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Delito de Opinião

Reflexão do dia

Pedro Correia, 21.04.23

«Há uma crise geral das democracias, não é um problema especificamente português. Há uma crise dos sistemas de representação democrática. A verdade é que a democracia é um regime que vive quase permanentemente em crise e temos de saber lidar com isso. E, provavelmente, não estaremos a saber lidar com isso.

E porque é que vive praticamente em crise? Porque é o único tipo de regime que assenta na indeterminação, na incerteza, na ideia de que o poder é um lugar vazio e que é momentaneamente ocupado por aqueles que adquirem legitimidade para o fazer. Os outros regimes são baseados em certezas, em dogmas absolutos. E com isso têm o efeito de limitar, de restringir, senão mesmo de anular, a liberdade individual.»

 

Francisco Assis, em entrevista ao Público

No país do «eu acho que»

Pedro Correia, 15.07.22

Vítor Gonçalves é um dos melhores entrevistadores da televisão portuguesa. Sem jamais armar em vedeta, sem nunca ocupar o centro das atenções, demonstrando que sabe ouvir, fazendo as perguntas que se impõem sem ser agressivo nem adoptar um tom inquisitorial que outros adoram usar defronte das câmaras. 

Vi-o há pouco na Grande Entrevista da RTP que tem a sua assinatura. Com a qualidade e a sobriedade de sempre. Questionando o presidente do Conselho Económico e Social, Francisco Assis, político de quem sempre tive boa impressão. 

«Uma das minhas preocupações é a falta de rigor na discussão [em Portugal]. Há muito clichê, há muita frase-feita, há muito preconceito, há tantas coisas que se dizem sem nenhum fundamento empírico nem resultam de nenhuma reflexão teórica séria», disse Assis nesta entrevista, reclamando «rigor na discussão dos temas que se colocam na sociedade portuguesa».

Certíssimo: o achismo é uma praga nacional. A propósito: já repararam quantas frases ouvimos e lemos, a toda a hora, iniciadas pela famigerada expressão «eu acho que»?

Rangel, Assis e Rousseau

Alexandre Guerra, 01.03.19

É insólito ver alguém sair “em defesa de Jean-Jacques Rousseau” mais de trezentos anos após a sua morte, mas foi precisamente isso que fez Francisco Assis, em mais um estimulante exercício intelectual na sua habitual coluna de opinião no jornal Público. Na verdade, o artigo de Assis é uma crítica filosófica a formulações expressas por Paulo Rangel numa entrevista e texto de opinião, ambos publicadas no mesmo jornal. Um confronto no campo das ideias políticas, daqueles que só engrandecem os seus protagonistas e enriquecem os leitores. No centro da discussão, o conceito de “regra da maioria” (Rangel) ou da “vontade geral” (Assis) no âmbito da definição daquilo que são as “democracias iliberais”.

Na entrevista dada ao Público a 24 de Fevereiro, Rangel diz: “Os defensores da chamada democracia iliberal, são a favor da vontade da maioria e defendem que a vontade da maioria deve prevalecer sobre tudo. Neste sentido são quase rousseaunianos.”

Dois dias depois, em artigo de opinião no mesmo jornal, escreve: “Chama-se ‘democracia’, porque à maneira de Rousseau, tem como único critério válido, a regra da maioria (e nisto se distingue dos regimes marxistas-leninistas). Apoda-se de ‘iliberal’, porque visa a eliminação progressiva da independência judicial e da liberdade de imprensa. Esse ‘iliberalismo’ traduz-se ainda em políticas sociais assistencialistas, que reforçam o controlo do Estado ou de grupos oligárquicos e, por essa via, facilitam maiorias eleitorais sucessivas.”

Na réplica, Assis defende o seguinte na sua coluna de 28 de Fevereiro: “Rousseau nunca defendeu tal coisa. Preconizou mesmo uma tese absolutamente contrária à que Paulo Rangel lhe atribui. […] A confusão surge em torno do conceito de ‘vontade geral’. Contrariamente ao que alguns autores posteriores e um certo senso comum procuraram fazer crer, o conceito de ‘vontade geral’ não se identifica com o conceito da ‘vontade de todos’, e muito menos com o conceito de ‘vontade da maioria’. Para Rousseau, a soberania popular é inalienável e indivisível, expressão absoluta da livre vontade do povo.”

Analisando-se estas duas posições, parece manifestamente redutora a afirmação de Rangel, quando diz que “a democracia à maneira de Rousseau tem como o único critério válido, a regra da maioria”. De todo. Rousseau foi, talvez juntamente com Voltaire, um dos grandes iluministas e, jamais, teria uma lógica tão simplista na sua ideia de democracia. Efectivamente, sendo um homem crente no progresso da Humanidade, a maioria seria apenas um elemento funcional na construção de uma sociedade (provavelmente utópica), dentro de um quadro mais complexo e abrangente. Aliás, se a questão se prendesse apenas com o factor da maioria, porque razão Rousseau foi tão crítico da democracia britânica, podendo ela acolher essas maiorias? Porque no pensamento de Rousseau, o mais importante não era a maioria, mas sim o tipo de maioria e como se chegava a ela.

Assis não é claro neste ponto, mas estará mais perto daquilo que corresponde ao pensamento de Rousseau, identificando as falhas no pensamento de Rangel, escusando-se, no entanto, a ir mais longe, nomeadamente, naquilo que está inerente à ideia rousseauniana de sociedade: ou seja, assente numa vontade colectiva, que é expressa através de uma democracia directa e que conduziria à soberania popular. Ora, este processo pressupõe a alienação voluntária dos direitos de cada um a favor da tal vontade colectiva e da soberania popular. Note-se, uma alienação voluntária.

E é precisamente aqui que se pode fazer a maior crítica a Rangel e que, curiosamente, Assis não identifica. A associação que é feita entre o conceito de “democracia iliberal” e o pensamento rousseauniano parece ter pouca solidez. Na verdade, o que Rangel escreve contém em si uma contradição, com uma das ideias-chave do pensamento do iluminista suíço: o contrato social de Rousseau é um acto voluntário em prol de toda a comunidade e que tem como fim a sua realização e satisfação. O que isto quer dizer? A maioria emana de um acto voluntário e livre dos cidadãos e não de um voto condicionado, directa ou indirectamente, como acontece nas chamadas “democracias iliberais”.

Sobre o tema das "democracias iliberais", ver "O dilema da Democracia" de Alexandre Guerra (Público, 30 de Setembro de 2018)

Costa e a "diletância"

Pedro Correia, 18.02.19

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António Costa falou há pouco no Palácio de Belém, onde assistiu à posse dos novos ministros e secretários de Estado, na quarta remodelação governamental ocorrida nesta legislatura. Aproveitando o local e a ocasião para fazer propaganda política, já a pensar na eleição de 26 de Maio, que permitirá aos portugueses escolher os nossos próximos eurodeputados. No dia em que, segundo uma sondagem da Aximage, a sua avaliação é a mais negativa, aos olhos dos portugueses, desde que assumiu o cargo de chefe do Executivo.

Confrontado pelos jornalistas, acabou por dizer aquilo que talvez não pensasse inicialmente, omitindo o respeito institucional que lhe deve merecer o Parlamento Europeu. Pronunciando-se, ainda por cima, na sede do representante máximo do poder político português - que não é ele, como sabemos.

«É saudável que haja membros do Governo que estejam disponíveis a servir o País no Parlamento Europeu. O Parlamento Europeu não pode ser só um local de diletância política e de sound bites», declarou o primeiro-ministro. Pouco lhe faltou para apelar, ali mesmo, ao voto em Pedro Marques e Maria Manuel Leitão Marques, os ministros que acabam de sair para concorrerem ao órgão legislativo que tem sede em Bruxelas e Estrasburgo.

Vão substituir, no elenco de candidatos do PS, os eurodeputados Francisco Assis (que foi o cabeça-de-lista em 2014) e Ana Gomes. Ambos "diletantes", presume-se. E especialistas em sound bites. Terá sido por isso que Costa lhes passou guia de marcha? Devem estar ambos satisfeitíssimos por receberem estes doces qualificativos, da parte de quem por cá manda, na hora do regresso à pátria.

O debate em curso no PS

Pedro Correia, 16.07.18

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O maior debate ideológico neste momento na política portuguesa ocorre no interior do PS, já a apontar para um período posterior à actual liderança. Com uma clivagem cada vez mais evidente entre a sua ala maioritária, europeísta e firme defensora dos compromissos de Portugal enquanto membro das instituições comunitárias, e uma ala que anda seduzida por um certo populismo eurocéptico, de braço dado com forças partidárias que nunca advogaram a construção europeia e não escondem a aversão à união monetária.

Isto ocorre num período histórico de clara regressão da social-democracia clássica à escala continental. Socialistas e sociais-democratas estão em recuo acelerado em quase toda a Europa - Alemanha, Holanda, Dinamarca, Finlândia, Áustria, Bélgica. Na Itália, em França e na Grécia os partidos socialistas eclipsaram-se. Tiveram de mudar de nome e de configuração para não desaparecerem de vez.

Na Alemanha, a última eleição federal ganha pelo SPD foi em 2002.

No Reino Unido, as últimas legislativas com triunfo eleitoral do Partido Trabalhista datam de 2005.

Em Espanha, o PSOE não vence uma eleição parlamentar desde 2008.

Este pano de fundo torna ainda mais interessante o debate em curso entre os socialistas cá do burgo. Enquanto uns sonham com a formação de um vasto bloco europeísta liderado pelo PS a partir do centro, que inclua os despojos futuros do cada vez mais fragmentado PSD, outros imaginam um partido federador e congregador das esquerdas eurocépticas, capaz de pescar em águas populistas e liderado a prazo por um candidato a Corbyn português. Como observa Vasco Pulido Valente, «a nova geração do PS é indistinguível da geração do Bloco de Esquerda: têm a mesma educação, o mesmo percurso social, vestem-se da mesma maneira, gostam das mesmas coisas».

Tempos interessantes, a que convém dar atenção.

Assis tinha razão

Pedro Correia, 13.07.18

No fundo, Augusto Santos Silva vem dizer agora o que Francisco Assis já dissera em 2015: há incompatibilidades genéticas entre os parceiros da geringonça. Face aos compromissos europeus e à gestão das finanças públicas, pedras angulares de qualquer governação.

A grande alteração de contexto é a perda gradual e constante do PS nas intenções de voto, confirmada a cada sondagem de há um ano para cá. Felizmente para António Costa, existe  Rui Rio - sempre incapaz de lhe fazer uma crítica, sempre pronto a amparar-lhe a queda.

O País pode esperar

Pedro Correia, 02.11.15

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Foto Alberto Frias/Expresso

 

Existe legitimidade parlamentar para uma maioria alternativa à formada pelo PSD e pelo CDS, como é óbvio. A questão é que esta existe, a outra por enquanto é só virtual. Vejo-a apenas estampada em títulos da imprensa, nas pregações de alguns comentadores e no comportamento de Catarina Martins, em permanente manobra de antecipação aos comunistas, ao assumir-se desde já como porta-voz das boas novas de um executivo liderado pelo PS.

Ora um país não se governa com títulos de jornais nem declarações nas pantalhas, por mais arrebatadas ou ofegantes que sejam.

 

Não vale a pena fazer esforços dialécticos para contrapor uma maioria virtual, ainda que absoluta, a uma maioria real, ainda que relativa.

De resto, o sistema politico-constitucional português está desenhado para governos com maiorias simples. Seria um enorme passo atrás concluirmos que só executivos com maioria absoluta, daqui para a frente, poderão entrar em funções. Se esta lógica prevalecesse, os executivos de Mário Soares em 1976, de Cavaco Silva em 1985, de António Guterres em 1995 e 1999, e de José Sócrates em 2009 nunca teriam chegado a tomar posse.

 

Um mês decorrido desde a eleição legislativa, quando todos continuamos a discutir cenários virtuais, António Costa já devia ter anunciado ao País que solução real de governo propõe aos portugueses, sem se escudar em porta-vozes de outras cores partidárias.

Afinal Alexis Tsipras, tão elogiado em Janeiro por vários dirigentes socialistas, formou uma coligação em 24 horas entre o Syriza e a direita nacionalista - forças políticas entre as quais aparentemente era muito maior a distância do que aquela que separa o PS do BE e do PCP.

 

Por cá, todas as conversações têm decorrido no segredo dos deuses, à revelia da opinião pública, com avanços e recuos retóricos (os recuos mais relevantes têm vindo da boca do secretário-geral do PCP, que parece demarcar-se de quase tudo, incluindo da existência de uma moção de rejeição conjunta, enquanto o deputado António Filipe recorre à ironia para designar o próximo "governo do PS", como se não houvesse coligação à vista) e claríssimos sinais de desconforto face a uma "frente de esquerda" oriundos do partido fundado por Soares.

Socialistas como Francisco Assis pressentem que Costa está a tomar decisões destinadas a afastar irreversivelmente o partido dos eleitores de centro que sempre votaram PS e querem Portugal governado por uma grande família europeia, sem ver o País empurrado para qualquer dos extremos do espectro político.

Outros, como Fernando Medina, vão deixando sérios avisos à navegação. "Só um compromisso firme com as regras de participação na moeda única e com um governo estável para a legislatura poderá dar ao País garantias de uma boa governação e de reais perspectivas de mudança política", observa o actual presidente da câmara de Lisboa.

Como mais ninguém se movimenta na faixa central, Assis encarrega-se disso. E faz muito bem. A política tem horror ao vácuo. E se existe vácuo neste momento na política portuguesa é ali mesmo, na sequência da fuga de Costa para o flanco esquerdo - não por imperativo de consciência ou convicção doutrinária, mas pelo mais elementar tacticismo com vista à sua sobrevivência política após ter saído derrotado das urnas.

 

Do secretismo das negociações emerge a convicção de que o ex-autarca de Lisboa joga tudo na lógica inversa às prioridades definidas pelos estadistas: em primeiro lugar surge o puro interesse pessoal, logo seguido da conveniência partidária momentânea.

E o País? O País pode esperar.

O próximo secretário-geral do PS

Pedro Correia, 15.10.15

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Francisco Assis

«Não se pode governar a qualquer preço e de qualquer maneira. (...) Devemos ser muito claros: a direita apresenta o seu programa de Governo, o PS assume-se como partido de oposição responsável e em cada momento terá de negociar naturalmente com o Governo a viabilização ou não (dependendo da abertura do Governo) dos instrumentos imprescindíveis para a governação do País. Quando nós governámos em maioria relativa, não andámos a negociar antes da constituição do Governo qualquer entendimento com os partidos da direita. Em alguns momentos foi possível chegar a entendimentos. Os orçamentos foram viabilizados, muitas vezes pela abstenção do PSD ou do CDS. O PS, no Governo, teve sempre a oposição do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista: os orçamentos com que se construiu o Estado Social em Portugal foram sempre objecto de crítica radical do PCP e do BE.»

E agora, PS?

Pedro Correia, 03.12.14

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Mário Soares (com Salgado Zenha e Manuel Serra) no I Congresso do PS, em 1974

 

Já não há paciência para o uso e abuso de certos chavões na política portuguesa. Um deles - que escuto desde miúdo, há 40 anos - é a necessidade de "virar o PS à esquerda".

Isto encerra dois equívocos.

Primeiro: desautoriza a identidade dos socialistas como força política de esquerda, por sinal aquela que é desde sempre a mais votada neste segmento.

Segundo: pretende arrastar o PS para fora do eixo governativo, tornando-o um partido inútil.

 

A verdade é que, em quatro décadas de democracia, os socialistas sempre governaram ao centro - ou não governaram de todo. Todas as cisões "pela esquerda" ocorridas no partido - desde a primeira, com Manuel Serra, logo após o congresso inaugural, em 1974 - não conduziram a lugar algum.

Mário Soares sabia disto como ninguém: nas duas ocasiões em que chefiou o Governo, nas décadas de 70 e 80, concretizou este objectivo aliando-se à direita - primeiro com o CDS, depois com o PSD.

António Guterres, que nunca obteve maioria no Parlamento, viu os seus orçamentos viabilizados não pela esquerda mas pelo centro-direita, alternadamente, com Manuel Monteiro ou Marcelo Rebelo de Sousa.

E José Sócrates, fiel à letra e ao espírito do Tratado Orçamental, nunca deixou de ser um dos políticos predilectos de Angela Merkel - facto que alguns dos seus mais abnegados discípulos tentam fazer esquecer por estes dias. De resto, na segunda legislatura sob o seu comando, o ex-primeiro-ministro socialista só conseguiu governar porque o PSD, com Manuela Ferreira Leite e Pedro Passos Coelho, lhe viabilizou dois orçamentos do Estado.

A auto-intitulada "verdadeira esquerda" fechou-lhe a porta com o estribilho de sempre: o PS "pratica políticas de direita" .

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Francisco Assis: o rei vai nu

 

Esquecer tudo isto é ignorar deliberadamente a contínua obstrução que as forças colocadas à esquerda dos socialistas sempre fizeram à acção governativa do PS, erigido em permanente adversário principal. Não deixa de ser irónico, portanto, que Francisco Assis seja agora o maior alvo das críticas internas no partido que acaba de sufragar a orientação política de António Costa por um voto quase unânime.

Qual é o seu delito de opinião?

Defender, como prioridade para o PS, aquilo que Soares sempre praticou: o bloco central revisitado. Algo que alguns actuais expoentes da "ala esquerda" do PS, como Ferro Rodrigues - e outros, como Vera JardimVítor Ramalho ou o ex-presidente Jorge Sampaio -, defenderam no passado.

Assis - dotado de visão estratégica - revelou para já o mérito de ter sido o único socialista de primeiro plano a anunciar que o rei vai nu. Por outras palavras, a dizer algo óbvio mas que agora quase todos recusam reconhecer: que a "viragem à esquerda" levará o PS a esbarrar contra a parede.

Seis opiniões socialistas

Pedro Correia, 20.02.13

«Sou do tempo em que um estudante em Coimbra foi impedido de falar perante o Presidente da República [em 1969]. Não sou do tempo nem quero ser do tempo em que estudantes impedem professores ou membros do Governo de falar.»

Augusto Santos Silva, TVI 24

 

«Perguntei-me se o caminho para mudar o estado de coisas passa por impedir os Ministros - ou as oposições, tanto faz - de falarem nas Universidades, lugar por excelência da liberdade. Quem vai decidir quem pode falar? Quem tiver mais cartazes, insultar e gritar mais?»
Paulo Pedroso, Banco Corrido

 

«Uma das coisas que mais me tem preocupado na vida política portuguesa é o tom da discussão e a linguagem utilizada. Não fico nada satisfeito - pelo contrário, fico profundamente preocupado - quando vejo o primeiro-ministro a ser sistematicamente apupado. Isso é mau, é negativo.»

Francisco Assis, Rádio Renascença

 

«O boicote arruaceiro de discursos ministeriais não é aceitável nem é tolerável numa democracia. O direito de manifestação tem regras e não pode sobrepor-se à liberdade de palavra. Ninguém é obrigado a ouvir um ministro; ninguém tem o direito de o impedir de falar. Por mais malquistos que sejam, os ministros integram um órgão de soberania, legitimado pelo voto dos portugueses, não podendo estar sujeitos à "acção directa" de pequenos bandos mais ou menos anarquistas. Isto devia ser uma "linha vermelha" para todos os partidos institucionalistas, no governo ou na oposição.»

Vital Moreira, Causa Nossa

 

«O protesto é legítimo e tem um espaço na democracia. Quem governa tem de estar preparado para enfrentar todas as críticas. Considero todavia que há limites que põem em causa a democracia e a governabilidade nos regimes democráticos. E esses limites atingem-se quando se impede o outro - quem quer que seja - do uso da palavra.»

Maria de Lurdes Rodrigues, SIC Notícias

 

«Não aceito que se estabeleça o princípio de que o País está num estado anormal e que, portanto, a reacção também pode ser anormal. Fora de um quadro democrático, toda a violência é legítima. Dentro de um quadro democrático, nenhuma violência é legítima. E a violência não é só física: é também a que coage o outro quando o impede de exercer a sua palavra.»

António Costa, SIC Notícias

 

(acrescentei os depoimentos de VM, MLR e AC aos três iniciais)

O maior derrotado

Pedro Correia, 12.07.11

                       

José Sócrates foi o maior derrotado do debate desta noite entre os dois candidatos à liderança do PS, na SIC Notícias: o seu nome esteve ausente da discussão entre António José Seguro e Francisco Assis, o que revela bem até que ponto o legado do governo derrotado nas urnas a 5 de Junho é incómodo para o PS.

O debate - bem moderado, como de costume, por Ana Lourenço - demonstrou que este combate entre os socialistas pode deixar cicatrizes: em diversos momentos, Assis e Seguro trocaram palavras muito ríspidas. Deixando evidente que têm duas formas distintas de encarar o PS. Seguro, com assinalável subtileza, reclamou-se da herança de António Guterres, de quem foi secretário de Estado e ministro. Assis, que na recta final do consulado de Sócrates se destacou como um dos homens de confiança do derrotado primeiro-ministro, optou por lembrar o seu notável currículo - que incluiu a presidência da câmara de Amarante, dois anos como deputado europeu e a liderança da bancada parlamentar em São Bento. O problema, para Assis, é que Seguro pode medir-se facilmente com ele em termos de currículo político e partidário. A diferença entre ambos reside sobretudo na distância crítica que o deputado eleito por Braga soube manter em relação a Sócrates. Não perdeu a oportunidade, por exemplo, de acentuar que nestes últimos anos foi apenas membro da Comissão Política Nacional enquanto Assis integrava o Secretariado - ou seja, o núcleo dirigente do partido. Recordou também o contributo pessoal dado para a reforma do Parlamento, em 2007, que repôs a Assembleia da República como centro do debate político em Portugal, e sobretudo as posições públicas que tem defendido no "combate implacável à corrupção, que mina o Estado de direito em Portugal". É de elementar justiça reconhecer-lhe tais méritos.

Assis - que, de gravata azul, surgiu mais nervoso perante as câmaras - esteve bem. Mas o seu antagonista, de gravata vermelha, esteve melhor. Um exemplo ocorreu mesmo no fim do debate. Quando o ex-líder parlamentar sublinhava a necessidade de "abrir o partido à sociedade", Seguro limitou-se a perguntar-lhe com o ar mais natural do mundo: "Tu foste do Secretariado nos últimos anos. Só descobriste isso agora?"

A conversa aquecia. Infelizmente, Ana Lourenço, por imposições do cronómetro, teve de dar por concluído o frente-a-frente, que podia e devia ter-se prolongado por mais meia hora. Ao que parece, foi o único confronto televisivo entre os dois candidatos à liderança do PS: Seguro recusou novos encontros com Assis defronte das câmaras. A avaliar por este - que infelizmente não decorreu num canal aberto - é uma decisão que não consigo entender: ele seria o primeiro interessado na multiplicação dos debates.

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FRASES:

Assis - «Nunca fugi de nenhum combate, estive sempre presente, nunca me preocupei se isso me iria prejudicar ou beneficiar.»

Seguro - Fui membro do Governo de António Guterres. (...) Ele [Assis] não esteve, eu estive. E fui cabeça de lista em Braga três vezes, em 2005, 2009 e 2011. Em Braga o PS teve melhor resultado do que no Porto [onde Assis era cabeça de lista].»

Assis - «Eu represento uma distância maior em relação ao actual primeiro-ministro do que o António José Seguro. As questões de estilo são importantes em política: reflectem muito a natureza das personalidades políticas. (...) Não devemos resvalar para a pequena política. Esse é um argumento muito débil.»

Seguro - «É preciso manter o nível do debate, com elevação.»

Assis - «Não és tu que me vais dar nenhuma lição de dignidade na forma de estar na política. Eu tive no Porto um resultado absolutamente idêntico ao que tiveste em Braga: foi uma diferença de décimas, só que eu tive no Porto uma esquerda mais forte do que tu tiveste em Braga. Uma coisa é certa: foram ambos maus.»

Seguro - «Tu falas muito bem. Mas é preciso descer à realidade. Convém que te acalmes um bocadinho. Essa coisa de dizeres, com palavras bonitas, que eu sou parecido com Pedro Passos Coelho não cola.»

Quem tramou Francisco Assis?

Rui Rocha, 15.06.11

A candidatura de Francisco Assis a Secretário-Geral do PS promete transformar-se num longo calvário pessoal. Logo à partida, e como bem salienta o Paulo Tavares, António Costa escolheu a pior maneira de manifestar-lhe apoio. Hoje, foi José Lello, outro apoiante declarado da sua candidatura a acertar-lhe em cheio. Os tiros com origem nas nossas próprias linhas são sempre os mais perigosos. No caso de Assis, este é um friendly fire de chumbo grosso. Quem é posto em causa desta forma pelos amigos e apoiantes está condenado a nunca ser eleito, sequer, para Administrador de Condomínio. Já todos tínhamos percebido que o papel de Assis era o de uma lebre. Agora, ficámos a saber que se trata de uma lebre no churrasco. Sem se comprometer com uma única ideia política concreta, o António José está cada vez mais Seguro.

One party show (2)

Paulo Gorjão, 03.02.11

E a festa continua. Jorge Lacão afirma que está disponível para discutir com o PSD a redução do número de deputados. De duas, uma, mas qualquer uma delas um péssimo sinal. Ou Lacão verdadeiramente não quer discutir coisa nenhuma e tudo isto não passa de uma manobra para não perder a face, empurrando no final para o PSD o ónus de não se ter chegado a um acordo. Em suma, má fé, pura e dura, com inevitáveis repercussões mais tarde na credibilidade negocial de Lacão e do governo. Ou então o ministro está genuinamente disponível para negociar, mas sem a cobertura do seu partido, o que significa que as negociações estão condenadas antecipadamente ao fracasso, porventura agravando as divergências entre o governo -- e Lacão em particular -- e o PS. Num ou noutro cenário, Jorge Lacão e Francisco Assis, o governo e o PS, ficam mal nesta fotografia cujos responsáveis são única e exclusivamente os próprios.

One party show

Paulo Gorjão, 02.02.11

O sistema político português não necessita de partidos da oposição. O PS desempenha os dois papéis. Jorge Lacão defende a redução de 230 para 180 deputados e Francisco Assis rejeita de imediato a proposta. Noutras circunstâncias, estas divergências seriam um sinal de pluralidade e de debate interno. Nas actuais circunstâncias, as afirmações de um e de outro não passam de sinais de descoordenação e de sintomas de uma orquestra em que cada um toca a partitura que lhe apetece. Um péssimo sinal.