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Delito de Opinião

Tão cheia de nada

João Carvalho, 26.02.09

Se há estilo que aprecio na blogosfera é o de f. (vulgo Fernanda Câncio). Vejo naquele seu jeito tão especial para renunciar de alma e coração às maiúsculas, naquela convicção que-parece-preguicite-mas-não-é, uma forma visionária de pincelar harmoniosamente a tela do MSWord ou da caixa do blogue.

Rendo-me perante esse modo sublime de sintetizar a "reinvenção da escrita sem pontuação" à Saramago e a "experimentação das letras sem compaixão" à menino na pré-primária que mora aqui perto na minha rua.

Só tenho pena que ela seja obrigada a escrever à moda antiga no jornal, mas compreendo que até um artista também precisa de ganhar a vida e perdoo-lhe essa faceta conservadora.

Vão ler o que f. escreve (e como escreve, senhores!) aqui sobre o livro apreendido pela polícia em Braga. Não sei se é importante, mas verte profusa informação essencial para qualquer candidato a intelectual e até tem o cuidado de dizer (como quem não quer a coisa, claro) que não teve pachorra para procurar não-sei-o-quê na net. Portanto, tudo feito de memória, como seria de esperar.

Mas o melhor, como já disse, é irem ler. A única desilusão é ela desfiar aquele conhecimento todo para concluir nada.

Senhoras nada e senhores tudo

João Carvalho, 25.02.09

O governo está hoje de regresso à Assembleia da República. É quando ganha novamente visibilidade uma fórmula que tem vindo a vulgarizar-se entre quase todos os parlamentares (e membros do executivo, nestas tardes de visita). Trata-se do vocativo lançado quase invariavelmente por quem começa a usar da palavra: «Senhoras e senhores deputados»!

Eu entendo: dá muito trabalho dizer senhoras deputadas e senhores deputados. Por isso é que, em bom português, se dissessem apenas senhores deputados estariam a ser correctos e a dirigir-se a todos sem excepção (a todas e a todos). Mas não: quiseram antes inventarar um modo de ficar por esse meio-caminho entre a 'modernidade' e a preguiça. E o resultado é o que está à vista: senhoras coisa-nenhuma e senhores deputados...

Às armas

João Carvalho, 20.02.09

A oficialidade agita-se com a proliferação de armas em Portugal. Circulam muitas fora de qualquer controlo. Dizem que há quatro armas furtadas ou extraviadas por dia.

Cá por baixo, ao nível dos comuns mortais, a coisa é diferente: a gente sente-se cada vez mais desarmada. A abstenção é que está fora de controlo. Longe vai o tempo em que o voto era a arma do povo.

Atrás???

João Carvalho, 13.02.09

Ainda a promover a moção que vai levar ao congresso, José Sócrates voltou hoje a defender o casamento entre homossexuais e lembrou que Portugal ainda os discriminava «há umas décadas atrás». Redundante: apesar de ter-se tornado vulgar, dizer 'há décadas atrás' ou 'há uma semana atrás' é tão certo como dizer 'subir para cima' ou 'descer para baixo'.

Por acaso, Sócrates faz parte dos que cometem essa falta vezes sem conta. Ora, se há momentos infelizes, um deles é seguramente falar de homossexuais e acrescentar 'atrás'. Não há necessidade...

Acordo-ortografiquês...

João Carvalho, 12.02.09

Em curto espaço de tempo, ouço gente conhecida com direito a tempos de antena e a quem Deus deu o dom da fala.

Diz o Luís Represas: «Beneficiar a instalação de placas solares é uma medida que vai de encontro (...)» Diz um deputado: «Chamo a atenção que (...)» Diz o Cristiano Ronaldo: «(...) porque o futuro só Deus pertence.» Diz o pivot do bloco noticioso: «Foi o nosso enviado especial em directo desde o local.»

Começo a entender as vantagens do acordo-ortografiquês. Quanto mais fórmulas para falar houver, mais se dilui o crescente chorrilho de asneiras...

Sócrates e os casamentos

João Carvalho, 07.02.09

Hoje deve ser o Dia Nacional da Esquerda Casamenteira. Primeiro, tivemos Louçã a falar da capacidade de reprodução de dois coelhos — se for um casal (de sexo diferenciado, supõe-se). Depois, foi a vez de Sócrates, que andou pelo centro a promover a sua moção e fez questão de garantir que iria levar em frente a sua proposta de casamento — casamento civil, talvez para que não se pensasse que seria militar ou religioso — entre duas pessoas do mesmo sexo.

Apesar de estar em terras que conhece bem e onde é pago com igual reconhecimento, a audiência não se mostrou propriamente aberta à proposta nupcial. O mais entusiasmado com a garantia de propiciar tais enlaces foi o próprio secretário-geral do PS, que mereceu como resposta um pesado momento de silêncio. O entusiasmo foi, aliás, de curta duração: esmoreceu logo perante os semblantes carregados que enfrentou. Desconfio que, não fossem os malhadores que deve ter levado com ele, Sócrates teria saído de lá a praticar maratona ou um daqueles desportos que gosta de mostrar em público...

Louçã e os casamentos

João Carvalho, 07.02.09

Francisco Louçã contou uma historieta tristíssima durante a convenção nacional do Bloco de Esquerda que está a decorrer. Queria, com ela, ilustrar o que tentava explicar, mas a coisa não lhe correu nada bem e acabou por fazer fraca figura.

A ideia parece que era demonstrar que o capital nada produz; o trabalho é que produz. Ao caricaturar isto em palavras, saiu-lhe mais ou menos como tentarei reproduzir.

Imaginemos que se metiam dois coelhos numa toca — disse Louçã. Em breve haverá muitos coelhinhos. E apressou-se a acrescentar: «se for um casal». Agora metam-se duas notas de cem euros numa caixinha — continuou ele. Alguém acha que irão nascer notas de vinte?

Realmente, isto não lembrava a ninguém. Duas notas de cem não se reproduzem. Só se for uma nota e um noto, não é? O pior, no entanto, foi o caso dos dois coelhos. «Se for um casal» — apressou-se Louçã a acrescentar, perante o silêncio da plateia. Mas o remendo tardio não surtiu efeito e a audiência manteve-se muda. Não admira: e se fosse um casal de coelhos do mesmo sexo? Partindo isto de um guru na ciência dos casamentos entre dois seres do mesmo sexo, a coisa saiu-lhe mal, mal, mal...

Especial para mulheres

João Carvalho, 02.02.09

Há coisas que uma mulher nunca deve dizer a um homem, por muito íntima e perfeita que seja a relação. Umas devem ficar com ela, outras talvez possa partilhar com as amigas. Ou com a mãe, sei lá. Segundo um estudo recente (aqui), há sobretudo quatro temas destacados que podem estragar a maior das harmonias:

— a obcessão por um tipo célebre, seja ele quem for;

— as qualidades e habilidades de um 'ex';

— a preocupação doentia com o peso e a linha;

— as histórias sobre o excepcional relacionamento que transpira de outro casal.

Vão ler e meditar, que eu não duro sempre. Mas confirmo enquanto posso: na mouche. Ou melhor (mais adequado ao artigo que vão encontrar): na fly...

Como disse?

João Carvalho, 29.01.09

Após a não-declaração, versão 2, nunca ouvi tantas vezes em tão pouco tempo tantos repórteres e tantos comentadores em todos os canais a falar de quem poderia estar sobre suspeita. O que até é o meu caso, só que eu não conto, uma vez que estou mais atento a quem poderá estar sob...

Agora desculpem lá, mas não posso continuar aqui. Quero assistir à entrevista de Judite de Sousa à procuradora Cândida Almeida na RTP-1 e à «entrevista exclusiva» à procuradora Cândida Almeida na SIC-Notícias!!!

O sinonimógrafo...

João Carvalho, 26.01.09

Está a decorrer o 'Prós e Contras'. Não preciso de estar atento para saber que é mais uma sessão de sinonimografia. Sim, porque a profusão de sinonimógrafos é hoje impressionante e não há 'Magalhães' que lhes chegue ao calcanhar. Não passa um dia que não assistamos a várias sessões de sinonimografia, tanto a uma só voz como em coro.

O sinonimógrafo, para quem ainda não souber, é um aparelho com grande sucesso junto daqueles que costumam ter tempos de antena acima da normalidade. O maior detentor de sinonimógrafos é o Estado, que tem uma quantidade deles espalhados por tudo quanto é gabinete. Graças ao sinonimógrafo, toda a gente com tempo de antena passou a dizer sinónimos com a mesma cara que nós, comuns mortais, usamos para diferenciar as coisas.

Nós, comuns mortais, podemos dizer, por exemplo, 'dia e noite', 'TGV e aeroporto', 'branco e tinto' ou 'preto e branco', que ninguém estranha. É vulgar. Já os outros, os que têm tempo de antena, dizem: 'é preciso explicar isto com clareza e transparência', 'espero que funcione com rapidez e celeridade', 'procurámos rectificar e acertar', 'temos de aguardar com toda a calma e tranquilidade'. Ou 'com calma e serenidade'. Ou 'com serenidade e tranquilidade'. Graças ao sinonimógrafo, claro. Resultado: esta moda da sinonimofonia que grassa...

Tropeções

João Carvalho, 25.01.09

Num curto post do Bicho Carpinteiro, vejo que José Medeiros Ferreira volta à posse de Barack Obama para destacar o vocativo 'My Fellow Citizens', que rompeu com o tradicional 'Americans'. Medeiros Ferreira diz que fica «à espera que um dos nossos Maiores comece um dia destes por 'Cidadãos'!» Também acho que «não deve demorar muito».

Só que a coisa vai correr mal. Cheira-me que esta moda disparatada de distinguir os géneros há-de estragar tudo. Um dia destes, os nossos começarão por dizer 'Minhas Caras Cidadãs e Meus Caros Cidadãos', o que é muito complicado. Tão complicado que já estou a imaginar os tropeções: 'Minhas Caras Cidadãs e Caros Cidadãos', 'Caras e Caros Cidadãos', 'Caros Cidadãos e Cidadãs' e o mais que se verá. Há-de ser um fartote.

Tio, Sócrates & Smith (1)

João Carvalho, 24.01.09

O ex-secretário de Estado do Ambiente do governo tombado de António Guterres — Rui Gonçalves de seu nome — confirma que o então ministro do Ambiente, José Sócrates, lhe tinha delegado a competência para deferir e indeferir projectos com implicações ambientais. Portanto, Sócrates não pode sacudir a responsabilidade política, mas pode sacudir competências, como qualquer outro ministro. E sacudiu.

O que Rui Gonçalves adianta é que a polémica não tem qualquer base de sustentação, porque ela só existe por estarem a ser misturados processos completamente autónomos. Ou seja: os casos do outlet da Freeport, a alteração dos limites da área protegida, o desejo de Alcochete se desenvolver, etc., são independentes uns dos outros.

Nisso — e no resto, portanto — acho que ele tem toda a razão. Eu próprio já passei por uma situação semelhante ainda em garoto: depois de nascer, fui-me habituando a ter nome próprio; um dia, percebi que me tinham misturado os nomes dos meus pais. «Que grande salsada» — pensei eu...

Tio, Sócrates & Smith (2)

João Carvalho, 24.01.09

José Sócrates, a quem se reconhece a preocupação constante com os detalhes, diz que não se lembra se o tio o contactou para receber interessados na Freeport. Não devem estar zangados por causa do outlet, que correu bem, mas devem estar zangados por algum motivo, quando não já teria facilmente preenchido esse lapso de memória.

Rui Gonçalves, secretário de Estado do Ambiente quando Sócrates era o ministro, diz que não se lembra dos participantes numa reunião para desbloquear os interesses da Freeport, além do então ministro, dele próprio e do ex-presidente da câmara de Alcochete, José Inocêncio. Não devem estar todos zangados por causa do outlet, que correu bem, mas devem estar zangados por algum motivo, quando não também já teria facilmente preenchido esse lapso de memória.

Falta saber se Charles Smith, figura aparentemente central da investigação do imbróglio por parte das autoridades britânicas, tem boa memória. Uma lição, porém, podemos começar a tirar deste caso «Tio & Associados»: é importante passarmos a recusar ministros de memória curta, a favor dos que tiverem a mania de escrevinhar e coleccionar papelinhos, tipo Paulo Portas.

Devemos ter sempre ministros com memória de elefante. E que defendam a união da família, o valor das velhas amizades e essas coisas todas, que dão boa nota da sua formação e dão um jeitaço quando é preciso.

O padrinho

João Carvalho, 23.01.09

Ultimamente, a SIC-Notícias tem andado a promover o canal com um spot todo ele composto por imagens e sons fugidios da tragédia de Entre-os-Rios. Pelo meio, lá aparece furtivamente o então ministro Jorge Coelho, a dizer que não tem condições para continuar blá-blá-blá...

Fraco trabalho, para uma estação que gosta muito de lembrar o serviço público que presta. Bom trabalho e melhor serviço público seria escolher aquele pedacito em que o ex-ministro declara que a culpa não morreria solteira. O que nem sequer beliscaria Jorge Coelho: pois se o noivo fugiu, ninguém se lembrará de castigar o padrinho, não é?

Muro das lamentações

João Carvalho, 19.01.09

Sentado no estúdio da SIC-Notícias, Ruben de Carvalho acaba de lamentar que tenham passado 26 (salvo erro meu) anos que morreu Ary dos Santos e que só «algumas rádios e a Antena-2» o tenham assinalado. Seria fastidioso listar as figuras da literatura, da cultura em geral, da política, etc., já desaparecidas e que não me lembro de ver Ruben de Carvalho assinalar. Mesmo que só nestes 26 anos mais recentes.

Preciosismos

João Carvalho, 18.01.09

José Sócrates não resiste aos preciosismos escusados e bacocos. O discurso sobre a moção com que irá recandidatar-se a secretário-geral do PS esteve carregado deles. Um que retive foi sobre «o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo».

Claro. Casamento religioso entre pessoas do mesmo sexo  não ficaria bem propor. Casamento militar entre pessoas do mesmo sexo não seria razoável defender. Restam, portanto, os casamentos civis. Mas é sempre bom acentuar. Só para evitar confusões.