Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

O plural neutro

Cristina Torrão, 04.02.24

Venho fazer uma sondagem entre os nossos leitores/comentadores (este plural não é neutro, é só mesmo para leitores no masculino).

Imagine o leitor que está incluído num grupo de dez pessoas, por acaso, nove homens e uma mulher. E imagine que ninguém é casado. Eu estou perante o grupo e convido-vos para uma festa. Depois de aceitarem o convite, eu pergunto: «os vossos namorados também vêm?»

Gostaria agora que os leitores declarassem se se sentem confortáveis com a minha pergunta, ou preferiam que eu referisse igualmente as namoradas.

O apoio homossexual à Palestina

jpt, 04.11.23

 
 
Via Whatsapp um amigo envia-me este curto filme, que decerto por aí anda rodopiando. Não percebo o conteúdo, que sinto grotesco, e pergunto-lhe "O que é isto, pá?!". Diz-me "é uma coisa chamada Fado Bicha a apoiar a Palestina!". E vem implícito o remoque, que também está generalizado, aos homossexuais que se afadigam em declarações públicas deste teor - sabendo-se bem que face ao mundo islâmico, ainda que esse bastante diverso, a liberalidade legislativa e de costumes israelita é um oásis para as sexualidades, hetero e homo (e as outras que agora andam a ser indexadas com afã).
 
Sorrio. Já o disse, aos ademanes em palco sinto-os como grotescos. Sinto-os ainda mais assim - que quereis?, sou um homem nascido nos anos 1960s, justifico-me, glosando o abissal sábio de Coimbra -, do que quando diante daquelas dançarinas dos play-back pimbas nos programas televisivos da tarde, elas bojudas "como deve ser", pulando e gingando, seus refegos, lascas de celulite e proto-varizes ressaltando sob as minissaias. E destes Fado Bicha apenas tomara conhecimento ao sabê-los apoiantes - ou mesmo inspiradores - daquele prostituto brasileiro que invadiu um teatro municipal lisboeta. Apresentando-se apenas em cuecas e com os implantes mamários desnudados, algo que considerava suficiente para ali exigir um emprego - para desvelo de alguma "comunidade artística" -, ainda que, como se soube depois, considere o teatro uma chatice e prefira ir ao futebol com o namorado.
 
Não seja por isso. Esta rapaziada (ou raparigada, como preferirem, que não quero parecer preconceituoso) não inova grande coisa. De facto, sabendo-o ou não, seguem o Papa Foucault, esse "grande educador da classe genderária", o que se desunhou em apoios e viagens solidárias para com o fascismo teocrático de Teerão enquanto gozava a liberdade existencial americana. "They love Teheran but they fuck in Frisco", resumi eu em postal de blog, aludindo literalmente à foucauldiana deriva.
 
Mas o que se pode criticar a esta malta histriónica do "género" (ou lá o que é) é o facto de sempre se calarem com as maldades (e que maldades) "alheias" enquanto sempre anunciam hiperbólicos horrores nas sociedades "ocidentais". "Nós" demónios, os "outros" húmus multiculturais, por assim dizer. É uma pantomina, travestida de pensamento, e por vezes - como neste caso - mesmo por trajes. Um patético "anti-capitalismo", de facto nada mais do que um esparvoado "anti-americanismo". Dará prestígio, entre a "comunidade" que lhes é "público" e entre "instituições" e "câmaras" que contratam e financiam. É uma incongruência, de hipocrisias e dislates feita.
 
Mas tudo isso não impede uma outra faceta. É perfeitamente legítimo - até honroso - que alguém defenda outrem que dele não gosta ou até persegue. Se se reconhece a esse outrem pertinência nas reclamações como evitar expressar solidariedade? Especialmente em momentos dramaticos? "Faz o bem sem olhar a quem"... está escrito num qualquer texto judaico, julgo. Ou seja, é errado criticar os homossexuais por defenderem causas ou posições oriundas de países islâmicos. Pode-se discordar. Mas é perfeitamente legítimo - insisto, até honroso. Mas o que é inadmissível é que tantos desses movimentos, e seus locutores, demonizem as sociedades liberais. Porque essa atitude, verdadeira contradição - que é tão generalizada, tão constante -, não passa de um pobre e ordinário travesti de cidadania.
 
Quanto a estes Fado Bicha que me atiraram ao telefone só tenho uma coisa a dizer, pois sou muito reaccionário. Há algo fundamental, nisso obrigatório, quando se ergue a bandeira de alguém, em especial se a nacional, para se lhe demonstrar apoio. Não se arrasta essa bandeira pelo chão.
 
(Um pequeno detalhe, alguns dirão. Sim, é um pequeno detalhe. Mas bem demonstra a abjecta pantomina que é tanto "disto", quase tudo disto "genderístico".)

O Significado de "Cisgénero"

jpt, 27.10.22

Champions League: Tottenham/Sporting (1-1), resumo

 
 

Apesar de ter uma licenciatura em Antropologia Social (disciplina que, ao que me vêm dizendo, é especializada nestas matérias) tive de chegar aos 58 anos para perceber - ontem - o que é "cisgénero", termo que se vai disseminando e que, ao que vou lendo nos autores das wikipédias, significa ser portador da doença ("condição", diz-se) de se nascer homem - com pénis e respectivos adjacentes - e de se passar a vida a julgar-se homem.

Percebi-o durante o que foi gravado e está resumido neste filme. Lá para o fim do evento eu estava já longe da televisão que o transmitia em directo, escondido na cozinha - desarrumando pratos, deitando os restos dos acepipes no chão vizinho ao caixote do lixo, pondo copos lavados na máquina de lavar, resmungando o destino que é sempre o mesmo, feito de desilusões e amarguras, a vida que , diga-se o que se disser, não vale a pena ser vivida, toda esta filosofia condensada no mandamento "isto é sempre a mesma merda!" e seu consabido corolário "vamos levar um golo mesmo no fim!"... Quando da sala veio a exclamação, o evidente e tão previsto "golo do Tottenham!" (aos 3,10 minutos deste filme).

Para lá voei, plantando-me diante do ecrã, rugindo um infindável feixe de impropérios, peludos e espessos, prenhes de corrimentos e miasmas, que envergonhariam um coriáceo taxista, nisso sinalizando o meu desespero existencial.

Depois, algo depois, percebi então o que é aquilo do "cisgénero". É que um tipo, mesmo que durante estas epifânias abissais, só fala assim entre outros "cisgéneros" - naquele caso os da sub-espécie "benfiquista".

Construção Social do Género

jpt, 17.08.22

maf.jpg

Estas questões do "género" têm que se lhe diga, e o que sobre isso vem à baila também. Diz-se que "agora" os homens têm de se despachar em afazeres domésticos, aprendê-los e isso, num óbvio "os tempos mudaram", um viés do que hoje se diz "construção social do género" e antes se dizia divisão sexual do trabalho. Será assim, para os muitos das novas gerações, os desta "Era Identitária"... Acontece que sou velho e tenho outras memórias, "identitárias" por assim dizer.
 
Quando acabei o curso fui convocado ao "Calhau". Não guardo disso boas memórias, pois foi um azar nítido: não só pelas oportunidades laborais que logo perdi. Mas, acima de tudo, porque no meu edital (25 ou 50 nomes, já não recordo) fora o único a quem não tinha sido atribuída a ansiada "passagem à reserva territorial". Terá sido o dia de maior raiva da minha vida.
 
Depois foi o que sabem aqueles que fizeram a tropa. Algo rude - menos que antes, pois havia 2 anos que tinham morrido uns recrutas na "prova do fosso" e isso amainara o jovem oficialato e os temíveis furriéis. Pesado, porque aquela "ginástica até à morte" não era um mero mito. E dificilmente suportável, porque tudo aquilo era, acima de tudo, uma imensa perda de tempo para um puto cheio de pressa na vida. E depois, ainda por cima, era um bocado pacóvio, de anacrónico - cada um tinha a sua "namorada" (a G3): e todos tínhamos um "inimigo" ("o meu alferes dá licença?", um dia perguntou o sô Teixeira, durante a prelecção ao pelotão na parada, "diga, sô Teixeira!", "quem é esse inimigo?". Sorriso do jovem oficial - que era um puto porreiro, rijo mas porreiro - e "Bem, dantes eram os russos, agora não sabemos!!!", que o raio do Gorbatchov nos tinha trocado as voltas...).
 
Enfim, por lá andávamos, Tapada acima, Tapada abaixo, disparando quando nos diziam para isso, correndo e saltando quase sempre, marchando na parada com a monotonia ou nas cercanias do raio da vila (raisparta Mafra), com mochilas mais pesadas do que no inter-rail, estudando sebentas do pequeno oficialato noite afora, sorvendo o rancho que não vinha do Pap'Açorda, e o tintol que se dizia ter cânfora para reduzir os anseios (sodomitas, presumo), e sei lá mais-o-quê que já lá vão mais de trinta anos. E no meio disto tudo ainda se tinha de aturar - e isso talvez fosse o pior - os instruendos camaradas estuporados, pois ali deprimidos e/ou na ronha, sofrendo aquilo como se dali fossem partir para a frente leste, os esperasse um qualquer Estalinegrado e não apenas um anito de modorra numa Tavira ou Lumiar qualquer...
 
Enfim, no que tive de fazer lá me safei o suficiente, apesar de desajeitado naquilo (menos na pontaria, registo, apesar de destro com olho condutor esquerdo), muito devido ao que na avaliação final ficou explícito, uma boa referência em "rusticidade", algo que ainda hoje recordo com prazer, enfático.
 
Dito isto, foi na tropa que este burguesote, tão benjamim que quase filho-único, aprendeu a coser botões, a ir à máquina de lavar quando chegado a casa de trouxa às costas, a passar a ferro (mais ou menos, mais ou menos...), a ter os pertences muito bem arrumados, qu'a gente tem de limpar os sanitários (lavabos e cagadoiros), a ter calçado e vestes impecáveis. A organizar uma mesa (quando se é "chefe" dela"). E que fazer a cama é a primeira coisa após se vestir, e muito bem aprumadinha, que a "casa" não é para estar descomposta... E, mais do que tudo, a ser "mães de famílias" (como então se dizia) pois também era exigido o tomar conta dos outros (mais-novos, por definição) que não sabiam fazer as coisas, como eu desesperado com o bom do sô Cabecinhas, meu camarada de beliche, um daqueles alourados celtas que o Norte ainda nos oferecia, desajeitado nas artes de esticar lençóis e tão atrapalhado em tudo aquilo, assim sempre atrasando-se, que algo relapso na higiene pessoal, obrigando-me a trocar-lhe in extremis as fronhas, para evitar a gritaria do oficialato, aquela do "Sô Teixeira, você não está a ajudar o seu camarada... vamos encher". Etc...
 
Enfim, é isto apenas a minha contribuição de antropólogo para esta lengalenga da "construção social do género", sub-secção "lavores". Quanto ao resto? Raisparta Mafra...
 

Latrinas universitárias

jpt, 04.06.22

latrina.jpg

Uma prestigiada universidade lisboeta introduziu sanitários unissexo (aliás, unigénero) nas suas instalações. Ao que informa a imprensa as razões são totalmente curiais, dado que ali laboram pessoas (decerto que alunos, funcionários e professores) que "não se identificam com o género que lhes foi atribuído à nascença" - presumo que esta formulação algo excêntrica advirá de uma incompreensão do jornalista redactor, mas isso será pormenor que não apoucará a justa causa sanitária. Assim sendo, e dado o incómodo sentido por essas pessoas ao satisfazerem as suas necessidades fisiológicas, a progressista universidade encetou o processo de terminar com o apartheid fisiológico.

De facto, nada se poderá contestar face à justeza do princípio activado. Apenas um pudor culturalmente imposto nos conduz a apartar "homens" e "mulheres" (se é que estes termos ditatoriais ainda têm pertinência) nos seus momentos de micção e defecação - e é bem sabido que outras sociedades organizam de modo diferente essas práticas fisiológicas, tanto em termos de separação de "géneros" como de "gerações" (essa ditadura etária...) e mesmo de proclamação da "intimidade" requerida para os actos.

É certo que se poderá dizer que aqueles que querem recusar "o género que lhes foi (culturalmente) atribuído à nascença" (para usar a malévola construção do jornalista) também poderiam - e até mais facilmente -  apartar-se desse pudor culturalmente atribuído. Mas enfim, para quê violentar as suas sensibilidades em momentos, por vezes, tão aflitivos? Que justiça haverá em exigir-lhes ainda mais um expurgo cultural, exauridos que poderão estar dada a premente (e porventura pressionante) tarefa de se libertarem do peso cultural imposto pela genitália.

Em face do que exponho - e faço-o impregnado pelos saberes da antropologia, a qual estudei naquela mesma universidade, ainda nos tempos do apartheid sanitário - julgo assisada a decisão das autoridades académicas, e espero que num curto espaço de tempo os sanitários unigénero venham a ser norma, e não excepção, no ISCTE. E nas outras instituições nacionais de ensino superior.

Mas aduzo outra questão, correlacionada. A referente ao mobiliário sanitário que o Estado (trata-se de uma instituição de ensino público) impõe. Pois as atitudes corporais na micção e na defecação são culturalmente construídas (ou seja, ensinadas). E também nessas há o peso da construção do género, esse ferrete ditatorial imposto desde a mais tenra idade aos indivíduos. Daí a predominância do hábito dos "homens" urinarem em pé e das "mulheres" urinarem agachadas (ou sentadas) - algo que também não é universal, como saberá qualquer indivíduo mais lido. Nesse sentido, e neste passo de extirpar a ditadura do género sobre os actos fisiológicos, as novas instalações sanitárias unigénero deverão ser transformadas, conduzindo a uma homogeneidade pós-género no acto da micção. Assim deverão ser afastados os heteropatriarcais urinóis, cuja utilização demarcará uma identidade própria e denotará alguma ambição de poder, falocentrado.

Entretanto, é do conhecimento geral que os "homens" (no mero sentido de portadores de pénis mictórios) têm tendências a aspergir de urina de forma menos circunscrita as sanitas (as "retretes", como dizem os burgueses que estudam na universidade), nisso conspurcando os rebordos sanitários. Isso poderá causar desconfortos futuros às "mulheres" (no mero sentido de pessoas desprovidas de pénis mictórios), e mesmo doenças de foro infeccioso.

Assim sendo, será culturalmente libertador e sanitariamente precavido a harmonização do mobiliário destas instalações unigénero. Significa isso proceder à instalação de latrinas, refutando a referida ilegitimidade dos urinóis (pois algo descabidos às portadoras de vagina), e eliminando os perigos infecciosos das sanitas.

Um outro passo deverá ser encetado, nesta via de descondicionamento das práticas fisiológicas, refutando os valores culturalmente inculcados. Trata-se de ultrapassar o dogma da "intimidade" - o qual se afirmou na nossa sociedade mas que, também ele, inexiste noutras. Deste modo será de pensar, talvez num segundo passo ou talvez desde já, em abdicar da instalação dos cubículos destinados aos actos fisiológicos, em particular no que concerne à defecação. O "open space" é uma opção culturalmente libertadora e deve ser transmitida às novas gerações. 

ADENDA: meros momentos após ter publicado este postal comecei a receber mensagens privadas apelando a uma alteração (e um comentário aqui no blog). É certo que poderão ser contributos eivados de heteropatriarcado, mas tratam-se de testemunhos de "homens" (ou seja, pessoas portadoras de pénis mictórios) que afirmam ter tido, por vários motivos, acesso a sanitários exclusivos a "mulheres" (indivíduas portadoras de vagina), os quais apresentavam vestígios de urina bem mais ala(r)gados do que o habitual nos redutos falocêntricos. Noto esse assunto pois, de facto, sublinha a minha proposta, a da colocação de latrinas unigénero, menos dadas à proliferação de dejectos líquidos. E ainda por cima evitará o que me parece óbvio dado o imediato efeito do meu modesto postal: o da eclosão de um conflito de géneros sobre os piores urinantes...

A gramática e o género

Sérgio de Almeida Correia, 18.02.22

(créditos: Gonçalo Lobo Pinheiro)

"Dizem ser possível que, pela segunda vez, uma mulher venha a presidir à Assembleia da República. Se isso acontecer, não vai faltar quem queira chamar-lhe “Presidenta”. Será assim? Presidente ou Presidenta?"

O texto é relativamente curto, claro e bastante esclarecedor, mas acima de tudo oportuno. E até porque a estupidez também tem afectado o combate pela igualdade de género, e deve ter limites, vale a pena ler o que escreveu hoje o Prof. Carlos André.

O sexo e a EMEL

jpt, 09.04.21

genero.jpg

Descubro este "Inquérito aos Hábitos de Mobilidade em Lisboa". Presumo que tenha algo a ver com isto das bicicletas, e é feito pela EMEL, aquela empresa predatória dos rendimentos dos cidadãos. Leio esta pergunta sobre se "o sexo [dos hipotéticos ciclistas lisboetas] atribuído à nascença coincide ou não com a identidade de género" e, para além de outras questões menores, surge-me uma memória recente.
 
Na quinta onde estava, há algumas semanas acolhi uma jovem gatinha, algo desamparada, miando naqueles hectares pejados de simpáticos mastins. Acolhi-a, resguardei-a. E dada a sua atitude lânguida e mimosa, nomeei-a - inscrevendo-a sob os meus ancestrais - com a graça de Flávia. No que foi um evidente reflexo de "machismo estrutural", como fui recentemente denunciado por uma bloguista sportinguista. E logo a anunciei aos vizinhos - e, depois, nas "redes sociais", o que foi modo de lhe arranjar lar apropriado (aqui narrei o caso). Lá na quinta a primeira pergunta que os vizinhos me fizeram foi "é gato ou gata?". Ao que eu respondi "sei lá!". Então o dono da quinta, meu amigo, que é professor (e nisso excelente) foi até ela, pegou-lhe, virou-a e disse "é gata". E explicou-me que há diferenças entre gatos e gatas, e quais são elas e como se detectam. E eu aprendi. As tais diferenças de sexo.
 
Agora o meu problema é ideológico. Pois há uma empresa municipal (o Estado) que nos pergunta "se o sexo que foi atribuído à nascença corresponde...". Ora, que pergunta é esta? O sexo foi "atribuído" por quem? Que entidade atribui sexo? Entenda-se bem, Portugal é um Estado laico. Não é um Estado secular, nem confessional, é laico. E como tal não é legítimo que uma empresa pública (sob Medina ou qualquer outro) ande, de modo vicioso, a aludir a entidades metafísicas. A liberdade de culto é um bem fundamental, um direito inalienável. Mas o proselitismo metafísico, uni ou multilateral, está vedado aos órgãos estatais.
 
Ou seja, isto tem que ser já retirado. E algum responsável, seja lá de que género for, tem que ser demitido.

A linguagem inclusiva

jpt, 02.10.20

linguagem inclusiva.jpg

A secretaria-geral do ministério da Defesa Nacional, instância decerto composta por assalariados do funcionalismo público, dispendeu algum tempo - ou seja, dinheiro público -, a compor uma proposta de directiva para uma "linguagem não discriminatória e mais igualitária nas Forças Armadas", a qual inclui este tipo de modificações. O dinheiro (tempo) gasto nesta escrevinhice não terá sido muito, e quem a fez não deverá ter muito mais para fazer. Ou seja, os custos efectivos disto são um nada. Tem apenas custos subjectivos, pois a patetice potencia irritações sociais e nisso oposições espontâneas a outras justas práticas tendentes à equidade. Muito bem esteve o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, ao explicitar que esta coisa "é absolutamente menor, não tem relevância nenhuma e, do meu lado, confesso que não pretendo passar muito tempo a pensar nessa matéria" pois "o que é verdadeiramente importante é o trabalho que está a ser feito na promoção da igualdade de género dentro das Forças Armadas".

Ainda assim isto custa-me. Pois vejo gente letrada (e reparai que uso um abrangente feminino, que é corrente), pela qual tenho amizade e respeito, a partilhar esta tralha como se fosse algo positivo. Outros que a isto louvam são os que usam o "X" para evitar o género das palavras, mesmo em comunicações profissionais, julgando que tais ignaros ademanes os engrandecem ou alindam.

O que esta imagem exemplifica é uma pobre mentalidade que considera necessário, pois positivo, substituir a genérica "indivíduo" - que é a palavra explicitamente subjacente - pela genérica "pessoa". Já agora, e num olhar mais minucioso, para além disso carrega uma visão sociológica muito básica, de facto populista e nisso anti-democrática, ao propagandear a noção de "classe política". Mas isto até é um mero detalhe, apenas denotativo da ignorância dos proponentes.

A igualdade e a equidade são causas justas. E estas nada ganham com argumentações estúpidas. E muito menos com sensibilidades histéricas.

Adenda: um dia passado sobre a notícia deste tonto documento o ministro Gomes Cravinho decidiu pela sua anulação. Esteve bem.

Educação (também) para o Desenvolvimento

jpt, 08.09.20

(Bianca Catasfiore - The Jewel Song)

"Ah je ris de me voir si belle en ce miroir..." [Ah, rio de me ver tão bela neste espelho] é o lendário refrão ... Desde 2015, feito torna-viagem, que quase todos os dias me lembro deste cume de Hergé. Pois um dos grandes problemas culturais de Portugal (o maior?) é mesmo o catasfiorismo dominante, a turba em ademanes, nos lavabos roncando trinados desafinados, cantarolando a perspicácia própria diante dos espelhos - em vez de retirarem os cabelos e pelos púbicos dos imundos ralos sobre os quais patinam.

Esta cena, minudência, da disciplina da Educação para a Cidadania e Desenvolvimento é mais um exemplo. Agora um coro de 500 cantores, mais a plebe ululante na plateia, vem guinchar que são belos nas suas doutas opiniões - entre os quais, no palco e em aplausos, um punhado de Catasfiores que eu conheço. Entretanto, agora mesmo, 7.9.2020, no final do telejornal da TVI (abençoado zapping) David Justino explicou pausada e competentemente tudo aquilo que é preciso pensar sobre o assunto - a reportagem sobre a matéria começa à 1.03.20 e a intervenção do antigo ministro da Educação começa à 1.05.40. E fê-lo apesar de repetidamente interrompido, em registo morcão, por Sousa Tavares.

De pouco servirá, as patetas e os patetas continuarão, em trinados, ciosos do que julgam sageza. Mas não é, é apenas o pouco que são.

Haddock, O Captain! My Captain ...

Educação para a Cidadania

jpt, 02.09.20

cidadania_01.jpg

Há uma polémica sobre a disciplina Educação para a Cidadania. Como a minha filha não estudou em Portugal não conheço o programa e a prática (ela teve, no currículo da Escola Europeia de Bruxelas, disciplinas congéneres excelentemente leccionadas que muito contribuiram para a fazer uma jovem muito informada e com uma consciência bem densa).

Assim, e por curiosidade, fui ver o programa disciplinar, esse que sustenta toda esta polémica. O portal da DGE está em baixo (oops, início de Setembro ainda por cima ...). Como tal restrinjo-me aos dados da televisão pública, RTP Ensina.

A primeira coisa que se percebe é que a disciplina veicula um conjunto de considerações que se esperam constitutivos dos valores estruturantes da prática individual. Ou seja, é mesmo uma espécie da velha "Religião e Moral" do Estado Novo, um seu sucedâneo. Não estou a dizer que é a mesma coisa. Mas que cumpre a mesma função pedagógica: explicitamente formar (formatar, como se diz agora) os valores dos indivíduos-cidadãos. Os que negam esta homologia apenas assentam os seus argumentos num "tem que ser", num dever-ser dos valores que são agora transmitidos. Concorda-se com os conteúdos transmitidos? Ok. Mas não podem chamar hereges, demoníacos, imorais ou mesmo até, e pior, ateus, aos que os recusam. E tal como eu, e outros, pude acabar o ensino secundário isento das aulas de Religião e Moral (dado o saudável e iluminado ateísmo do Senhor meu pai) sem que isso prejudicasse o meu desempenho em Ciências e Letras, também os de agora o poderão fazer - ficando um bocadinho mais morcões em alguns assuntos, presumo eu, mas paciência ...

A segunda coisa que eu retiro desta visão sobre o programa de Educação para a Cidadania é que o Estado, através do seu "aparelho ideológico" Escola, impregna os jovens com a mistificação das relações laborais exploratórias do sistema capitalista, introduzindo-os ao famigerado "Empreendedorismo", esse ícone do individualismo assente na falácia da meritocracia. Fico estupefacto e até indignado com a audácia ideológica da Escola portuguesa, com esta reprodução da mundivisão capitalista. E ainda mais surpreso fico com a ausência de crítica a esta insidiosa prática pedagógica. Onde estão agora as Raquel Varela deste país?

A terceira coisa que retiro (repito, apenas baseado nos recursos partilhados pela RTP Ensina) é uma grande ênfase na homossexualidade e seu casamento, e nas dimensões violentas (físicas e psicológicas) das relações amorosas, neste caso significadas como heterossexuais. Há apenas um filminho sobre a sexualidade juvenil, passível de não ser considerada exclusivamente homossexual, cujo texto inicia atribuindo-a a fenómenos naturais (as hormonas que saltam, etc.). Ou seja, no até vasto manancial de recursos sobre amor, sexualidade, conjugalidade, não há um filminho que seja sobre a beleza do casamento heterossexual (o antes dito "canónico"), nada o erege como "valor". Nem há - num país que tem uma baixissima taxa de natalidade, por vezes a menor da Europa - um capítulo nesta "Educação para a Cidadania", e com um filmezito qualquer, sobre puericultura, sobre a beleza da pater/maternidade. Não estou a falar da reprodução do mito do "Presépio" familiar. Mas sobre o veicular da dimensão de reprodução biológica enquanto espaço de cidadania. Nada mesmo ... Porventura porque os ideólogos do Estado pensarão que não cumpre ao Estado orientar valores sobre sexualidade ou vida familiar e afectiva? Decerto que não, pois muito do resto que ensinam incide sobre isso. De facto, o que o quadro geral da disciplina deixa perceber é uma visão enviesada das temáticas sociais prementes, segundo a ideologia identitarista em voga.

Um último ponto, já não advindo da consulta à RTP Ensina. Especulo, mas julgo provável que muitos dos professores desta disciplina, provenham de licenciaturas mais retóricas, humanidades ou ciências sociais. Convirá perceber que, ao que fui ouvindo e deduzindo ao longo dos anos, algum desse ensino superior é muito doutrinário. E será assim normal que matérias socialmente algo sensíveis sejam, por vezes, leccionadas por gente que foi doutrinada na sua formação e tenda à doutrinação. Mas aí o problema não radica na disciplina. Nem no ministério da Educação.

Enfim, pode-se dizer que é estúpido não querer que os filhos aprendam o que ali se ensina. Porventura sê-lo-á. Mas temos o direito de ser estúpidos. De não crer. E de não querer. Se eu tivesse miúdos a estudar em Portugal em vez de subscrever abaixos-assinados paroquiais preferiria gastar algum tempo, no lugar de ver o "Preço Certo" do simpático Mendes ou a "Quadratura do Círculo" da isenta comentadora Mendes, dedicando-me a matizar junto desses filhos alguns exageros "identitaristas" veiculados por qualquer furibundo setôr ...

A purga

João Sousa, 13.06.20

Já houve uma mãe que quis proibir a leitura d'A Bela Adormecida na escola primária do filho porque, argumentou, o beijo do príncipe promovia "um comportamento sexual impróprio".

Já houve bibliotecas e escolas que baniram As Aventuras de Tom Sawyer por causa de "calão racista".

Vai-se lendo, nos fóruns de tecnologia, activistas que pretendem alterar os nomes male/female (como em "fichas macho/fêmea") por "assentarem numa visão binária dos géneros".

empresas tecnológicas que querem mudar, a bem da "inclusão" e por causa de putativas conotações raciais, a nomenclatura whitelist/blacklist - como se esta utilização de white/black não derivasse directamente dos conceitos religiosos de luz/escuridão.

Fica-me a impressão de estarmos a deixar os loucos gerirem o manicómio.

Amigos, amigos, ensinos à parte

Laura Ramos, 03.01.13

Tenho filhos crescidos. Senão, arranjaria a maneira de retomar uma pequena luta e empenhar-me-ia em contaminar os decisores (pais e professores) para as evidências demonstrativas que movem a European Association Single Sex Education (EASSE).
É verdade. Confesso que exulto quando vejo confirmados, de maneira autorizada, os juízos que a experiência me fez construir acerca das desvantagens do ensino misto, passada que está a era da desigualdade de oportunidades educativas e do apartheid social que levava a separar meninos e meninas, por causa do temor de enrolanço fulminante entre as partes ou dos funestos efeitos do seu livre convívio na paz das famílias e das paróquias em geral.
O assunto é interessante. Mas nunca alimentei qualquer disposição apriorística para ele até aos dias em que tive de assumir o papel de mãe-educadora, vagamente a contra gosto (mas alguma vez os meus ascendentes meteram o nariz na minha vida escolar? Tempos idos.)

Digo-vos que era um título difícil: aguentar aquelas reuniões de pais, ouvir os longos discursos circulares dos progenitores carenciados de tempo de antena, radiantes por encontrar uma plateia caída dos céus. Ou, pior ainda, suportar a apologética estafada, óbvia e tantas vezes medíocre dos directores de escola, sentindo que confundiam claramente a prática com a prédica, o sujeito com o objecto, a realidade com a ficção.

A maior parte das vezes calei-me: “piquei o ponto” para não prejudicar a prole por delito de ausência; bichanei com alguns outros sofredores cépticos e afins; e saí irritada com a perda do meu precioso tempo.
Depois, quando em casa cumpria o meu papel e me empenhava em levar os filhos pelos trilhos certos (os seus e muito seus próprios trilhos), esbarrava nas provas constantes de um ensino desajustado do intelecto masculino e de uma avaliação voltada para parâmetros monocórdicos, sem imaginação, eivados de vícios. Errados, já não tinha dúvidas.

Salvo honrosas excepções, lembrarei sempre aquela força magnética negativa dos gabinetes dos directores de escola, ou de turma, convertidos em cenário de encontros difíceis entre mães ou pais dos rapazes - é claro, muito dotados mas sempre ao contrário da batuta -a contrastar com a paz celestial das breves reuniões - toantes e consoanantes - dos abençoados progenitores das meninas...

Afinal tínhamos razão.

Longa vida à EASSE.

Educação perversa

Laura Ramos, 25.02.11

 

No Jornal i, verdades velhas.

Bem conhecidas de qualquer mãe de filhos-homens, que tenham vivido a fase pré-escolar e o ensino básico aí pelos anos 90 e pelos primeiros anos deste século.
Só agora é que lá chegaram?
Quando eu me embrenhava na vida escolar da descendência, até aos mínimos pormenores, já então não podia evitar o  distanciamento crítico e aperceber-me dessa evidência que era a feroz feminização do ensino, na tenra idade em que se molda a personalidade dos homens e das mulheres, no seu diário de sucessos e insucessos.
E eu, que cresci num tempo em que persistiam, bem potentes e injustas, as  résteas sexistas  do sagrado direito à concorrência desleal masculina, vi-me mãe-investida-em-advogada-do-diabo, a  insurgir-me contra um sistema de aprendizagem e de avaliação totalmente dominado pelo modelo de comportamento feminino, onde os rapazes não encontravam espaço cognitivo nem  re-cognitivo.
Há dez anos atrás, numa daquelas penosas reuniões de escola, gostava de ter tido à mão este artigozinho para acenar à maioria dos pais estupefactos perante mim, quando tentava insinuar assertivamente esta realidade.
A ideia era influir no processo em curso nas aulas e sensibilizar os responsáveis para esta pequena grande perversão involuntária.

Mas é claro que o quorum foi escasso e ficou tudo na mesma.

 

(Nota: escrevi isto há um ano, a propósito disto, e assim o assunto vai andando a ritmo de caracol... Agradeço o link do i.)