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Delito de Opinião

Artigo 13.º CRP *

Paulo Sousa, 06.07.20

O facto dos sindicatos da função pública exigirem há muito que os trabalhadores com contrato individual de trabalho (CIT) tenham acesso à ADSE comprova o que todos sabemos mas que por vezes acaba por haver sempre alguém a querer negar. A assistência médica da ADSE é superior à do SNS. Isto não é uma segunda descoberta da roda mas apenas um ponto prévio, de forma a evitar o normal desvio do debate em que os seus beneficiários venham dizer que a ADSE não é assim tão boa.

Pelo que ouvi dizer, é normal que os seus beneficiários sejam encaminhados para unidades privadas de prestação de serviços de saúde. Importa salientar que estas entidades privadas são aquelas que o governo e seus apoiantes (e também seus beneficiários), não se cansam de dizer com desprezo que “visam o lucro”. Depois de dizerem a palavra “lucro” vão a correr lavar os dentes com a convicção de quem despreza as gengivas. Eles, os ungidos, pelo contrário valorizam é o SNS, por visar o prejuízo, mas com a ressalva de que seja apenas destinado aos outros, aos que pagam esse prejuízo.

Soube-se agora que, mesmo sem que tenha havido qualquer adjudicação, os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), o mesmo ministério que gere o SNS, está a pagar aos seus funcionários com CIT um seguro privado de saúde.

Segundo a notícia, o ex-presidente da administração dos SPMS, responsável pela aquisição dos seguros de saúde, justifica isto com o facto de ser necessário amenizar as desigualdades dentro da empresa.

Pelo que entendi, o jornalista não terá perguntado ao ex-presidente da administração dos SPMS, nem à Ministra da Administração Pública, nem à Ministra da Saúde, nem ao Primeiro-Ministro, nem já agora ao Presidente da República, o que acham sobre as desigualdades entre estes portugueses e os restantes que não têm acesso a estas versões Premium do SNS.

* Princípio da igualdade:

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

Electrotecnia para totós

José Meireles Graça, 05.03.20

Quase meio século de democracia já deveria ser suficiente para se concluir que o regime, por si, não garante desenvolvimento económico. As ditaduras também não, infelizmente – não faltam ditaduras economicamente falhadas, assim como bem-sucedidas.

Que a nossa democracia falhou, sob aquele ponto de vista, só não é evidente para quem se deixe anestesiar pelo progresso entretanto realizado, que todavia não foi suficiente para nos alterar significativamente o lugar na hierarquia da riqueza das nações, e esqueça o preço, que ainda não pagámos, a que o módico de desenvolvimento registado, e com o qual o regime todos os dias se felicita, foi obtido: maior dívida de sempre na nossa história, decapitação do capitalismo nacional tão radical que não há dinheiro privado português para deter bancos ou grandes empresas, ausência de investimento que não seja público, e deste que não seja com apoios europeus, crescimento agónico e um longo etc. E isto mesmo sob a chuva de milhões com que desde 1986 as instituições europeias nos compram a fidelidade, sobretudo a da patética classe dirigente – os dirigidos vivem na esperança do próximo aumento de dez euros e abraçam com entusiasmo o desígnio nacional, que consiste em irmos todos para empregados de mesa, camareiros ou emigrantes.

Boa parte desta evolução decorre de circunstâncias históricas, geográficas, culturais, e tem o selo da inevitabilidade; e outra de escolhas que temos vindo, e continuamos, a fazer.

Dito de outro modo: Portugal não descola da cauda da Europa porque é governado à esquerda. E é governado à esquerda porque a maior parte dos cidadãos, porque dependem directa ou indirectamente do Estado, não concebem diminui-lo, teimoso imobilismo que a opinião dos gurus da economia lisonjeia e reforça.

Gurus da economia são os economistas. E não há jornal, debate televisivo ou combate político onde não pontifiquem um ou vários dos sacerdotes da seita, quase sempre se distinguindo por um asneirol opinativo que despreza os ensinamentos da História, que ignora ou treslê, e que embrulha os raciocínios em palavreado académico onde o parti-pris partidário cripto-comuna ou social-democrata se traveste de argumento científico-matemático.

Consideremos este artigo: o autor acha que seria útil dizer bem dos serviços públicos que funcionam bem, e não compreende que se enfatize “o que de menos bom se passa nos serviços públicos portugueses”.

Ahah, isto deve querer dizer que, se um doente morre numa sala de espera, se deve realçar que isso apenas sucede a muito menos de 1% dos atendidos; que, se por uma sentença se esperar mais de dez anos, dever-se-á salientar que a maior parte dos processos leva menos tempo; que, se uma escola privada tem bons resultados e uma pública maus, isso se deve à selecção de alunos que a primeira faz, e a segunda não; e que, se há muitos assaltos num certo sítio, há muitos mais em que praticamente não há nenhuns.

Este palavreado do Portugalzinho torrãozinho de açúcar, das autoridades zelosas, do funcionalismo dedicado, tresanda a salazarismo, salvo pelo facto de que Salazar queria um Estado pequeno e forte, e esta gente pretende-o grande e fraco. O respeitinho que não há nas salas de aula, onde deveria haver, quer Mamede que exista no mundo dos crescidos. Faz sentido: meninos habituados à exigência, à disciplina e à competição, podem quando adultos reivindicar uma sociedade desigual baseada no mérito; e a igualdade de todos perante o Estado omnipresente casa bem com cidadãos veneradores, dependentes e obrigados.

Naquilo que os serviços funcionam “menos bem” os males corrigir-se-iam se não tivesse havido “duas décadas de estagnação salarial, restrições à contratação e falta de investimento público, [que] limitam a capacidade de resposta de qualquer serviço”. Ou seja, do que precisamos é de mais despesa pública e, presume-se, mais impostos.

E, já se vê, não há qualquer diferença entre a condição de funcionário público e a de trabalhador do sector privado, nem nenhuma razão objectiva para que os desempenhos respectivos sejam essencialmente diferentes.

Claro que há diferenças: se não houvesse poder-se-ia tranquilamente nacionalizar todo o sector produtivo privado, e não se notaria qualquer diferença no resultado. Mas os exemplos abundam do clamoroso falhanço em todos os lugares em que esse passo foi dado. E é precisamente por isso que a esquerda moderna passa o tempo à procura do Santo Graal: nacionalizar e impostar o mais que pode sem matar a iniciativa privada, e tentar encontrar um ponto de equilíbrio, porque é o sector privado que sustenta o público, e não o contrário.

O principal mecanismo que explica o superior desempenho do privado sobre o público é a concorrência, que impiedosamente destrói o estagnado, o ineficiente e o retrógrado; e o que leva o empreendedor a correr o risco de falhar é a perspectiva de se tornar mais rico do que a sua condição de partida, ou seja, a ambição da desigualdade.

Isto deveria ser óbvio. Mas não é. Diz o moço, com argúcia: “Para estes [actores privados], dizer mal do sector público não é um exercício de análise - é uma manobra de propaganda, com olhos postos nas oportunidades de lucro”.

Credo, lucro!, que horror! – que é mais ou menos o mesmo que um engenheiro electrotécnico querer corrente eléctrica sem diferenças de tensão.

Dá aulas de economia e é a milionésima demonstração de que quem sabe faz e quem não sabe ensina.

A carta por pontos: uma evidente discriminação contra os funcionários públicos

Rui Rocha, 04.06.16

Se tivéssemos uma interpretação progressista e avançada do princípio da igualdade asseguraríamos aos funcionários públicos uma carta de condução com mais pontos. Como passam a trabalhar só 35 horas, é natural que tenham mais tempo disponível para conduzir. Logo, estão sujeitos a cometer mais infracções pelo que incorrem, obviamente, numa situação de desfavorecimento face aos trabalhadores do sector privado. Um entendimento mais profundo da igualdade constitucional impõe que se trate de forma diferenciada aquilo que é substancial e materialmente diferente.

Demagogia salarial

João André, 20.01.16

O nosso José António Abreu fez abaixo um post demagógico acerca da diferença de salários médios entre público e privado. Digo que é demagógico não porque o JAA seja um demagogo, mas porque escrever o que escreveu, sem falar em mais nada (mesmo que invocando razões com que se possa discordar) é demagogia pura. Seria o mesmo que eu escrever que os CEOs portugueses ganham "x" vezes mais que o Presidente da República para indicar o mal que se paga aos titulares dos cargos públicos. Se queremos abordar o tema, temos que o fazer pelo lado da interpretação, caso contrário parecemos novos Grillos.

 

O primeiro ponto é simples: no público os trabalhadores têm qualificações superiores ao privado. Não sei valores actuais, mas sei que há uns 5 anos os trabalhadores com formação superior eram 10% no privado e 50% no público. A média europeia dos ganhos salariais por ano extra de educação superior é de cerca de 10%. Com cursos entre 3 e 5 anos, pode-se esperar que a formação superior traga benefícios salariais de 40%. Se aplicarmos um peso de 50% desta componente ao público (20% aumento em vez de 40%) para 50% dos trabalhadores, temos que explica cerca de metade do diferencial (1140 € - Privado; 1140 x 120% = 1368 €).

 

O segundo ponto volta às qualificações, mas no outro lado do espectro. Se o sector público terá mais tendência a empregar pessoas com qualificações superiores, também empregará menos com qualificações abaixo da escolaridade mínima. Aqui não tenho valores, mas posso facilmente imaginar que os trabalhadores com a 4ª classe ou um ensino secundário incompleto serão muito mais facilmente empregados como empregados fabris, lavadores de pratos ou terão outras funções não qualificadas que os do público. Isto aumentará também o diferencial.

 

Por último há um aspecto importante: o simples facto de existir este diferencial não significa que deva ser abatido pelo lado do público, como o JAA implicitamente sugere. Poderá não ter sido a sua intenção, mas ao escrever como o fez, dá a entender que o que está mal é o salário público, não o privado. Nos comentários fala da asfixia do sector público ao privado, o que vejo como um disparate em si. Há de facto uma enorme lacuna na legislação em Portugal que permita ao privado poder desenvolver-se, mas o público não asfixia o privado, antes o estimula (pelo menos alguns actores do mesmo) em relações muito pouco saudáveis.

 

Eu gostaria muito de ver o diferencial a desaparecer, mas pelo lado do aumento do salário do privado. Para tal é necessária legislação mas também mudança das mentalidades canhestras dos empresários portugueses. Enquanto continuarem a ver pessoas com formação superior como tipos a quem têm de pagar mais; mulheres como aquela gente que vai ter de ir parir; e os trabalhadores em geral como "colaboradores", o diferencial continuará a existir. E os rendimentos (não necessariamente sob a forma de salários) mais elevados continuarão a existir no lado do privado. E aqui os diferenciais não se medirão em um salário mínimo.

As novas medidas da troika.

Luís Menezes Leitão, 17.11.11

 

Aqueles que exultaram com o corte de subsídios aos funcionários públicos, fazendo-os ser os bodes expiatórios da crise, vão experimentar a extensão da medida ao sector privado, como é agora exigência da troika. Há uma velha regra que diz que é um erro fazer acordos com crocodilos, no sentido de serem os outros a ser devorados. A única coisa que se consegue é ser devorado em último lugar.

As consequências do populismo.

Luís Menezes Leitão, 24.10.11

 

O Governo efectuou um ataque brutal aos funcionários públicos quando lhes retirou os dois subsídios a que legitimamente têm direito, não conseguindo apresentar qualquer justificação convincente para uma medida tão discriminatória, a não ser a afirmação populista de que os funcionários públicos são uns privilegiados. Ora, quem entra nesse tipo de discurso populista costuma provar do seu próprio remédio. Imediatamente começaram a surgir acusações de benefícios injustificados dos políticos. O Governo viu-se obrigado a cortar nas pensões dos políticos, que não têm qualquer subsídio, e agora até vários governantes se viram constrangidos a abdicar dos seus subsídios de residência. 

Entrou-se por um caminho muito perigoso. Agora a opinião pública vai exigir que sejam os governantes a dar o maior exemplo de sacrifícios. Já se ouvem vozes a exigir que os políticos passem a ganhar o salário mínimo. Com esta escalada no populismo dificilmente alguém estará disposto a abdicar de uma carreira no sector privado para assumir funções governativas. Fica assim demonstrado o enorme erro que foi este ataque do Governo aos funcionários públicos. Ao contrário do que parece julgar o Ministro das Finanças, um orçamento de Estado não é um exercício contabilístico, tendo que assentar em soluções de equidade. Sem uma justa distribuição dos sacrifícios, as políticas de austeridade serão consideradas ilegítimas pelos que são por ela afectados. Ninguém quer servir de bode expiatório em relação a culpas alheias.

Para quem gosta de comparações (2)

Rui Rocha, 18.10.11

Uma coisa é certa. Face ao período normal de trabalho semanal da Administração Pública e do sector privado em 2012 (35h00 vs. 42h30), em doze meses e por exemplo, um trabalhador administrativo de uma empresa privada terá estado ao serviço da sua entidade patronal mais 300 horas (em rigor, até um pouco mais do que isso) do que o seu equivalente da função pública. Isto é, se tomarmos como referência o perído normal de trabalho da AP, o trabalhador do sector privado terá trabalhado mais 2 meses do que o trabalhador da função pública.

 

Mais uma vez, penso que não faz sentido ter em conta as tolerâncias de ponto pois que estas estarão, certamente, em vias de extinção.

Sentimentos e contradições

Ana Lima, 15.10.11

Em Janeiro do próximo ano passarão 17 anos sobre a data em que jurei, por minha honra, cumprir com lealdade as funções que me seriam confiadas. Não o fiz por não ter qualquer outra hipótese de fazer outro trabalho, nem por pensar que, deste modo, iria ter uma vida descansada e em segurança para o resto dos meus dias. É certo que havia um certo alívio, depois de ter estado 6 anos em situações precárias de contratos a prazo e de avenças. (Aliás, actualmente, já nem estamos “nos quadros”. Temos sim um contrato de trabalho em funções públicas.) Mas voltando atrás, a razão era a mesma que me tinha levado a não aceitar trabalhar em empresas que, à partida, me assegurariam mais dinheiro ao final do mês mas menos certezas que o meu trabalho contribuiria para o bem comum.

Pois é, sou uma daquelas idealistas que acham que o Estado tem uma função indispensável e importantíssima a desempenhar em sectores que os privados, porque não têm essa vocação, não conseguem abarcar ou, pelo menos, levar a cabo com os mesmos pressupostos.

A actividade do Estado pode dar lucros. Mas a sua função é, acima de tudo, assegurar um conjunto de bases de funcionamento da sociedade. E todos nós sabemos que o cumprimento desse papel, não tem tido os resultados que se desejariam. Ao longo das últimas décadas, o Estado português (sem esquecer que também os privados e a União Europeia têm a sua quota parte de responsabilidade) não soube (ou não conseguiu) criar as condições para que houvesse um efectivo desenvolvimento, nomeadamente através da valorização do tecido produtivo. Conseguiu isso sim ser olhado como o culpado de uma situação que o ultrapassa em muito. Mas é para isso que ele também serve. Para ser um bode expiatório de uma sociedade que, não raramente, espera dele o que ele não pode dar. 

Ao longo dos 22 anos que trabalhei na Função Pública assisti a muitos sucessos mas também a muitas situações que me desencantaram. Nunca deixei, no entanto, de sentir orgulho em ser uma servidora do estado, fórmula em desuso e que acarreta uma carga demasiado pesada para a maior parte dos que, como eu, não têm propriamente uma fé inabalável seja no que for. Nunca tive cargos dirigentes e duvido que alguma vez os tenha. O meu perfil é, ao mesmo tempo, pouco ambicioso e demasiado livre para tal. Mas gosto de cumprir o meu papel estando sempre ao serviço do interesse público. E este interesse público é o de todos. Todos os que são funcionários públicos e todos os que não são.

É talvez por isso que passarei a receber menos dois vencimentos por ano (até quando não sabemos pois à dependência da troika não vislumbramos o fim). Esta medida afectará todos, obviamente de forma diferente, consoante a situação de cada um. A mim vai custar-me muito. E o sentimento, associado a este, da incompreensão de tantos que, não só não estão solidários, como ainda pensam: é bem feito!, também  não ajuda nada. E ainda existe um outro sentimento que se prende com o facto de perceber que esta incompreensão deriva da incapacidade dos próprios funcionários públicos alterarem essa visão que engloba, no mesmo conjunto, pessoas e atitudes profissionais completamente distintas.

Os funcionários públicos são nossos amigos

Rui Rocha, 14.10.11

 

A sério, Laura. Nós gostamos muito dos funcionários públicos. Num país como Portugal, todos temos pais, irmãos, maridos, mulheres e amigos que são funcionário públicos. Não digas a ninguém, mas nem sequer gostamos apenas dos muitos que são competentes, briosos, esforçados e cumpridores. Mesmo alguns dos outros também nos despertam bons sentimentos. No fundo, sabemos que em todos os funcionários públicos também bate um coração, embora nalguns casos pareça um bocadinho desafinado. Mas, há mais. Para além das emoções positivas que os funcionários públicos que nos são próximos nos despertam, nós os privados também somos um bocadinho interesseiros. Os nossos negócios dependem muito dos funcionários públicos e dos familiares dos funcionários públicos. Se os funcionários públicos e as famílias (isto é, toda a gente) deixarem de comprar os nossos produtos e serviços, nós vendemos menos. Não há pequeno comerciante que não espere ansiosamente pelo dia 23 de cada mês para endireitar as contas. Há, apenas, um pequenino problema. É que o país não tem dinheiro. E por isso, uns sentem-se enteados. Mas, muitos já ficaram órfãos de pai e mãe há algum tempo e há tantos outros que ainda vão a caminho:

 

 - há pelo menos 675.000 desempregados em Portugal, numa altura em uma grande parte (21%) dos licenciados não tem emprego.

 

- processos de insolvência de empresas triplicaram no primeiro trimestre de 2011.

 

É claro que existe nestas histórias de drama familiar uma marca de injustiça na distribuição de sacrifícios. Alguns parecem nunca ser atingidos. Mas, relativamente a isso, somos todos iguais. Públicos e privados, órfãos e enteados. Nada mais do que filhos bastardos de grandes senhores feudais.

O confisco dos rendimentos dos funcionários públicos

Luís Menezes Leitão, 13.10.11

 

Este discurso demonstra claramente o falhanço total deste Governo, apenas quatro meses após ter entrado em funções. Efectivamente o país assumiu compromissos internacionais no Memorando de Entendimento com a troika, sendo com base nesses compromissos que recebeu um plano de resgate. O Governo, porém, acha que faz boa figura no exterior (embora às vezes tenha surpresas, como se viu na Eslováquia) apresentando programas de austeridade que ultrapassam em muito o previsto no Memorando. Surgem assim medidas altamente gravosas para os cidadãos, como o imposto extraordinário e agora o corte dos subsídios de Natal e férias para os funcionários públicos. Neste caso, a situação atinge uma gravidade extrema, uma vez que o Governo demonstra não hesitar em confiscar os rendimentos a uma categoria de cidadãos, apenas para parecer bem aos credores internacionais. Conforme já tive ocasião de escrever aqui, nem Marcello Caetano, que governou o país em ditadura, seria alguma vez capaz de uma barbárie semelhante.

 

Não me convencem minimamente os argumentos de que esta é a única forma de evitar a falência do país. O país já está em estado de falência, pois essa é a qualificação adequada de quem não é capaz de solver os seus compromissos. E a falência caracteriza-se precisamente pela exigência de que todos os credores sejam tratados por forma igual. Incumprir os compromissos estabelecidos com os seus funcionários para pagar dívidas resultantes de empréstimos é algo que não é autorizado por lei a nenhum devedor. Não se compreende por isso que tal seja autorizado ao Estado.

 

O Governo decidiu seguir a via grega, repetindo medidas de austeridade sobre medidas de austeridade. Não há atitude mais irracional do que a de repetir sempre as mesmas medidas, na esperança de que algum vez conduzam a um resultado diferente. O resultado expectável e seguro disto é que daqui a um ano estaremos como na Grécia ou pior. E o meu receio não é que daqui resulte a queda do Governo. É que daqui resulte a destruição do país.