Quase meio século de democracia já deveria ser suficiente para se concluir que o regime, por si, não garante desenvolvimento económico. As ditaduras também não, infelizmente – não faltam ditaduras economicamente falhadas, assim como bem-sucedidas.
Que a nossa democracia falhou, sob aquele ponto de vista, só não é evidente para quem se deixe anestesiar pelo progresso entretanto realizado, que todavia não foi suficiente para nos alterar significativamente o lugar na hierarquia da riqueza das nações, e esqueça o preço, que ainda não pagámos, a que o módico de desenvolvimento registado, e com o qual o regime todos os dias se felicita, foi obtido: maior dívida de sempre na nossa história, decapitação do capitalismo nacional tão radical que não há dinheiro privado português para deter bancos ou grandes empresas, ausência de investimento que não seja público, e deste que não seja com apoios europeus, crescimento agónico e um longo etc. E isto mesmo sob a chuva de milhões com que desde 1986 as instituições europeias nos compram a fidelidade, sobretudo a da patética classe dirigente – os dirigidos vivem na esperança do próximo aumento de dez euros e abraçam com entusiasmo o desígnio nacional, que consiste em irmos todos para empregados de mesa, camareiros ou emigrantes.
Boa parte desta evolução decorre de circunstâncias históricas, geográficas, culturais, e tem o selo da inevitabilidade; e outra de escolhas que temos vindo, e continuamos, a fazer.
Dito de outro modo: Portugal não descola da cauda da Europa porque é governado à esquerda. E é governado à esquerda porque a maior parte dos cidadãos, porque dependem directa ou indirectamente do Estado, não concebem diminui-lo, teimoso imobilismo que a opinião dos gurus da economia lisonjeia e reforça.
Gurus da economia são os economistas. E não há jornal, debate televisivo ou combate político onde não pontifiquem um ou vários dos sacerdotes da seita, quase sempre se distinguindo por um asneirol opinativo que despreza os ensinamentos da História, que ignora ou treslê, e que embrulha os raciocínios em palavreado académico onde o parti-pris partidário cripto-comuna ou social-democrata se traveste de argumento científico-matemático.
Consideremos este artigo: o autor acha que seria útil dizer bem dos serviços públicos que funcionam bem, e não compreende que se enfatize “o que de menos bom se passa nos serviços públicos portugueses”.
Ahah, isto deve querer dizer que, se um doente morre numa sala de espera, se deve realçar que isso apenas sucede a muito menos de 1% dos atendidos; que, se por uma sentença se esperar mais de dez anos, dever-se-á salientar que a maior parte dos processos leva menos tempo; que, se uma escola privada tem bons resultados e uma pública maus, isso se deve à selecção de alunos que a primeira faz, e a segunda não; e que, se há muitos assaltos num certo sítio, há muitos mais em que praticamente não há nenhuns.
Este palavreado do Portugalzinho torrãozinho de açúcar, das autoridades zelosas, do funcionalismo dedicado, tresanda a salazarismo, salvo pelo facto de que Salazar queria um Estado pequeno e forte, e esta gente pretende-o grande e fraco. O respeitinho que não há nas salas de aula, onde deveria haver, quer Mamede que exista no mundo dos crescidos. Faz sentido: meninos habituados à exigência, à disciplina e à competição, podem quando adultos reivindicar uma sociedade desigual baseada no mérito; e a igualdade de todos perante o Estado omnipresente casa bem com cidadãos veneradores, dependentes e obrigados.
Naquilo que os serviços funcionam “menos bem” os males corrigir-se-iam se não tivesse havido “duas décadas de estagnação salarial, restrições à contratação e falta de investimento público, [que] limitam a capacidade de resposta de qualquer serviço”. Ou seja, do que precisamos é de mais despesa pública e, presume-se, mais impostos.
E, já se vê, não há qualquer diferença entre a condição de funcionário público e a de trabalhador do sector privado, nem nenhuma razão objectiva para que os desempenhos respectivos sejam essencialmente diferentes.
Claro que há diferenças: se não houvesse poder-se-ia tranquilamente nacionalizar todo o sector produtivo privado, e não se notaria qualquer diferença no resultado. Mas os exemplos abundam do clamoroso falhanço em todos os lugares em que esse passo foi dado. E é precisamente por isso que a esquerda moderna passa o tempo à procura do Santo Graal: nacionalizar e impostar o mais que pode sem matar a iniciativa privada, e tentar encontrar um ponto de equilíbrio, porque é o sector privado que sustenta o público, e não o contrário.
O principal mecanismo que explica o superior desempenho do privado sobre o público é a concorrência, que impiedosamente destrói o estagnado, o ineficiente e o retrógrado; e o que leva o empreendedor a correr o risco de falhar é a perspectiva de se tornar mais rico do que a sua condição de partida, ou seja, a ambição da desigualdade.
Isto deveria ser óbvio. Mas não é. Diz o moço, com argúcia: “Para estes [actores privados], dizer mal do sector público não é um exercício de análise - é uma manobra de propaganda, com olhos postos nas oportunidades de lucro”.
Credo, lucro!, que horror! – que é mais ou menos o mesmo que um engenheiro electrotécnico querer corrente eléctrica sem diferenças de tensão.
Dá aulas de economia e é a milionésima demonstração de que quem sabe faz e quem não sabe ensina.