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Delito de Opinião

Quem brinca com o fogo pode queimar-se

Pedro Correia, 23.01.25

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Abertura do Canal do Panamá, em 15 de Agosto de 1914

Donald Trump não perdeu tempo: no próprio discurso da tomada de posse, na segunda-feira, deixou bem claro que pretende repor o Canal do Panamá sob a tutela de Washington. Alegando que é uma obra de engenharia dos EUA, que de facto assumiram entre 1904 e 1914 a edificação desta rota marítima artificial entre o Mar das Caraíbas e o Oceano Pacífico por onde hoje circula cerca de 6% do comércio mundial. Mas não é menos verdade que Washington abdicou voluntariamente do exercício da soberania no canal em 1977 com a assinatura dos tratados Carter-Torrijos, que concediam à República do Panamá a plena jurisdição da zona a partir de 1999, como veio a acontecer.

O novo-velho inquilino da Casa Branca parece mesmo disposto a mandar às malvas o direito internacional, tal como aconteceu com o ditador russo ao ocupar parcelas da Ucrânia. Será que isto legitima a partir de agora também a França e o Reino Unido a "reconquistarem" o Canal do Suez, inaugurado em 1869 e nacionalizado pelo Governo egípcio em 1956 apesar dos protestos de Paris e Londres?

Já que o mapa geopolítico anda a ser "redesenhado", perante o aplauso de uns quantos, convém não deixar o Suez de fora. Até por ali fluir cerca de 12% do comércio internacional - dobrando a percentagem do Canal do Panamá.

Este é o problema de quem semeia ventos: deve preparar-se para colher tempestades. O efeito de contágio é fatal: basta o rastilho de uma fogueira para que ela se multiplique por cem ou mil. E há sempre a hipótese de os tiros fazerem ricochete - mesmo que por enquanto não passem de tiros verbais.

Gronelândia, Canadá e Panamá

Paulo Sousa, 11.01.25

Trump comporta-se tal e qual, mas mesmo tal e qual, como um grunho boçal. As parecenças são tão grandes que é fácil concluir que muito provavelmente será realmente um grunho boçal.

Com os anos que já levo disto, já me cruzei com outros grunhos boçais bem sucedidos. Digo isto salvaguardo a óbvia diferenças da escala de comparação entre uns empresários/proprietários tugas e um empresário/proprietário norte-americano que mais tarde se tornou Presidente dos EUA. Mas um grunho boçal, independentemente da respectiva escala, nunca deixará de ser grunho boçal.

Por vir a propósito, remeto nesta altura ao excerto da maravilhosa canção “O Desafinado" de João Gilberto, em que ele diz: “o que você não sabe nem sequer pressente, é que os desafinados também têm coração”. Não trago isto à conversa por me preocupar minimamente com os assuntos de coração do presidente de turno dos EUA, mas aceito que mesmo um grunho boçal pode saber mexer-se numa mesa de negociações.

A velha ordem liberal, que desde o fim da 2GM nos trouxe até à actualidade, está realmente velha. Desde há algum tempo que potências suficientemente poderosas apostam todas as fichas em acabar com ela para depois redesenhar as novas regras do jogo. Os EUA, enquanto lideres da velha ordem, poderiam reagir a esta ofensiva de duas formas, ou recorriam às regras ainda em vigor, assentes no direito internacional, algo que as potências desafiadoras pouco consideram, ou poderiam ir a jogo e mostrar que se a parada subir têm algo a dizer.

Podemos resumir o mandato de Biden, que entretanto termina, como uma tentativa de pôr em prática a primeira opção. Os resultados nem foram satisfatórios para o mundo, nem dissuasores para as potências desafiadoras. Como é que então se poderia concretizar a segunda?

A China ambiciona dominar Taiwan, e a Rússia quer a Crimeia e o Donbass, então e se os EUA passarem a dominar o Árctico, o acesso deste até ao Atlântico, as terras raras do subsolo da Gronelândia e o atalho navegável entre as duas Américas? Como disse, à luz da velha ordem este não é um cenário razoável, mas, e aqui lanço o desafio de nos colocarmos nos pés das potências desafiantes, será que valerá mesmo a pena avançar para um jogo em que se troca uma pequena ilha, uma província ucraniana e uma península de um mar interior, por uma mão cheia ases e manilhas de naipes valentes? Não duvido que nesta altura do jogo a última coisa que as potências desafiadoras desejavam era terem de defrontar um jogador imprevisível com fama de não recear paradas altas. A grunhice e a boçalidade são dois passarinhos a voar no canto da fotografia.

Geopolítica de balcão - II

Paulo Sousa, 29.04.22

- A Rússia de Putin ou nos manda todos para o galheiro, ou então não tem salvação. 
- Oh Bruno, traz mais duas mines.
- Ou morremos todos, ou aquilo fica entregue aos Kadiroves desta vida. Aquilo é malta que tropeça em ogivas nucleares e há lá uns que até se pintam de as poder vender aos amigos do Allahu Akbar.
- Pois, se calhar é!
- Sabes que um dos problemas destes líderes lunáticos, não é o único, mas é um dos, é a sucessão.
- Queres tremoços?
- A seguir ao gajo, quem é que toma conta daquela capoeira?
- Viste o jogo do Porto?
- É que aquilo são cento e quarenta e tal regiões autónomas e republicas e nunca mais se entendem. Até o Japão já anda a reclamar una calhaus no meio do mar.
- Queres Sagres ou Super Bock?
- Sagres!

Geopolítica de balcão - I

Paulo Sousa, 07.04.22

Depois de na pandemia todos termos descoberto a nossa costela de epidemiologistas de bancada, agora, durante a guerra curso na Ucrânia, qualquer um de nós pode, de barriga encostada ao balcão, debitar teorias geopolíticas e projectar o mundo pós-conflito ucraniano.

Assim, enquanto trinco um palito, cá vai:

A Ucrânia em troca da paz possível, terá de ceder território. Olhando para como tem decorrido a guerra, Odessa poderá ficar como o único acesso do país ao Mar Negro. Será que as tropas russas, estacionadas há décadas na Transnistria, poderão pressionar o flanco ocidental deste porto ucraniano? Perante esta possibilidade, e dada a sua falta de continuidade territorial com a Rússia e as naturais dificuldades logísticas que isso acarreta, como reagiriam as autoridades moldavas? Aproveitariam a oportunidade para recuperar o controle do território que lhes é internacionalmente reconhecido?

Sobre o que não há dúvidas é que a Rússia já está e sairá desta conflito diplomática e economicamente isolada, e isso vai perdurar durante muito tempo. Não sabemos como é que o regime de Putin irá envelhecer, mas sendo ele um septuagenário, mais ano menos ano, vamos todos recordar mais uma vez que um dos problemas das lideranças fortes é exactamente a sucessão. Em qualquer cenário, a dependência russa do vizinho chinês irá acentuar-se.

A U.E. vai investir fortemente na reconstrução ucraniana e sofrerá a tentação de fazer vista grossa ao cumprimento dos princípios de estado de direito como critério de adesão, sem esquecer que a Turquia já deu sinais de que a sua própria adesão poderá regressar a breve prazo à mesa diplomática.

A defesa europeia será um assunto a que nenhum estado-membro se poderá furtar e o Serviço Militar Obrigatório irá passar a fazer parte do glossário dos jovens europeus.

Quem terá a chave do jogo não serão os EUA nem a U.E., mas sim a China. A minha aposta vai no sentido de que Xi Ji Ping nunca permitirá que Putin se aproxime dos botões nucleares. A necessidade de crescimento económico por parte do regime chinês, assim como a vontade de manter uma imagem global de respeitável parceiro e de convicto cumpridor da ordem mundial, nunca o permitiriam. Arrisco até a dizer que o cenário que mais agradará aos chineses será aquele em que o mundo fique a acreditar que foi a China que nos salvou a todos de uma catástrofe nuclear. Nessa linha, o cenário do pós-guerra será favorável aos chineses, pois além do reforço reputacional, o seu ascendente na Eurásia será inegável. Ao permitir-se manter um rottweiler a este, e outro a oeste, com a Coreia do Norte e a Rússia pela trela, a China poderá assustar toda a sua alargada vizinhança quando bem entender, sem que tenha de deixar de negociar respeitavelmente com todos.

Agora vou ali beber mais uma mini e pedir para encherem o pires dos tremoços.

- Oh Bruno!!

ADENDA

E mais outra.

A chamada Primavera Árabe iniciou-se em Dezembro de 2010 numa manifestação de desespero de um tunisino perante a subida dos preços dos cereais, que o impedia de conseguir alimentar a respectiva família. Para quem se der ao trabalho de recuar na linha do tempo que antecedeu esta revolução, procurando uma razão para tais subidas de preços, irá notar que no Verão desse mesmo ano extensos incêndios na Rússia destruiram 25% dos seus campos de cultivo de cereais.

Podemos a partir daqui projectar o que se irá acontecer nas regiões mais pobres do mundo?