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(Visita presidencial a Moçambique, 1997: Hilário, Chissano, Coluna, Sampaio, Acúrsio, Eusébio. Desconheço a autoria da fotografia).
O Pedro Correia salientou (no Delito de Opinião 1, 2) a recente generalizada homenagem ao antigo presidente da República Jorge Sampaio - sobre o qual deixei memória da minha simpatia (1, 2). Foi notório ter esse luto suspendido críticas ao político. Sampaio foi um líder estudantil durante o Estado Novo tardio, e veio a integrar a via radical do socialismo português. E depois já como secretário-geral do PS e durante sua presidência da câmara da capital deu corpo à velha palavra de ordem do PCP, a "maioria de esquerda". Assim sendo uma evidente influência para o cenário actual. E foi presidente da República durante uma década, convulsa. Esse percurso de seis décadas de preenchida e complexa actividade política dá azo a diferentes interpretações e avaliações. Mas na sua morte a sociedade portuguesa, suas instâncias estatais e outras organizações, a imprensa, bem como a miríade de opinadores na cidadania telemática, saiu a homenageá-lo. E os que a isso não se quiseram associar pelo menos evitaram críticas aceradas.
Isso tem sido recorrente, considerado curial, na morte dos políticos deste regime. Desde a emotiva reacção às traumáticas mortes de Sá Carneiro e Amaro da Costa, às reacções respeitosas e até condoídas face às relativamente precoces de Mota Pinto, Lucas Pires, Luís Sá ou Barros Moura, ou às mais recentes de Jorge Coelho e Pina Moura, exemplos entre tantos outros. Disso ainda mais significativo foram as reacções gerais aquando da morte de anciãos relevantes no regime, como Freitas do Amaral, Mário Soares ou Álvaro Cunhal. É evidente que sempre se mantém a pertinência da análise crítica (ou mesmo das meras invectivas) a posteriori. Mas o relevante, repito, é que em todas esses momentos houve um luto, implícito que seja, e um sufragar da importância desses indivíduos assente num evitamento crítico e num colectivo de elogios - por vezes até demasiado enfáticos, quiçá condizentes com a recente crítica do nonagenário Eugénio Lisboa ao modo português de produzir eulogias.
Hoje, depois de se saber que Rui Moreira ia a julgamento por causa do caso Selminho (oportuníssimo ser a cinco meses das eleições, mas adiante), dizia que não faltariam os oportunistas a tentar tirar proveito da situação.
Eles aí estão: Catarina Martins veio logo afirmar que "Rui Moreira não tem condições para continuar na câmara". Isto dito pela líder (ou "coordenadora") de uma formação que em cinco eleições possíveis NUNCA conseguiu elegeu um único vereador para a CM do Porto - talvez pelo Bloco portuense ser exclusivamente composto por sociólogos ou actores, como a própria Catarina - e que noutras autárquicas já apresentou candidatos que estiveram nas FP-25. Um deles apareceu mesmo no outro dia a escrever (entre outros textos com imensos erros) que não se arrependia de nada e que os assassínios cometidos "tinham mesmo de ser", antes de apagar a mensagem
Quem é que não tem condições mesmo?
Vasco Pulido Valente disse algures (cito de cor) que os Portugueses gostariam de História se alguém a escrevesse.
Este livro é sobre um período de terror na nossa História recente, isto é, entre 1980 e 1987, quando mais de metade dos Portugueses hoje vivos já tinha vinte anos ou mais no primeiro daqueles anos, e do que se seguiu para estancar a ferida.
Todavia, nem por isso boa parte dos sucessos descritos é do conhecimento da quase totalidade das pessoas: uns porque nem na altura foram divulgados; outros porque foram mas de forma enviesada; e todos porque fazem parte de um período negro que o bem-pensismo oficial à época desvalorizou e depois sempre quis fazer esquecer.
Esquecer os factos, o manto de silêncio que sobre eles se abateu e a “reconciliação” que pôs, pelo perdão das penas, uma tampa ao terrorismo da extrema-esquerda sem que as vítimas tivessem, na equação, alguma espécie de compensação, justiça ou sequer lembrança.
Mas houve assassinados (18) e feridos (mais do que isso). Os assassinos, e sobretudo os seus mentores, andam por aí sem sinais de arrependimento, e dão entrevistas, e conduzem as suas vidas como se convicções políticas que originaram crimes hediondos pudessem gozar de alguma forma de respeitabilidade.
Não há no livro nem viés ideológico, nem espírito revanchista. Há uma narrativa rigorosa e desapaixonada, fundada numa investigação exaustiva, de aspectos mal conhecidos de um passado recente. E sim, os Portugueses, ao menos os que leem, poderão, por grande que seja o seu distanciamento destas coisas, ficar a conhecer uma parte essencial da meninice do nosso regime democrático.