Depois de na pandemia todos termos descoberto a nossa costela de epidemiologistas de bancada, agora, durante a guerra curso na Ucrânia, qualquer um de nós pode, de barriga encostada ao balcão, debitar teorias geopolíticas e projectar o mundo pós-conflito ucraniano.
Assim, enquanto trinco um palito, cá vai:
A Ucrânia em troca da paz possível, terá de ceder território. Olhando para como tem decorrido a guerra, Odessa poderá ficar como o único acesso do país ao Mar Negro. Será que as tropas russas, estacionadas há décadas na Transnistria, poderão pressionar o flanco ocidental deste porto ucraniano? Perante esta possibilidade, e dada a sua falta de continuidade territorial com a Rússia e as naturais dificuldades logísticas que isso acarreta, como reagiriam as autoridades moldavas? Aproveitariam a oportunidade para recuperar o controle do território que lhes é internacionalmente reconhecido?
Sobre o que não há dúvidas é que a Rússia já está e sairá desta conflito diplomática e economicamente isolada, e isso vai perdurar durante muito tempo. Não sabemos como é que o regime de Putin irá envelhecer, mas sendo ele um septuagenário, mais ano menos ano, vamos todos recordar mais uma vez que um dos problemas das lideranças fortes é exactamente a sucessão. Em qualquer cenário, a dependência russa do vizinho chinês irá acentuar-se.
A U.E. vai investir fortemente na reconstrução ucraniana e sofrerá a tentação de fazer vista grossa ao cumprimento dos princípios de estado de direito como critério de adesão, sem esquecer que a Turquia já deu sinais de que a sua própria adesão poderá regressar a breve prazo à mesa diplomática.
A defesa europeia será um assunto a que nenhum estado-membro se poderá furtar e o Serviço Militar Obrigatório irá passar a fazer parte do glossário dos jovens europeus.
Quem terá a chave do jogo não serão os EUA nem a U.E., mas sim a China. A minha aposta vai no sentido de que Xi Ji Ping nunca permitirá que Putin se aproxime dos botões nucleares. A necessidade de crescimento económico por parte do regime chinês, assim como a vontade de manter uma imagem global de respeitável parceiro e de convicto cumpridor da ordem mundial, nunca o permitiriam. Arrisco até a dizer que o cenário que mais agradará aos chineses será aquele em que o mundo fique a acreditar que foi a China que nos salvou a todos de uma catástrofe nuclear. Nessa linha, o cenário do pós-guerra será favorável aos chineses, pois além do reforço reputacional, o seu ascendente na Eurásia será inegável. Ao permitir-se manter um rottweiler a este, e outro a oeste, com a Coreia do Norte e a Rússia pela trela, a China poderá assustar toda a sua alargada vizinhança quando bem entender, sem que tenha de deixar de negociar respeitavelmente com todos.
Agora vou ali beber mais uma mini e pedir para encherem o pires dos tremoços.
- Oh Bruno!!
ADENDA
E mais outra.
A chamada Primavera Árabe iniciou-se em Dezembro de 2010 numa manifestação de desespero de um tunisino perante a subida dos preços dos cereais, que o impedia de conseguir alimentar a respectiva família. Para quem se der ao trabalho de recuar na linha do tempo que antecedeu esta revolução, procurando uma razão para tais subidas de preços, irá notar que no Verão desse mesmo ano extensos incêndios na Rússia destruiram 25% dos seus campos de cultivo de cereais.
Podemos a partir daqui projectar o que se irá acontecer nas regiões mais pobres do mundo?