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Delito de Opinião

Um crime após outro crime

Pedro Correia, 26.10.22

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Um dos maiores crimes de guerra que Putin e os seus generais (alguns já mortos, outros demitidos por motivos de "saúde") têm cometido há oito meses na Ucrânia é este: condenam milhões de pessoas à fome. Gente do continente africano e do Médio Oriente. A Ucrânia e a Rússia, juntas, produziam até Fevereiro cerca de 30% do trigo à escala global. Quem diz trigo, diz pão. Era à Ucrânia que grande parte dos países pobres ia buscar o cereal para ter pão.

Reina a instabilidade generalizada pelo fim do acesso ao trigo ucraniano. Não me refiro apenas à instabilidade dos preços, problema que também nós enfrentamos neste cantinho. Refiro-me a outra, muito mais grave, e que vai seguir-se: a instabilidade provocada pela fome.

A mais terrível, a mais temível.

Fome

Ana Vidal, 25.02.12

Numa mecânica passagem pelos canais de televisão à uma e meia da manhã, rejeito liminarmente todos os filmes e séries que me saem ao caminho e continuo, procurando nem eu sei bem o quê. Procurando nada, no fundo, apenas tentando fintar a noite com a paciência e a resignação dos insones crónicos. Detenho-me, hipnotizada, numa reportagem sobre a fome no reino dos eleitos: a América pujante e esplendorosa do presidente Obama. Nas estatísticas caem as máscaras e surgem números tão assustadores como surpreendentes. Dolorosamente, desfilam perante os meus olhos, como fracturas expostas, abrigos para indigentes, lixeiras habitadas, tendas imundas que são morada de família. E finalmente o golpe de misericórdia, desferido pela indescritível expressão de desistência nos olhos de uma menina de cinco ou seis anos. Entrevistada num abrigo comunitário para crianças, responde à pergunta "e tu, porque estás aqui?" com a lentidão dos que já nada esperam: "a minha mãe come ratos". A jornalista estaca, sem ar nos pulmões. Eu morro por dentro, sabendo que nunca mais esquecerei a cena. Nunca mais. Nem o olhar, nem a frase, nem o fio de voz. Nesta hora sombria em que tudo parece mais negro, eis o que a luz de nenhuma manhã conseguirá apagar. Augusto Gil salta de um livro da minha infância para martelar-me o cérebro, impiedoso. Mas as crianças, Senhor?

 

Ah, não me venham falar de direitos adquiridos que eu ainda mato alguém.