viés partidário. Mas é pacífico constatar que após Gouveia e Melo ter sido colocado no topo da sua estrutura organizacional  - e de ter lhe reforçado a participação militar  - o processo nacional de vacinação foi um sucesso, até inesperado. Para tal contribuiu a credibilização dos serviços: explicitando a confiança nacional nos ditâmes dos agentes da Saúde (remetendo os "negacionistas" das vacinas a um minoria histriónica). Mas também na racionalidade e na rectidão dos processos, pois logo minguaram as atrapalhações executivas e, mais, desapareceram as notícias sobre autarcas e deputados a reservarem alguns lotes de vacinas para si, familiares, amigos e vizinhos. E contribuiu também, não o esquecer, a constante e ponderada disponibilidade comunicacional do coordenador-geral Gouveia e Melo, sossegando e mobilizando as hostes nacionais.

 

 

Chamem o almirante

Pedro Correia, 31.08.22

22228482_UbzEN.jpeg

 

António Costa, confrontado com o irrevogável pedido de demissão da titular da pasta da Saúde na última madrugada das suas férias, revelou ao País que Marta Temido já antes tinha querido sair do governo - confirmando assim a sua vocação para fritar ministros na praça pública.

Espantosamente, acrescentou não sentir urgência em removê-la. Como se a caótica situação no Serviço Nacional de Saúde não exigisse decisões rápidas em vez de hesitações movidas por tacticismo político ou mera acrimónia pessoal. 

Se o impasse perdurar, talvez o melhor seja chamar outra vez o almirante. Intervenção castrense no SNS, com médicos obedecendo a uma possante voz de comando e sujeitos ao Regulamento de Disciplina Militar. Sob o lema «Tu vais para a tropa, pá!»

Facto nacional de 2021

Pedro Correia, 13.01.22

1575226.jpg

 

VACINAÇÃO EM MASSA

Quase todos nós passámos por isto entre Janeiro e Dezembro: fomos vacinados contra a covid-19. Em dose dupla, na grande maioria dos casos. E ainda com reforço, em boa parte, à beira do fim do ano. A vacinação em massa foi considerado o Acontecimento Nacional de 2021 em eleição democrática no DELITO DO OPINIÃO, seguindo uma tradição aqui iniciada em 2010.

Graças à unidade de missão liderada pelo almirante Henrique Gouveia e Melo, Portugal passou do quinto lugar mundial em número de infectados na relação com o número de habitantes e do oitavo posto em óbitos também nesta escala registados no início de Fevereiro para o estatuto - reclamado pelo Governo - de país proporcionalmente mais vacinado no globo, já em Novembro, quando 86% da população nacional tinha recebido vacinas. 

A memória colectiva tende a diluir-se. Eis, portanto, o momento de lembrar como este caminho foi muito tortuoso. Em Janeiro, chegámos a ser o país com mais mortes e mais novos casos de coronavírus por milhão de habitantes, quando havia 11 pessoas a morrer por hora de Covid-19. O panorama alterou-se, para muito melhor, graças em boa parte à intervenção de Gouveia e Melo, a quem o Expresso, em Junho, chamava "o almirante salva-vidas". Num só dia, 6 de Julho, foram ministradas mais de 154 mil vacinas.

 

A pandemia continua connosco, agora com carácter quase endémico e um surto de infecções menos letal. Mas não esquecemos o pesadelo destes quase dois anos nem o combate que lhe foi sendo travado neste país agora com 19.181 mortos oficialmente registados, vítimas do vírus que veio da China. E ainda não é possível baixar a guarda. Ontem Portugal registou um máximo de novos casos em 24 horas: 40.945. Apesar das vacinas e de todas as outras precauções que nos dominam o quotidiano. 

Não por acaso, o acontecimento nacional do ano destacado pelo DELITO em 2020 já tinha sido o novo coronavírus. Nota-se uma linha de continuidade neste destaque de 2021, que mereceu dez dos 25 votos da tribo "delituosa". 

 

O segundo lugar, com sete votos, coube ao colapso da geringonça, associado (três votos) ao chumbo do Orçamento do Estado, o primeiro ocorrido desde sempre em quase meio século de sistema democrático. 

 

Depois, cinco outros factos, cada qual com um voto. Passo a enunciá-los para ficarem devidamente lavrados em acta:

- Atropelamento do trabalhador Nuno Santos pela viatura ministerial em que seguia o ex-ministro Eduardo Cabrita.

- Decisão do Governo de "investir" na TAP com dinheiro dos nossos impostos.

- A rocambolesca fuga para a África do Sul do ex-banqueiro João Rendeiro, já condenado por sentença definitiva em Portugal.

- Sporting campeão nacional de futebol 19 anos depois.

- Queda de Luís Filipe Vieira, confrontado com uma sucessão de investigações judiciais que o levaram a abandonar a presidência do Benfica.

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Facto nacional de 2020: o vírus que nos mudou a vida

Figura nacional de 2021

Pedro Correia, 11.01.22

1618449.png

 

HENRIQUE GOUVEIA E MELO

De quase desconhecido da opinião pública, tornou-se figura nacional em 2021 - também aqui, no DELITO DE OPINIÃO. Por mérito próprio. Coube-lhe coordenar a estrutura de vacinação contra a covid-19 numa altura em que este processo estava desacreditado a vários níveis: faltavam vacinas, escasseavam recursos humanos, multiplicavam-se vergonhosos casos de gente a furar filas em diversos recantos do País. Henrique Gouveia e Melo, vice-almirante especializado em navegação submarina, pôr ordem na casa e endireitou o que estava torto - que era quase tudo.

Houve mobilização geral, com sucesso. Num só dia, 6 de Julho, foram ministradas mais de 154 mil vacinas. Entre o início de Fevereiro e o final de Setembro, quando cessou funções, Portugal tornou-se referência internacional no combate à pandemia via vacinação. Em Maio, Maria Filomena Mónica descreveu-o assim, sem ironia: «Temos um novo herói: o militar de olhos verdes.» O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que também não é de elogio fácil, enalteceu-o como «verdadeiro líder».

Empenho e eficiência foram dois qualificativos usados na tribo "delituosa" para eleger Gouveia e Melo, por maioria, como Figura Nacional de 2021.

«O seu maior mérito foi ter-nos demonstrado, em especial aos políticos e burocratas, ainda haver portugueses bons e de valor, apostados em servir os outros. De forma simples, com linguagem clara e directa, profissionalismo, competência e organização, afinal tudo o que nos falta há décadas.» Palavras que acompanharam um dos 15 votos recebidos neste blogue pelo actual almirante, recém-empossado como chefe do Estado Maior da Armada.

 

Em segundo lugar ficou Carlos Moedas, eleito a 26 de Setembro presidente da Câmara de Lisboa - a maior surpresa das autárquicas, que ditaram o fim de 14 anos de hegemonia socialista na capital. A sua vitória tangencial frente a Fernando Medina tornou-o não apenas a figura mais em destaque neste acto eleitoral mas também um possível candidato a prazo à liderança do PSD, o seu partido. 

Moedas recebeu seis votos dos autores do DELITO, renovando-se uma tradição deste blogue que remonta a 2012. O último lugar do pódio - com cinco votos - foi ocupado por Rúben Amorim, o treinador-sensação de 2021, que conduziu o Sporting ao título de campeão nacional de futebol após um penoso jejum de 19 anos. Houve quem sugerisse - e a proposta merece ponderação - que devemos passar a eleger a figura desportiva do ano. É uma hipótese a considerar. Para já, Amorim fica como vencedor "oficioso" desta categoria ainda inexistente em 2021. Sem favor algum.

 

Figura nacional de 2010: José Mourinho

Figura nacional de 2011: Vítor Gaspar

Figura nacional de 2013: Rui Moreira

Figura nacional de 2014: Carlos Alexandre

Figura nacional de 2015: António Costa

Figura nacional de 2016: António Guterres

  Figura nacional de 2017: Marcelo Rebelo de Sousa

Figura nacional de 2018: Joana Marques Vidal

Figura nacional de 2019: D. José Tolentino Mendonça

Figura nacional de 2020: Marta Temido

Duplo protesto na hora de largar o leme

Almirante Mendes Calado

Pedro Correia, 04.01.22

transferir.jpg

 

Na véspera da consoada, no último Conselho de Ministros antes da quadra festiva e a um mês de eleições legislativas, o Governo voltou à carga: propôs ao Presidente da República a exoneração do chefe do Estado Maior da Armada, trocando Mendes Calado por Gouveia e Melo, o herói do momento neste ramo militar. Tentara isto em Setembro, mês de autárquicas, mas Marcelo Rebelo de Sousa baralhou o jogo, inviabilizando a iniciativa. Agora já não quis ou não foi capaz de repetir o braço-de-ferro com António Costa: o ex-coordenador do plano de vacinação contra a covid-19 acabou empossado dia 27, no início da semana entre o Natal e o Ano Novo que todos os governos reservam para cumprir actos incómodos. Por saberem que nesta quadra há muito menos escrutínio político e é quase inexistente o escrutínio jornalístico.

De uma assentada, Costa alcança dois objectivos, concretizados ainda antes da conclusão das novas leis orgânicas do Estado Maior General das Forças Armadas e dos três ramos castrenses. Por um lado utiliza o empossado – agora promovido a almirante – como trunfo eleitoral do PS; por outro, consegue silenciá-lo após uma meteórica sucessão de entrevistas em que Gouveia e Melo ia subindo o tom das declarações, já não como vulto militar mas como eventual protagonista político. Confessou a ambição de ser ministro do Mar, admitiu vir a criar um movimento cívico e não rejeitou o cenário de candidatar-se a Presidente da República quando passar à reserva.

António Maria Mendes Calado, 64 anos, recusou ser figurante neste filme. Militar de inatacável prestígio, com cerca de 20 mil horas de navegação no currículo, gravou um vídeo de despedida na página oficial do seu ramo no Facebook tornando inequívoco que não saía por vontade própria. «Os que me conhecem não entenderiam que abandonasse o leme da nossa Marinha depois de resistir ao temporal que nos assolou nos últimos tempos», declarou. Numa alusão à recente reforma das Forças Armadas em que o Governo reforçou os poderes do chefe do Estado Maior-General, em detrimento de quem comanda o Exército, a Marinha e a Força Aérea.

Marcelo, embaraçado, reconheceu que Mendes Calado não solicitou a exoneração das funções desempenhadas desde Março de 2018 e em que fora reconduzido há dez meses. Admitiu que o almirante «quis marcar a sua posição» e acentuou que «cumpriu até ao fim, de forma brilhante», uma carreira de 47 anos de serviço naval. Enfim, anunciou a intenção de lhe atribuir a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Palavras e gestos de circunstância de um comandante supremo apanhado entre dois fogos.

Nada disto parece ter comovido o chefe cessante da Armada, que em 2004 comandou a força naval convocada para apaziguar uma das mais graves crises de sempre na Guiné-Bissau. Mendes Calado redobrou o protesto, decidindo não comparecer à brevíssima sessão de posse do seu sucessor no Palácio de Belém. E assim, primando pela ausência, tornou-se o verdadeiro protagonista daquele dia. Alguns candidatos a políticos deviam aprender com ele.

 

Texto publicado no semanário Novo

A nódoa

Zélia Parreira, 24.12.21

O processo de exoneração do actual CEMA e consequente nomeação do Vice-almirante Gouveia e Melo faz-me lembrar alguém, aparentemente desastrado, que deixa cair um garrafão de azeite em chão poroso.

O azeite pode ser da melhor qualidade, "fino como o azeite de Moura". O chão pode ser daquele "marmre más fino que vem ali d'stremoz", como diz o barbeiro dos meus queridos Bonecos de Santo Aleixo. A nódoa fica para sempre, porque quem levava o garrafão fez tudo mal. Tão mal que até parece que foi de propósito. 

Luzes, câmaras, acção: há um novo herói na política

Pedro Correia, 01.09.21

Gouveia e Melo 1.jpg

Gouveia e Melo 2.jpg

Marcelo.jpg

 

Salazar, quando alguém do seu círculo íntimo lhe sugeria determinado académico como hipotético candidato a uma pasta ministerial, respondia à sua maneira lacónica, com manha de camponês: «Primeiro passem-mo na televisão.»

Eram outros tempos, claro. Mas o essencial mantém-se: prestar boas provas no rectângulo televisivo continua a ser o supremo teste de avaliação para quem queira desempenhar funções políticas.

O Presidente da República sabe isto melhor que ninguém: durante anos foi comentador televisivo. Usando os trunfos todos: aparecia em horário nobre, em sinal aberto, à hora do jantar. Como se fosse muito lá de casa, quase como um membro da família.

Sem partido disposto a dar-lhe projecção, sem cargo institucional que lhe concedesse notoriedade, o actual inquilino de Belém fez o tirocínio da candidatura a partir de um estúdio televisivo. Com o êxito que sabemos.

As próximas presidenciais ainda estão distantes, mas os longos percursos são feitos de pequenos passos. Esqueçam as redes sociais: as aparições televisivas continuam a ser a chave do sucesso na política. Daí a futura fornada de presumíveis candidatos à chefia do Estado ter começado já a marcar presença nos ecrãs. Alguns decalcam o modelo que Marcelo instituiu há duas décadas. Mesmo que digam o contrário, isto funciona como a prova do algodão: não engana.

Mas permanecer sentado a comentar o que outros fizeram ou disseram pode não bastar para novos patamares de exigência. Sobretudo em tempo de crescentes dificuldades, quando os portugueses esperam menos palavras e mais acção de quem se dispõe a dirigir o Estado.

É um contexto que favorece o aparecimento de novos protagonistas. E nem há que inventá-los: eles já andam aí. Aconteceu sábado passado em Alcabideche, no concelho de Cascais: o vice-almirante Gouveia e Melo recebeu vibrantes aplausos no pavilhão onde estavam a ser vacinados adolescentes. Foi um tributo público, aparentemente espontâneo, de pessoas comuns. Gratas pelo êxito no processo de vacinação. E também por verem gente competente em postos de comando.

Gouveia e Melo a quem o Expresso – jornal insuspeito de alimentar populismos – chamava em Junho “O almirante salva-vidas”, agradeceu a ovação, como se impunha. À noite, os telediários abriram com estas imagens. «Passem-mo na televisão», diria Salazar.

Marcelo, que domina os códigos televisivos como poucos, intuiu que havia ali alguém capaz de rivalizar com ele em protagonismo e apressou-se a reagir. Não por ciúme, mas pelo contrário: até lhe agradará incentivá-lo. No dia seguinte, pela manhã, acorreu ao mesmo local. Garantindo assim presença em nova ronda de telediários – desta vez à hora do almoço de domingo. A seu lado, o vice-almirante. Aliás recém-condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Avis. Onde? No Palácio de Belém.

Em política, nada acontece por acaso. Nada melhor do que a televisão para nos transmitir sinais. Só há que saber interpretá-los.

 

Texto publicado no semanário Novo

Pensamento da Semana

Diogo Noivo, 29.08.21

O vice-almirante Gouveia e Melo foi aplaudido com entusiasmo por pais e crianças no centro de vacinação de Alcabideche no passado sábado. Isto nada teve a ver com o êxito do processo de vacinação. Aconteceu porque nós, portugueses, há muito que não estamos habituados a ver gente competente em lugares de liderança. Aplaudo também, claro.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana.

De camuflado, na guerra contra o vírus

Henrique Gouveia e Melo

Pedro Correia, 24.08.21

788955.png

 

Há muito que Portugal não via um militar de camuflado ser protagonista frequente dos noticiários. Parece cena de filme. Ou de outros tempos. Mas acontece agora. Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, vice-almirante de 60 anos, supera hoje em popularidade a maioria dos nossos políticos. Porque impôs disciplina e ordem num sector que se tornara notícia por maus motivos. E cumpriu o que prometeu.

Há seis meses era um desconhecido para a esmagadora maioria dos compatriotas. Saiu do anonimato ao assumir a coordenação operacional do plano de vacinação contra a covid-19, no início de Fevereiro, por demissão do anterior titular, que só resistira dois meses em funções. Pairavam imensas dúvidas neste processo que ganhou contornos de emergência nacional: sucediam-se dificuldades no abastecimento, indefinições nas prioridades, situações de vacinação indevida de várias pessoas.

Gouveia e Melo encarou o problema como se liderasse uma operação militar. E estabeleceu metas. A principal ficou na memória colectiva: 8 de Agosto, dia em que 70% da população deveria ter recebido pelo menos uma dose de vacina.

Houve mobilização geral, com sucesso. Num só dia, 6 de Julho, foram ministradas mais de 154 mil vacinas. Portugal tornou-se num dos países europeus com maior taxa de vacinação. Hoje 77% dos residentes no país receberam já pelo menos uma dose e dois terços estão integralmente vacinados. Poucos duvidam: o mérito maior é deste marinheiro habituado a missões difíceis ao comando de fragatas e submarinos. Tem cerca de 31 mil horas de navegação – incluindo mais de 20 mil abaixo do mar.

Surge sempre em cena com o uniforme camuflado que irmana os membros das forças armadas, tornando-o inconfundível na nossa paisagem mediática. Ele diz que o faz por ser prático e esbater rivalidades entre militares dos diferentes ramos. E também para deixar claro que a luta contra a pandemia é uma guerra ainda sem tréguas à vista.

Há dias foi insultado por escassas dezenas de militantes anti-vacina que lhe chamaram «assassino». Ele respondeu em tom adequado: «O negacionismo e o obscurantismo é que são os verdadeiros assassinos. O vírus associado à ignorância e ao medo ainda mata mais.» E seguiu adiante, indiferente aos protestos.

Este homem nascido em Moçambique elege um desígnio estratégico para Portugal: recuperar a nossa secular ligação ao oceano. «Em terra somos pequenos, no mar somos grandes.» Fala com frases simples e que todos percebem. Resiste a banalizar a palavra, demonstrando que sabe comunicar.

Em Maio, Maria Filomena Mónica descreveu-o assim, sem ponta de ironia: «Temos um novo herói: o militar de olhos verdes.» O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que também não é de elogio fácil, enaltece-o como «um verdadeiro líder».

O último oficial que envergou camuflado perante os portugueses foi António Ramalho Eanes, em 25 de Novembro de 1975. Meses depois, ascendia a Presidente da República.

 

Texto publicado no semanário Novo

Voltaren

jpt, 15.08.21

voltaren.jpg

Na sempre aziaga sexta-feira 13 tombei, inopinadamente, sob a urgência dos unguentos. Acabrunhado pelo império da radiculite fiquei à mercê de mãos caridosas, as quais me aspergiram com a última edição da "Visão", boletim que nunca leio - à excepção da sua excelente (fora-de-)série "Visão História", que sempre recomendo.
 
Assim sendo, neste meu imobilismo desalentado, deparei-me com uma entrevista a José Pacheco Pereira (publicitando um novo livro, o que não sendo soez é característica...), cuja retorcida argumentação muito acalentou os sintomas dos meus "bicos de papagaio". Mas tenho de ser justo, ali deparei também com uma belíssima crónica, "O avô António e um restaurante à beira da estrada" de Dulce Maria Cardoso, uma pérola rara nos periódicos nacionais, um verdadeiro Voltaren moral adequado os meus actuais padecimentos. Se não encontrardes a revista acorrei à pirataria pdf e lede o texto...
 
Madrugo hoje, insone de incómodo, e noto que no pavilhão vacinatório de Odivelas a turba rodeou o vice-almirante Gouveia e Melo, apupando-o e apodando-o de "assassino". Uma vera feira medieval, moles ululantes feitas de corcundas, raquíticos, alguns leprosos camuflados, desembarcados das "naves de loucos", suplicantes, um ou outro escravo eslavo, bruxas, pernetas, prostitutas e manetas, "endireitas" agitadores, pajens pernósticos, frades demoníacos, agentes de Castela e Aragão, mendigos ladinos e quantos mais, e isto enquanto os israelitas se escapavam, lestos, desde logo sabendo que a procissão irá sobrar sobre eles... É assim na capital do Reino.
 
Por cá, na vila a Sul do Tejo, narram-me o que se passa na vacinação. Inoculadas que foram todas as gerações mais velhas, sem preocupações nem incidentes, chegou agora a vez dos jovens, os dezoitonários, mancebos e mancebas... Que vêm acompanhados das mães, pedem apoio qual recobro sofrido, neste chegam a desmaiar, e é tamanha a histeria que - e só agora, apenas para esta leva júnior - se instalaram colchões no chão do pavilhão para que recuperem da "agressão" vacinatória.
 
De todas estas desvairadas coisas logo se soube alhures. Ao largo da costa aprestam-se os barcos bárbaros, velame já visível desde o promontório, e da raia chegam novas de que se agitam os berberes. D'El-Rei nada se espera, cirandando como sempre...
 
E eu, amarfanhado por este grifo que me acomete, feneço. Pois, afinal, não há Voltaren a dar-lhe.

Um exemplo

Paulo Sousa, 04.06.21

vice almirante.png

Foto José Fernandes

Já sabíamos que algo diferente estava a acontecer. Quando o processo de vacinação foi entregue à responsabilidade do Vice-Almirante Gouveia e Melo, mais do que ter entrado nos eixos, todo a dinâmica subiu a um nível de excelência num serviço público, a que infelizmente não estamos habituados.

O artigo do Expresso de hoje confirma isso mesmo. Existe alguém que está a exigir resultados e que está rodeado de gente motivada e capaz de realizar coisas efectivamente benéficas para os portugueses. E sem regatear esforços.

Diferentes forças corporativas já por várias vezes tentaram alterar as prioridades definidas, mas têm esbarrado na saudável ambição de querer fazer as coisas como deve ser.

Quando lhe perguntam como reage aos elogios públicos, Gouveia e Melo concorda que “estamos a vacinar a um ritmo elevadíssimo. Mas eu acho que podemos fazer mais coisas bem feitas.” E acrescenta: “Todos estão a trabalhar que nem leões, mas a minha função é estar permanentemente a empurrá-los. (…) Se uma pessoa dá 10, eu vou pedir 12, se dá 12, vou pedir 14.”

Sobre o facto de ele próprio ainda não ter sido vacinado responde: “Porque a minha faixa etária [60 anos] ainda não fechou. Enquanto não tiver 95% das pessoas neste grupo vacinadas, aguardo.” Como comandante que é, quer ser o último a abandonar o campo de combate e mostra o que é liderar pelo exemplo.

Além de uma indiscutível promoção, o Vice-Almirante merece também uma condecoração do estado português e o reconhecimento público.

Parte do marasmo em que o país vive resulta exactamente da incapacidade que a máquina do estado tem em lidar com atitudes generosas e competentes. Quando expostos lado a lado, os acomodados não conseguem ocultar aquilo que são, mas como são tantos, unem-se na sua mesquinhez e facilmente afastam quem mostra ser brilhante.

Não queria que o país fosse governado por militares, mas teve de ser um militar a lembrar-nos o ponto de mediocridade a que chegámos. A aversão pelo esforço e pelo trabalho está tão enraizada que é normal que uma dirigente política possa afirmar, sem pudor nem consequências, que na escola a diversão é mais importante que a aprendizagem. E também sabemos como lida com as escolas que não alinham nessa cantiga.

E o país, manso e conformado, encaixa a canga sem reclamar.

Mas é possível fazer diferente. Também por nos lembrar disso, ficamos em dívida para com o Vice-Almirante Gouveia e Melo.