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Delito de Opinião

O percurso de Freitas

João Pedro Pimenta, 04.10.19

O Professor Diogo Freitas do Amaral teve um percurso original nesta 3ª república portuguesa. Colheu ódios ideológicos de várias partes em diferentes períodos e era visto não raras vezes como um incoerente político. Disso e de outras coisas o acusaram nos últimos anos. Mas é preciso ver que nunca teve um caminho fácil nem grande sorte na sua vida política.


Primeiro criou o CDS num período muito turbulento, em que era pouco aconselhável fazê-lo, dado o radicalismo esquerdista em que a sociedade portuguesa estava imersa, e isso viu-se por exemplo no cerco ao primeiro congresso do partido no Palácio de Cristal por forças da extrema-esquerda (os ascendentes do BE e de outros grupúsculos que foram desaparecendo). Anos mais tarde, já no poder, com a AD, a tragédia de Camarate e a morte de Amaro da Costa e de Sá Carneiro, que vitimaram os seus amigos e aliados e o seu governo. Depois, a sua candidatura à presidência, em que teve o triunfo à vista, e que falhou por escassos milhares de votos, e que depois de uma dispendiosa campanha, o PSD de Cavaco abandonou vilmente com imensas dívidas na mão (Marcelo RS vingou-o de certa maneira pregando uma partida aos ministros do PSD. É o que consta da biografia do PR). Deu-se o regresso ao CDS num tempo em que o cavaquismo engolia quase toda a direita e o centro, e a sua saída do partido que fundou, já noutra onda que não a dele, quando não colhia grande simpatia do Independente.


A verdade é que ele sempre se disse um democrata-cristão centrista e nunca se afastou muito disso; a sociedade e os partidos é que mudaram. Terá havido oportunismo e jogo de cintura - apostou sempre nos candidatos que viriam a ser primeiros-ministros, pelo que esse seu dom profético fará falta. Mas ainda assim, órfão politicamente e sem aliados, manteve-se activo, ainda que com equívocos, como a ida para o governo de Sócrates, que a seu tempo corrigiu. É bom pensar que desde os anos 90 presidiu à Assembleia-Geral da ONU, envolveu-se contra a invasão do Iraque, fundou a faculdade de Direito da Nova de Lisboa, que tanto contribuiu para novas formas do ensino jurídico em Portugal, escreveu peças de teatro, ensaios, livros de história, e as suas memórias, de que o terceiro e último tomo saiu há poucos meses, quase que profeticamente. Uma vida plena e marcante, portanto. Pela minha parte, que só o conheci de cumprimentar de passagem e de breves palavras, devo-lhe, ainda que indirectamente, a minha ida para Lisboa, que muito me ajudou. Que, como cristão convicto que era, tenha descoberto a paz que lhe faltou durante tantos anos.

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PS: vi-o numa foto de há quinze dias, já muito caído, no enterro de André Gonçalves Pereira. Curiosamente, este tinha sido o seu sucessor nos Negócios Estrangeiros. E assim, em duas semanas, desaparecem duas antigas figuras de primeiro relevo da AD.

PS2: quando Assunção Cristas proferiu as primeiras palavras acerca do fundador do partido via-se Telmo Correia atrás. Não pude deixar de recordar o hilariante despique político no Parlamento, quando Correia acusou o na altura MNE de "vergonha de viver em democracia" por causa da questão das caricaturas de Maomé num jornal dinamarquês (Freitas dissera que era necessário distinguir "liberdade de licenciosidade"), ao que este respondeu: "ainda o senhor não era nascido ou andava de cueiros e já eu lutava pela liberdade em Portugal. É preciso topete!"

Fora da caixa (22)

Pedro Correia, 04.10.19

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«Poucos deram tanto a Portugal, à liberdade e à democracia.»

António Costa, ontem, sobre Freitas do Amaral 

 

A campanha eleitoral terminou ao princípio da tarde de ontem. Precisamente quando foi conhecida a triste notícia do falecimento de Freitas do Amaral, o último fundador civil do nosso regime democrático - resta o general Ramalho Eanes, ilustre sobrevivente desta estirpe já com lugar na História.

Este infeliz acontecimento relegou para segundo plano tudo quanto vinha a ser discutido no espaço mediático, o que muito jeito dá a António Costa - confirmando que o secretário-geral socialista é o político com mais sorte em Portugal. A campanha corria-lhe razoavelmente mal: Costa está longe de ser brilhante nas caravanas de propaganda eleitoral, para as quais tem pouco jeito e quase nenhuma paciência. A nova dimensão dada ao lamentável caso de Tancos, centrada na acusação deduzida pelo Ministério Público ao ex-titular da pasta da Defesa Azeredo Lopes, fragilizou o primeiro-ministro numa das dimensões que mais cultiva: a sua faceta de homem de Estado.

O desaparecimento de Freitas, senador da democracia, e as cerimónias fúnebres que lhe serão devidas hoje e amanhã, dia de reflexão eleitoral, encerram simbolicamente um capítulo da nossa vida colectiva. E põem fim prematuro a uma campanha que se revelou mais incómoda para o PS do que alguns responsáveis socialistas previam.

Recordo-me da dramática recta final das legislativas de 1999, marcada pelo súbito falecimento de Amália Rodrigues, que gerou comoção nacional. Foi a 6 de Outubro, vai fazer 20 anos depois de amanhã - quatro dias antes de os portugueses irem então a votos.

Também a campanha terminou nesse dia. E dela saiu uma vitória pírrica do PS: António Guterres ficou a um escasso lugar da maioria absoluta e acabou por nunca recuperar desse trauma. Nascia uma legislatura condenada ao fracasso desde o vagido inicial.

Embora com protagonistas diversos, a História tem tendência a repetir-se.

Freitas do Amaral (1941-2019).

Luís Menezes Leitão, 03.10.19

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A morte de Freitas do Amaral representa claramente o fim de um ciclo, em que desaparece o último dos fundadores do regime democrático. Freitas do Amaral foi um grande administrativista, na esteira de Marcello Caetano, a meu ver o maior jurista português do séc. XX, mas é essencialmente como político que será recordado. E na política destacou-se desde  muito cedo. Na verdade, o 25 de Abril apanha-o com 33 anos, uma idade extremamente jovem para alguém assumir a liderança de um partido político. Mas Freitas do Amaral assume o desafio de criar um partido no centro, no limite do que era permitido numa altura em que o discurso oficial era o ataque aos partidos de direita. Ele sempre se considerou rigorosamente ao centro, mas uma direita órfã acabou por lhe cair nos braços, oferecendo-lhe o estatuto de líder da direita, que ele nunca quis assumir. Por isso adoptou atitudes que os seus apoiantes nunca compreenderam, como a coligação com o PS em 1977 ou a ida para ministro de Sócrates em 2005. Em contrapartida, os seus apoiantes adoraram a formação da AD com Sá Carneiro em 1979 e  a sua campanha presidencial de 1986, a mais disputada de sempre, e que ele perdeu por escassos votos. E teve um papel decisivo no dia 4 de Dezembro de 1980, em que assumiu as rédeas do governo perante a morte inesperada de Sá Carneiro, que poderia ter tido consequências imprevisíveis, se não fosse a sua voz ponderada a dizer por duas vezes na sua comunicação ao país: "Peço a todos a maior calma e serenidade".

Com contributos diferentes, houve quatro homens que marcaram a história do regime democrático, fundando os seus principais partidos, que ainda hoje subsistem. O primeiro a partir foi Sá Carneiro, justamente qualificado por José Freire Antunes como um meteoro nos anos 70. Seguiu-se Álvaro Cunhal, em 2005, descrito por Mário Soares como um homem com uma força indomável ao serviço de uma mística. Posteriormente desaparece Mário Soares em 2017, seguramente a figura mais marcante do Portugal democrático, que venceu as tentativas ditatoriais na Fonte Luminosa, chefiou os primeiros governos democráticos e foi o primeiro civil a ascender à chefia do Estado na vigência desta constituição. A morte de Freitas do Amaral fecha este ciclo, desaparecendo o último fundador do regime, que já tinha assegurado um estatuto de senador em todo o espectro político.

Olhando para estes homens, recorda-se a frase do Príncipe de Salina magnificamente interpretado por Burt Lancaster no final do filme O Leopardo. Eles eram os leopardos e os leões, já os que virão a seguir serão chacais e hienas. Hoje o país perdeu uma das suas maiores referências do Direito e da Política.

Sem intenção de ofender.

Luís Menezes Leitão, 05.03.19

A propósito disto, só me consegui lembrar deste célebre diálogo:

"Depois de jantar, Carlos vestia-se para ir à rua de S. Francisco - quando o Baptista veio dizer que o Sr. Teles da Gama lhe desejava falar com urgência. Não o querendo receber, ali, em mangas de camisa, mandou-o entrar para o gabinete escarlate e preto. E veio daí a um instante encontrar Teles da Gama admirando as belas faianças holandesas.

- Você, Maia, tem isto lindíssimo, exclamou ele logo. Eu pelo-me por porcelanas... Hei de voltar um dia destes, com mais vagar, ver tudo isto, de dia... Mas hoje venho com pressa, venho com uma missão... Você não adivinha?

Carlos não adivinhava.

E o outro, recuando um passo, com uma gravidade em que transparecia um sorriso:

- Eu venho aqui perguntar-lhe da parte do Dâmaso, se você hoje, naquilo que lhe disse, tinha intenção de o ofender. É, só isto... A minha missão é apenas esta: perguntar-lhe se você tinha intenção de o ofender.

Carlos olhou-o, muito sério:

- O quê!? Se tinha intenção de ofender o Dâmaso quando o ameacei de lhe arrancar as orelhas? De modo nenhum: tinha só intenção de lhe arrancar as orelhas!

Teles da Gama saudou, rasgadamente:

- Foi isso mesmo o que eu respondi ao Dâmaso: que você não tinha senão essa intenção. Em todo o caso, desde este momento, a minha missão está finda... Como você tem isto bonito!... O que é aquele prato grande, majólica?

- Não, um velho Nevers. Veja você ao pé... É Tetis conduzindo as armas de Aquiles... É esplêndido; e é muito raro... Veja você esse Deft, com as duas tulipas amarelas... É um encanto!

Teles da Gama dava um olhar lento a todas estas preciosidades, tomando o chapéu de sobre o sofá.

- Lindíssimo tudo isto!... Então só intenção de lhe arrancar as orelhas? nenhuma de o ofender?...

- Nenhuma de o ofender, toda de lhe arrancar as orelhas... Fume você um charuto.

- Não, obrigado...

- Cálice de cognac?

- Não! abstenção total de bebidas e águas ardentes... Pois adeus, meu bom Maia!

- Adeus, meu bom Teles...".

EÇA DE QUEIROZ, Os Maias.

De olhos bem fechados

Pedro Correia, 23.02.19

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«Há um perigo na Venezuela», onde um tirano proto-comunista, cabeça de turco de uma ditadura militar, não hesita em mandar atirar contra o povo, condenando-o à doença e à fome, perante a indignação universal.

Universal? Nem tanto. Ainda não li nenhum texto indignado contra Maduro subscrito em conjunto por Freitas do Amaral e Francisco Louçã, semelhante ao que publicaram há dois meses no El País em vigoroso alerta contra Bolsonaro. Quanto à Venezuela, continuam de olhos bem fechados.

O que dirá Freitas agora?

Pedro Correia, 29.03.18

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1

Na sequência do inaceitável acto homicida que visou o cidadão russo Serguei Skripal e a sua filha Iulia, por intervenção de agentes infiltrados da Rússia em território britânico, o Governo do Reino Unido expulsou 23 diplomatas de Moscovo e solicitou a solidariedade activa dos seus aliados. Nada mais compreensível.

Nos últimos dias, 28 países - incluindo 19 Estados membros da União Europeia - anunciaram também a expulsão de quadros diplomáticos russos: um gesto de firmeza política que ultrapassa largamente o plano simbólico. Pelo menos 125 diplomatas receberam já ordem para fazerem as malas.

Entre as raras capitais da UE que permaneceram à margem deste processo inclui-se Lisboa. "Governo prefere diálogo à expulsão: diplomatas russos a salvo em Portugal", na síntese certeira de um título jornalístico. Isto apesar de o Executivo liderado por António Costa "acreditar que a concertação no quadro da UE é o instrumento mais eficaz para responder à gravidade da situação presente", como jesuiticamente observou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. O tal que gosta de "malhar", mas é "na direita". Esquecendo que Putin é o maior apoiante financeiro e logístico da mais repulsiva extrema-direita europeia.

 

2

O nosso Governo, lamentavelmente, ignorou neste processo os compromissos inscritos na aliança histórica que mantemos desde 1373 com o Reino Unido - aliás a mais antiga relação diplomática ininterrupta da história.

Pior: a diplomacia portuguesa parece cruzar os braços perante reiteradas e comprovadas violações de direitos humanos cometidas pelo Estado russo - que inclui ataques cibernéticos com a colaboração de sofisticada pirataria informática, a intromissão em processos eleitorais estrangeiros, o assassínio e detenção ilegal de opositores, o silenciamento de jornalistas e as agressões militares contra a soberania de Estados vizinhos, nomeadamente com a anexação da Crimeia, pertencente à Ucrânia, e a criação dos bandustões russos da Abcásia e da Ossétia do Sul, tornados enclaves em território soberano da Geórgia.

Como se isto já não bastasse, os agentes de Putin liquidam compatriotas incómodos em solo estrangeiro, recorrendo a uma substância tóxica proibida por convenções que o próprio Estado russo subscreveu.

Entre os nossos amigos e aliados da UE e a cleptocracia russa, com a sua corte de oligarcas corruptos, ficamos equidistantes. Algo que não acontecia desde os tempos pós-revolucionários, quando uns tantos lunáticos andaram por aí a enaltecer a putativa integração de Portugal no lote dos países pertencentes ao Terceiro Mundo.

 

3

Afinal o prometido "novo impulso para a convergência com a Europa" que o Executivo PS prometeu em Novembro de 2015 no seu programa era apenas uma flor de retórica. Na óptica de Santos Silva, que há três meses celebrava como "vitória para Portugal" a eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo, a solidariedade europeia será uma via de sentido único.

Por mim, fiquei esclarecido. Aguardo apenas com alguma curiosidade o pronunciamento de Diogo Freitas do Amaral, que era vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros do Executivo da Aliança Democrática, que em 1980 decidiu expulsar quatro diplomatas russos, no quadro dos duros protestos ocidentais contra a invasão soviética do Afeganistão ocorrida meses antes e que incluiu apelos do primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro ao boicote português dos Jogos Olímpicos de Moscovo, onde a participação nacional esteve reduzida ao mínimo.

Tudo isto sucedeu, note-se, quando ainda nem éramos membros do espaço comunitário europeu.

O que dirá Freitas do Amaral agora?

De vento em popa.

Luís Menezes Leitão, 09.09.15

Freitas do Amaral apoia António Costa. Portanto, o antigo nº 3 do primeiro governo de José Sócrates declara apoio ao antigo nº2 do primeiro governo de José Sócrates. Ontem António Costa já tinha tido uma declaração de apoio do antigo nº 1 dos governos de José Sócrates. Relativamente à recolha de apoios de antigos membros dos governos de José Sócrates, António Costa vai assim de vento em popa. Só naqueles que não integraram os governos de José Sócrates é que a coisa está um pouco mais complicada.

Twilight zone (parte 2)

Pedro Correia, 26.02.15

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«Eles [governo grego] recuaram muito, mas a Alemanha recuou muito mais. (...) Conseguiu dobrar a Alemanha, que não queria nenhum acordo e foi forçada a engolir. (...) Terminou a austeridade pura e dura [na Grécia].»

Freitas do Amaral (ontem, na Grande Entrevista da RTP Informação), comentando a decisão do Eurogrupo de estender por quatro meses a assistência financeira à Grécia sob a condição de Atenas manter o programa de austeridade

Tudo e o seu contrário

Pedro Correia, 24.10.14

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Eu sabia que ainda haveria de ouvir um dia Diogo Freitas do Amaral aplaudir uma proposta do Partido Comunista.

Sim, refiro-me ao político que em 1974 fundou o CDS e votou em 1976 contra a Constituição da República, chegou a receber o rótulo de "homem mais à direita de Portugal" e foi arrasado por Mário Soares no debate da segunda volta das presidenciais de 1986 com estas palavras esmagadoras: "Eu não tenho dúvidas em reconhecer que o Dr. Freitas do Amaral é democrata, embora não tenha feito nada pela democracia."

 

Aconteceu quarta-feira à noite, numa entrevista concedida à RTPi e conduzida pelo jornalista Vítor Gonçalves. Ultrapassando o PS pela esquerda, Freitas aplaude agora os comunistas. Tal como o PCP, também ele preconiza a intervenção do Estado na PT, empresa privada, salientando que o mesmo já devia ter ocorrido no Espírito Santo: o melhor, garante, seria recapitalizar o banco falido com o recurso a seis mil milhões de euros do empréstimo da troika.

Para isso, invoca um artigo da Constituição de 1976 que autoriza a intervenção do Estado na gestão de empresas privadas, à revelia da vontade dos accionistas. A mesma Constituição contra a qual ele votou.

Tudo nacionalizado, portanto, proclama o Freitas do Amaral de 2014, contrariando o Freitas do Amaral de 1974. Beneficiando a irresponsabilidade dos gestores privados ao assegurar-lhes o direito automático à rede protectora do Estado. E adoptando a receita posta em prática com o BPN. Com os contribuintes a pagar mais e mais e mais e mais.

Suporíamos que para financiar isto o fundador do CDS pediria mais sacrifícios fiscais aos portugueses. Afinal não: Freitas protesta até contra o eventual aumento da carga fiscal para o próximo ano.

 

Mais encargos para o Estado suportados por menos receita: eis uma verdadeira quadratura do círculo. Que espantaria vinda da boca de outro político mas já não surpreende por vir de Freitas do Amaral, que nos habituou a defender tudo e o seu contrário.

O mesmo homem que, tendo sido ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros do primeiro executivo de José Sócrates, veio acusá-lo de "falta de cultura democrática" durante a campanha para as legislativas de 2011.

O mesmo homem que em Outubro de 2011 elogiava a "capacidade de concretização" de Passos Coelho, obreiro de "mais reformas em cem dias" do que o anterior executivo em três anos, e agora se indigna porque os membros deste governo "não conseguiram fazer nada".

O mesmo homem que na Primavera de 2011 saudava o programa da troika como "um mal necessário" que permitiria ao País "respirar durante dois anos pelo menos", e hoje se exaspera contra os "travões a fundo" da austeridade.

O mesmo homem que, durante mais de uma década à frente do CDS, viu o partido ser parcialmente financiado por generosas doações da CDU alemã, através da Fundação Konrad Adenauer, e hoje clama contra a chanceler germânica, pertencente à mesmíssima CDU, com palavras reveladoras de um fino pensamento estratégico: "A Europa só muda no dia em que a França der um murro na mesa para a Alemanha perceber que está a ficar isolada. E a Alemanha o que mais detesta, desde a II Guerra Mundial, é sentir-se isolada."

Igual a si próprio - ou seja, sempre diferente. De entrevista em entrevista.

Paradoxos de Abril

Pedro Correia, 22.04.14

 

1. Um enrouquecido Freitas do Amaral denuncia as "tentativas de ataque à Constituição" contra a qual ele próprio votou em Abril de 1976.

 

2. Um enrouquecido Freitas do Amaral insurge-se contra o Governo "mais à direita" dos últimos 40 anos depois de ter fundado o partido mais à direita do espectro parlamentar.

 

3. Um enrouquecido Freitas do Amaral apela ao povo para manifestar "reprovação total" ao Executivo cuja "capacidade de concretização", na opinião de um seu homónimo, permitiu lançar "mais reformas" em Portugal nos primeiros cem dias do que nos três anos anteriores.

 

Foto: Jornal de Negócios

Antifascismo 'rétro'

Pedro Correia, 21.04.14

Quarenta anos depois, estreando cravo vermelho na lapela, Diogo Freitas do Amaral fez hoje um corajoso discurso antifascista no palco do Teatro D. Maria II. Denunciando o "lápis azul" da censura num "país fechado", de "partido único", em que os políticos da oposição eram presos e "a industrialização era tida como perigosa para a moral e os bons costumes".

Este discurso do homem que em 1976 votou e levou a sua bancada parlamentar a votar contra a Constituição da República na Assembleia da Constituinte pareceu-me interessante, mas algo desajustado no tempo. Vindo de onde veio, chegou simplesmente com quatro décadas de atraso.

As profecias falhadas do professor Zandinga do Amaral

Pedro Correia, 17.01.14

Lembrei-me hoje bem cedo, enquanto caía o granizo: fez agora um ano, na noite de 15 de Janeiro de 2013, surgia em nossas casas, por cortesia da TVI, um senhor de cabelos brancos e olhos muito abertos, assustado e assustando com palavras que soavam a dobre de finados. Em entrevista conduzida por Judite Sousa, o professor Freitas do Amaral trocou por largos minutos a gravitas de catedrático pelo alvoroço do decifrador de conjunturas astrais, profetizando épicas pragas bíblicas sobre os frágeis ombros dos portugueses.

 

Disse nada menos que isto:

«[Em 2013 haverá] um agravamento muito grande da espiral recessiva.»

«O ano de 2013 só terá comparação, em dificuldades e perigo, com o de 1975.»

«A crise do sistema político português pode pôr o poder na rua.»

«Entre Abril e Junho/Julho, com a recessão a piorar, surgirá um tal sentimento de indignação que força o sistema político a reagir.»

«A hipótese mais provável é que o Presidente da República dissolva o parlamento.»

«É inevitável que haja eleições entre Abril e Setembro.»

«O PS tem grandes hipóteses de sair vencedor dessas eleições.»

 

Crédulo que sempre sou perante a doutrina dos eminentes vultos nacionais, anotei meticulosamente numa sebenta o que o ilustre professor entendeu proferir nessa noite memorável, bebendo-lhe a sapiência. E à sebenta fui regressando, 2013 adiante, para aferir o grau de acutilância de quanto fora dito em tom tão grave perante uma Judite provavelmente tão perplexa como eu.

Fui aguardando a queda do poder na rua, a dissolução antecipada da legislatura face à força indómita da luta popular, as eleições antecipadas e a emergência de António José Seguro como novo condutor e pacificador da nação. Fui aguardando o "agravamento muito grande da espiral recessiva" e recordando aquele remoto ano de 1975, em que Portugal esteve mais de uma vez a milímetros da guerra civil, com as armas empunhadas e os dedos prontos a premir gatilhos.

 

E eis que chega Agosto: em vez da anunciada campanha eleitoral para as legislativas antecipadas, surge nas manchetes a inesperadíssima notícia de que Portugal saía da recessão, após dez trimestres consecutivos de declínio económico. Volvidos mais uns meses, continuava o poder sem cair na rua, contrariando o vaticínio do douto entrevistado da TVI. Em compensação, caíam os juros da dívida, o Estado garantia antecipadamente o financiamento para 2014 e até as famigeradas agências de notação davam sinais de encolher as garras.

A "espiral recessiva" eclipsou-se do discurso político e, pasme-se, o défice das contas públicas promete situar-se abaixo dos 5% - aquém da meta fixada por essas aves agoirentas a que se convencionou chamar tróica. Mesmo sem dissolução do parlamento, legislativas antecipadas e triunfo esmagador de Seguro nas urnas.

 

Quando o ano chegou ao fim, senti-me aliviado: afinal o mais parecido que tivemos em 2013 com a tomada do palácio do czar em Petrogrado foi a ruidosa confraternização entre polícias no alto das escadarias de São Bento - algo que nem o falecido Zandinga, com os seus dons divinatórios quase infalíveis, seria capaz de antecipar.

Guardei a sebenta no fundo de uma gaveta. Mas, pelo sim pelo não, já comprei um exemplar do Borda d'Água: homem prevenido vale por dois. E assim consegui escapar incólume à queda do granizo esta manhã.

A importância de ter memória

Pedro Correia, 04.07.13

Chega a ser chocante a falta de memória histórica em Portugal. Só isso explica que a RTP tenha feito ontem uma entrevista a Freitas do Amaral, a propósito da actual crise na coligação, sem nunca o confrontar com a sua longa experiência nesta matéria. Com efeito, o fundador do CDS foi responsável pelo fim de duas coligações enquanto presidente dos centristas: em 1978, com o PS de Mário Soares, ao fim de escassos sete meses de frágil exercício governativo (abrindo caminho a três executivos de iniciativa presidencial), e outra em 1982, com o PSD de Francisco Balsemão, após 20 meses de um penoso mandato que deixou profundas cicatrizes na direita (e deixando o País à beira do colapso financeiro, o que viria a provocar a segunda intervenção do FMI em Portugal).

Sem ser confrontado com estes factos, Freitas do Amaral lá foi distribuindo ralhetes aos actuais responsáveis políticos por esta "telenovela", alardeando uma superioridade moral que obviamente não tem nesta matéria. As coisas são o que são.

 

Leitura complementar: Onde é que já vimos isto?

Onde é que já vimos isto?

Luís Menezes Leitão, 04.07.13
 

Só quem, por juventude ou esquecimento, não tem memória da história recente do país é que pode pensar que desta negociação entre Passos Coelho e Paulo Portas vai resultar alguma coisa de útil. Essencial a um Governo de coligação não é apenas um compromisso político, é igualmente que exista confiança e bom relacionamento entre os líderes dos dois partidos. E já se percebeu que essa falta completamente. Assim, ou se muda de protagonistas ou não haverá coligação que se aguente.

 

O país assistiu a esta experiência com os governos de Pinto Balsemão. Aquando da morte de Sá Carneiro, Freitas do Amaral aspirou a ascender a líder da AD, mas o PSD não lhe fez a vontade, elegendo Pinto Balsemão para o lugar. Freitas do Amaral decidiu por isso manter-se fora do governo, assistindo da plateia às sucessivas dificuldades da liderança de Balsemão. Por esse motivo, passado um ano Balsemão apresentaria a demissão, exigindo para regressar como Primeiro-Ministro que Freitas do Amaral ingressasse no Governo. Contrariado, este fez-lhe a vontade, mas logo que a AD perdeu à tangente as autárquicas, exigiu que Balsemão reformulasse o Governo. Como este não o atendeu, Freitas quis desfazer a coligação, mas o CDS não o acompanhou nessa decisão, o que o levou a abandonar todos os seus cargos políticos. Entretanto Balsemão também se demitiu de Primeiro-Ministro, alegando que se queria dedicar exclusivamente a liderar o partido. A AD apresentou então à pressa Vítor Crespo como Primeiro-Ministro, o qual se entreteve alguns dias a formar um Governo, onde só empurrados os ministros aceitavam entrar. Felizmente o país não assistiu mais a esse disparate porque o Presidente Eanes pôs termo a esse delírio dissolvendo a Assembleia.

 

Um Governo em que o líder de um dos partidos da coligação não participa é um governo condenado a prazo. Se o PSD alinhar em manter um Governo sem Portas, irá assistir a um novo Governo Balsemão, destinado a vegetar até que lhe dêem o golpe de misericórdia, provavelmente já nas autárquicas, como aconteceu da outra vez. Eu acho que seria péssimo irmos para eleições, mas não estou a ver como estes dois líderes partidários podem construir presentemente qualquer solução de Governo.

Eleições antecipadas num protectorado?

Luís Menezes Leitão, 06.06.13

 

Parece que Freitas do Amaral, que conseguiu evoluir desde antigo presidente do CDS até antigo ministro de José Sócrates, se pronuncia contra as eleições antecipadas, imagine-se, porque é preciso esperar pelas eleições alemãs. Eu também sou contra as eleições antecipadas porque acho que não resolveriam nada, e provavelmente até nos fariam saltar da frigideira para o fogo. Agora dizer que o povo português não pode votar porque tem que ficar à espera de saber quem é o novo suserano em Berlim, acho que é o cúmulo de humilhação nacional. Está à vista o estado a que deixaram chegar um país que quiseram atirar à força para esta armadilha da União Europeia e do euro. E um dos muitos responsáveis foi precisamente Freitas do Amaral. Não foi ele que um dia regressou ao Parlamento só para defender o Tratado de Maastricht?

As declarações de Freitas do Amaral.

Luís Menezes Leitão, 06.09.12

 

Estas declarações de Freitas do Amaral revelam não apenas uma enorme ignorância sobre a verdadeira situação fiscal dos portugueses como também um total alinhamento ideológico com a esquerda radical. Freitas do Amaral acha que os contribuintes que ganham mais de 10.000 euros têm sido poupados aos sacrifícios. A jornalista devia ter-lhe imediatamente contraposto o facto de a taxa máxima de IRS ter sucessivamente passado dos iniciais 40% para os actuais 46,5%, sendo que no ano de 2011 esses contribuintes ainda foram sujeitos a uma sobretaxa extraordinária de 3,5% o que colocou o seu nível de tributação em 50%. O facto de um contribuinte perder 50% do seu rendimento não é suficiente para o Professor? Qual então a taxa de tributação que propõe? 60%, 70%, 80% ou 90%? O problema é que, como qualquer fiscalista lhe poderia explicar, esses níveis de tributação levam a que os contribuintes não tenham incentivo a produzir rendimento, levando a que a receita fiscal desapareça. 

 

Freitas do Amaral conhecia essa objecção, pelo que deu um argumento ainda mais espantoso: que mesmo não obtendo o Estado qualquer ganho fiscal, os contribuintes de maiores rendimentos devem ser penalizados por uma questão de justiça. Ou seja, para ele a tributação não visa assegurar receitas ao Estado mas sim punir os que mais ganham. Temos assim uma posição puramente ideológica, típica dos países comunistas, preocupados em igualizar os rendimentos dos cidadãos, não se importando que isso gere a pobreza do Estado. Naturalmente que neste caso os privilegiados são uma classe de apparatchiks que obtêm os seus rendimentos ocultamente dentro do próprio aparelho de Estado. Portugal pode não andar longe de cair neste modelo.

 

Com a ideologia que presentemente manifesta, não sei o que impede Freitas do Amaral de aproveitar o facto de o cargo de líder do Bloco de Esquerda ir vagar brevemente para se candidatar ao lugar.