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Delito de Opinião

Há quatro anos

jpt, 04.03.24

toquei na minha mãe pela última vez. É certo que a, posteriormente consagrada, directora-geral da autoridade sanitária pública ainda nos viria convocar para visitarmos os nossos "mais-velhos", e que o nosso PR ainda andava, frenético país afora, em comemorações teatrais. Mas, face ao que já grassava na Itália e em Espanha, decidimos não visitar a mãe até que as coisas, que tão negras pareciam, viessem a serenar. Fui, fomos, à Ericeira dizer-lhe isso, afiançando-lhe a crença de que seria por pouco tempo, uma "maçada" apenas, algo a que ela, nonagenária lúcida, acedeu em acreditar.

Uma semana depois, a 13, a minha filha viajou de Inglaterra - no exacto dia em que Warwick, a sua universidade, encerrava por todo aquele ano lectivo (!) -, fui recebê-la ao aeroporto, ainda pejado de exultantes turistas nórdicos em busca de sol de Inverno, vinho barato e peixe grelhado, tal como no Tejo ainda aportavam os gigantes paquetes..., vil e incompetente coisa de país reduzido ao afã da "indústria turística". E, angustiados, seguimos directos para Sul do Tejo, onde amigos-verdadeiros irmãos abriram a levadiça do seu já confinamento para nos albergar. Dias depois o país confinou-se.

Algum tempo depois pude voltar, voltámos, a visitar a minha mãe, à distância sem beijos nem toques, no jardim frondoso da "Residência" onde vivia. E, em piores momentos, apartados por uma barreira de acrílico. Um dia, meses depois, ela, bastante enfraquecida por aquela clausura angustiante, disse-me e repetiu-me "és muito bonito, meu filho, és muito bonito", inédita hipérbole que atribuí a alguma anciã confusão intelectual e a um carinho saudoso. Era, afinal, uma despedida pois morreu poucos dias depois. Sem que eu a pudesse ver uma última vez, já no seu esquife, devido às exageradas restrições, nisso disparatadas, mesmo assarapantadas...

Andava eu acabrunhado, acabrunhadíssimo fiquei, entretanto talvez me tenha libertado do superlativo.               

E acabrunhados então andávamos, ainda que não desistentes: o meu amigo Miguel Valle de Figueiredo - que é não só um bom fotógrafo mas também um homem como deve ser (Homem com H grande, dizia-se) - logo se apartou das angústias e saiu à rua para fotografar a cidade confinada, tendo editado o seu "Cidade Suspensa", a Lisboa dessa inicial era Covid. E depois, meses a fio, continuou a fotografar-nos. Acabrunhados, nisso até exaustos. Deixo aqui alguns de nós por ele fotografados.

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sentada.jpgPara quem se possa interessar: um dia deixei um relato longo dos dois primeiros meses de Covid em Portugal, chamando-lhe "O Capitão MacWhirr e o Covid-19". E julgo que qualquer leitor de Conrad logo pressentirá o seu conteúdo...

Miguel Valle de Figueiredo na Ericeira

jpt, 04.08.23

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Na Ericeira o meu bom amigo  Miguel Valle de Figueiredo inaugura amanhã - sábado, 5 de Agosto, a partir das 18 horas, na Casa de Cultura Jaime Lobo e Silva (o antigo Casino) - a Nha Belha. Avisa-nos de que se trata de "uma espécie de de exposição retrospectiva com 3 dúzias + 1 de imagens a preto e cores sobre a Ericeira", feitas desde 1980. E de que é também uma celebração, assinalando os 20 anos do lançamento do álbum "Ericeira, Mar de Tradições", com fotografias suas e texto de André Pipa. A exposição estará ali disponível até ao dia 3 de Setembro, fica para aviso dos locais. E dos veraneantes.
 
Com as impressivas fotografias do mvf - como ele assinava a sua participação no nosso ma-schamba - tenho colocado aqui alguns postais. Pois é ele um belíssimo fotógrafo - e ainda melhor amigo, se tal for possível (tanto que um dia me fez o favor de me convocar um texto para uma sua exposição, a propósito de umas imagens sobre a Ilha de Moçambique). Cumpre-me agora também recordar que é um aficionado da terra dos jagozes. E assim amanhã lá abandonarei as cercanias do Sado, cruzarei o Trancão, abalançando-me junto ao Lizandro - nisso quiçá encontrando outros "delituosos de opiniões". Desse modo respondendo ao chamariz, até porque avisa ele que a sessão terá o sempre tão desejado patrocínio material - e nisso o apoio espiritual - da excelente Quinta das Carrafouchas, a qual há anos visitei com delongas, momento de que guardo tão prazerosa memória e saudade.
 
E aqui deixo duas imagens (em baixa resolução) do que o mvf vai mostrar a partir de amanhã sobre a bela Ericeira. Forma de convite a passarem por lá:
 

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(Miguel Valle de Figueiredo, "Chegada da Faina, 1980)
 

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(Miguel Valle de Figueiredo, sem título, data incerta)

5 anos após os incêndios na Beira Alta

jpt, 15.10.22

 

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(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

Passam hoje exactamente cinco anos sobre a segunda vaga dos incêndios de 2017 no distrito de Viseu, entre o concelho de Tondela e seus limítrofes, devastando a "Beira Alta", dessa vez causando mais de 40 mortos, a somar aos mais de 60 que haviam perecido durante o Verão anterior. Logo depois o meu amigo Miguel Valle de Figueiredo percorreu aquela região, que bem conhece pois os seus ascendentes dali eram oriundos, e durante três meses calcorreou mato, lugares, aldeias, vilas, encarou a gente que ali teima, desta ouvindo do horror de então e da violência posterior, advinda da arrogância burocrática de quem vem podendo - a memória desse trabalho foi publicada na "National Geographic", com texto de Gonçalo Pereira Rosa.

Nisso fotografou as "cinzas" promovidas pela fúria dos elementos, o desnorte nacional e a incúria estatal,. Enquanto uns, urbanos, se menearam vaidosos insanos, lamentando-se "de não ter tirado férias" ou, pelo contrário, "iam de férias" e pediam para "não os fazerem rir" a propósito destes e doutros assassinos fogos, e se gabavam de se preparar para as "cheias de inverno", inaugurando casas refeitas com dinheiro alheio, apregoando ter revolucionado as florestas como nunca desde a Idade Média, e se faziam entrevistar em quartel de bombeiros, o Miguel foi para aquele lá, verdadeiros "salvados" de um país que insiste em desistir de o querer ser por via do apreço que vota aos tocos que julga gente, e até elegível.

Dessas suas andanças, vindas do seu fervor de fotógrafo e do seu dever de cidadão, produziu um manancial iconográfico, uma verdadeiro arquivo para alimentar uma memória social do acontecido, deste sofrido que a história recente do país se mancomunou para gerar. E organizou a exposição "Cinzas" - paisagens, pois o pudor impeliu-o a evitar mostrar os retratos feitos dos violentados , 42 fotografias. A qual teve itinerância nacional. 

Agora, para assinalar os cinco anos sobre aquele momento a exposição é hoje mesmo, 15.10.2022, reapresentada em Tondela, no seu Quartel dos Bombeiros Voluntários, - concelho então tão devastado (só nele arderam mais de 400 casas, 219 das quais primeiras habitações). Será muito pedagógico ir lá ver o horror e desperdício que o mvf vagorosa e condoidamente captou. Para que não o esqueçamos. Mas também para que tomemos consciência de que, como diz agora o fotógrafo, "5 anos sobre o terrível incêndio que devastou grande parte da Beira Alta e, como se viu depois em Monchique ou mais recentemente na Serra da Estrela, independentemente de tudo (i.e. alterações climáticas), pouco se aprendeu, ou melhor, o que se aprendeu não serviu de muito na prevenção destas tragédias."

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

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 (Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

 

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(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 19.08.22

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Hoje é O Dia Mundial da Fotografia

"Esta data comemorativa celebra a arte de fotografar. Desde o fotógrafo amador ao profissional, neste dia o objectivo é reviver o amor pela fotografia. Com a proliferação dos meios digitais e dos telemóveis com câmaras, praticamente qualquer pessoa pode hoje aventurar-se na fotografia.

A celebração desta data tem origem na invenção do daguerreótipo, processo fotográfico desenvolvido pelo francês Louis Daguerre (1787-1851), em 1837.

Em Janeiro de 1839, a Academia Francesa de Ciências anunciou a invenção do daguerreótipo. A 19 de Agosto, o Governo francês considerou a invenção de Daguerre um presente "grátis para o mundo".

Outro processo fotográfico - o calótipo, inventado também em 1839 por William Fox Talbot (1800-1877), tornou 1839 o ano da invenção da fotografia."

 

Sou uma "fotógrafa" incorrigível.  Isto quer dizer apenas que fotografo tudo o que mexe ou não mexe, dependendo do meu "olho clínico " para a coisa. Tenho duas máquinas fotográficas, mas não sei fazer funcionar com rigor qualquer delas. As minhas melhores fotos são tiradas com o telefone. Pois é, sou teletógrafa e sempre que a luz me surpreende lá estou eu a fazer funcionar o obturador. O futuro é imprevisível e as fotografias captam momentos irrepetíveis que valem sempre a pena recordar. São a nossa memória de hoje, num obscuro amanhã. 

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( Fotos MDF)

Novo espaço

Sérgio de Almeida Correia, 16.02.22

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Dele se pode dizer que é um homem em movimento. Em movimento perpétuo, uma espécie de corpo celeste emitindo luz própria e sempre a correr daqui para lá e acolá tantos são os projectos. Hoje um, amanhã outro. E como se não lhe bastassem todos os prémios e menções que já recebeu e que em muito têm prestigiado a fotografia universal que fala em português, lembrou-se de criar, já que de um criador se trata, o Ochre Space. Ou melhor, digo eu, a Galeria Ochre.

Devido à pandemia ainda não franqueou as suas portas ao público, mas em breve fá-lo-á porque há locais onde não há mal que sempre dure.

A luz de Lisboa ficará certamente enriquecida com mais este acolhedor espaço dedicado à fotografia, onde será possível encontrar a dita em dimensões generosas, as do anfitrião e dos amigos que ele convidar, muitos livros, e todas as Zine que o João Miguel já produziu.

Eu espero lá poder passar um dia, e também visitar a família e os amigos, assim que me seja possível sair desta suave colónia onde resido e ultimamente cumpro pena com uma dose tripla de vacinas, sem ter necessidade de no regresso cumprir uns fantásticos vinte e um dias de quarentena no hotel para onde me enviarem – se houver disponibilidade de quartos, claro, pois que de outro modo ficarei "pendurado" no exterior, à falta de melhores ideias –, usufruindo de uma comida maravilhosa, os quais serão depois acrescidos de mais oito dias de castigo em casa por me ter lembrado de saltar a cerca.

Cidade Suspensa

jpt, 23.08.21

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(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo, Lisboa 2020)

No início de Março de 2020, mesmo que nos poderes fácticos ruminassem ainda os flâneurs flanantes, muitos de nós - angustiados com o que se passava nos países vizinhos - nos apressámos a retirar os petizes das escolas e a encerrá-los em casa, enquanto começávamos a evitar os avoengos. Em meados do mês o governo cedeu à evidência e declarou o confinamento - enfim, o Primeiro-Ministro haveria depois de proclamar que isso nunca existira mas essa sua proposta de "narrativa" não teve sucesso.

Fechámo-nos então todos em casa - com as consabidas excepções laborais -, desvanecendo o bulício de cidades e vilas. E logo no dia seguinte saiu à rua o Miguel Valle de Figueiredo, diariamente a fotografar o vácuo humano que o circundava. Calcorreou Lisboa e fez este "Cidade Suspensa", grande livro em formato de bolso, colecção de fotos a preto-e-branco, essa cor do silêncio. Guardou assim a memória da confinada Baixa monumental, do seu Tejo então desguarnecido, com vislumbres das míticas colinas e laivos dos bairros antigos ainda de tez popular, aquilo que sempre nos surge como o identitário da grande Lisboa e do vetusto alfacinha. E a das avenidas em tempos "novas", esse restos sempre apreciados do Estado Novo, tal como a da marca d'água desta II República, as fileiras de edifícios de serviços e as plataformas de transportes. Todos esses sedimentos da cidade unidos pela escassez de gente, tal como os diferentes templos, estes numa ecuménica solidão. Mas também aos lisboetas o fotógrafo perseguiu, mostrando-nos que não estavam eles desaparecidos, devastados, mas apenas acoitados, assomando às varandas, resistindo sarcásticos (decerto que ficará lendária a sua fotografia do lençol pendurado clamando "My husband is for sale"). Demorando-se, cruzou os parcos transeuntes nos seus inadiáveis, submersos nestas máscaras sanitárias, então polémicas, feitas veros cabrestos das almas. Bem como as restantes crianças ainda assim brincando. E, porque de saúde tanto se falava, fixou alguns desportistas a solo. Trouxe ainda médicos e enfermeiros afadigados, esconsos pois no securitário exigido, além de trabalhadores avulsos num desapoiado vai-e-vem pedonal, ainda mais exaustos do que no antes desta toda angústia. Foi assim em Março e Abril de 2020, durante a unânime suspensão. E termina o livro no 1º Maio, na visão da encenação pública da Alameda, pobre festa que tão resmungada foi, quando a tal momentânea congregação se cindiu.

Passou já um ano e meio sobre este início. E naquela época não se esperaria que tudo isto demorasse tanto tempo. Foi uma cesura, no tempo. Mas, mais do que tudo, nos ritmos. Nas nossas mentes, até bem mais do que nos hábitos, e quanto estes mudaram... Cesura que tanto perdura. Releio este livro, refolheio-o. E diante do preto-e-branco, de todo aquele silêncio que ecoa nas páginas, parece-me que urge cerzir o tão esgarçado. Pois, de facto, e por muito que o tenhamos alvitrado ou mesmo sonhado, nada de épico aconteceu.

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Cidade Suspensa: Lisboa em Estado de Emergência, Miguel Valle de Figueiredo (fotografias), Bruno Vieira Amaral (texto), Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2020.

 

 

 

 

(Com este postal comecei no  meu blog uma série sobre os meus "livros do covid". Como vem aí a Feira do Livro deixarei também aqui no DO alguns desses postais, que nada mais serão do que "apelos à leitura" desses livros com os quais dialoguei sobre esta era).

Upskirting

Cristina Torrão, 14.11.19

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Imagem daqui

Os telemóveis transformaram o acto de fotografar, outrora reservado para ocasiões especiais, num gesto banalíssimo. E também iniciaram modas, como a das “selfies”, que enervam muita gente. Comparado, porém, com outras práticas fotográficas, a do auto-retrato é inofensiva. Venho hoje falar do upskirting: fotografar por baixo da saia, ou do vestido, de uma mulher, a maior parte das vezes, sem que esta o note. A maioria das vítimas são jovens, algumas ainda menores.

Duas jovens alemãs, vítimas de upskirting (uma delas tinha apenas treze anos, quando assim foi fotografada pela primeira vez), iniciaram, há meses, uma campanha, acompanhada de petição, com o objectivo de criminalizar esta prática. Não sendo o upskirting considerado assédio sexual, já que não há qualquer contacto físico, não é crime e as suas vítimas nem sequer podem apresentar queixa à polícia. É assim visto com condescendência por muita gente, como outras práticas que, alegadamente, apenas servem para que os rapazes se divirtam. Um argumento muito usado pelos defensores do upskirting é: «não queres ser fotografada por baixo da saia? Veste calças!» Machismo? Que ideia! As duas activistas é que são umas feministas radicais, que querem impor mais censuras aos coitados dos homens, que, qualquer dia, nem sequer podem olhar para uma mulher, blá, blá, blá…

Na verdade, além de representar uma violação não consentida da intimidade, o upskirting está longe de ser um mero divertimento. As fotografias são partilhadas em chats e, muitas vezes, comercializadas e/ou publicadas em sites pornográficos. Tudo isto sem o consentimento das visadas que, muitas vezes, ignoram a existência das imagens. Noutros casos, porém, as vítimas são identificáveis, o que em nada diminui a sua gravidade.

As duas jovens activistas estão de parabéns. Ontem, o governo alemão decidiu criminalizar a prática do upskirting (incluindo fotografias tiradas a decotes, sem o consentimento da visada) com penas que vão da multa a dois anos de prisão, à semelhança do que já tinham feito outros países como a Finlândia, a Austrália e a Grã-Bretanha.

Além do upskirting, foi criminalizado, com penas semelhantes, o péssimo hábito de fotografar vítimas, mortais ou não, de acidentes de viação.

Cheeese!

Teresa Ribeiro, 30.08.19

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Muito antes das redes sociais, que nos empurram para uma noção de felicidade mais concorrencial, já nos fotografávamos a sorrir. Há puristas que consideram mentirosas essas fotos sociais e de família, mas eu fui sempre benevolente em relação à questão. Se fotografar é parar o tempo, então é natural que se deseje ter dele o ângulo mais favorável.

Nunca valorizei tanto as mentirosas fotos de família como quando comecei a perder as pessoas que me faziam mais falta. A minha família, como tantas famílias normais, era disfuncional, mas o que preciso reter dela são as imagens que mais combinam com as minhas saudades e essas, são as felizes.

O reflexo de fotografar tudo o que mexe, 365 dias no ano, que veio com os telemóveis, retirou, de alguma forma, estatuto às fotografias. São muitas, demasiadas, acumulam-se, anulam-se, esquecem-se demasiado depressa. É pena. O tempo não gira com mais vagar só porque somos vorazes a fixá-lo. Mas o hábito de mentir para a fotografia mantém-se incólume. A velha necessidade de recriar os momentos que vivemos e de sorrir, sorrir sempre.