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Delito de Opinião

Tempos que já não voltam

Pedro Correia, 29.08.24

O Estado Social é inseparável do crescimento económico: nos 30 anos subsequentes à II Guerra Mundial, estas duas realidades progrediram a par. Potenciadas por múltiplos factores entretanto desaparecidos: mercados coloniais, matérias-primas baratas, petróleo a bom preço, taxa de natalidade muito elevada, proteccionismo industrial, restrições à circulação de produtos, pessoas e bens. Tudo isso terminou. Fomos os últimos a fazer cair o pano com o fim do nosso império, em 1975.

As três décadas seguintes caracterizaram-se pela inversão dos dados anteriores. E, portanto, pela atrofia europeia enquanto as restantes regiões do globo registavam índices de prosperidade jamais alcançados. Alguns que tanto defenderam a globalização - a quebra de fronteiras e barreiras - sentem-se agora vítimas dela e pretendem regressar ao quadro anterior. Que é impossível. Não há colónias como mercado de escoamento de bens manufacturados e fonte de matérias-primas baratas. Nem petróleo a preços reduzidos. Nem restrições à circulação de pessoas e capitais. Nem filhos em número suficiente. Nem pode haver, por tudo isto, o Estado Social que houve em tempos anteriores.

Não se pode nunca ter o melhor de dois mundos.

Coisas, pessoas, fronteiras

José António Abreu, 10.11.16

Ontem à noite, na SIC Notícias, Mariana Mortágua - estrela da «geringonça», ideóloga em formação - recusava comparações entre o proteccionismo do Bloco e o proteccionismo de Donald Trump. Explicava ela, com trejeitos de nojo, que Trump quer fechar fronteiras às pessoas enquanto o Bloco defende um mundo onde estas possam movimentar-se livremente. O proteccionismo do Bloco, a sua recusa da «globalização», aplica-se apenas à circulação de produtos e destina-se a proteger e a «dignificar» a produção local contra as «grandes multinacionais». Como de costume, a verve resulta ligeiramente encantatória - desde que não se reflicta muito sobre o assunto. Não parece ocorrer a Mortágua que várias das economias com maior crescimento nas últimas décadas, aquelas onde mais gente saiu da pobreza, dependem precisamente das exportações. Não parece ocorrer-lhe que fechar as fronteiras aos produtos originados nesses países (sejam de índole industrial, sejam de índole agrícola ou pecuária), representaria desemprego e regresso à pobreza. Não parece ocorrer-lhe que a pobreza reforçaria os fluxos de migração, nem que o excesso de imigração gera tensões sociais, custos para o erário público e fenómenos populistas como Trump, o Brexit ou Marine Le Pen. Ou então ela sabe-o perfeitamente - afinal, dizem-na inteligente - e, tal como os seus colegas do Bloco, é apenas muito mais revolucionária do que tenta parecer.

Trocar Marx por Astérix

Pedro Correia, 19.09.16

 

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Nunca a extrema-direita esteve tão próxima de ganhar eleições decisivas em França – incluindo a eleição presidencial. Mas, apesar disso, também nunca a Frente Nacional francesa beneficiou de um silêncio tão complacente de uma parte da esquerda europeia, sem excluir a portuguesa, que prefere virar baterias contra o actual primeiro-ministro Manuel Valls, um reformista moderado. O mesmo silêncio resignado que em Janeiro de 2015 acolheu a formação da coligação governamental em Atenas entre o Syriza e o partido xenófobo Gregos Independentes, da direita musculada.

Marine Le Pen, líder da FN, beneficia desta tolerância de sectores situados à esquerda do PS – e até de algumas franjas socialistas – por confluir com elas no discurso eurofóbico, na retórica anticapitalista, na declarada simpatia pela Rússia de Putin, na hostilidade à NATO, no apego ao Estado como motor da economia. Une-os o combate à democracia liberal, o culto do proteccionismo económico e o ódio aos Estados Unidos.

Esta esquerda, que sempre foi internacionalista, abraça hoje fervorosamente o nacionalismo e marcha sem pudor de braço dado com a direita extremista no combate à globalização. Outrora sonhava edificar o socialismo à escala universal. Agora, pelo contrário, sonha com um Ocidente entrincheirado em fronteiras inexpugnáveis. Com cada nação transformada numa aldeia gaulesa de banda desenhada, nutrida pela poção mágica de Moscovo.

Trocou Marx por Astérix. Marine – loira como o herói de Uderzo e Goscinny – sorri e agradece. O Eliseu já se vislumbra ao virar da esquina.

Aprender com os erros

Pedro Correia, 27.08.15

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Ouço alguns suspirar de nostalgia pelo regresso aos "30 anos gloriosos" que até 1975 mantiveram a Europa na vanguarda do crescimento económico e das conquistas sociais.

Percebo o lamento, mas há que reconhecer a realidade. As condições das décadas de 50 e 60 são irrepetíveis. Não só em Portugal (onde vigorava uma ditadura e havia condicionamento industrial com a pesada mão do Estado a ditar as regras, além de mão-de-obra barata, combustíveis ao preço da chuva, a protecção social tinha índices residuais e os mercados coloniais garantiam o abastecimento de matérias-primas), como é óbvio. Mas também no mundo.


As independências africanas, o aumento acentuado do preço dos combustíveis decretado pela OPEP em 1973 e, bastante mais tarde, a adesão da China ao acordo global de comércio, arranque simbólico da globalização, alteraram todo o cenário mundial. Tudo isto somado ao chamado "inverno demográfico" europeu, que ameaça implodir os sistemas públicos de protecção social.
É importante darmos prioridade às políticas de natalidade, que tiveram sucesso (por exemplo) na Suécia e na Dinamarca. Mas não vale a pena lutarmos contra a globalização, que para os povos outrora submetidos a opressão de vária ordem constituiu um poderoso grito libertador. Entre 1991 e 2011, cerca de 400 milhões de pessoas à escala global abandonaram o patamar extremo de miséria - aquele em que muitos ainda sobrevivem com menos de um dólar diário.

Todos os anos há largos milhões de indianos, brasileiros e chineses que transitam da pobreza para a classe média graças à globalização.
É um caminho de não-retorno.

Voltando a Portugal.
Se nos lembrarmos que o "crescimento zero" da primeira década do século XXI (abaixo de 1% podemos continuar a usar este chavão) ocorreu quando continuávamos a receber milhões de euros em fundos europeus, ao abrigo de vários programas comunitários, podemos considerar que se tratou de uma década perdida.
Mas pelo menos uma boa lição poderá ser colhida desses anos: não repetir os mesmos erros nem as mesmas receitas que nos conduziriam fatalmente às mesmas consequências.
Julgo que uma larga maioria de portugueses pensa assim. Até porque um país que não consegue aprender nada com três situações de pré-bancarrota em três décadas condena-se antecipadamente ao pior.

Penso rápido (34)

Pedro Correia, 31.07.14

O Estado Social é inseparável do crescimento económico: nos 30 anos subsequentes à II Guerra Mundial, estas duas realidades progrediram a par. Potenciadas por múltiplos factores entretanto desaparecidos: mercados coloniais, matérias-primas baratas, petróleo a bom preço, taxa de natalidade muito elevada, proteccionismo industrial, restrições à circulação de produtos, pessoas e bens. Tudo isso terminou. Fomos os últimos a fazer cair o pano com o fim do nosso império, em 1975. As três décadas seguintes caracterizaram-se pela inversão dos dados anteriores. E, portanto, pela atrofia europeia enquanto as restantes regiões do globo registavam índices de prosperidade jamais alcançados. Alguns que tanto defenderam a globalização - a quebra de fronteiras e barreiras - sentem-se agora vítimas dela e pretendem regressar ao quadro anterior. Que é impossível. Não há colónias como mercado de escoamento de bens manufacturados e fonte de matérias-primas baratas. Nem petróleo a preços reduzidos. Nem restrições à circulação de pessoas e capitais. Nem filhos em número suficiente. Nem pode haver, por tudo isto, o Estado Social que houve em tempos anteriores.

Não se pode nunca ter o melhor de dois mundos.

Outros caminhos

Teresa Ribeiro, 28.02.13

"O que se pode fazer é reorganizar a produção. Porque é que temos que importar mobílias baratas da China? Vamos fazê-las nas regiões à volta das grandes cidades, vamos tornar a produção local - todos os países o têm. Devíamos também re-localizar os créditos, criar pequenas associações de crédito, pequenos bancos: porque é que os bancos de retalho têm que estar nas mãos dos grandes bancos? Há muito que se pode fazer, inclusivamente dentro do próprio sistema actual. Isso vai alterar o poder do mercado financeiro? Não. Mas pode ser um passo no espaço económico em que os locais têm mais controlo e haverá maior resposta às necessidades locais. Para os projectos locais é preciso bancos locais que os financiem. Os bancos locais dependem das pessoas locais, mas devolvem o dinheiro à produtividade local. Seria um pequeno passo para criar um outro espaço económico. Mas isto não é apenas uma questão económica, depende da política económica".

Saskia Sassen, uma das principais teóricas da globalização.