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Delito de Opinião

Pela Europa 3

Cristina Torrão, 10.02.25

Contornar Paris significa fazer cerca de 90 km de auto-estrada. Demora de uma a duas horas, depende do trânsito. Neste caso, foi na melhor das alturas: entre as sete e as oito da manhã de um Domingo. Começa e acaba com as barreiras das portagens, pois a zona urbana é gratuita.

Cuidado com os excessos de velocidade! O limite situa-se entre os 70 e os 110 km/h, ter atenção à placas. Já nos enviaram uma multa para casa, na Alemanha, por termos excedido o limite (depois de descontada a tolerância) em 6 km/h.

Numa próxima oportunidade, publicarei um vídeo numa hora de muito trânsito.

Pela Europa 2

Cristina Torrão, 28.01.25

Em França, há cada vez mais plantações de colza. Nunca li nada sobre o assunto, mas parece-me que têm vindo a substituir as de girassol. Também da colza se faz um óleo alimentar muito bom e saudável, adequado a todo o tipo de cozinhados. Há muito que uso o óleo de colza (além do azeite), pois, na Alemanha, abunda esta planta, o que torna o produto barato. Deduzo que a colza seja robusta, pois aguenta Invernos muito rigorosos. Talvez seja esta a razão para se ter imposto ao girassol.

Quando vim para a Alemanha, em 1992, já havia colza (que eu nem conhecia). Mas só nos últimos anos a observo em França. E começa a haver igualmente na Espanha.

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (4)

Cristina Torrão, 24.01.25

Além da alegria pelo reencontro com o pai, Jette passou um serão muito agradável, com a senhora que os hospedou, o seu neto e o cão da família.

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Estavam apenas a 10 km da fronteira francesa e, num acto simbólico, Jette atravessou-a a cavalo, enquanto o pai esperou por ela do lado francês.

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Depois de acomodarem a Pinou no atrelado, fizeram-se ao caminho, em direcção a Espanha.

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Jette queria, porém, realizar um sonho: cavalgar ao longo do Atlântico. Fizeram, então, uma paragem em Capbreton, pequena localidade costeira perto de Bayonne. Aí, Jette e Pinou viveram momentos inesquecíveis.

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A moça cavalgou durante cerca de uma hora, na praia. Jette escreveu (tradução minha): “Penso que nunca tinha galopado a tamanha velocidade. Depois de tanto tempo no atrelado, a Pinou estava cheia de energia, fazendo a areia voar à nossa volta. Um grande sonho meu tornou-se realidade e não consigo expressar em palavras os sentimentos que me abalroam. Tenho uma sorte incrível em poder viver tudo isto."

Há um vídeo, feito pela própria Jette, a galopar. Quem tiver Instagram, pode vê-lo, no 43º dia de viagem (Tag 43). Ponho aqui um frame desse vídeo, onde se vê a crina da Pinou a voar.

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Realizado este sonho, Jette e o pai retomaram a viagem. Atravessaram a fronteira e alojaram-se numa bonita quinta, nos Pirenéus, onde ficaram três dias.

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Aproveitaram para visitar Bilbao, a cerca de hora e meia de distância.

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Em princípio, Jette retomaria a sua viagem a partir do alojamento, mas, tanto ela, como o pai, pensaram ser melhor deixar os Pirenéus para trás. Uma boa ideia, sobretudo, tendo em conta que já se encontravam em fins de Outubro. Avançar sozinha com a Pinou, por zona tão montanhosa, onde não se exclui a caída de neve, podia tornar-se perigoso. Seguem-se algumas imagens minhas, igualmente frames, de um troço da auto-estrada entre Vitoria (Gasteiz) e Burgos. O vídeo foi feito durante a nossa viagem, em Abril do ano passado.

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2024-04-22 20 A caminho de Burgos - frame at 0m21s

2024-04-22 20 A caminho de Burgos - frame at 0m32s

A 24 de Outubro, o pai de Jette deixou-a na zona de Burgos. Confesso que esta era a fase da jornada que mais curiosidade me despertava: o longo planalto espanhol, entre Burgos e a fronteira portuguesa.

O Horst e eu já fizemos este caminho inúmeras vezes, nos últimos trinta e dois anos. Mesmo da auto-estrada, dá para perceber como a região é seca e solitária, quase um deserto de rochas e pó. Na Primavera, ainda se vê algum verde a cobrir as colinas, salpicado com o vermelho das papoilas. No Verão, há culturas de girassóis e, nos últimos anos, cada vez mais, de colza. No Outono, porém, já se colheu tudo, restando uma paisagem queimada, onde proliferam as aldeias abandonadas.

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Como iria Jette dar-se nesta inóspita região, tendo ainda (evitando estradas principais) cerca de 500 km até à fronteira portuguesa, com apenas uma égua por companhia e sem saber falar espanhol? Conseguiria alimentação suficiente e lugares de pernoita? Seriam nuestros hermanos (os poucos que ela encontraria) hospitaleiros? Temos sempre a impressão de que os espanhóis são arrogantes, pouco amigos de ajudar…

Depois de ver o pai partir, Jette sentiu-se muito sozinha. Já não estava na Alemanha, onde podia comunicar na sua língua. E, já nem os pais, nem o namorado, podiam vir ter com ela, no espaço de meia dúzia de horas.

À despedida do pai, um sorriso para a fotografia.

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Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas (à excepção dos frames na auto-estrada, como explicado) foram retiradas do diário de viagem de Jette:

https://www.instagram.com/jette.horse.journey/

@jette.horse.journey

Notre Dame de Paris

João Pedro Pimenta, 10.12.24
A look at 5 years of restoration work at Notre Dame cathedral in Paris
 
 
A restored Notre Dame cathedral is unveiled days before its official  reopening : NPR
 
Uma semana depois das autoridades e dos trabalhadores a poderem visitar, o interior da Catedral de Notre Dame reabriu, enfim, em dia da Imaculada Conceição, e voltou a rezar-se missa. Cinco anos depois do incêndio que quase a consumiu, a "igreja mãe dos franceses" está mais sólida do que nunca, reconstituindo-se sem concretizar alguns projectos inovadores mais duvidosos, (felizmente).
 
 
Este momento tão simbólico e grandioso acontece numa semana em que o governo de França caiu e desencadeou nova crise política, agravando a orçamental e financeira. A fuga para a frente de Macron levou a que a Assembleia Nacional ficasse espartilhada entre um bloco de esquerda que vai desde anticapitalistas declarados a socialistas de centro-esquerda, com a tutela dessa mistura de Robespierre com Mitterand que é  Mélenchon, um de direita radical (outra amálgama de desiludidos da política, neo-pétainistas inconfessos, legitimistas fora de prazo, ex-esquerdistas desesperados e gaulistas "contratados"), o que resta da direita tradiconal e o próprio bloco de centro macronista. Um governo que levou dois meses a formar-se durou apenas três e o seu chumbo, bem como do orçamento obrigatoriamente austeritário mergulha a França numa crise financeira.
 
Mas isto é uma reprodução fiel da personalidade de França: um país que quando atravessa graves crises consegue sempre reinventar-se e dar a volta por cima. Apesar de problemas internos, só este ano organizou uns Jogos Olímpicos, uma das maiores montras de tudo o que quer ser potência, e reabriu a catedral da capital, não por acaso conhecida em todo o mundo. Um pouco como depois da humilhante derrota na guerra Franco-Prussiana e da revolta da Comuna, em que em poucos anos pagou-se a dívida de guerra, reconstruíram-se os edifícios destruídos pelos communards (excepto as Tuilleries) e ainda se organizou uma enorme feira mundial, para dar conta da pujança do país, ou como a Paris do pós-II Guerra, em austeridade e carência, voltou a ser o farol para meia intelectualidade mundial.
 
Aquando do rescaldo do incêndio, Macron prometeu que em 5 anos a catedral estaria reaberta. Passaram-se 5 anos e meio e eis a promessa concretizada, com empenho político e o grande trabalho de engenheiros, operários, artesãos e todos os trabalhadores que contribuíram para este dia. E penso naqueles que, ao anoitecer daquele dia de Abril em que as chamas ameaçavam destruir Notre Dame, oravam e rezavam nas margens do Sena. As suas preces foram atendidas.
 
PS: compareceram inúmeros chefes de estado e de governo na cerimónia. O Papa mandou saber que não poderia ir, a única verdadeira nota dissonante. Portugal estava representado pela Secretária de Estado da Cultura. Um tal acontecimento numa das cidades com mais portugueses e luso-descendentes não mereceria representação de mais altas instâncias?
 

França: os dois derrotados das legislativas

Apoio de Putin foi letal para Le Pen e Bardella

Pedro Correia, 08.07.24

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Marine Le Pen e Jordan Bardella, seu jovem delfim, cantaram vitória antes de tempo. Acabam de tombar com estrondo. Do primeiro lugar na primeira volta, há uma semana, ao terceiro posto do escrutínio de ontem - o definitivo. Isto deveu-se, claramente, à grande mobilização popular: dois terços dos franceses acorreram às urnas, a maior participação em mais de quatro décadas. Rejeitando obviamente o extremismo de direita.

Mas o maior factor para esta inapelável derrota da Reunião Nacional foi o apoio expresso que recebeu de Moscovo três dias antes da segunda volta. Ninguém duvida que a agressão russa à Ucrânia é hoje o factor que mais contribui para clarificar as opções políticas em todo o nosso continente, eleição após eleição.

Nesse sentido, Putin emerge como outro derrotado destas legislativas em França. Só por si, já é uma excelente notícia para a Europa.

Estádios de 2ª divisão no Euro 2024*

Cristina Torrão, 05.07.24

Apesar de morar a apenas 60 km de Hamburgo, não vou assistir ao vivo ao jogo de hoje entre Portugal e a França. Por um lado, é dificílimo arranjar bilhete. Por outro, custar-me-ia muita energia emocional. Não estarei, assim, entre os portugueses que se deslocarão ao Volksparkstadion, um dos maiores estádios da Alemanha, com capacidade para 57.000 pessoas. E pertencente a uma equipa da… 2ª divisão!

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Imagem Wikipedia

Não é o único. Muita gente em Portugal não saberá que, na verdade, metade dos estádios alemães, onde se disputam as partidas deste Euro, pertencem a clubes da 2ª divisão. Cinco, entre os dez escolhidos: Düsseldorf, Köln (Colónia), Gelsenkirchen (pertencente ao Schalke 04), Berlim (o Estádio Olímpico, com lotação para 74.000 pessoas, é a “casa” do Hertha BSC) e Hamburgo, onde hoje se jogará os quartos de final entre Portugal e a França.

Hamburgo (onde morei durante sete anos) é a segunda maior cidade alemã (1,852 milhões de habitantes), à frente de Munique, Colónia e Frankfurt. Além disso, o Hamburger SV conta com uma Taça dos Campeões, uma Taça das Taças e seis campeonatos no seu palmarés. E, até 2018, era a ÚNICA equipa alemã que nunca tinha estado na 2ª divisão, desde a criação da Bundesliga, em 1963, nos moldes que hoje se conhecem (o Bayern de Munique, nessa altura, não foi convidado para participar na Bundesliga; ficou na 2ª divisão, só subindo à 1ª na época de 1965/66).

De há dez anos para cá, os adeptos do Hamburger SV vêm precisando de nervos de aço. Como aqui registei, o clube esteve quase a descer, em 2014, mas assegurou a sua permanência no play-off por uma unha negra. Nessa altura, o capitão da equipa era a antiga estrela da selecção neerlandesa Rafael van der Vaart. E, depois deste susto, anunciaram-se medidas drásticas para tirar o clube da crise, incluindo a dissolução de todo o management.

Enfim, as “medidas drásticas” não conseguiram tirar o Hamburger SV do último terço da tabela e, em 2018, acabou mesmo por descer. Não preciso de dizer que os adeptos se acostumaram à máxima “para o ano é que vai ser”. O Hamburgo ficou, desde então, três vezes no quarto lugar (épocas 21/22, 22/23 e 23/24) e outras tantas no terceiro, sendo que este lugar permite o play-off com o ante-penúltimo classificado da Bundesliga.

Esta época, que até começou muito bem, acabou, mais uma vez, no quarto posto. E a humilhação foi ainda maior, perante a subida à Bundesliga da segunda equipa de Hamburgo, eterna rival do Hamburger SV: o FC St. Pauli.

O FC St. Pauli é uma clássica equipa de 2ª divisão. Passou uma época na Bundesliga nos anos 1970 e outra em 2010/11. Mas também já desceu à 3ª divisão, vendo-se obrigada a jogar na chamada Liga Regional do Norte, de 2003 a 2007. Como se depreende, esta subida significa muito para este pequeno clube. E deprime ainda mais os adeptos do Hamburger SV.

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Millerntor-Stadion - Foto Gudrun Becker

O Millerntor-Stadion, com lotação para quase 30.000 pessoas, e onde o FC St. Pauli está “em casa”, tem, desde ontem, servido de treino para as selecções de Portugal e da França.

Curiosidade: O bairro de St. Pauli inclui a rua Reeperbahn, onde se situa o famoso red-light district de Hamburgo.

*Originalmente publicado no És a nossa Fé

Fábulas com gente dentro

Sérgio de Almeida Correia, 01.07.24

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Há dias tinha-vos referido que iria aqui trazer mais dois livros recentes que me chegaram às mãos. Hoje falar-vos-ei do segundo.

É de novo sobre os meandros do poder político numa França que ontem teve a primeira volta da suas inesperadas eleições legislativas, convocadas em consequência do terramoto político das eleições europeias de há um mês.

Ainda ninguém sabe o que se irá passar, que ilações irá o Presidente retirar dos resultados de ontem, e daqueles que forem conhecidos dentro de mais alguns dias em função das segundas-voltas. Nem o que daqui para a frente se irá passar naquela "monarquia republicana", tendo em vista as próximas eleições presidenciais, o crescimento da extrema-direita lepenista e os números já conhecidos, de onde ressalta a notável taxa de afluência às urnas, superior a 66 %, e que desde 1997 não atingia valores tão elevados, no que não poderá deixar de ser lido como um sinal da preocupação e do interesse com que os franceses olham para o futuro.   

Trata-se de um ensaio, ou novela ensaística, como admite o autor, de 1959 até 2023, sobre o relacionamento entre presidentes da República e primeiros-ministros em França. Uma espécie da história da coabitação dos casais executivos desde o nascimento da V República. Da relação entre De Gaulle e Michel Debré ao convívio entre Macron e Élisabeth Borne.

O autor, Patrice Duhamel, inspirou-se em Jean de La Fontaine e numa das suas fábulas, em razão de um diálogo entre Macron e Fabrice Lucchini por ocasião do quarto centenário do autor das histórias, para passá-las em revista e escolher uma fábula correspondente à relação pessoal e política entre os membros de cada um desses casais.

Oito presidentes, vinte e quatro primeiros-ministros que o autor conheceu e com quem conviveu nas mais diversas circunstâncias, em momentos mais oficiais, outros mais privados, e nos quais encontrou motivos para recordar as suas memórias e relatar episódios dignos de significado e dimensão política. De desencontros, inimizades, desconfianças, desilusões; de relações que se anteviam à partida cordiais e sem levantar grandes ondas, entretanto degeneradas em conflitos pessoais, mas igualmente de comédias, de relações de agilidade, de doçura, por vezes mesmo de amizade e empatia, e de laços sólidos e complementares, que a vida, e a política em particular, não se faz só de dramas.

No total são catorze capítulos numa escrita clara, elegante, pontuada pelo humor, recheada de episódios insólitos vividos por alguém que foi jornalista especializado em assuntos políticos, editor-chefe, director geral da Radio France e depois da France Télevisions, e que sozinho ou em co-autoria escreveu algumas das mais curiosas páginas sobre o que se passa no Eliseu e na vida política do seu país.

O livro de Duhamel, "Le Chat et Le Renard - Presidents er Premier ministres: deux ou trois choses que je sais d'eux..." foi editado pelas Éditions de l'Observatoire, tem cerca de 300 páginas e esta segunda edição datada de Fevereiro de 2024 custou-me 23 euros, numa livraria do Centro Comercial do Quartier des Jacobins, em Le Mans.

Que tal experimentarem?

Pedro Correia, 02.11.23

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Pedro Sánchez renovou o pacto de governação com a esquerda radical em Espanha. Mais do mesmo, mas num quadro muito frágil: o PSOE necessitará do apoio dos separatistas e republicanos catalães, por um lado, e dos soberanistas e filo-terroristas bascos, por outro, além dos nacionalistas da ultra-esquerda galega, para conseguir uma precária aritmética parlamentar. Que promete vida curta ao próximo Executivo.

Reformas à vista? Para já, apenas no plano vocabular. Em vez de "consumidores" a novilíngua socialista instituiu a designação "pessoas consumidoras". Em vez de trabalhadores, "pessoas trabalhadoras". Enquanto se dirige aos "cidadãos e cidadãs" prometendo (por exemplo) transportes de qualidade "para todos e todas".

 

Disparates que contrastam em absoluto com aquilo que Emmanuel Macron defendeu na terça-feira, ao inaugurar a Cidade Internacional da Língua Francesa. O inquilino do Eliseu pronunciou-se contra a chamada linguagem inclusiva, que distorce uma regra fundamental dos nossos idiomas de raiz latina: o masculino prevalece enquanto fórmula neutra e para a formação do plural indiferenciado, sem especificações de género.

Nunca percebi, aliás, por que motivo os cultores de redundâncias, que adoram duplicar palavras em nome do combate ao "heteropatriarcado tóxico", não levam esta lógica até ao fim. Para serem coerentes, deviam dizer "os ricos e as ricas, os poderosos e as poderosas, os corruptos e as corruptas". Etc, etc.

Que tal experimentarem?

Uma estratégia falhada a longo prazo

João Pedro Pimenta, 30.07.23

As eleições de Espanha, que redundaram num triunfo relativo do PP de Feijóo e na resistência do PSOE, mostraram ainda mais, como se fosse necessário, como o país está partido e se tenta fazer uma divisão esquerda-direita intransponível. Pedro Sánchez preferiu aliar-se com tudo o que mexia a permitir por abstenção a investidura de um governo minoritário do PP, respaldado a pactos de regime. Isso permitiria que o Vox não interferisse com um governo PP, mas para Sanchez isso não era suficiente, e, como se viu, para conservar o seu poder, preferiria aliar-se ao diabo do que ver um governo do PP, com ou sem Vox. E de facto isso pode acontecer, se tiver de novo o apoio da esquerda radical, o Sumar que deixou o Podemos nas lonas, tão cor-de-rosa por fora e tão retintamente vermelho por dentro, herdeiro em linha directa das que por ali se encontravam no tempo da Guerra Civil. A nova estrela local, Yolanda Díaz, afirmou há não muitos anos querer acabar com o espírito da transição e com a própria monarquia. Realce-se que Díaz é natural do Ferrol, ironicamente tal como o Generalíssimo Franco, cidade que outro ilustre conterrâneo, Gonzalo Torrente Ballester, dissera nunca ter criado nada que prestasse. Para além do Sumar, Sánchez precisará do apoio de muitas outras formações, como os desavindos partidos independentistas catalães, que até caíram estrondosamente, uma data de formações regionalistas, e do País Vasco, o habitual PNV, que governa a região, mas sobretudo o Bildu, sucessor directo do Herri Batasuna, o braço político da ETA, que continua a ser chefiado pelo mesmo Arnaldo Otegui. É com este saco de gatos que Sánchez pretende manter o PP afastado do poder.

 

O pretexto do Vox redunda em falsidade, como se vê, mas é muito usado e aparentemente eficaz. Aqui, Sánchez está muito próximo de António Costa, que usou e abusou do fantasma do Chega para obter votos à esquerda e impedir o PSD de melhores resultados e também obteve visível êxito. A estratégia pode ser boa agora, mas poderá trazer graves consequências mais tarde. A eternização do poder, a falta de alternativas e a normalização da direita radical podem fazer com que esta cresça mesmo a médio prazo, rompendo quaisquer cordões sanitários e aproveitando-se da terra que os socialistas vão queimando. E há precedentes além-Pirenéus.

Nos anos oitenta, estando no poder, onde conseguiu controlar os comunistas, e para evitar a progressão da direita gaullista e republicana, François Mitterrand conseguiu alterar a regra eleitoral do modelo de voto maioritário para um proporcional. Permitiu assim que a Frente Nacional de Le Pen ganhasse um número apreciável de deputados no parlamento às custas da direita e, desde então e por arrasto, dos comunistas, coisa que Mitterrand talvez não imaginasse à época mas lhe seria útil para se desembraçar deles colocando o PSF como partido hegemónico da esquerda francesa. O então presidente era um tacticista sob as vestes do idealista, e seguia as teses maquiavélicas que tanto influenciaram dois estadistas do século XVII: os cardeais Richelieu e Mazarino. Essa influência transmitiu-se-lhe mesmo de forma pessoal: soube-se que tinha uma segunda família e uma filha a que deu o nome de...Mazarine, o que não era certamente por acaso.

 

 

 

Só que tudo isto teve um preço. Hoje em dia, não só o PCF é quase irrelevante e a direita republicana está em declínio como o próprio PSF se tornou um partido de terceira categoria, de influência quase nula, empastelado numa coligação chefiada por um demagogo de esquerda radical, ao passo que o cenário político está dividido entre este último, o centro radical de Macron e a dinastia Le Pen, que Mitterrand ajudou a guindar-se. Eis o resultado de se querer manter o poder a todo o custo insuflando-se as direitas radicais para enfraquecer as moderadas: um dia, o desespero e a revolta de ver o poder ocupado pelos mesmos acabará por dar aos radicais o poder, catapultando-os com enorme aumento de votos. Isso já está a acontecer noutras paragens. Aconselhava-se por isso os srs. Sánchez e Costa a olhar para França e a não brincarem aos defensores da democracia - e sobretudo a não brincarem apenas com os radicais do seu espectro político.

Talvez o maior escritor vivo

Mario Vargas Llosa, agora membro da Academia Francesa

Pedro Correia, 13.02.23

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«Quando aprendi francês e a ler literatura francesa compreendi que, no fundo, ambicionava ser escritor francês. Estava convencido que era impossível ser escritor no Peru, país sem editoras, com poucas livrarias, onde os únicos escritores que conhecia eram advogados que redigiam poemas aos domingos. Eu queria ser escritor. Por isso sonhava com França, com Paris.»

 

«A literatura francesa foi e continua a ser a melhor. O que significa ser a melhor? A mais audaz, a mais livre, a que é capaz de edificar mundos a partir de escombros humanos, a que põe ordem e clareza na vida das palavras, a que rompe com os valores existentes, a que desobedece à actualidade, a que regula os sonhos dos seres humanos.»

 

«A literatura francesa fez o mundo inteiro sonhar um mundo melhor. A literatura francesa permitiu que sejam hoje realidade muitas democracias, preservando a razão contra pesadelos e revoluções, após tantos fracassos e mortos.»

 

«Nenhum outro país como a França viveu a liberdade de maneira permanente, autorizando-nos todos os excessos literários e de outra natureza. Antes de qualquer outra nação, incorporou esses valores na literatura e na própria vida. (...) Daí que a França tenha visto nascer todas as correntes da vida e da literatura que exploravam as luzes e sombras, os redutos mais rebeldes da personalidade, como o dadaísmo, o freudismo, o surrealismo, com as suas diversas escolas e tendências.»

 

Mario Vargas Llosa, a 9 de Fevereiro, no discurso de ingresso na Academia Francesa, onde se tornou o primeiro escritor de língua não-francesa convidado a ter ali assento.

Da irremediável decadência do francês

Pedro Correia, 19.01.23

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Ao ouvir ontem a presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, falar durante grande parte da manhã numa comissão parlamentar em São Bento, confirmei esta evidência: o francês sofre um irremediável declínio.

A gestora é francesa, os deputados são portugueses, mas a senhora - incapaz de dominar o idioma de Camões - recorreu ao inglês. Podia ter-se expressado sem problema na sua língua materna, recorrendo aos competentes serviços de tradução simultânea da Assembleia da República, mas se calhar nem pensou nisso. Preferiu falar na "língua do império", com pronúncia muito questionável, presumindo - porventura cheia de razão - que à volta daquela mesa poucos seriam os deputados capazes de entendê-la sem recorrerem a intérpretes.

Em duas gerações, o francês - dominante na cultura e nos circuitos diplomáticos até meados do século XX - foi riscado do mapa linguístico corrente fora do perímetro dos países onde ainda é idioma oficial. Paradoxalmente, isto aconteceu a partir da data do seu suposto apogeu: a vaga revolucionária do Maio de 68. Que, partindo da esquerda mais radical, funcionou afinal como trampolim definitivo para a expansão da cultura norte-americana a nível planetário. Ao romper os cânones estabelecidos, deitou fora também os vetustos padrões gauleses que imperavam desde o Século das Luzes, começando pela língua, tornada obsoleta. Os próprios franceses a vão abandonando nos palcos internacionais.

E nós? Ainda não chegámos ao ponto de falar em inglês com a senhora francesa – foi ela quem teve de recorrer à tradução simultânea quando ontem os grupos parlamentares lhe formulavam perguntas. Mas à volta daquela mesa não faltou o jargão “amaricano” para designar cargos com designações consagradas na nossa língua. Abundaram as alusões ao “si-i-ou” e ao “chérman” da TAP, como se fôssemos micro-sucursal linguística do vasto império.

A questão é que somos mesmo. Desembocámos nisto.

O regresso de uma Frente Popular?

João Pedro Pimenta, 19.05.22

Vindo de uns dias em Paris, primeira viagem a sério pós-pandemia, não pude deixar de reparar, pelas notícias e pelos cartazes que ainda se colam nas paredes, no clima político vigente, e não eram só os preparativos para a (re)tomada de posse no Eliseu e do Dia da Europa.

Depois das eleições presidenciais francesas, afinal menos renhidas do que se pensava e que representaram novo desvio das sondagens (que eram mais favoráveis a Marine Le Pen), dando um novo mandato a Emmanuel Macron, constituindo, como escreveu o Pedro Correia, uma importante derrota política e estratégica para Vladimir Putin, seguem-se as legislativas. 

A divisão em três blocos políticos, verificada nas presidenciais, tende a repetir-se. A Republique en Marche, de Macron, de ideologia "liberal-social" e basicamente centrista, que arrasou as faixas moderadas dos outrora dominantes Partido Socialista e partido gaullista (que mudou de denominação várias vezes, sendo a última Les Républicains), assim como as últimas legislativas, quando só tinha um mês, deve voltar a ganhar, embora com menos lugares que em 2017. As legislativas na V República, a seguir às presidenciais, tendem a confirmar o voto destas, dando uma maioria na câmara como respaldo do sistema semi-presidencialista, havendo poucos casos de coabitação. O mesmo deve suceder agora, mas com uma maior divisão.

Marine Le Pen, em crescendo, quererá sem dúvida alargar o seu grupo parlamentar, pouco numeroso, já que o sistema uninominal e maioritário francês, baseado em duas voltas (em que por vezes há três partidos na segunda), tem pouca correspondência com o número de votos. Com menos "barreiras sanitárias" poderá aproveitar em muitas segundas voltas os votos do movimento de Erich Zemmour, que não se revelou o concorrente perigoso que prometia ser e que até favoreceu Le Pen, com um efeito de contraste como candidato ainda mais radical. Para além da sua RN (ex-FN), contará com estes votos e de habituais aliados, como Dupont-Aignan. O surgimento meteórico de Macron, ao esvaziar os Republicains,  permitiu que alas mais direitistas e soberanistas deste partido se transferissem aos poucos para o de Le Pen, dando-lhe o suporte eleitoral de que goza hoje. A teoria das "três direitas francesas", de Réné Rémond, assinala existir uma direita legitimista (e mais tarde fascista), pré-revolucionária baseada em figuras como Charles Murras e Pétain, por exemplo; uma liberal e "orleanista", de que uma das figuras de proa mais recentes seria Giscard d´Estaing; e uma direita bonapartista/gaullista, mais centralizada e estatizante, centrada num líder carismático, como Napoleão e principalmente De Gaulle. É esta última a dominante em França, mas Le Pen, que partiu com o seu pai da corrente legitimista, de resto em declínio, acolhe muito do gaullismo mais à direita. E há ainda uma corrente sempre presente que parece ser uma inspiração directa: o poujadismo, em parte sinónimo de populismo, que nos anos cinquenta, sob a liderança de Pierre Poujade, reuniu um bloco de pequena classe média composto de comerciantes, agricultores, artesãos e pequenos industriais, sobretudo da "province", e alguns críticos da descolonização, que protestavam contra o poder de Paris. Não por acaso Jean Marie Le Pen começou a sua carreira como deputado por este movimento.

Mas o assunto que actualmente domina a política francesa é a união das esquerdas. Com o cúmulo de votos, que por pouco não o levou à segunda volta das presidenciais, Jean-Luc Mélenchon guindou-se como a mais proeminente e notória figura da esquerda em França. Não só levou a sua France Insoumisse a crescer, ombreando com a RN, como viu a concorrência a mingar: os ecologistas ficaram aquém do que se esperava, os comunistas há largos anos que foram suplantados, e sobretudo os socialistas, que estiveram na presidência até 2017, tiveram o pior resultado de que há memória, com os minúsculos 1,74 conseguidos por Anne Hidalgo, "maire" de Paris. Conseguiram até, suprema vergonha, ficar atrás dos comunistas, numa inversão pobrezinha do que aconteceu nos anos oitenta, quando o PSF de Mitterrand dominou e diminuiu o PCF de Georges Marchais depois de o levar para o governo. 

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A célebre sede do PCF, da autoria do "camarada" Óscar Niemeyer

Curiosamente, nas últimas eleições municipais, os socialistas e ecologistas tinham conseguido grandes triunfos, nalguns casos em conjunto, ao conquistar as principais cidades do país, assim como os Republicanos, deixando as formações de Macron e Le Pen com pífios ganhos, demonstrando uma relação local inversamente proporcional à nacional. 

Os planos de Mélenchon têm como objectivo uma força de esquerda constituída pelo seu movimento, pelos ecologistas, pelo PCF, pelos socialistas e até pelos trotsquistas do Nouveau Parti Anticapitaliste, que aqui correspondem à esquerda do Bloco, provavelmente o MAS. Estes últimos recusaram, por considerarem a frente "demasiado social-democrata", mas os socialistas acabaram por aderir oficialmente. Não sem grande contestação interna: face às tendências eurocépticas de Mélenchon, o partido que teve como figuras de proa François Mitterrand, Michel Rocard e Jacques Delors (e recorde-se, na mesma linha partidária, Guy Mollet, Christian Pineau e Maurice Faure, fundadores da CEE), além de outros mais recentes como Laurent Fabius, François Hollande ou Lionel Jospin, dividiu-se claramente, tendo estes dois últimos sido vozes audíveis contra esta verdadeira dissolução de um partido histórico e fulcral na política francesa numa coligação tão longe dos seus valores. É aliás tristemente irónico, uma vez que nos anos noventa Rocard, considerando o PSF já algo ultrapassado, lançara a ideia do "big-bang" político juntando sociais democratas, ecologistas, centristas e até comunistas renovadores. A ideia recebeu muitos aplausos mas nunca germinou, e agora o que se verifica é não um big-bang mas uma implosão para que dos destroços saia algo mais velho.

A imprensa portuguesa referiu-se a uma "geringonça" francesa. Na realidade, nem precisava de ir por aí, porque em França isso já teve um nome: Frente Popular. E para além da de 1936, numa época particularmente sombria, houve a já referida experiência de Mitterrand em 1981, que se revelaria uma armadilha para o PCF, que a partir daí declinou como nunca antes, sobretudo a partir do momento em que o governo socialista a que estava ligado virou o rumo das políticas. 

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Propaganda de esquerda, nas imediações do Tolbiac 

Tanto o governo da Frente Popular como o dos anos oitenta deixaram algumas medida que ficariam para a posteridade, como as férias pagas e a abolição da pena de morte. As ideias de Mélenchon, porém, parecem ser tributárias de um passado pouco atento à realidade: aumento pronunciado do salário mínimo, recuo da idade da reforma para os 60 anos (a França é dos países da UE com idade de reforma mais baixa, coisa que Macron pretende contrariar subindo-a) ou nacionalizações, principalmente na área dos transportes. E sobretudo, desobediência e incumprimento dos tratados europeus quando considerarem que tal se justifique. Se são bem vindas à democracia novas ideias e novas forças, o que apresenta Mélenchon não parece ser um caminho muito aconselhável num país com um estado social tão vasto e uma burocracia tão pronunciada, e que apesar de alguns problemas sociais que merecem atenção e têm levado a certa contestação, apresenta um crescimento económico e uma taxa de emprego invejáveis.

O novel movimento já tem sigla e nome: NUPES (Nouvelle Union Populaire Écologique et Sociale). Dificilmente constituirá governo, mas será uma pedra no sapato de Macron e um impulsionador de movimentos de rua, mais influente do que o de Le Pen, porque promete eleger muitos mais deputados. Se terá sucesso duradouro ou não, até porque Mélenchon já tem setenta anos, dependerá igualmente de como Macron conseguir governar a França. Se este não conseguir, adivinham-se retrocessos.

Uma vitória clara de Macron

Pedro Correia, 26.04.22

A vitória clara e concludente de Emmanuel Macron na ronda final da eleição presidencial em França, mais que duplicando a percentagem da primeira volta, fica bem evidente neste mapa eleitoral do escrutínio de domingo. Com os círculos em que o Presidente saiu vencedor pintados de amarelo e os da sua rival, Marine le Pen, tingidos de azul.

 

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A derrota de Putin em França

Pedro Correia, 25.04.22

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Vladímir Putin foi derrotado em França. Por interposta candidata. A que se apressou a reconhecer a anexação ilegal da Crimeia, recebeu financiamento russo e a 8 de Fevereiro - contra todas as evidências - afirmou sem hesitar: «Não acredito que a Rússia queira invadir a Ucrânia.» O que diz tudo sobre a sua falta de clarividência em política internacional. E sobre o seu servilismo face a Moscovo.

Os eleitores concluíram - e muito bem - que esta candidata não era digna de chefiar o Estado francês. Para resumir tudo numa palavra, Marine Le Pen é inapresentável. Emmanuel Macron emerge deste escrutínio como óbvio vencedor, com mais 18 pontos percentuais do que a adversária, contrariando aqueles que vaticinavam uma disputa «taco a taco», cheia de «incertezas até ao fim». Balelas.

Apesar dos brutais constrangimentos económicos e sociais impostos por dois anos de pandemia, França apresenta hoje uma das melhores taxas de crescimento na Europa (7% em 2021) e regista uma redução quase histórica do desemprego. Daí este triunfo claro, superior em percentagem ao que o carismático general De Gaulle alcançou em 1965, quando enfrentou François Mitterrand nas urnas: venceu com 55% na segunda volta. Agora Macron obtém 59%

 

Escrevo estas linhas com imensa satisfação: como aqui escrevi na sexta-feira, se fosse francês teria votado em nele.

Há 20 anos que nenhum Presidente era reeleito em França: esta é uma proeza suplementar, também no plano simbólico, do inquilino do Eliseu. E que inaugura uma tendência que vai registar-se a partir de agora em todas as eleições na Europa: quanto mais um candidato estiver conotado com Putin, menos hipóteses terá de vencer. Pela rejeição visceral que isso provoca nos eleitores - de Lisboa a Riga, de Estocolmo a Trieste. Ninguém quer a pata russa em cima.

 

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Parabéns a Macron, o homem que Putin queria ver longe do poder. O ditador enganou-se: os franceses mostraram muito mais clarividência do que ele imaginava. Tal como os ucranianos demonstram, em todas as horas de todos os dias, uma tenacidade e uma resistência que ele jamais supôs.

É uma excelente notícia. Não só para França, pois abre uma luz de esperança também na Ucrânia: se Le Pen tivesse vencido, como algumas luminárias anteviam, isso seria um pesadelo acrescido para aquele martirizado povo.

Os franceses ficaram servidos em matéria de colaboracionismo: não precisam de nenhum outro. Já lhes bastou o decrépito marechal Pétain, ajoelhado perante Hitler entre 1940 e 1944. 

Em quem votaria Putin em França?

Pedro Correia, 23.04.22

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Marine Le Pen com Putin em Moscovo (24 de Março de 2017)

 

Os franceses vão amanhã às urnas para escolherem quem ocupará o Palácio do Eliseu nos próximos cinco anos.

Se eu fosse francês, não hesitaria um momento: o meu voto ajudaria a reconduzir o actual Presidente. Emmanuel Macron enfrenta nesta segunda volta uma recauchutada Marine Le Pen, que para seduzir eleitores não pertencentes à direita radical abandonou as bandeiras mais extremistas que agitara no escrutínio de 2017. Riscou o anterior slogan "Frexit", inspirado no Brexit: deixou de querer a França fora da União Europeia. E não voltou a exigir o regresso ao franco como moeda nacional: agora já aceita o euro.

Macron é a antítese da sua adversária: não imita os televangelistas no púlpito, não proclama frases demagógicas, não faz cedências ao populismo. Nem andou a mendigar financiamento russo, como o partido da candidata que em 2011 se confessava «admiradora» de Vladímir Putin, em 2017 recusou haver «qualquer ilegalidade» na anexação da Crimeia e no passado dia 8 de Fevereiro, em entrevista à BBC, declarava sem pestanejar: «Não acredito que a Rússia queira invadir a Ucrânia.» Dezasseis dias antes da invasão.

Nesta eleição presidencial francesa, com a guerra a decorrer na Ucrânia, impõe-se a pergunta, para arrumar ideias: quem escolheria o ditador russo, se pudesse votar? Marine Le Pen.

Razão suficiente, desde logo, para eu me encontrar na margem oposta.

Viajar no sofá da sala

Maria Dulce Fernandes, 06.04.22

Meutres à

Não é segredo para ninguém que me pelo por um bom filme/série-thriller/policial. Problemas de saúde obrigaram-me a um certo tipo de confinamento por mais tempo do que gostaria e, tirando a leitura, sobrou a televisão. A televisão passa sempre mais do mesmo em sessões contínuas. Por vezes é bom, induz o sono e descansar a cabeça quando se tem insónia é sempre bom.
Calhou deparar-me com uma série franco-belga que passava no AXN White, Meurtres à...

É uma série de telefilmes de antologia policial que se desenrolam cada um, e são muitos, numa região diferente de França.
Os episódios são independentes, os enredos não são famosos, apesar da participação de vários actores francófonos conhecidos, mas as paisagens são fabulosas. A França nunca foi só Paris e depois de ver esta série fiquei cheínha de vontade de ir à descoberta de toda a beleza que fica por divulgar nos catálogos das agências de viagens e até mesmo no Visit.fr

Meutres à:

Temporada 1

1. SAINT-Malo                     

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2. Pays Basque
3. Rocamadour
4. Rouen

Temporada 2

1. Guérande       

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2. L'ile d'Yeu
3. Étretat
4. Carcassone
5. Mont Ventoux

Temporada 3

1. Collioure       

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2. La Rochelle
3. Borgonha
4. Avignon
5. L'ile de Ré
6. Le lac Léman

Temporada 4

1. La Ciotat      

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2. Dunkerque
3. Martinique
4. Grasse
5. Aix-en-Provence
6. Strasbourg

Temporada 5

1. Les Landes      

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2. Auvergne
3. Sarlat
4. Orléans
5.  Pays d'Oléron

Temporada 6

1. Cornouaille   

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2. Haute-Savoie
3. Brides-les-Bains
4. Morvan
5. Lorraine

Temporada 7

1. Colmar     

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2. Lille
3. Belle-Île
4. Tahiti
5. Contentin
6. Le Jura
7. Corrèze

Temporada 8

1. Pays Cathare     

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2. Cayenne
3. Cognac
4. Granville
5. Albi
6. Pont-l'Évêque
7. Pointe du Raz
8. Toulouse

Temporada 9

1. Berry    

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2. Mulhouse
3. Trois Vallées
4. Îles du Frioul
5. Blois
6. Marie-Galante
7. Mont Saint-Michel
8. Figeac
9. Porquerolles
10. L'oubliée d'Amboise
11. Amiens
12. Nancy
13. Champagne

 

A língua francesa infunde algo de muito belo ao conjunto.

1200px-Mont-Saint-Michel_vu_du_ciel.jpgOs guiões não são inovadores nem excepcionais nem mesmo muito diversificados, algumas interpretações deixam muito a desejar e não abonam em nada a ideia romântica heróica e virtuosa dos bravos gendarmes, mas talvez sim aquele conceito mais safado tão bem personificado por Louis de Funès, mas passamos a conhecer uma França com muitas histórias locais, pontos de interesse, usos e costumes diferentes e paisagens de tirar o fôlego.

(Todas as fotos: Google)

Pregar um estalo

Pedro Correia, 10.06.21

 

Emmanuel Macron foi esbofeteado terça-feira, no Sudeste de França, por um sujeito que claramente não se inclui entre os seus admiradores. 

No seu habitual estilo pomposo e grandiloquente, a imprensa gaulesa apressou-se a sentenciar que esbofetear o Presidente «é como esbofetear a França». Andam muito sensíveis. Nem parecem pertencer ao mesmo povo que noutros tempos erguia cadafalsos e  guilhotinava reis.

A violência é sempre condenável. O que não invalida a hipótese de alguns por cá terem desejado eventualmente pregar um estalo (metafórico) no político X ou Y. Por ser incompetente, desonesto ou aldrabão.

Já vos aconteceu?

Travar os turcos

João Pedro Pimenta, 31.10.20
A avaliar por algumas leituras rápidas, o culpado destes casos de terrorismo que ocorreram em França nos últimos dias é Emmanuel Macron devido às suas declarações. Só que Macron não incitou ninguém à violência; limitou se a dizer o que devia ser dito: que aquele país tem regras, que não podem ceder à violência de fanáticos e que quem não gostar de viver naquela sociedade tem de se sujeitar às leis vigentes, dentro do sistema democrático e da liberdade de expressão que este concede.
 
Se alguém deve ser condenado é em primeiro lugar Recep Erdogan, um dos maiores incendiários do nosso tempo. Só este ano já enviou tropas para a Líbia para proteger a sua facção, reconverteu Santa Sofia, outrora a maior igreja da cristandade e nas últimas décadas um museu, em mesquita, apoiou o Azerbaijão na guerra contra a Arménia na questão do Nagorno-Karabakh invectivando os arménios de forma inaceitável (um chefe de estado turco a dizer coisas semelhantes aos arménios equivale à chanceler alemã a insultar judeus) e agora diz que Macron tem "problemas mentais" e apela ao boicote à França; ou seja, a França é atacada no seu território por extremistas gritando "Alá Akhbar"e ainda recebe ameaças deste fulano.
Relembre-se que Erdogan já tinha um extenso currículo com a repressão aos curdos, a participação na guerra da Síria (onde atacou mais os curdos que o Daesh, por vezes até favorecendo este nos ataques que realizava às YPG) e a reacção à tentativa de golpe de estado de 2016 com a prisão de milhares de pessoas. Tentou fazer comícios às populações emigrantes turcófonas em países europeus a quem, perante a evidente recusa, acusou de serem "nazis", etc, etc.
Por importantes que sejam as relações comerciais da União Europeia com a Turquia, já é tempo de pôr esta sinistra criatura no seu lugar e de chamar os bois pelos nomes. Se assim não for, o sultão de opereta vai continuar a insultar e a incendiar impunemente, aproveitando-se de qualquer fraqueza para estender a sua influência neo-otomana. Agora talvez se perceba porque é que a Grécia tem uma fatia tão grande do PIB reservada à defesa.
 

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