Uma perspectiva diferente das coisas.
Sobre o célebre tweet de Rui Rio, não resisto a recordar um antigo líder do PSD que tinha uma perspectiva diferente das coisas.
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Sobre o célebre tweet de Rui Rio, não resisto a recordar um antigo líder do PSD que tinha uma perspectiva diferente das coisas.
"Saber estar e romper a tempo, correr os riscos da adesão e da renúncia, pôr a sinceridade das posições acima dos interesses pessoais, isto é a política que vale a pena."
Francisco Sá Carneiro
Francisco Sá Carneiro morreu tragicamente, faz hoje 33 anos. Muitos o invocam, mas quase ninguém conhece o seu pensamento. A começar pelos actuais dirigentes do próprio partido que fundou, seis anos antes, naqueles dias tão festivos e tão voláteis que se sucederam à Revolução dos Cravos. Quantas vezes ouvimos um membro do Governo ou um alto responsável do PSD invocar uma frase ou um ensinamento de Sá Carneiro?
O antigo deputado da Ala Liberal, que fez abalar os dogmas da ditadura com as suas corajosas intervenções num hemiciclo de São Bento até então monolítico, passou pela política portuguesa à velocidade a que sempre viveu: teve razão antes do tempo, desapareceu muito antes do que devia e hoje é uma figura remota, condenada ao ostracismo póstumo pelos antigos companheiros de partido. E no entanto deixou um pensamento, plasmado desde logo nas alocuções parlamentares, que deviam ser relidas nestes dias em que tudo parece ter um prazo muito reduzido de validade.
Enquanto outros calavam, acobardados, ele falou em voz alta quando era difícil, antes do 25 de Abril. Pela liberdade de imprensa, pelo sufrágio universal, pela fiscalização parlamentar da polícia política, pelo fim dessa indignidade que era a existência de presos políticos em Portugal. Vale a pena reler a carta que endereçou ao presidente da Assembleia Nacional, em 25 de Janeiro de 1973. Por "concluir à evidência não poder continuar no desempenho do meu mandato sem quebra da minha dignidade, por inexistência do mínimo de condições de actuação livre e útil que reputo essencial", como assinalou neste documento em que formalizou o fim das suas funções como deputado, em claro prenúncio da queda da ditadura. Comentando a farsa eleitoral de Outubro desse ano, na coluna de opinião que mantinha no semanário Expresso, escreveu sem rodeios: "Onde não há liberdade política não pode haver sufrágio autêntico."
Depois do 25 de Abril também nunca deixou de ter posições claras. Contra os desvarios revolucionários promovidos por aqueles que sonhavam ver o nosso país transformado numa réplica de Cuba ou da Albânia plantada no extremo ocidental da Europa. Cumpriu uma missão histórica ao vencer a eleição de 1979 para a Assembleia da República: era a primeira vez em Portugal que a direita chegava ao poder cumprindo as regras do jogo eleitoral. Mas sem nunca sacrificar a intervenção do Estado como nivelador social e promotor de direitos fundamentais nem inclinar-se perante o altar do caprichoso deus mercado, como fazem alguns daqueles que se proclamam seus herdeiros. A tal ponto que é possível interrogarmo-nos seriamente se, tivesse ele a fortuna de sobreviver àquele voo fatídico, seria ainda hoje militante do partido que fundou.
Matam-no segunda vez todos quantos, no próprio PSD, pretendem ignorá-lo, arrumá-lo num rodapé de manual, confiná-lo a uma missa de sufrágio ano após ano, por esta data. Sá Carneiro merece muito mais que isso. E os largos milhares de portugueses que ainda hoje se revêem no seu genuíno ideário também.
A propósito das recentes legislativas, não faltou quem desenterrasse uma frase proferida por Francisco Sá Carneiro em 1979, num contexto muito diferente do actual: "Um governo, uma maioria, um presidente." A frase deve situar-se à época: Portugal tivera 11 governos em escassos cinco anos, não produzira nenhuma maioria parlamentar estável desde a entrada em vigor da Constituição de 1976 e necessitava com urgência de reformas políticas profundas - com destaque para o fim do Conselho da Revolução como tutela militar das instituições civis, algo aberrante na Europa Ocidental.
Sá Carneiro e os seus sucessores políticos imediatos cumpriram estas metas: dotaram o País pós-revolucionário da primeira maioria parlamentar sólida e alcançaram um acordo político com o PS que possibilitou a revisão constitucional de 1982, pondo fim ao Conselho da Revolução após sete anos de existência e reduzindo os poderes discricionários do Presidente da República em benefício do Parlamento, em sintonia com a esmagadora maioria dos países da Europa comunitária.
O fundador do PSD não sonhava com um país político monocolor: pretendia, isso sim, que as sérias divergências institucionais que manteve com o presidente Ramalho Eanes (divergências que partilhou com outros primeiros-ministros, como Mário Soares e Pinto Balsemão) fossem dirimidas com o reforço da componente parlamentar no singular sistema político português. Foi um combate que travou com frontalidade, em prol do que entendia serem os interesses nacionais.
Passos Coelho nunca utilizou esta expressão nem faria qualquer sentido recorrer hoje a ela, fosse qual fosse o inquilino de Belém. Nem Cavaco Silva é apropriável por esta maioria nem o Presidente terá certamente a ilusão de que influenciará a actividade governativa fora dos estritos limites que a Constituição lhe impõe. Por outro lado, a maioria de que Passos dispõe no Parlamento está longe de ser monocolor: PSD e CDS são partidos autónomos, com programas políticos diferenciados e estratégias muito próprias, como hoje ficou bem patente na falhada eleição de Fernando Nobre para a presidência da Assembleia da República.
Basta o que referi para esvaziar de sentido esta frase no momento actual. Deixemo-la no contexto histórico a que pertence e tentemos interpretar os factos sem o recurso a fórmulas gastas. Aliás não é só a política que necessita de renovação: a análise política também.
Foto: António Ramalho Eanes e Francisco Sá Carneiro em 1980
Passei o dia a ler e a escutar muita gente a pronunciar-se sobre Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa. Pessoas conhecidas e cidadãos anónimos, pessoas que privaram com eles e outros que nunca os viram viver. Durante o dia, enquanto lia e ouvia o que pude, senti frequentemente a tentação de pensar que estamos perante um "sebastianismo" revisto e actualizado. Afinal, os portugueses sempre tiveram uma espécie de necessidade de encontrar um salvador, um mito que não místico, alguém que a memória consiga rever em carne-e-osso, alguém que partisse antes de poder partir, alguém a quem confiar as dificuldades colectivas, sabendo ao mesmo tempo que não voltará — o que alimenta ainda mais esse lamento sofrido tão português.
Mas não me parece bem isso. Acredito mais que assisti a uma saudade, à saudade de Sá Carneiro. A certeza de que Portugal seria necessariamente diferente, sem se saber em que medida, e a saudade de um homem que marcou um tempo já em si marcante. A saudade de um sonho, também — ou sobretudo. Um sonho que nunca se realizou, mas que era possível sonhar e de que é possível ter saudade. Creio que foi a isso que assisti. Admito que o sonho não teve morte em dia certo a horas certas. Porém, morreu. Ficou esta saudade que hoje vi desfilar.
Diz Pedro Santana Lopes que «Marcelo Rebelo de Sousa sabe bem que Francisco Sá Carneiro me solicitou» qualquer coisa relacionada com questões constitucionais e que não vem aqui ao caso. O que vem ao caso é o meu espanto por uma bacoquice de Santana Lopes que eu não esperava dele, tão dado a pergaminhos (?) que é. Ninguém (e muito menos o próprio) deve dizer que outro lhe solicitou algo. Há uma hierarquia em solicitar e pedir: solicita-se de baixo para cima e pede-se de cima para baixo. Além disso, por simples bom gosto, ambos devem dizer que lhes foi pedido (e nunca solicitado), quando reportam o facto a terceiros, para não se inferir que se está a colocar o outro em plano inferior. Assim sendo, só quando se quer dar importância ao outro é que pode usar-se solicitar na primeira pessoa do singular: solicitei.
Por isso, pode ser que Sá Carneiro tenha pedido algo a Santana Lopes, mas seguramente não lhe solicitou. Mesmo que (por absurdo) o tivesse feito, Santana Lopes só devia dizer que Sá Carneiro lhe pediu. Não consigo imaginar Santana Lopes casado e a dizer "a minha esposa", mas a piroseira é a mesma e fica-lhe mal. Ou pior ainda, já que a confusão entre pedir e solicitar não é apenas uma saloiada, mas um problema de bom português.