Não sei se este é, ou não, um caso de mau jornalismo.
O que sei, com toda a certeza, é que um acontecimento destes é absolutamente normal em democracia e assim deveria ser interpretado.
Por isso, apresentá-lo com contornos de escândalo seria, de facto, um péssimo serviço à pedagogia crítica que os jornalistas deverão ser os primeiros a exercer numa sociedade evoluída (se não for esta a exigir-lo deles).
Num estado de direito, o facto de um cidadão ser penhorado pelo fisco - muito provavelmente, assaltado pelo fisco, a coberto do privilégio de execução prévia -, não é notícia: é o cão morder o dono.
O que nos devia preocupar não é que o fisco exerça o seu papel e o cidadão se defenda, recorrendo aos meios legais que tem ao seu dispor. Estão em causa actos do quotidiano normal, eticamente neutros, contabilisticamente relevantes, em que a soberania do estado gera uma enorme desproporção de forças entre a administração e o contribuinte.
O que nos devia preocupar, sim, são os casos em que o cidadão assalta o Estado, longe dos nossos olhos tapados, quando o império da lei e da nação, subitamente e como por milagre, desaparece.
O que nos devia preocupar é que possam, eventualmente, voltar a acontecer casos como este, e este.
E este, e este e este e este.
Isso sim, deverá ser notícia. O dono a morder o cão.