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Delito de Opinião

Pesadelo

Sérgio de Almeida Correia, 22.01.25

thumbs.web.sapo.io-3.webp(créditos: Miguel Lopes/LUSA)

No fantástico ambiente da catedral da Luz, jogou-se ontem em Lisboa mais uma partida memorável da edição 2024/2025 da Liga dos Campeões. Benfica e Barcelona apresentaram-se em grande forma para proporcionarem um espectáculo memorável aos mais de 63 mil espectadores que encheram as bancadas.

Logo aos dois minutos, quando Pavlidis fez o primeiro golo a favor do Benfica, se percebeu que os encarnados tinham quase tudo para brilhar e ficarem com os três pontos, mas uma noite que começou por ser de sonho acabaria por se tornar numa montanha-russa que virou pesadelo.

Houve emoção, bom futebol, erros infantis, jogadas incríveis, nove golos, três penáltis, um inexistente, outro que ficou por marcar ao cair do pano e que daria origem à jogada do último golo do Barcelona, o que lhe daria a vitória.

É verdade que as substituições aos 70 minutos correram muito mal, que Aursnes falhou o 5-3, que Di Maria fez o mais difícil quando desperdiçou o 5-4, que o penálti provocado por Tomás Araújo é um erro inaceitável, que Carreras, Florentino, Otamendi e Schjelderup fizeram um jogo irrepreensível, que o Barça tem uma grande equipa do meio-campo para a frente. Porém, a verdade maior é que não nos podemos queixar da sorte. Em matéria de futebol tivemos tudo para ganhar e falhámos por culpa própria em momentos cruciais.

Que o árbitro prejudicou o Benfica também não há dúvidas, bastando ler o que diz a imprensa, dentro e fora de portas, quer quanto ao penálti assinalado a favor dos catalães, que dá o 4-3, quer em relação ao penálti cometido sobre Leandro Barreiro e que ficou por marcar no último minuto.  

Em todo o caso, para os anais fica o resultado. Depois do que aconteceu com o Bayern, com o Feyenoord e com o Bolonha nesta edição da Liga dos Campeões, repetiram-se alguns erros infantis e foram tomadas más decisões que não podiam ter acontecido e nos retiraram o apuramento directo.

Por agora, resta dar os parabéns ao Barcelona, que ontem teve a estrelinha, continua a ser uma grande equipa e um colosso europeu, e esperar que o Benfica faça, em 29 de Janeiro, uma grande exibição em Turim, no Stadio Delle Alpi, rebaptizado de Allianz Arena, contra a Juventus. Uma exibição que ofereça a todos os benfiquistas e aos amantes de futebol a possibilidade de esquecerem o pesadelo da noite de ontem.

Os hereges

Pedro Correia, 08.01.25

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Quando oiço por aí falar em "desertor", ou leio palavras como "fugitivo" ou "foragido" a propósito de treinadores que mudaram de clube, questiono-me se os adeptos da bola quererão falar de Ruben Amorim ou de Rui Borges.

Seja o visado quem for, estão errados.

Na sexta à noite, em Guimarães, o novo técnico leonino recém-contratado pelo Sporting vindo da cidade-berço foi recebido com gritos (e tarjas) a chamarem-lhe "traidor". Nestas alturas verifico a enorme semelhança que pode haver entre um clube de futebol e uma seita religiosa - com os seus fiéis, os seus anátemas, os seus hereges. "Traidores", "desertores", "renegados" e expressões do género são típicas de seitas vocacionadas para espalhar o ódio.

Essa é a parte do futebol que menos me interessa. Aliás, é uma parte do futebol de que não gosto nada.

Obrigado, Rúben

Pedro Correia, 06.11.24

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Contigo ainda ao leme, o Sporting vulgarizou e derrubou o Manchester City, tetracampeão inglês, campeão europeu em 2023, talvez a melhor equipa do mundo. Na Liga dos Campeões.

Uma das nossas mais épicas jornadas europeias de sempre, ontem á noite. Terminou em goleada: 4-1.

Chegaste no Inverno de 2020 a Alvalade e não tardaste a somar vitórias. Sais quase cinco anos depois com a aura de triunfador ainda mais reforçada. Dando novo valor e novo significado a uma das palavras mais detestadas em Portugal: meritocracia.

Mereces toda a sorte do mundo. E novos triunfos no teu currículo - a partir de segunda-feira no Manchester United, histórico rival do City.

Ronaldo e Harden

João André, 11.09.24

Há nas análises à NBA um comentário que surge com frequència: a Época Regular (ER, Regular Season) não interessa. Claro que isto é rapidamente desmentido: são 82 jogos por equipa, os jogadores desenvolvem sistemas, química, dinâmicas, os treinadores afinam pormenores e procuram as melhores formas de explorar os seus pontos fortes e limitar os pontos fracos. São também a principal parte da acção do ano e ainda oferecem o interesse de atribuir os prémios da ER: MVP, DPOY, ROY, All-NBA, All-Defensive, etc. Para combater o menor interesse das equipas e audiências, a NBA até adicionou um torneio durante a ER para motivar mais as pessoas. No entanto toda a gente percebe o conceito da ER: as equipas mais fortes afinam motores para os play-offs (PO), as do meio tentam chegar aos PO, as mais fracas trocam jogadores, procuram jogadores no Draft e jogam com o tecto salarial para poder crescer no futuro. O interesse passa portanto muitas vezes para os cerca de 2 meses a partir de meados de Abril quando começam os play-offs.

Isto soa a algo que já vimos, não? Talvez nas competições europeias, especialmente na Liga dos Campeões, a uma fase de pré-eliminatórias que só interessam aos adeptos das equipas nelas envolvidas, a uma fase de grupos que queremos excitante mas regride habitualmente para um passeio para os mais poderosos - com uma ou outra surpresa a polvilhar a acção - e só começa realmente a excitar no final do Inverno, quando os jogos a eliminar surgem a sério. O mesmo se pode dizer dos jogos de selecções, os internacionais. Os Campeonatos da Europa e do Mundo têm crescido de tal forma em tamanho que só desastres eliminam os favoritos (olá Itália!) e mesmo quando não têm bons torneios, acabam por ter mais oportunidades para se apurarem através dos play-offs de "repescagem".

No entanto é nos play-offs (NBA) e fases finais (futebol) que os torneios são ganhos e é ali que tudo muda. Na NBA, a rotação de jogadores que anda pelos 10-12 jogadores na ER passa para uns 7-8 nos PO para evitar ter elos mais fracos a explorar. As fraquezas das equipas adversárias - jogadores que não defendem bem, jogadores com lesões, fraqueza nos ressaltos, etc., são exploradas impiedosamente para se obterem quaisquer vantagens. As tácticas das equipas são afinadas ao mais infímo pormenor e ajustadas de acordo com o adversário e o jogo anterior. No futebol, o mesmo se passa, especialmente nas fases finais de torneios de selecções. As semanas antes do torneio são o único período de tempo que seleccionadores têm para preparar as equipas e afinarem as suas tácticas. Nesses momentos, os mais bem sucedidos tendem a ser pragmáticos e adaptam tácticas aos jogadores que têm ou simplificam tudo e seguem para um estilo mais defensivo, dado que é mais fácil de preparar que movimentos atacantes mais fluidos.

O que também se vê em play-offs e fases finais é um desaparecimento de estrelas. Na NBA isso tem-se visto em jogadores como Joël Embiid, um enormíssimo jogador, altamente dominante, mas que tem o maus hábito de desaparecer nos play-offs, em parte devido a problemas com lesões. O mesmo se viu durante anos com James Harden, que marca pontos como se aquio fosse a coisa mais fácil do mundo na ER mas depois desaparece nos PO. Há razões individuais para isso, claro - Embiid tem frequentes lesões e Harden tem um jogo tão centrado em si mesmo (os americanos usam o termo heliocentrico) que poderá estar esgotado quando joga nos PO. No entanto também é verdade que se na ER as defesas não irão necessariamente dar 100% para evitar que um gigante de 2.13m, 127 kg e pés de bailarina chegue ao cesto, nos PO pará-lo será não só uma necessidade quando a parada sobe, mas é também um ponto de honra, mesmo para os jogadores mais modestos (assumindo que entram no court). E isto sem falar nas mudanças de tácticas para parar os melhores jogadores adversários (ou, no caso de alguns como Nikola Jokić, aceitar que não podem ser parados mas então limitar a produção dos companheiros de equipa).

A solução mais fácil surge quando o adversário é heliocentrico, ou seja, quando tudo anda à volta da sua estrela. É o caso das equipas dos Houston Rockets que tinham James Harden. A solução passava por lhe tornar a vida tão complicada quanto possível, atacá-lo na defesa para o cansar e esperar que implodisse. Só as equipas que saíam dessa lógica conseguiam depois ultrapassar os seus adversários, coisa que é difícil no basquetebol quando há apenas 5 jogadores de cada lado em cada momento.

No futebol podemos ver o mesmo. Os jogadores que destroem os adversários que têm pela frente, que dominam jogos, marcam golos, dão assistências e ganham prémios individuais. Alguns só o fazem com equipas mais fracas, outros fazem-no com qualquer tipo de adversário. No entanto, quando chegam às fases finais, quando cada jogo é de grande importância, o jogo torna-se mais difícil. Os espaços desaparecem. Os adversários lutam como se as suas vidas dependessem daqueles 90 minutos e trocados. Mesmo os adversários mais fracos tornam a vida mais difícil aos favoritos e podem, pelo menos num dos jogos, deitá-los ao tapete. É nesses momentos que as estrelas se vêem, costuma dizer-se, mas isso é mais cliché que realidade. Desde 1986 e 1990 (Maradona) que não há um jogador que carregue a equipa às costas para uma vitória ou final. Há, claro, jogadores que brilham em alguns momentos, até mais que uma ou duas vezes, mas nenhum carregou a sua equipa do início ao fim e/ou a salvou consistentemente quando precisava. Os vencedores são as equipas que se adaptam, onde as estrelas percebem quando se devem sacrificar para favorecer a equipa, onde o seleccionador faz ajustes para corrigir erros, reduzir riscos e explorar fraquezas adversárias. E, como o futebol tem 11 jogadores para cada lado, as estrelas serão menos decisivas que no basquetebol, onde tocarão na bola a cada 15-30 segundos.

Isto para falar de quê? De Cristiano Ronaldo. Ronaldo é um dos maiores jogadores da história do futebol e consensualmente o seu maior goleador. Os 900 golos (e 901º uns dias depois) oficiais que atingiu na carreira na semana passada é um número que nem sequer faz sentido escrever. Isto em cima dos restantes títulos individuais e colectivos que conquistou. A discussão sobre quem é o melhor do mundo de sempre (ou dos últimos 15 anos) continuará mas o seu nome estará sempre na discussão. Pegando na pergunta de Ronaldo «E o meu passado?», a resposta só pode ser: é único. A pergunta é: e o presente? É que a meu ver Ronaldo, hoje em dia, assemelha-se acima de tudo a um James Harden. Um jogador que continua a marcar muitos golos na sua liga (mesmo que de terceira categoria) e até nos jogos de qualificação internacionais, mas que quando chega às fases finais vai desaparecer, porque o jogo sobe de dificuldade, os adversários se preparam para ele e a equipa, sob as ordens de Martinez, parece jogar principalmente para ele. Note-se: Ronaldo não deixou de saber marcar golos. Só que a idade não é só um número, é uma ralidade. Se fosse só um número Ronaldo continuaria no Real Madrid e a ganhar Ligas dos Campeões. Isto nada tem de mal. Toda a gente envelhece, se torna mais lenta e menos capaz fisicamente, até espécimes únicos como Ronaldo. Só que fingir que assim não é dá em resultados como os do último Europeu: uma equipa pejada de talento (tanto que deixa em casa nomes que seriam titulares em mais de 50% das restantes selecções) que afunila o jogo para a sua estrela e torna o jogo fácil de defender.

Apesar de eu ser da opinião que Ronaldo, com o que deu à selecção, deveria anunciar a sua retirada da mesma, receber uma homenagem (idealmente no Estádio de Alvalade) com enorme festa, pompa e circunstância (talvez a 10 de Junho para receber meia dúzia de comendas de uma só vez), não significa que seja essa a única solução. Ronaldo ainda contribui de forma óbvia para Portugal. O seu jogo pode passar por sair do banco e jogar num sistema de dois avançados para poder sobrecarregar defesas ou, uma vez que continua a ter uma certa gravidade (no sentido físico de atracção de outros corpos), pode seguir para outros terrenos e arrastar defesas e assim abrir espaços para colegas (como Morata, Giroud e Guivarc'h fizeram pelas respectivas selecções quando venceram títulos). Ser portnto uma diversão. Mas isso significa sacrificar-se pela equipa, aceitar menos protagonismo para que a selecção beneficie*. Se é capaz de o fazer não sei, mas detestaria vê-lo como um James Harden, que à medida que envelhece e perde velocidade, as equipas adversárias passam a ver como uma vantagem, em vez de um risco.

* - já agora, isto lembra-me de um jogo de Portugal numa fase final. O adversário tinha identificado William Carvalho como o jogador que conduzia a bola a meio campo e como tal talvez o jogador chave a eliminar do tabuleiro. Para isso tinham designado um jogador para se encostar a William e nunca sair de perto, mesmo quando a bola andava noutros terrenos. Tendo percebido isto muito depressa, William Carvalho começou a arrastar o médio que o marcava para locais onde a bola não estivesse, assim criando um jogo de 9 contra 9 (jogadores de campo) que beneficiava Portugal e criando um buraco no meio campo adversário. Um exemplo claro de inteligência e sacrifício pessoal.

Cristiano Ronaldo e a magia do futebol

Pedro Correia, 07.09.24

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O futebol faz mover paixões e lega-nos memórias inesquecíveis devido à sua imparável força icónica. Pensei nisto ao ver anteontem Cristiano Ronaldo marcar o golo oficial número 900 da sua longuíssima carreira como futebolista profissional. Foi no estádio da Luz, correspondendo da melhor maneira a um soberbo cruzamento de Nuno Mendes. Em posição frontal, sem deixar a bola tocar no chão.

Aconteceu aos 34 minutos do Portugal-Croácia, jogo inaugural da Liga das Nações que vencemos por 2-1. O primeiro havia sido marcado por Dalot logo aos 7', portanto aquele golo do melhor jogador do mundo revelou-se decisivo contra a excelente selecção croata, onde pontifica outro jogador fantástico: Luka Modric, que depois de amanhã festeja 39 anos - os mesmos que Ronaldo já tem.

Ao contrário do que se esperava, CR7 não celebrou o quase mítico n.º 900 - e o n.º 131 ao serviço da selecção nacional - com aquele seu salto que muitos tentam imitar nos relvados ou fora deles. Dirigiu-se a um dos cantos e ajoelhou. Como em prece de agradecimento por ter sido tão fadado com o dom do golo.

Permaneceu assim longos segundos, como se alheado da multidão que o ovacionava, até Bruno Fernandes ir ter com ele, fazendo sinal para que se levantasse. Então lá vimos o Ronaldo a que nos habituámos. Já quase quarentão mas exibindo ainda sorriso de criança cada vez que marca mais um golo. Como fazia em miúdo, quando jogava à bola na rua.

Querem um exemplo da magia do futebol? Pois é este mesmo.

 

Publicado originalmente aqui.

Pensamento da semana

Pedro Correia, 07.07.24

Ao contrário do que alguns imaginam, o futebol não é só feito de esquemas tácticos, jogadas a régua e esquadro, losangos, bolas paradas e "transições ofensivas". O futebol é sobretudo uma fascinante soma de momentos mágicos que perduram na memória colectiva, ampliam a nossa crença nas potencialidades da espécie humana e demonstram onde é possível chegar quando talento e esforço se conjugam. 

 

Este pensamento acompanhou o DELITO DE OPINIÃO durante toda a semana

A ralé britânica

jpt, 02.07.24

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A BBC, que não é um tablóide mas sim a estação pública da pérfida Albion, esse decrépito e abjecto antigo império de onde vem essa ralé turística, tatuada e bêbeda, decidiu-se gozar com o grande atleta e nosso ídolo CR7, chamando-lhe "Misstiano Penaldo". Abandalhar um atleta numa falha é uma vergonha. Sendo uma estação de serviço público é miserável.
 
Isto é mesmo o exemplo da célebre "fleuma britânica". Ou seja, da arrogância daqueles imundos bárbaros, que nem os romanos conseguiram civilizar. Seria bom, desejável, que pelo menos durante dois ou três dias a escumalha britânica que por cá anda em veraneio não fosse servida em bares e restaurantes. Que fossem confinados aos kebabs e quejandos que por cá pululam. E que a razão para tal lhes fosse explicada, naquele profundo e singelo "Fuck off". E isso serviria para nos mostrar - até fazer - menos servis. Até porque "contra os bretões marchar, marchar," sempre!

Umas notas sobre o Euro de Portugal (pessimista e chato)

João André, 02.07.24

Há uns dias comecei um post com observações sobre este Europeu de futebol mas depois não o acabei. Vai agora para o lixo e deixo apenas umas outras sobre Portugal, que se apurou ontem para os quartos de final da competição.

Pessoalmente não gosto de dizer que "Equipa X é uma das 8 melhores da Europa" com base no apuramento. Primeiro porque se ser uma das melhores depende de penalties, então o critério faz pouco sentido. Segundo porque tal equipa não joga com nenhuma das que foram eliminadas e que, se tivessem defrontado outro adversário, talvez estivessem nos últimos 8. Digamos antes: Portugal está nos últimos 8. Penso que basta.

Seja como for, Portugal é em teoria uma das melhores 8 deste campeonato, até uma das melhores 5 (a par de França, Alemanha, Espanha, Inglaterra),. O chato é que é preciso mostrar isso em campo (coisa com que a França e a Inglaterra também têm tido dificuldade). O que torna Portugal uma equipa tão boa? Uma enorme quantidade de jogadores de altíssimo nível e em múltiplas posições. A única coisa que Portugal nãotem neste momento é - tem termos de qualidade futebolística actual - uma superestrela.

E é aqui que a discussão obviamente resvala para Cristiano Ronaldo. Quem me tenha lido no passado sabe que eu não gosto muito dele. Não gosto dos ares, da atitude de superestrela, da obsessão com recordes e individualismo. Não há no entanto que negar certas coisas: é de longe o melhor jogador português de todos os tempos, é um dos melhores jogadores do mundo de todos os tempos, talvez o melhor goleador puro de sempre, adora jogar pela selecção e é provavelmente o melhor jogador internacional de sempre, tem uma atitude profissional impecável que o mantém numa forma física incrível mesmo à beira dos 40 anos. Há no entanto mais 3 coisas que são para mim claras: 1) não é nem nunca foi um bom líder (exemplo sim, líder não); 2) já não tem nada que se pareça com a velocidade de ponta, aceleração e velocidade de execução do passado, e mesmo o salto só sai às vezes; 3) não tem a acuidade de antes de ter ido para a Arábia Saudita.

Tudo isto tem sido visível no Euro, onde os colegas de equipa o têm servido múltiplas vezes com excelentes bolas mas ele tem desperdiçado as oportunidades de forma que seriam vistas com incredulidade há apenas 3-5 anos. Para ser claro: não falo do penalty falhado. O penalty não foi mal marcado, foi ao canto e com força e só não foi alto. Só que Oblak adivinhou o lado, lançou-se bem e colocou bem os braços. Mérito de Oblak, difícil ver o demérito de Ronaldo. No entanto as suas declarações no final do jogo demonstram o problema: «Durante um ano não falhei um penálti». A maior parte deles terão sido na Arábia Saudita, um campeonato de terceira linha (para ser simpático) onde as estrelas (a maior parte delas em fim de carreira) estão para receber salários milionários enquanto fazem jogging e os restantes jogadores são ou estrangeiros medianos ou locais de nível habitualmente muito baixo. Isto ajuda a manter uma boa condição física (e é por isso que Ronaldo ou Kanté estão na sua melhor forma física desde há muito) mas não para manter os níveis de competição necessários. E isto vê-se vezes sem conta em Ronaldo, nos tempos de salto, na dificuldade de gerir a robustez dos defesas adversários, na incompreensão de não receber decisões em seu favor, etc.

Isto não é culpa de Ronaldo. Ele esforça-se sempre ao máximo e isso fica claro em cada jogo. Mas o facto de tudo isto resultar em Portugal estar muit abaixo das suas possibilidades é culpa de Martinez, o seleccionador. E sim, Portugal está a ter um Euro fraco. A República Checa foi vencida nos descontos e com alguma sorte. Os turcos venceram-se a si mesmos e Portugal perdeu com uma Geórgia que foi das minhas selecções preferidas mas tem um nível muito limitado (e não foram só os erros de António Silva, o qual até poderia já meter-se num avião e ir de férias porque não vai jogar mais). E nos oitavos uma Eslovénia bem organizada mas que deveria ter sido vencida confortavelmente.

Martinez infelizmente desenhou uma estratégia que começa em Ronaldo, passa por Ronaldo e acaba em Ronaldo. Quando a bola entra a área, há normalmente dois jogadores para a receber: Ronaldo e mais alguém. Não há um esforço para sobrecarregar os defesas na área com jogadores vindos de trás. Passa tudo por não confundir as coisas e meter a bola para Ronaldo. Também se vê que Martinez não só desenha a estratégia para Ronaldo como depois tem uma hierarquia definida, com Bruno Fernandes e Bernardo Silva logo a seguir. Ontem nunca na vida deveria ter tirado Vitinha, que era o motor do meio campo e mantinha a bola a mexer e conseguia sempre fazer passes a penetrar as linhas defensivas. Ou, se estivesse cansado, que metesse João Neves ou Matheus Nunes, jogadores semelhantes. Fazer recuar Bruno Fernandes para longe da área é um disparate. Se quisesse fazer aquela troca, a melhor opção teria sido meter Bernardo Silva no meio campo (faz a posição com frequência no Manchester City), manter B. Fernandes onde estava, enviar Jota (ou Ronaldo) mais para a esquerda e Leão para a direita. No entanto até deveria ter feito sair Fernandes ou Silva, que estavam em rendimento mais baixo nesse momento.

Outras coisas que não se entendem: Pedro Neto a lateral/médio/ala esquerdo, coisa que provavelmente nunca fez; Nélson Semedo a entrar e operar numa espécie de posição de avançado interior direito (!), Cancelo com liberdade para ser médio (tudo bem) sem jogador para compensar as suas subidas (Palhinha é excelente no centro, não é tanto jogador para dobras nas laterais).

E sempre, mas sempre, não permitir que Ronaldo, B. Fernandes e B. Silva sejam substituídos.

Para o jogo com a França, Mbappé provavelmente vai pensar que se encontra na A7 (autoestrada que vai de Hamburgo - lugar do jogo dos quartos - para o sul da Alemanha e seria provavelmente usada para quem se dirige para Munique - lugar do jogo seguinte das meias). Cancelo a subir, pouca compensação de outros e Portugal a tentar ter posse de bola. Penso que Mbappé estará a aquecer os motores. A única coisa que poderá estar a favor de Portugal é que a França também não marca: 3 golos, 2 foram autogolos e 1 foi um penalty muito jeitosinho. A ver vamos na sexta feira.

Os meus destaques para já: Diogo Costa (depois de ontem ele até tem direito a um frango), Pepe (a fífia de ontem veio quando estava exausto), Ruben Dias, Nuno Mendes, Palhinha, Vitinha. Os outros? Nem por isso.

O meu guarda-redes

Maria Dulce Fernandes, 02.07.24

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"Foi 11 vezes internacional pela Selecção A, já para o final da sua carreira, em plena maturidade. Estreou-se em 19 de Abril de 1965, data em que Portugal foi ganhar à Turquia por 1-0. Logo a seguir, em 25 de Abril, destacou-se num dia que ficou para a história: reduzido a 10 elementos, Portugal ganhou em casa da Checoslováquia por 1-0, e José Pereira foi determinante, ao defender assombrosamente um penalty."

É do "meu tempo". Tenho ideia dele e da equipa. O meu avô e o meu pai referiam o José Pereira como "o maior de todos os tempos", mas a política de clubes não permite que se lhe façam grandes referências.

Deixo esta memória do meu guarda-redes em homenagem ao Diogo Costa.

https://www.osbelenenses.com/2014/09/15-de-setembro-de-1931-nasce-jose-pereira/

Reflexão do dia

Pedro Correia, 30.06.24

«Infelizmente, nos últimos anos, em vez de ser a sociedade a passar para o futebol os seus valores, tem sido o futebol a contaminar a sociedade com os seus piores defeitos. Nomeadamente o tribalismo, o ódio ao rival, o hipernacionalismo primário, a intolerância, o clubismo primata, a cegueira fanática que nos leva a achar que temos sempre razão.»

 

Rui Zink, no Correio da Manhã

Manel Fernandes

jpt, 27.06.24

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Morreu o Manel Fernandes, o nosso eterno capitão. (Aqui no seu cromo da Futebol 77, já depois de ter vindo da CUF). O Manel era a "bola", o verdadeiro futebol. E o Sporting.

Aplausos. Em ovação.

 

*****

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A colecção "Futebol 77" (os cromos da época 1976/1977) nas páginas centrais da caderneta tinha esta hipótese, o coleccionador arvorar-se em selecionador por um jogo. A minha equipa para o jogo contra a Polónia (a então poderosa de Lato), em 16.10.1976, era esta, claro que com o Manel Fernandes a titular:

Damas, Artur, Laranjeira, José Mendes, Pietra; Octávio, Alves, Fraguito; Manel Fernandes, Nené, Chalana.

(Após) Portugal-Turquia

jpt, 23.06.24

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Repito a ligação para esta minha historieta, com mais de uma década (gosto tanto dela que a agreguei ao meu "Torna-Viagem", o livrinho que impingi aos amigos e conhecidos), uma conversa com uma polícia de trânsito sul-africano sobre Cristiano Ronaldo.
 
Passou a tal década (ou mais). Cristiano Ronaldo é o maior atleta da história portuguesa. Um símbolo, admirado por muitos de nós. E também mundo afora, polícias do Mpumalanga e outros - como a menina que ontem se perfilava diante dele durante os hinos, com as mãos na cara tamanha a emoção espantada, tocando-lhe para ver se ele era real, ou o petiz (malandrete), que aos 10 anos se escapou campo adentro para tirar uma fotografia com ele.
 
Mas CR7 é também um barómetro, mede o cretinismo nacional. Pois desde há décadas que é perene a raiva contra ele, as críticas constantes, a vir ao de cima a maldita inveja lusa contra o sucesso (se obtido "lá fora" então é pior). O que vem muito do mais rasteiro do clubismo, alguns, apesar de tudo, ainda o apupam pelas origens sportinguistas - e outros, ainda mais abjectos, pelas origens humildes. (E não esqueço o povo de Guimarães, num particular de 2013, a gritar vivas a Messi apenas para o macerar, a mostrar como é escumalha o "berço da Nação").
 
É já um veterano - a sua idade acerca-se da que tinha Lopes quando foi campeão olímpico, Livramento campeão europeu de clubes, Agostinho no cume do Alpe d'Huez, Pepe na sua lenda de central insigne. É um veterano goleador... Os cretinos, que são minoria mas vasta, continuam a bolçar que "está velho", que "joga à mama", que "é egoísta", que "não joga nada".
 
Ontem, por parvas razões, vi parte do jogo da selecção num café lisboeta. A clientela, uma mole sorvedora de caracóis, passou a tarde clamando esses impropérios, enquanto perdigotava a repugnante molhanga. Retirei-me para casa, vi um John Ford que nunca vira ("Os Cavaleiros", com o Duke e o grande William Holden). Depois passei pelo FB, onde - apesar do "banho turco" - ainda havia básicos a repetirem impropérios contra o CR7.
 
Deitei-me, a ler o Dalton Trevisan que trouxera da Feira do Livro. Não haja dúvida, aquela desgraçada Curitiba de Trevisan é aqui mesmo.

Euro-2024: Allez la Belgique!

jpt, 15.06.24

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Característica histórica fundamental do pensamento "ocidental" (termo que sempre uso na sua extensão geográfica a la Wallerstein) é a sua constante e radical autocrítica. Por isso mesmo sempre incompleta, reformulada, verdadeiramente intensificada. Nisso também incluindo a (auto)devastação política das múltiplas formulações que vêm sendo sistematizadas. Poderia dizer que fundamentar esta afirmação não cabe num postal de blog. Mas ainda que sendo isso verdade, é mais honesto reconhecer que para tal fundamentação se exige muito mais do que o meu saber. O qual, mesmo que parco, é ainda assim suficiente para reconhecer a legitimidade da asserção.
 
Este preâmbulo serve apenas de peanha para dizer o meu desprezo por este aparente criticismo actual, superficial e folclórico, dito "woke". Ou, se em versão académica, mascarado de "decolonial", mesmo "póscolonial". É um corpo textual que parece socialmente relevante a quem se deixe enredar em algumas "bolhas", segmentos digitais animados pela esquerda "mansa" sita na comunicação social, em nichos académicos das humanidades, e suas associadas movimentações "artísticas", nas ong's subsidiadas pelos... Estados. E refractado em pequenos partidos de extracção comunista, ditos "pós-marxistas".
 
Nesses núcleos profissionais depauperados esta via "contestatária" vai parecendo que "paga bem" aos seus "activistas", o que é uma verdadeira alienação (sim, a la Marx) desses agentes. Pois tem recompensas estatutárias (algum reconhecimento entre as moles de "activistas"; afectos alheios ditos "respeito"; reconforto identitário; e, até, "seguidores" internéticos...). E concede (pequenos) privilégios económicos (a selecção para alguns, poucos, empregos; subsídios laborais avulsos; e coisas mais comezinhas, como viagens profissionais avessas à temida rotina quotidiana, financiamentos a ou aceitação de modestas publicações, para exemplos mais frequentes).
 
Estes locutores têm tópicos, que são mais do que agenda ou mesmo jargão, são verdadeiros símbolos que se sonham signos. Os quais servem para afirmar a adesão a uma "omnicausa", pois brandindo um desses tópicos se apela à dedução alheia da partilha de tantas outras causas, à pertença a uma "mundividência" "activista", coisa a qual se diz "interseccionalidade". Um, muito propalado, é a aversão ao género linguístico, um "importante" debate que ocorre: são os meneares dos "X"s ou "@"s ou, até pior, lembro aquilo da "a etnógrafa", "a antropóloga", que há dias repetia em conferência um respeitado professor, proclamando assim a opção pelo "universal feminino" - e eu, em surdina, deprimindo-me enquanto resmungava sucessivas imprecações num também "devia era ter estudado economia ou direito...". E isto, já agora, antes de, e depois de tantas diarreias sanguinolentas a norte do Zambeze, ouvir ali loas às virtudes da "matrilinearidade", qual avatar do matriarcado, entenda-se.
 
Outro tópico é o da vantagem cognitiva (e assim ética) da homossexualidade: "sou feminista... e assumo que gosto muito de levar no cu", escrevia há anos um intelectual socratista. Mas quando eu me deixo rodear dos seus (semi)admiradores, ou quejandos "activistas", e proclamo o meu feminismo (pela igualdade de direitos, equidade de oportunidades - e esta permite, liberalismo à parte, a existência de políticas indutivas), associando-o às minhas (até saudosistas) apetências sexuais, logo os "póscoloniais" se incomodam, até ao "por favor, cala-te...!", em esgares atrapalhados, quando chego às hipérboles da lascívia pós-cunnilingus. Pois para isso, para enfrentar o desprezo sarcástico, já não lhes chega a "interseccionalidade"...
 
Outro tópico constante é a afirmação do omnipresente e frenético racismo, claro que branco, pois comumente associado à (ontológica) inexistência de outros racismos. - "Portugal é um apartheid", clamava no jornal Público um colunista, ali colega da presidente da Junta de Freguesia dos Olivais.
 
Charneca de todo este pensamento silvestre é o carnaval anacrónico da refutação do pensamento passado, científico, filosófico, artístico, literário que seja. Tudo é dissecado em busca da malvadez e abrenunciado como factor causal de horror vivo actual. Nesse crivo nada escapa - até um autor como Mark Twain (!) é visto como necessitando de ser expurgado... O passado (se "branco", claro) é mau!
 
De toda essa tralha o que mais me irrita - e que mais considero denotativo da militante mediocridade deste "activismo" - são as críticas, queridas como letais, ao Tintin de Hergé. Sim, porque Tintin me é família, com ele cresci, lendo-lhe os álbuns em francês antes de saber ler, coleccionando desde o princípio a revista semanal, elegendo desde logo o capitão Haddock como verdadeiro alter ego. Por nele ter aprendido a reconhecer esses tantos trinados do "eu rio de me ver tão bela neste espelho". Por tudo isso tanto me irritam esses jornalistas "culturais", "críticos" de banda desenhada, lentes universitários, "activistas" múltiplos, em potlatchs de anacronismo ignorante a invectivarem Hergé, o colonialismo racista em Tintin. Incapazes de perceberem a evolução intelectual do jovem Georges Remi? Nada disso. Recusam essa via pois não lhes "dá jeito" ao perorar "activista". Pois, entre tantas coisas, se descobrem agora "devolução" ou "reparação", como poderão lembrar "As 7 Bolas de Cristal" (1943!!!!!) ou a sequela "O Templo do Sol"? Ou o tão pioneiro que até excêntrico na época "Carvão no Porão" (1956) - preferem clamar contra os "lábios" das personagens negras, os "estereótipos", choram. De facto, bem no fundo, não perdoam a Georges Remi a absoluta clarividência, a radical autocrítica do "pensamento ocidental" aposta no seu final "Tintin e os Pícaros". No qual desnudou o pérfido guevarismo, esse que habita a mente destes "críticos" de pacotilha.
 
Por isso é bom evitar essas bolhas. Da mansidão que se quer tonitruante, se diz bem-pensante. E ver o mundo, discutindo-o, fruindo-o. Nisso melhorando-o. Com pensamento, crítico e até radical se necessário. Sem folclorismos. "Interseccionais" ou similares.
 
E nisso, nesse afã pelo mundo, na sua rugosidade, muito para além das tais "bolhas" esparvoadas, saudar a magnífica saída da Selecção de futebol da Bélgica, os "Diables Rouges" neste Europeu-2024. Aparecendo à Tintin!!!!!
 
Assim sendo? Allez la Belgique!!!!

O plenipotenciário Mourinho

jpt, 02.06.24

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É certo que o trabalho diplomático tende a ser discreto. Mas é de sublinhar o relevante feito da diplomacia portuguesa, agora comandada pelo ministro Rangel. Pois há poucos dias o deputado Ventura, líder do importante partido CHEGA, vituperara os turcos de incompetentes preguiçosos, assim maculando a nossa imagem entre aquele povo e nisso atentando contra (traindo até) os interesses nacionais na sua interacção com aquele nosso poderoso aliado. Mas hoje mesmo o desagradável incidente - para não lhe chamar pior - foi ultrapassado, devido ao extraordinário sucesso tido pelo enviado especial português a Istambul, o plenipotenciário Mourinho.

A final

Paulo Sousa, 01.06.24

“O rei David disse: «Chamem-me o sumo-sacerdote Sadoque, o profeta Natan, e Benaías, filho de Joiadá.» Eles vieram então à presença do rei.  Disse-lhes o rei: «Tomai convosco os servos de vosso senhor; fazei montar o meu filho Salomão na minha própria mula e fazei-o descer a Guion. Ali será ungido pelo o sacerdote Sadoc e pelo profeta Natan como rei de Israel; vós tocareis a trombeta e exclamareis: «Viva o rei Salomão.» Vós subireis após ele; ele virá sentar-se no meu trono e reinará depois de mim; é a ele que eu estabeleço para ser chefe sobre Israel e Judá.”

Primeiro Livro dos Reis, 1:32-35

 

Esta passagem bíblica inspirou Haendel na sua peça Zadok the Priest (Sadoque o sumo-sacerdote), que é um dos seus hinos de coroação. Desde 1727, ano da coroação do Rei Jorge II de Inglaterra, que é entoado nas coroações de todos os monarcas britânicos. E voltou a ser ouvido em 2023 na coroação do Rei Carlos.

Em 1992, a UEFA encomendou ao compositor britânico Tony Britten uma peça musical para a qual os jogadores alinhariam antes do jogo, tal e qual como acontece nos jogos internacionais de selecções. Tony Britten inspirou-se em Haendel, e no seu Zadok the Priest para o hino da Champions League. A adaptação, rearranjo, ou recriação, de Britten é bem conhecida de todos.

Os juvenis da equipa de futebol da minha terra ouvem-no no balneário a partir de um telemóvel no volume máximo antes de cada jogo.

E hoje às 20:00, a partir do estádio do Wembley em Inglaterra, o hino da Champions League vai ser novamente entoado e ouvido por milhões de pessoas em todo o mundo. Algures, como que ocultos por entre os acordes, lá estarão os reis David e Salomão, o sumo-sacerdote Sadoque, o génio de Haendel e a mestria de Tony Britten.

A Adega do Isaías, 30 anos depois...

jpt, 14.05.24

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É o "A Bola", claro, sempre consabido e fiel órgão oficioso de uma popular agremiação lisboeta, que recorda a efeméride: hoje, aos 14 de Maio de 24, cumprem-se exactamente 30 anos que jantei no "Adega do Isaías", então renomado restaurante em Estremoz.

Regressara há poucos dias a Portugal, depois de ter trabalhado durante 3 meses na África do Sul como observador eleitoral, aquando da ascensão de Nelson Mandela à presidência. Fora uma experiência extraordinária, exaltante, imensamente marcante, e não só por ter sido a minha primeira viagem em África. Tanto que a tentei descrever, e à influência que em mim teve, através de dois postais, distanciados no tempo: o "Now is the time: Nelson Mandela" e o "O Corredor" - e a ambos coloquei na minha selecção de uma centena de crónicas, o "Torna-Viagem" (o qual, repito a tentativa de o impingir, se pode encomendar através desta ligação aposta no título).

Naquela época (e não só então, e não só então...) eu estava muito enlevado - para não dizer de outra forma - pela minha namorada, condição que já não era recente. À chegada, saudoso, logo marcámos para o primeiro fim-de-semana uma incursão a Estremoz, uma bela opção havida por razões que já não recordo. E assim avançámos, ficando albergados numa linda casa em recanto bucólico, até idílico, poiso que decerto veio depois a ser considerado "de turismo rural". 

Ao segundo dia da estada, no sábado, aconteceria o Sporting-Benfica, em plena fase final do campeonato, esse que estava destinado ao nosso Sporting, então possuindo uma magnífica equipa: treinada pelo professor Queirós, que à pátria dera recentemente dois tão entusiasmantes títulos mundiais, blindada por uma excelente parelha de centrais (Valckx e Vujacic), dificilmente repetível, e orlada por um meio-campo luxuoso, esse sim mesmo irrepetível, verdadeiros "Quatro Violinos" (Figo, Capucho, Paulo Sousa, Balakov). E para conclusão, lá na frente impunha-se o codicioso avançado Jorge Cadete, oriundo da antiga Porto Amélia, então já Pemba - terra para onde eu me aprestava a partir para um também entusiasmante semestre de "trabalho de campo".

O jogo teria transmissão televisiva. No nosso refúgio havia uma televisão, algo que à chegada eu havia considerado inútil, até intrusivo, em tal local. Durante a tarde a beldade, sempre completamente alheada das coisas do futebol, disse-me "vês o jogo e depois vamos jantar", ao tal restaurante que nos havia sido basto recomendado, dito como "o" verdadeiro sítio estremocense. Logo refutei a proposta, pois era o que faltava, abstrair-me dela apenas por causa de um mero jogo da bola... Pois o Amor impunha a sua Lei, em regime de "servidão voluntária", como havia dito o La Boétie (falando, é certo, de outras coisas). Assim abdiquei de ver a partida, imunizando-me às vãs paixões futebolísticas, e naquele fim de tarde fomos passear pelas redondezas. Nunca soube se ela percebeu a magnitude daquela minha atitude, o seu significado - mas é certo que depois casou comigo, tivemos uma filha, e aturou-me mais vinte anos, é capaz de ter compreendido...

Pela hora de jantar (jogo da bola completamente esquecido) entrámos em Estremoz e fomos até ao tal "Adega do Isaías". Uma casa aprazível, numa decoração típica, mais que acolhedora, até reconfortante, de cariz etnográfico, na mesa para nos receber foram instalados uns acepipes iniciais consuetudinários, lembro-me que de fino recorte técnico. Mas num dos topos da sala estava uma televisão - ainda nada de ecrãs engrandecidos que vieram depois a vigorar -, e diante dela estavam congregados alguns clientes locais. No recato da disciplina auto-imposta sentei-me de costas para ela, encarando a amada. Nesse entretanto, e através do empregado "...do Isaías". soube - teve de o ser - estar o jogo no intervalo, que o Benfica ganhava por uns (inusitados) 3-2. Acolhi o prometedor cardápio com um sorriso complacente, convicto que aconteceria a reviravolta ("remontada", espanhola-se agora) do nosso Sporting, e divergi a minha atenção. Ainda assim pelo canto do ouvido notei que na reentrada em campo o prof. Queirós havia tirado o lateral-esquerdo Paulo Torres...

E logo depois o ulular dos restantes clientes fez-me notar que o Isaías - não o do restaurante mas sim o jogador do Benfica - cavalgara à desfilada pela avenida onde já não estava o tal Paulo Torres e marcara o 4-2. Petisquei mais uma lasca de enchidos locais, entrecortados por azeitonas verídicas, ainda mergulhado na carta dos vinhos. Breves minutos passados, ainda rodando o primeiro copo de um bom tinto, que me acalentava sonhos de futuros comuns, o "Isaías" restaurante tremeu com a gritaria estremocense, pois o outro Isaías -. o de Carnide - tornara a cavalgar, com os sequazes, a tal avenida desprovida do Paulo Torres, fazendo o 5-2. Mantive-me impávido, soberbo, nem olhei para o ecrã. Naquela "Adega do Isaías" indiferente aos feitos do Isaías.

Nunca mais voltei a Estremoz. E ainda hoje estou crente de que a minha vida teria sido diferente se o Paulo Torres não tivesse sido substituído.

(Adenda: agradeço à equipa da SAPO o destaque dado a este postal na simpática rubrica "Palavras de blog", devido à "consuetudinários" que aqui usei.)

Um novo presidente no F.C. Porto

jpt, 01.05.24

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Foi surpreendente - pelo menos aqui a Sul do Trancão - a estrondosa derrota do Papa Doc do Douro, o (aparente) arredar dos seus tonton macoute... Com efeito, quem o diria, 80% da freguesia portista proclamando o verdadeiro Inverno do patriarca? Diante disto alguns mimetizam Abril - como se Villas-Boas seja avatar de Salgueiro Maia, metáfora fácil dada a efeméride tão recente. Outros, mais pérfidos, lamentam que o velho chefe não tivesse "saído em grande" - pois embalsamado na sua teia de perversos interesses, deve-se-lhes responder. 

"Sair em grande"? Será melhor perceber que os 80% (mais os remanescentes 20%) não o repudiaram. Apenas consideraram que já não é suficiente, competente, enérgico, malevolente eficaz. Pois as suas 4 décadas de "vale tudo" sempre foram sufragadas por aquela gente. Não para defender fronteiras, para salvar vidas de conterrâneos, acabar com a miséria. Mas apenas para os urros orgásticos de ganhar taças. Uma mole de guardas abéis e macacos? Sim, mas também daqueles Lourenço e Adriano Pinto, e quejandos. E daquele Fernando Gomes, a quem Guterres até deixou pensar ter o delfinado. Ou este autarca Moreira, a quem alguns querem ungir. Ou até mesmo aquele Mayan Gonçalves que se diz "liberal" enquanto pactua com tudo aquilo. 

Foram décadas daquele abjecto "vale tudo". Não há como "sair em grande" daquela miséria. Há apenas que louvar quem se lhe opôs, com custos. E perceber que os 80% - mais os outros - apenas desejam... mais do mesmo, rapaces que são.

Bayete Catamo

jpt, 07.04.24

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Em finais de 2021 eu - como se comprova, sendo um muito competente "olheiro" (os patetas ignorantes agora falam de "scouting") - saudava a chegada do jovem moçambicano Catamo ao plantel do Sporting, augurando-lhe grande futuro. E ao assunto voltei no início desta época, exigindo também no Delito de Opinião a sua manutenção no plantel.
 
Assim sendo, creio que vos será possível imaginar o sorriso gigantesco com que ontem me deitei. Um cúmulo: estivera desde o fim da tarde no recomendável Roda Viva, restaurante moçambicano em Alfama. Ali organizara o "lançamento" do meu livro "Torna-Viagem" - que é louvado mas não tanto comprado... Apareceu um largo punhado de amigos - alguns vindos de bem longe, outros vindos de eras muito recuadas... E até família - a minha irmã, comparecida para evitar que eu dissesse palavrões, e cunhados, a apoiá-la na nobre e pedagógica missão.
 
Encheram-se as duas salas e a viela, enquanto se comiam as prometidas (e devidas) badjias e chamuças. Depois do cerimonial livresco - no qual falou o Fernando Florêncio e perorei eu - e do animado convívio avulso, umas quatro dezenas de presentes decidiram jantar ali mesmo, tendo tecido loas ao repasto. Enquanto eu cirandava de mesa em mesa foram-me informando da evolução do resultado. Houve júbilo no final do jogo, ali em Alfama.
 
Pela 1 da madrugada recolhi a casa, tão contente que quase feliz. E vi a gravação do jogo. Só então percebi que fora a noite de glória do Catamo! Neste meu dia não podia ter sido melhor!!! Bayete Catamo!!!,* disse ali no seu segundo golo, mesmo no final - na sequência de um inenarrável roubo do árbitro, a querer levar o Benfica ao título, uma escandaleira.
 
Ao acordar leio uma mensagem, amigo moçambicano desde Maputo, dizendo-me que ao ver o jogo do Geny se tinha lembrado daquele meu já antigo postal sobre o rapaz. Profético, profético... Enfim, apenas posso dizer, modesto: "sublinhem as minhas palavras!".
 
* Bayete - saudação destinada a um Chefe relevante no universo linguístico tsonga.