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Delito de Opinião

Justiça, para que te quero?

José Meireles Graça, 09.05.24

Desde Agosto de 2019 que venho contando a história de uma empresa que foi feita insolver por assalto ilegal do Fisco, com base em acusações delirantes. Fi-lo aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Ler tudo isto é uma grande estopada, que todavia empalideceria se algum masoquista se lembrasse de compulsar as centenas e centenas de páginas que contam em burocratês e juridiquês esta penosa história. Não apenas as do processo de insolvência propriamente dito mas também as dos funcionários fiscais e judiciais, agentes de execução e insolvência, dos bancos, advogados (vários, no âmbito criminal, fiscal e de diligências sortidas, para cada um dos gerentes ou sócios envolvidos), sindicato, credores e Segurança Social – peço desculpa se me estou a esquecer de alguém.

O caso é o de uma empresa que insolveu em Julho de 2019 e o seu edifício e bens foram à praça em Dezembro do mesmo ano, tendo sido adjudicados a um licitante (único, ao que sei) que veio a pagar em Julho de 2022.

Ai que alívio, se já há dinheiro e até não é tão pouco agora é só pagar aos antigos trabalhadores as indemnizações, dado que são credores privilegiados, aos garantidos e o que sobra, que ainda é bastante, ratear pelos restantes credores.

Simples, não é? Que nada, caro leitor, esqueça a lógica e o senso, que valores mais altos se alevantam. Já lá vou, mas entretanto abro um parêntesis para me penitenciar por, num dos textos lincados acima, ter dito: E o gerente da empresa, para quem todas as dívidas fiscais reverteram, vê agora com indisfarçável gosto reconhecido que era talvez um pouco demais ser responsável pelo pagamento de impostos em falta que tinham o vício insanável de não existirem.

É que a decisão definitiva que reconhecia que as dívidas fiscais eram afinal inexistentes implicava (julgava eu, na minha ingenuidade) a anulação oficiosa da reversão delas para mim: se a dívida não existe como é que pode passar para outros? Não: foi preciso pôr uma acção judicial. A qual veio a merecer uma sentença em 26 de Abril passado segundo a qual, ao cabo de 19 páginas, se decreta que fico isento de pagar o que não era devido. O Fisco terá, parece, de me restituir umas custas ou lá o que é mas entretanto, junto com os honorários do advogado, já paguei o IVA respectivo, que as autoridades fiscais são inimputáveis mas eu não.

Voltando à vaca fria: soube em Outubro do ano passado que o administrador da insolvência requereu ao juiz autorização para pagar aos trabalhadores. E, rebrilhante de satisfação, logo telefonei à minha antiga braço direito para, reivindicando que me pagasse o café, a informar que ia receber uma prenda (35.000 Euros) antes do Natal. Parece que ela não gastou demasias em prendas por conta da benesse, e fez bem porque até à data ninguém recebeu um cêntimo.

Por que razão não tem o administrador da insolvência poderes, sem autorização do juiz, para pagar a credores privilegiados quando tal iniciativa não pode prejudicar os restantes; por que motivo o juiz não despacha quando, na minha insondável ignorância dos arcanos processuais, uma palavra (“concordo”) bastaria; por que motivo todo este processo, e os milhares que deve haver iguais, fariam Kafka reescrever a sua famosa obra por não ser suficientemente retorcida; como pode o legislador estabelecer um regime falimentar tão absurdamente estúpido, e uma Autoridade Tributária tão claramente daninha, sem que o tempo a passar já tenha reclamado, ao menos, retoques nesta macaqueação do Estado de Direito: ignoro.

O país das quatro mil taxas

Pedro Correia, 29.03.23

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É um número impressionante: há mais de quatro mil taxas em Portugal. Serão cerca de 4300, em números redondos - cerca de 2900 cobradas pela Administração Central.

Tantas, ao ponto de ninguém conseguir uma lista exaustiva, rigorosa e actualizada de tudo isto. Que serve para confirmar como é demencial o esbulho tributário neste país, o sétimo pior em distribuição de riqueza per capita na União Europeia.

Alguns, geralmente da esquerda mais radical, dizem que «ainda falta fazer a revolução». Dou desde já o meu contributo: acabar com estas taxas. Revolução digna de aplauso. Mãos à obra, camaradas.

Correio spam

José Meireles Graça, 31.10.22

A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, que há muito mudou de nome para “Autoridade” Tributária e Aduaneira para inculcar a ideia, hoje enraizada, de que o Estado está ao serviço dos cidadãos em abstracto, mas cada um em concreto lhe deve prestar vassalagem, de preferência abjecta, enviou-me um e-mail.

O texto não vem assinado, de modo que o autor das patetices abusivas se reveste da majestade que imagina assiste ao serviço em que trabalha, fazendo-o assinar por Autoridade etc., ofendendo a obrigação que têm os funcionários de se identificarem quando se relacionam, no exercício das suas funções, com cidadãos.

Nada que interesse muito: o contribuinte que não cumpre reais ou imaginárias obrigações tem à sua espera multas draconianas, custas e juros e, se reclamar hierarquicamente, indeferimento, ou, se recorrer para os tribunais, obrigação de pagar ou apresentar garantias e aguardar decisão, que nunca virá em tempo útil; o funcionário da AT autor de abusos, descasos e prepotências, tem direito à impunidade e prémios de desempenho. Se o tribunal vier a decidir a favor do contribuinte, se ainda estiver vivo, os funcionários envolvidos nos procedimentos jamais são incomodados e em havendo obrigações de restituição o Fisco arrasta os pés – os senhores juízes são lestos a criminalizar desobediências de cidadãos sem que jamais lhes ocorra que a desobediência dos serviços é mais, e não menos, grave.

Que diz então esta gente? Que se eu aderir a um “serviço” no site respectivo passam a, nesse site, consignar notificações que me sejam dirigidas. E acrescentam esta coisa extraordinária: “Fica disponível uma certidão que atesta, quanto a cada notificação ou citação efetuada, a data e hora do registo da disponibilização na plataforma informática, bem como a data da presunção legal de notificação ou citação”.

Traduzindo: Não há cá e-mails (não obstante conhecerem o meu endereço, como se atesta por este que recebi) nem correio comum, o que passa a haver é a obrigação de lhes visitar a droga do site.

Deve haver gente que adira a esta nova obrigação. Afinal, a Autoridade Tributária é um Estado dentro do Estado, com propósitos mafiosos e organização do Santo Ofício, cujo inquisidor-geral é um ajudante de ministro geralmente muito considerado. Tão considerado, e com obra maléfica e execrável tão bem acolhida que, seja do PSD, do CDS ou o mefistofélico actual titular, todos têm vindo consistentemente a demolir os direitos dos contribuintes. E todos igualmente, presumo, fazem a barba ao espelho, sem vergonha do que este lhes mostra.

O amor do PS aos impostos

Imposto de selo existe desde 1660 em Portugal

Pedro Correia, 27.10.22

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Pretende ser uma boa notícia, daquelas que o Governo usa para inundar os órgãos de informação com mensagens de  propaganda: em 2023 vai acabar o agravamento do imposto do selo no crédito ao consumo

Boa notícia seria a supressão definitiva do imposto de selo. Mas isso contrariava a vocação de um executivo socialista. Em matéria fiscal, nenhum partido é tão conservador como o PS. Podemos até dizer que o imposto de selo já faz parte do nosso património histórico: foi criado em 24 de Dezembro de 1660, por alvará régio de D. Afonso VI. Sendo não apenas o imposto mais antigo de Portugal, mas um dos mais antigos do mundo ainda em vigor.  Ainda é aplicado em quase tudo, dos contratos às transacções com cartões.

Como podemos esperar grandes reformas de um partido que nem uma pequena reforma como esta consegue concretizar?

Fisco desonesto num Estado ladrão

Sérgio de Almeida Correia, 20.09.22

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Se há entidade em Portugal que continue a precisar de reforma é a Autoridade Tributária. Há décadas que funciona mal e a única melhoria visível foi que passou a cobrar tudo: aquilo que lhe é devido por todos nós, contribuintes, e o que lhe é indevido e resulta do mau funcionamento da máquina e do princípio de que todo o contribuinte é um potencial relapso e quer fugir ao fisco.

O drama depois agudiza-se com a falta de resposta às solicitações dos contribuintes, com a impessoalidade da máquina, e com a criação de mecanismos que para muitos são uma fonte de incómodos, preocupações e despesas desnecessárias, em especial se forem residentes no estrangeiro.

Por um lado, obriga-se o emigrante a ter um representante fiscal em Portugal, exigindo ao contribuinte, mesmo o que não tem família próxima ou amigos em Portugal, e teve o azar de herdar 1/8 de um imóvel velho e a cair aos bocados, que no caso até podia ser uma garagem, a encontrar alguém que não se importe de o ser.

Depois, quando não há ninguém disponível, até porque uma pessoa já está fora há umas décadas e se lembrou de comprar uma casa para a reforma, a solução é pagar a alguém – advogado, contabilista, ex-funcionário do fisco reformado – para ser seu representante fiscal, embora este não seja tido nem achado, muitas vezes nem sequer para receber notificações.

Uma pessoa actualiza a morada no cartão do cidadão, comunica a sua residência fiscal no estrangeiro, vive comprovadamente no estrangeiro há dezenas de anos, está registado no Consulado onde tirou o cartão de cidadão, a morada que deste consta é no estrangeiro, mas o fisco não quer saber de quaisquer comprovativos e não actualiza a sua residência sem um representante fiscal, continuando a dá-lo como residente no país para efeitos fiscais.

Mas pior do que isso é o contribuinte ter representante fiscal, receber habitualmente notificações electrónicas pelo portal ViaCtt, verificar que na sua página da Autoridade Tributária está tudo a verde, e de um dia para o outro fica tudo a vermelho e só então a saber que tem uma execução fiscal por falta de pagamento de uma prestação do IMI, cuja nota de cobrança não foi enviada pelo correio para o representante fiscal, nem para o portal ViaCtt.

Conforme se pode verificar pela foto acima, a última notificação enviada ao contribuinte através do referido portal foi a nota de cobrança relativa à primeira prestação do IMI, em 30/04/2022, e a notificação seguinte que surge é a relativa à instauração da execução. Esta inicia-se não porque a anterior não tenha sido paga a tempo e horas, mas porque a segunda prestação, da qual não houve notificação para cobrança e cujo pagamento terminava no final de Agosto, não foi enviada ao contribuinte.

É claro que quando o contribuinte se apercebe do que está a acontecer fica fulo, protesta, o que de nada lhe serve, até porque está longe, e vai pagar. Só que aqui também tem de contar com as custas da instauração da execução, que são mais umas dezenas de euros. Para o mesmo bolso.

De outras vezes, é a liquidação do imposto que nunca mais é feita para pagamento do que é devido por o contribuinte ter ficado na partilha com mais do que lhe seria atribuído, visto que nenhum dos outros herdeiros quer o mono. O notário não envia os documentos para registo sem o recibo da AT e esta só remete a guia para pagamento tarde e a más horas, pelo que quando o registo é feito na Conservatória escoaram-se os sessenta dias e aquele já vai fora do prazo, havendo que pagar a multa. 

E de nada serve escrever através dos canais disponíveis, porque as respostas e os esclarecimentos sempre tardam, quando não são simplesmente ignorados, e não são os funcionários quem faz as leis ou respondem pelo mau funcionamento do sistema.

No fim, como habitualmente, quem se trama sempre é o contribuinte.

Para que a máquina continue a sacar aos diligentes e cumpridores enquanto a canalha que andou a roubar o país goza a reforma nas "Comportas", faz ski em Val d'Isère com o salário mínimo nacional, ou vai comendo uns percebes e umas lagostas na Ericeira e n' O Pescador nos intervalos dos julgamentos.

A empresa, essa desconhecida

José Meireles Graça, 15.09.22

Uma das tragédias da governação socialista, a nossa e a de outros, é que o legislador não tem a mais remota ideia do que é uma empresa porque se convencionou que o saber de experiência feito é limitado se não estiver aureolado de respeitáveis albardas académicas – que o empresário com frequência não tem, quem tem sendo quem fez carreira na Academia ou na advocacia. Distintos economistas, advogados e funcionários públicos são quem legisla – a ficção jurídica através da qual se imagina ser o legislador sábio é isso, uma ficção.

Um empresário, se chegar a lugares decisórios no aparelho de Estado, ou o é de grandes empresas ou conglomerados que, por terem amplíssimos quadros lhe podem libertar o tempo – não conheço nenhum caso em Portugal; ou vive à sombra do Estado, que é cliente, patrono e amigo – mas é empresário apenas no ramo do tráfico de influências, que não tem grande utilidade social; ou faz parte dos corpos gerentes de empresas majestáticas (incluindo portanto bancos), que não são o meio adequado para apreender senão uma versão limitada, e frequentemente distorcida, dos mecanismos da concorrência e do capitalismo.

As coisas, na prática, são ainda piores: um grande e merecido sucesso no mundo das empresas não garante a lucidez necessária para a conquista e manutenção do poder em sociedades democráticas, bem mais complexas do que qualquer empresa. Consultar um empresário bem-sucedido sobre questões sociais, por exemplo, costuma ser um exercício frustrante por as respostas virem embrulhadas geralmente em doses consideráveis de ignorância e suficiência – quase nunca tão graves como as que se recebem de qualquer demente esquerdista, mas ainda assim descoroçoantes. Lembro-me do saudoso Eng.º Belmiro de Azevedo que, numa entrevista, perguntado sobre as reformas naquele momento necessárias, se deteve numa extensa análise do organograma do Governo, que achava uma questão importantíssima, a seguir debitando a vulgata do que então o PSD defendia para o país.

É um lugar-comum dizer-se que em Portugal há uma maioria sociológica de esquerda, e é vulgar desprezar-se a afirmação porque os lugares-comuns se desprezam. Este, porém, é sólido como uma rocha, e é nela que se firma o desprezo pela empresa e pelo empresário – é o que temos.

E então, este palavreado sumário vem a propósito de quê? De coisa pouca: alguns parágrafos de um Relatório de Gestão de uma empresa verdadeira – uma dos milhares cuja realidade o ministro da Economia desconhece e a mefistofélica figura do SEAF (ou melhor, a estrutura inquisitorial à qual, com um sorriso de beatitude, preside) perseguiu. Estas duas personagens, lamentáveis cada uma a seu modo, são apenas duas faces visíveis do problema. O resto não é melhor.

Eis os parágrafos em questão:

Cumpriu-se em 2021 o PER que no ano anterior foi induzido pelos abusos da Fazenda Pública, nos termos que constam do Relatório anterior.

Uma consequência inesperada dessa circunstância é a recusa, na prática, de financiamentos por parte da Banca, até mesmo do capital circulante, sem que jamais se consiga obter por escrito a fundamentação de decisões negativas em que o verdadeiro motivo conste. Esse apenas é comunicado informalmente, do que decorre que o espírito dos PERs é subvertido por a intenção do legislador não ser que no âmbito de tais processos as dificuldades sejam artificialmente maiores do que seriam em circunstâncias normais.

Isto explica que não se tenham registado quaisquer encargos financeiros – não existem porque também não existiram financiamentos. A situação tem sido resolvida com recurso à compreensão de clientes e fornecedores, tanto e tão bem que foi possível registar um crescimento de proveitos superior a 20%.

Correio spam

José Meireles Graça, 23.06.22

Na minha caixa de correio electrónico tinha hoje a seguinte mensagem da Autoridade Tributária:

“Caro(a) Contribuinte

JOSE MARIA FERREIRA DE MEIRELES GRAÇA

NIF: xxxxxxxxx

Habilite-se aos sorteios Fatura da Sorte

Peça para colocar o seu número de contribuinte (NIF) em todas as faturas. 

Consulte os seus cupões no Portal das Finanças em e-Fatura/Fatura da Sorte.

Sorteio extraordinário

Dia 30 de junho, vai realizar-se o primeiro sorteio extraordinário "Fatura da Sorte" de 2022.

Prémios

Serão sorteados três prémios no valor de 50.000 € cada e o habitual prémio do sorteio regular semanal, no valor de 35.000 €.

Os prémios são constituídos por "Certificados do Tesouro da emissão em curso".

Utilize o Portal das Finanças. Evite deslocações. 

Com os melhores cumprimentos,
Autoridade Tributária e Aduaneira”

De pronto redigi a resposta, que não seguiu porque o endereço é “Não responder a este email info@at.gov.pt

Vai por aqui, e é do seguinte teor:

A ideia de que o cidadão deve colaborar na estatização da vida social é totalitária e mesquinha. Quem a subscreve merece a mesma indiferença que se deve guardar para a opinião pública, se se tratar de um cidadão comum, o desprezo das pessoas de bem, se se tratar de um responsável político, e a compreensão pelas necessidades abjectas da sobrevivência, se se tratar de um funcionário.

Não retribuo os vossos cumprimentos, aliás anónimos, e ficaria grato se a “Autoridade Tributária e Aduaneira” (só a designação já é um programa) se abstivesse de me poluir a caixa de correio com as suas revoltantes manifestações de intromissão na vida privada.

Prá gaveta

José Meireles Graça, 02.08.21

A gaveta do título há muito está cheia e é portanto um artifício retórico, toda a cangalhada que recebo pelo correio guardo em pastas e o que venha interneticamente não imprimo, no louvável propósito de poupar as florestas. Do texto que segue, que enviei hoje para um e-mail qualquer da Autoridade Tributária, suprimi nesta transcrição partes que não interessam para a economia da história, bem como nomes.

"Boa tarde.

Na sequência de um pedido de atendimento presencial, para esclarecimento do significado do V/ enigmático ofício (cópia em anexo, ficheiro IRS2020Reembolso.pdf), cuja resposta, por e-mail de 29 de Julho último, transcrevo abaixo, dirigi-me hoje pelas 11H00 à repartição da AT em Fafe.

Notas:

  1. O funcionário que atendeu ignorava tudo sobre a marcação e pretendia saber qual a secção desejada. Inteirado de que eu não estava ao corrente do organograma da repartição, mas que o assunto tinha a ver com IRS, foi, de posse do meu cartão de cidadão, consultar um colega, que informou tratar-se de contencioso;
  2. Na secção respectiva um outro funcionário, após pesquisa no computador, esclareceu que se tratava de uma penhora por uma senhora agente de execução, e que os detalhes estariam no Tribunal de Comércio de Guimarães. Do que constava no processo extraiu cópia, que anexo (ficheiro PenhoraIRS2020.pdf), que contém as informações de que careço, excepto as coordenadas da senhora agente de Execução, na presunção decerto de que esta teria informado directamente o penhorado. Coisa que não fez, talvez por achar que a AT o faria e por estar eventualmente assoberbada, um grande contratempo que aflige igualmente a AT, o Tribunal de Comércio e as restantes repartições públicas, razão pela qual o cidadão rabeia entre elas por mor de saber a natureza exacta dos abusos e prepotências de que é vítima.

Sobram-me duas perguntas:

  1. Os Vossos funcionários não estão, ao contrário do que a lei (nº 4 do art.º 7º do Dec.Lei nº 135/99, de 22 de Abril) impõe, identificados por que razão? Não se ignora que a Autoridade Tributária é um Estado dentro do Estado, e compreende-se a natural relutância de alguns funcionários em se identificarem enquanto prestam um serviço que é tipicamente odioso, mas mesmo assim não parece aceitável que a AT, cuja actividade é regulada por leis que violam o Estado de Direito (como na inversão do ónus da prova), leve a sua marginalidade a esse Estado ao ponto de o ignorar;
  2. A informação de que necessitava, e que me foi disponibilizada, não constava do V/ ofício acima referido por que motivo? Acaso a “directora de serviços” que o assina (xxxxx xxxxxxx xxxxxxx) ignora que o site cuja visita recomenda (Portal das Finanças) é um labirinto ininteligível onde, se por milagre se encontrar alguma informação útil, é provável que esteja desactualizada? E poupa na informação porquê? Se a senhora gosta de fazer segredinhos talvez fosse apropriado significar-lhe que obrigar milhares (suponho que sejam milhares) de cidadãos a dirigirem-se a repartições para saberem o que não lhes deveria ter sido ocultado gera incómodos e desperdícios cuja medida, se alguém se preocupasse em defender o interesse público, justificaria a sua remoção para outras funções mais compatíveis com as suas competências.

Não espero, como é evidente, qualquer resposta. Nem estou habituado (contrariando mais uma vez a lei, que obriga a responder – o legislador, quando estabelece obrigações para serviços e funcionários não prevê sanções, razão pela qual garante que a lei não será cumprida) nem, quando a resposta vem, costuma estar redigida em são português, antes na língua de pau que tem curso nos coutos da Administração Pública.

José xxxxx xxxxxxxx xx Meireles Graça

Cont. nº xxxxxxxxx"

 

 

 

Sociedade perfeita

José Meireles Graça, 14.10.20

Cristina Ferreira perguntou aos admiradores, que são inúmeros e incluem Sua Excelência o senhor Presidente da República, se calculavam até que horas seria ela capaz de aguentar os saltos altos, ontem.

A notícia é omissa quanto ao momento em que Cristina pôde calçar umas confortáveis pantufas, imagina-se que com pompons, decerto porque havia outra matéria assaz mais preocupante, e que era o inacreditável desplante de se apresentar em público com um cinto da Gucci posto ao contrário.

Fosse eu o responsável em Portugal daquela prestigiada marca e isto teria consequências: como é que se podem impingir aquelas piroseiras às donas de casa que invejam a vida dos famosos se gente de representação põe os gês de cabeça para baixo? Está mal.

O assunto justifica indignação mas como, por indesculpável idiossincrasia, o tema modas, bordados e tretas sortidas não me atrai tanto quanto ao Professor Marcelo, tive a fraqueza de me preocupar com esta denúncia do velho senador Mota Amaral.

O Governo Regional dos Açores quis dirigir-se aos eleitores significando-lhes à superfície umas maravalhas sobre o processo de voto em mobilidade para as próximas regionais de 25 de Outubro, na realidade lembrando o extremoso cuidado que aquele órgão dedica às ovelhas que pastoreia.

Fê-lo, porém, através de mensagem da Autoridade Tributária, porque esta sabe muito bem onde mora toda a gente, e toda a gente lhe presta atenção, não vá vir a caminho uma multa, uma penhora, um aviso, uma ameaça, um abuso, tudo com a garantia, de que a “Autoridade” dispõe, de ser inimputável e inapelável.

Está de parabéns o Governo Regional e os ignotos dirigentes locais da AT (que, incidentalmente, gente excessiva como eu achará que deveriam ser expedidos para a condição de aposentados compulsivos, por manifesta incapacidade para compreenderem os limites da sua função).

De parabéns porque a ideia pode ser aproveitada no plano nacional. Por mim, encararia como uma evolução natural que, com base nas informações que tem sobre despesas com a saúde e a alimentação, a AT prodigalizasse recomendações sobre bons hábitos alimentares e vida sadia. E é claro que outros organismos públicos que se ocupam do bem-estar das populações, e que têm dificuldade em passar as mensagens e preocupações inerentes ao seu múnus, como a “Autoridade” Nacional de Emergência e Protecção Civil e a GNR, também poderiam recorrer aos músculos da AT

Isto como primeiro passo para benefícios fiscais para quem tivesse uma vida exemplar, e castigo para os restantes.

Não podemos recuar no caminho de uma sociedade perfeita.

A Inquisição e os Deuses

José Meireles Graça, 26.08.20

A Inquisição Portuguesa foi fundada em 1536 e durou até 1821. O último executado terá sido o jesuíta Malagrida, em 1761, sob pretextos religiosos mas na realidade por ser opositor ao bom do Marquês de Pombal, que tinha uma inclinação muito marcada para fazer equivaler os seus inimigos aos da Coroa, e a todos dispensar castigos espectaculares, que já na altura eram, nos países civilizacionalmente mais adiantados, considerados bárbaros (Voltaire era vivo, e aliás escreveu sobre a execução do padre italiano; e Edward Gibbon iria, pouco depois, publicar o seu Declínio e Queda, uma história magistral onde, lateralmente, a Igreja Católica saía mal ferida).

Portugal não foi pioneiro na criação do hoje execrado organismo, e aliás a sua mão foi de início forçada, à boleia de um contrato de casamento no complicado xadrez político da época; e nem a Inquisição se distinguia, nos seus processos, da barbárie das instituições penais do tempo, nem era compreensível como um poder independente do do Estado, isto é, do Rei, nem a rasoira do pensamento único era um exclusivo dos países católicos.

A tolerância teria de esperar muito tempo até ter um módico de consagração na lei e nos costumes. E convém ter presente que ela não é natural: a reacção instintiva perante a diferença é a hostilidade, porque temos isso nos genes; e a dos poderes, ontem e hoje, é a da conservação do status quo, e portanto a tentativa da eliminação do inconformismo, por ser uma ameaça potencial.

Pergunta-se: quando falamos da Inquisição estamos a falar do passado? Aparentemente, sim: ninguém corre o risco de ser torturado e queimado por causa das suas opiniões, muito menos religiosas. E o pecado de invocar o nome de Deus em vão passou de moda, porque não se invoca em caso algum, salvo como bordão de linguagem.

Mas deuses há muitos, tantos pelo menos como os modernos crimes, e estes são a ofensa à Igualdade (entre os géneros ꟷ em si mesma, a palavra, todo um programa ꟷ ou material, entre os cidadãos), à Identidade de grupo, ao direito à Indignação, o Sexismo e ser professo do Fascismo, seja lá isso o que for, antes de um extenso etc.

O desrespeito por estes deuses pode determinar hoje, nesses faróis de civilização que são os países anglo-saxónicos, a perda do emprego, em particular nos meios onde a liberdade de opinião é mais necessária, isto é, nas universidades. E, sendo as coisas como são, a mancha demoníaca e asquerosa da intolerância e do abuso chegaria cá se ainda aqui não estivesse.

Mas está, e tem nome – é a Autoridade Tributária. Trata-se de uma organização cujos membros são recompensados, como eram os familiares do Santo Ofício, pelas exacções que praticam; que ignora reiteradamente decisões judiciais, insistindo em práticas já censuradas por decisões anteriores; cujas decisões só podem ser contestadas por quem tiver meios para pagar, primeiro, e esperar, depois; e cujo Grande-Inquisidor, invariavelmente um sinistro frade menor que é ou julga não ser um socialista, é apreciado não pelo respeito que impõe que os serviços (isto é, os esbirros) tenham pelos contribuintes, mas pelos volumes de receita que consegue extorquir.

Esta história é exemplar: A Segurança Social cometeu um erro que nada tem de inocente (os erros da Segurança Social consistem invariavelmente em não pagar o que deve, não o fazer tempestivamente, ou ser impermeável a críticas e inacessível a reclamações – características que partilha com boa parte da Administração); o Fisco prejudicou os contribuintes porque considerou, no ano em que foram recebidas, prestações que, por serem devidas em anos anteriores, deveriam ser imputadas aos exercícios a que respeitam; os contribuintes que reclamaram viram as suas pretensões indeferidas sob pretextos capciosos (a não retroactividade das leis existe para defender os cidadãos, não o Estado); e a Assembleia da República interveio desastradamente, obrigando não a SS e a AT a entenderem-se para corrigir o torto, com juros e pedido de desculpas, mas o desgraçado do pensionista a requerer a correcção, coisa que muitos não saberão fazer, quase todos a terem de pedir ajuda, tudo dependente do prazo de 30 dias que foi arbitrariamente fixado, e sem nenhuma garantia de que aos abusos anteriores não se somem outros, incluindo o de não reembolsar.

Por que razão a Segurança Social não pagou a tempo? Quem foi responsável? Quem decidiu? Quem calou? Quem, na AT, achou bem refugiar-se em interpretações legais que ofendem o senso e a justiça?

Dito de outro modo: quem são os patifes? Não sabemos. Nem, aparentemente, os jornalistas querem saber, ou os cidadãos perguntar. Não ignoramos porém que na AT há um responsável político, que me dizem ser pessoa estimável, e na Segurança Social outro, a respeito do qual a ninguém, salvo algum fanático socialista, ocorre dizer semelhante coisa.

Não são, é claro, nada estimáveis, e ambos deveriam ser demitidos, a par de uma severa razia nos serviços.

Não acontecerá porque de um lado estão uns pobres diabos pensionistas; e do outro o Estado socialista, o principal deus moderno que até os mesmos pensionistas devem adorar.

Autoridade do Santo Ofício

José Meireles Graça, 11.10.19

E então, os leitores do Delito são fluentes em Portinglês? Pergunto porque o texto abaixo está nesse dialecto e eu não estou com vagar para traduzir para a nossa língua. É um e-mail enviado a um simpático e antigo cliente e um libelo contra o Estado de Não-Direito em que vivemos. E nele se fala da Santa Inquisição, extinta em 1821, com exagero retórico mas alguma propriedade, e não se fala de inquisidores-mores contemporâneos mas poderia falar-se se o inglês conhecesse, e estivesse interessado, em nomes, caso em que gostosamente lhe indicaria os de Manuela Ferreira Leite, ou Paulo Macedo, ou Paulo Núncio, por exemplo. De espectadores dos autos-de-fé não haveria nada a dizer senão que são muitos: dantes chamavam-se fiéis e agora chamam-se socialistas, mesmo que os próprios a si mesmos se designem, por vezes, como social-democratas ou democratas-cristãos – a língua é muito traiçoeira e a inveja e a cupidez muito humanas.

Hi xxxxxx.

I’m afraid things didn´t turn out for the best. I can’t remember if I’ve ever reported the exact nature of our problems but, just for what it is worth, the story goes like this:

The all thing begun with a blitzkrieg from the fiscal authorities in July 2018, its main steps having been:

i) Seizure of every raw materials and components in existence as of 31st December 2017. Most of it had of course been consumed in production during the previous six months and therefore one is at loss for figuring out the logic or even the sense behind this procedure. Seizure as well, from time to time, of certain components, based on respective delivery notes, a short time after its reception. The procedure makes no sense whatsoever because most of the components are specific to our models and therefore of no use or utility for anyone else;

ii) Seizure of every debt of Portuguese customers, summoned to pay directly to the authorities instead. This entailed a very serious reputation damage indeed, on top of the corresponding drainage of funds;

iii) Seizure of the monthly refund of VAT. This company used to export to the tune of around 90% of its production, charging no VAT, and was therefore entitled to recover most of the VAT she had paid to her Portuguese suppliers. Why on earth does the fiscal authority assume it would be possible to survive with such a permanent and huge drainage of funds defies imagination;

iv) Seizure of the refund of one part of the advanced corporate tax paid last year (it would be tricky to explain exactly the meaning of this, we skip it instead);

v) Seizure of banking accounts, stripped bare;

vi) Seizure of every company cars, including the summoning to deposit respective circulation documents to the fiscal authority in a very short delay;

vii) More than 100 different subpoenas for all these and other alleged malfeasances, fines, supposedly due income tax and VAT, interests, the works.

All this based on the assumption that there were in 2014 sales in excess of 200 complete cold rooms without being invoiced, and skipping therefore the payment of respective VAT. There isn’t any sound basis for this charge, nor any proof other than presumptions, but the all craziness is allowed by the fiscal law, which nowadays gives inspectors powers tantamount to a modern Inquisition and rewards them accordingly.

We were therefore forced to file for bankruptcy, which was declared on the 26th July last. All the firm’s assets are then being liquidated, a lengthy process I imagine, unlike in England.

So long, xxxxxx. Thanks for all your kind gestures and attention.

Perguntas ao Estado Socialista

José Meireles Graça, 03.08.19

Pode o Fisco, num curto espaço de tempo, e baseado em presunções delirantes, sem um único resquício de prova:

 

i) Penhorar os créditos sobre clientes nacionais, intimando estes, sob ameaça de raios e coriscos, a pagar ao Fisco o que devem à empresa sob ataque?

ii) Penhorar todos os veículos automóveis, impedindo o transporte de pessoal e mercadorias?

iii) Penhorar as matérias primas e componentes existentes no ano anterior, já consumidas, e o recebido de fornecedores, semana a semana, impedindo a transformação em produtos acabados?

iv) Cativar a restituição de IRC pago a mais no ano anterior?

v)  Cativar o acerto de contas do IVA, por a empresa exportar cerca de 90% da produção, e não poder debitar IVA a estrangeiros mas suportá-lo nas compras, o que cria permanentemente créditos sobre o Estado? Mais:

vi) Pode a empresa recorrer aos tribunais, sem pagar a fortuna que lhe é exigida ou apresentar garantias, que não tem? E,  

vii) Finalmente, pode o tribunal decretar a insolvência, a requerimento de um sindicato (mas podia ser qualquer fornecedor ou banco credor), ignorando os factos acima, denunciados no processo?

 

A resposta a todas estas perguntas, já se vê, é sim, excepto para a penúltima.

 

Sobram algumas perguntas novas e uma dúvida. As perguntas:

 

1. Que acontece às simpáticas duas inspectoras que estão na origem do processo, e a quem nelas superintende?

2. Que acontece aos trabalhadores?

3. Que acontece aos credores?

4. Que acontece às máquinas, às existências e ao edifício?

5. Que acontece aos sócios?

 

Esclareço, com o louvável propósito de satisfazer a incontrolável curiosidade dos leitores: 1) Ficam com uma nota positiva no currículo, e talvez gratificação – o desempenho dos funcionários do Fisco mede-se pelo combate à evasão fiscal, e portanto pela quantidade de autos de notícia que levantam; 2) Vão para o desemprego, primeiro, e a seguir para a reforma ou um novo emprego; 3) Ficam a arder e, se andarem da perna com as papeladas e reclamarem a tempo, poderão vir a considerar as perdas como custo, não pagando portanto IRC sobre o que nunca receberam; 4) Será tudo vendido ao preço da uva mijona, como é normal em insolvências, e é improvável que o produto da venda chegue para os credores, salvo os trabalhadores e, talvez, parte da dívida bancária; 5) Perdem a empresa e o capital e ficam com a responsabilidade da parte da dívida titulada por garantias pessoais – no caso, muito significativa.

 

A dúvida: Não há ligação nenhuma entre estes abusos, que configuram claríssima negação do Estado de Direito, e a condição de público inimigo da escumalha infecta que nos governa, que é a do discreto autor?

 

Não sei.

O cobrador do fraque

João Sousa, 28.05.19

Famílias fora de prazo

Teresa Ribeiro, 21.09.17

 

 

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Num país onde o desemprego atinge sobretudo os maiores de 50 e os que procuram o primeiro emprego, os casos de pais desempregados a coabitar com filhos adultos que ainda não entraram no mercado de trabalho aumentaram exponencialmente. Mesmo assim o fisco, quando os descendentes chegam aos 25 anos, não perdoa e declara-os... independentes.

Quando tanto se fala de apoio à família, esta realidade é varrida para debaixo do tapete. Maior de 25 que viva à custa dos pais é uma não-pessoa. Não conta para o agregado familiar, nem pode apresentar despesas para incluir no IRS dos pais. A regra já existia, mas ao contrário de outras que também existiam e já foram mudadas, nesta não tocaram nem com uma flor.  Era o mínimo a conceder às famílias que se tornaram disfuncionais em consequência do esbulho fiscal e destruição de emprego. 

 

E em Portugal?

Pedro Correia, 02.08.17

A justiça espanhola tem vindo a apertar o cerco à evasão fiscal no futebol, que durante décadas passou impune. Sem poupar sequer os grandes astros da modalidade.

Lionel Messi foi condenado - com sentença já transitada em julgado - por defraudar a administração tributária em 4,1 milhões de euros. Por sua vez, Cristiano Ronaldo está a ser ouvido num inquérito a propósito da suposta fuga ao fisco num valor de 14,7 milhões de euros relativos a direitos de imagem.

Impõe-se a pergunta: quando terá a justiça portuguesa oportunidade ou coragem para investigar todos os contratos dos jogadores de futebol profissional?

Os maus exemplos

João Campos, 19.01.17

Imagine que vai a um restaurante jantar com amigos. Senta-se à mesa, escolhe do menu a refeição, engana a fome com pão e manteiga, delicia-se com o prato escolhido e o vinho que o acompanha, e atreve-se ainda a uma sobremesa. No final, quando o empregado de mesa lhe traz a conta, paga e pede uma factura. "Dá jeito para o IRS", comenta de passagem. Ao que o empregado lhe responde que tem todo o direito à factura mas que não lha pode dar ali, no acto do pagamento. Pode, sim, dar-lhe um formulário postal que deverá preencher e enviar pelo correio, solicitando a dita factura. Ou, em alternativa, poderá, "a partir do conforto de sua casa" (diz isto como se estivesse a sugerir o prato do dia), aceder à página Web do restaurante e, após facultar alguns dados e seguir um formulário de sete etapas, e enfim obter a factura. Mas atenção: só poderá fazê-lo uma vez volvidas 48 horas sobre o pagamento, e apenas durante os cinco dias que se seguirem a essas 48 horas. 

"Mas não é obrigatório emitir uma factura se o cliente o solicitar?", pergunta, incrédulo. "É", responde o empregado, sempre a sorrir. "E emitimos. Basta enviar este formulário, ou aceder ao site."

. . .

 

Imagine que se dirige a uma loja de equipamentos electrónicos para comprar um telemóvel. Compara a oferta dos vários fabricantes dentro dos preços que estão ao seu alcance, pondera nas vantagens e desvantagens de uma mão-cheia de modelos, conversa um pouco com a técnica de serviço para esclarecer alguma dúvida, e por fim decide-se pelo aparelho que vai comprar. Dirige-se à caixa para pagar, e ao efectuar o pagamento solicita a factura. Enquanto lhe entrega o talão de pagamento e o recibo da garantia, a empregada diz-lhe que não é possível dar-lhe a factura ali, mas que poderá preencher o formulário que pode encontrar ali ao balcão para solicitar a factura pelo correio ou, em alternativa, poderá aceder à Internet, preencher o formulário de sete etapas que se encontra no site da loja, e descarregar a factura. "Até pode fazê-lo a partir deste telemóvel", graceja, sem no entanto deixar de o alertar que só poderá obter a factura por esta via 48 horas após o pagamento (nunca antes), e apenas durante os cinco dias que se seguem a essas 48 horas. 

"Mas se eu estou a pagar agora, por que motivo não posso ter já a factura?" pergunta, já sem conseguir disfarçar a irritação. 

"Porque o nosso sistema informático não permite a emissão de facturas imediatamente após o pagamento", esclarece a empregada, no tom exacto de quem está a repetir um matra pela enésima vez nos últimos dias. "Por isso poderá fazê-lo pelo correio, ou a partir do conforto de sua casa".

. . .

 

Será perfeitamente normal que o leitor ou a leitora considere qualquer uma das situações acima descritas como absurda. Nestes dias de voragem fiscal da Autoridade Tributária (o nome já é todo um programa), qualquer estabelecimento comercial privado legal que não tenha em funcionamento um sistema de emissão de facturas e que as emita a pedido do cliente teria o Fisco, a ASAE e sabe-se lá que mais Autoridades à perna para o habitual bullying tributário. Nestes tempos em que o Estado incentiva os contribuintes a solicitarem factura por tudo e mais alguma coisa (até podem ganhar prémios, veja-se bem), qualquer estabelecimento que se recuse à emissão da facturinha será decerto falado nas redes sociais pelos piores motivos. No entanto, e como não podia deixar de ser, o mau exemplo vem de cima: se o leitor ou a leitora for utente dos Transportes de Lisboa, que tanto quanto sei ainda é uma empresa pública, não poderá obter uma factura no acto do pagamento, seja este feito nas máquinas automáticas que encontramos nas estações do Metro ou nos balcões de atendimento do Metro ou da Carris: terá de preencher um formulário para solicitar a factura pelo correio, ou aceder a uma página Web, seguir um formulário de sete etapas e descarregar enfim a dita factura (mas só poderá fazê-lo 48 horas após o pagamento, e apenas durante os cinco dias que se seguirem). O motivo, conforme me explicou hoje um funcionário do Metro, é simples: em pleno 2017, ano em que todos transportamos no bolso aparelhos com maior capacidade de processamento do que a nave espacial que levou três astronautas à Lua em 1969, o software das máquinas automáticas e dos balcões de atendimento não está preparado para algo tão básico como... a emissão de facturas.

 

Que o Estado continue a permitir às empresas públicas aquilo que não permite às privadas dificilmente irá surpreender alguém nos dias que correm. O que espanta é que se ache isto normal

E ninguém é punido?

Sérgio de Almeida Correia, 08.09.16

"A Administração Fiscal está cega de mais na tentativa de arrecadar receita, deixando empresas e famílias exauridas"

Durante anos, enquanto vivi em Portugal, denunciei estas situações, lutando dentro e fora dos tribunais contra a actuação negligente do fisco, por vezes mesmo dolosa, como tive oportunidade de ver em várias ocasiões, envolvendo contribuintes singulares em processos tributários. Os tribunais administrativos já há muito que vinham sancionando, com custos que depois são pagos por todos os contribuintes, essas actuações no mínimo questionáveis do "monstro fiscal" que aquele senhor que foi ministro da Saúde criou e desenvolveu.

Fico satisfeito por ver que os nossos magistrados continuam atentos e que são capazes de elevar a voz contra essa ignomínia que a todos empobrece. Mas confesso que só descansarei quando o Estado assumir, como qualquer pessoa de bem, a responsabilidade pelos desmandos e começar a punir, se possível no bolso, que é onde dói mais e sem custos adicionais para os outros contribuintes, quem dentro da máquina fiscal permite a recorrência no arrastamento de processos vergonhosos, e que nada faz perante casos concretos que são levados à sua apreciação só para (corporativamente) não contrariar quem tem o processo à sua guarda. 

Ir fazendo sem alarido

Sérgio de Almeida Correia, 19.12.15

Sobre o que então pensei da oferta de carros pelo fisco já me tinha pronunciado. A sério, meio a brincar e a gozar. Por isso fiquei admirado quando li isto. Mas agora parece que a estupidez vai ser efectivamente corrigida.

A notícia da LUSA de que vários jornais dão conta esta manhã  (incluindo o Observador, como os mais cépticos das minhas fontes poderão confirmar) sobre o fim da oferta dos automóveis de uma marca que fazia as delícias de um motociclista do anterior Governo, e que o fisco andou a oferecer para que uma empresa privada pudesse ir ganhando algum dinheiro à custa dos contribuintes, é para mim motivo de satisfação e um sinal de como as coisas devem ser feitas. Ao oferecer certificados de aforro o Estado mostra como se deve comportar no combate à evasão fiscal, ao mesmo tempo que deixa de favorecer uma empresa em particular para favorecer todos. Diminui-se a factura energética e poupa-se no ambiente, em termos insignificantes é certo, mas dá-se um sinal aos portugueses no sentido do estímulo à poupança. De qualquer modo, uma solução que acabasse já com a oferta dos automóveis, em vez de relegá-la para Abril, seria para mim a ideal.

Uma saga

Sérgio de Almeida Correia, 20.06.15

Depois do que noutras ocasiões se relatou, nomeadamente  em 29/05/2015 e em 06/06/2015, relativamente ao mau funcionamento da máquina fiscal, importa aqui dar conta de mais uma situação da qual os contribuintes são vítimas. A forma como os seu direitos são actualmente espezinhados pelas modernices do sistema é sinal dos tempos conturbados que se vivem e um aviso quanto àquilo que se poderá esperar se os cidadãos não agirem, se os contribuintes se mantiverem conformados e pacientes perante a asfixia que lhes é imposta, e não se mostrarem capazes de exercer os seus direitos de cidadania perante toda a actuação prepotente e abusiva de uma máquina fiscal e administrativa que não tem rosto e nada quer saber dos direitos daqueles que a pagam. Sim, porque os outros, os que não pagam nem querem pagar, estão protegidos nos paraísos sem rosto onde a mão dos cobradores do Terreiro do Paço não chega.

Confrontados com a necessidade de nomearem representantes fiscais em Portugal, para poderem acautelar a defesa dos seus direitos durante a sua ausência do país, dois cidadãos residentes no estrangeiro contactaram nesse sentido a Administração Fiscal. Verificada informaticamente a sua situação, através do tenebroso sistema, foi-lhes dito que não poderiam fazê-lo, porque primeiro teriam que alterar a respectiva residência nos documentos de identificação através dos serviços consulares do país de residência. Até aí tudo bem.

Mas sucede que uma coisa que faz todo o sentido, e é ela própria reveladora do sentido que os cidadãos têm do cumprimento das suas obrigações, deixa de fazer sentido se tal for transmitido a quem procedeu à referida alteração em Agosto de 2014 e em Março do corrente ano, junto dos referidos serviços consulares, e a verificação da inexistência das alterações atempadamente concretizadas ocorre em Junho de 2015. Gente que depois de solicitadas as alterações, passados alguns dias, recebeu pelo correio nas suas moradas no estrangeiro as notificações respectivas com os códigos confirmativos das mudanças, deslocando-se então de novo aos serviços consulares, com prejuízo das suas obrigações profissionais, para que houvesse lugar à inserção dos referidos códigos, de maneira a que se tornasse efectivo o que fora solicitado.

Face à incapacidade do moderníssimo sistema para colaborar com os contribuintes, a solução encontrada pelos serviços tributários foi à moda antiga: levar os códigos das alterações para se verificar o que se passava ou, então, declarações assinadas pelos próprios a nomear os seus representantes fiscais, em papel, as quais deveriam ir acompanhadas das fotocópias da praxe (cartões de cidadão e documentos que atestem as alterações).

O problema acabaria por ser solucionado dias depois, por um terceiro que a pedido dos contribuintes ausentes ficou com o encargo de ir regularmente confraternizando com a Administração Fiscal, tendo o sistema finalmente assumido as novas moradas e as representações fiscais.

Da chatice e dos incómodos não se livraram os contribuintes cumpridores, sublinho esta última parte, nem quem lhes tratou do assunto. Mas é assim que andamos. Entre o bom oó que um senhor com o ego mais do que satisfeito da política recomenda aos  jornalistas e as "reformas" dos zelosos funcionários que o centrão, desde há décadas, se encarregou de profissionalizar na política.

Factos são factos, não são fatos

Sérgio de Almeida Correia, 06.06.15

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Uma das virtudes da ortografia do português pré-Novo Acordo Ortográfico é que não permite substituir factos por fatos. Qualquer que seja a roupagem, aquilo que constitui um facto é imutável. Ao contrário dos fatos que se vestem e despem à medida das circunstâncias e conveniências, um facto está temporalmente situado, sabe-se o que estava antes e o que vem depois, o que em nada altera a respectiva natureza. O combate à evasão fiscal não é uma tendência, será uma necessidade, eventualmente uma contingência destinada a baralhar as contas eleitorais, mas não é um facto. Se fosse um facto seria escusado perder tempo a escrever estas linhas e bastar-me-ia mudar de fato, dirigir-me ao Coliseu dos Recreios e aplaudir o primeiro discursante que aparecesse. Hoje vou retomar o tema com uma nova experiência que, depois da ignorância revelada pelos responsáveis sobre o que se passava com a lista "VIP", dá conta de mais uma "reforma" em matéria fiscal, desta feita na área do arrendamento. Vejamos os factos. 

Em final de Maio de 2015 foi celebrado um contrato de arrendamento, cujo início de vigência ficou estipulado para 1 de Julho de 2015. Os senhorios, como resulta da lei, ficaram com o ónus de comunicarem a celebração desse negócio ao Fisco e de liquidarem e pagarem o respectivo imposto de selo. Nos termos da "reforma" operada na Administração Fiscal, os contratos de arrendamento deixaram de ser celebrados em triplicado e a comunicação e registo dos contratos e seus elementos essenciais passou a ser feita pelos contribuintes directamente no Portal das Finanças.

No caso em apreço, os senhorios são casados no regime da separação de bens. O cônjuge marido, através da sua página electrónica, procedeu ao registo do contrato e de imediato foi gerada pelo sistema uma guia para pagamento de metade do valor devido ao imposto de selo (verba 2), isto é, correspondente a 5% do valor da renda. Logo de seguida, esse mesmo contribuinte tentou obter a guia para pagamento do remanescente do imposto  devido, isto é, do valor relativo à metade titulada pelo seu cônjuge.

Revelando-se impossível a emissão da guia por via electrónica, através do novo portal dedicado ao arrendamento, o contribuinte, ciente das suas obrigações, cinco dias depois, contactou os serviços para saber como poderia obter a guia e pagar o imposto, uma vez que, além do mais, já constava na página electrónica do seu cônjuge a liquidação da metade em falta do imposto de selo e a indicação de que estava "em processamento". 

Às 9:58 o contribuinte obteve a sua senha e ficou a aguardar, pacientemente, a sua vez, até que pelas 11:20 vê o número da senha no painel electrónico e é direccionado para o balcão 14. Quando aí chega expõe o seu problema: registou o contrato, obteve uma guia relativa a metade do imposto de selo devido, pagou, e não conseguiu obter a guia para pagamento da outra metade. Como resposta recebe a indicação de que terá de falar com o colega do balcão 18, mas que vai ser rápido porque a sua senha será encaminhada para lá e só tem um contribuinte à frente.

Passados mais cinco minutos, o contribuinte volta a expor o problema que o levou até à repartição e acrescentou que, como não reside em Portugal, gostaria de deixar a situação resolvida antes da sua partida para o estrangeiro, na semana seguinte.

A resposta é a de que o "problema" não pode ser resolvido ali, por aquele funcionário para onde fora encaminhado, porque " o sistema não o permitia". Seria necessário falar com outro colega, o do balcão 20, e ordena: "ponha-se aí e logo que aquele senhor acabe fale com o meu colega".

Mais alguns minutos volvidos, a cena repete-se com o funcionário do balcão 20. Ou seja, a história é repetida pelo contribuinte e os papéis são mostrados, reafirmando-se a intenção de pagar o tributo de imediato. Depois de uma consulta ao dito sistema o funcionário concluiu que efectivamente a guia respeitante ao remanescente do imposto não podia ser emitida porque "o sistema é novo e não o permite". "Novo?", pergunta o contribuinte, ao que o respeitoso funcionário responde que "sim, só foi introduzido em Abril". Pacientemente, o contribuinte limita-se a dizer que se o sistema foi introduzido em Abril agora já estamos em Junho, mais concretamente a 5 de Junho, pelo que não percebia por que razão não estava já resolvido esse problema que impedia a emissão da guia na descrita situação.

O funcionário diz então que o contribuinte, embora parta na semana seguinte para o estrangeiro, não tem de se preocupar (bestial!) porque oportunamente será notificado para pagar. "Mas notificado aonde?", pergunta o contribuinte. "Na morada fiscal". Perante isto, o contribuinte volta a referir que não reside em Portugal. Logo o funcionário replica perguntando se o contribuinte não pode pedir a alguém que receba a notificação, que fique com a chave do correio, e que, se quiser, poderá deixar o dinheiro e pedir para lhe pagarem o imposto de selo quando a notificação for remetida.

O contribuinte insiste: "então não pode emitir a guia para eu pagar a parte do imposto relativa à minha mulher?". E acrescenta, exasperado: "eu não tenho que andar a pedir a terceiros para me ficarem com o dinheiro, abrirem a caixa do correio e virem pagar o imposto de selo quando eu estou aqui para pagar e quero pagar; não estou disposto a que haja um extravio ou esquecimento e depois isto acabe com coimas e a habitual execução". "Pois, o senhor tem toda a razão mas nós não temos possibilidade, nem autorização superior para poder emitir a guia e o senhor pagar. Antigamente, o contribuinte vinha cá, fazia-se a liquidação, emitia-se a guia e o contribuinte pagava, agora o sistema não permite. O senhor terá de aguardar pela notificação para depois pagar", retorquiu o funcionário.

É evidente que tudo isto seria evitável - o tempo perdido, a estupidez do sistema, o atraso na arrecadação de receita - se o schumpeteriano e inexperiente Passos Coelho não tivesse querido fazer uma reforma prussiana na Administração Fiscal com a mentalidade dos medíocres a quem incumbiu a tarefa. Em vez de uma burocracia especializada, eficaz e célere, de tipo weberiano, apta a servir os interesses do Estado e dos seus contribuintes, o que fez foi melhorar estragando o pouco que funcionava anteriormente, subsituído por "sistemas" (na Justiça aconteceu o mesmo com o Citius) que revelam a irracionalidade das decisões e a incompetência de quem dirige, coisas que seriam evitáveis se nos lugares de responsabilidade política, em vez de carreiristas profissionais e de funcionários sem visão e elasticidade mental a desempenharem funções políticas, tivesse gente qualificada que estivesse apta a desempenhar essas funções.

Com um sistema que está a funcionar desde Abril, e que terá sido pensado e testado antes, não se percebe por que razão não se solucionou um problema tão simples. Bastava que numa situação como a descrita qualquer um dos co-titulares do imóvel, nomeadamente aquele que efectua o registo do contrato no Portal das Finanças, que também não é feito por metades, emitisse a guia correspondente ao imposto pela totalidade, postulando-se a regra da responsabilidade solidária entre os senhorios co-devedores. Aquele que efectuasse a comunicação e registo do contrato seria igualmente responsável pelo pagamento. Quaisquer outras questões alheias à liquidação e pagamento do tributo seriam dirimidas no âmbito das relações pessoais entre os co-titulares.

O contribuinte em causa regressará ao seu local de residência no estrangeiro. O imposto ficará por pagar devido à incompetência de quem dirige a máquina das Finanças. O contribuinte levará consigo mais uma preocupação e ficará dependente da boa vontade de terceiros que irão, também eles, perder o seu tempo para pagar o que podia ter ficado pago a tempo e horas.

Quando uma questão destas, de tão fácil solução, leva tantos meses a ser resolvida, e sê-lo-á, como se viu, pela forma mais onerosa para o contribuinte, é legítimo perguntar se o senhor Núncio e a senhora D. Maria Luís, para além de fazerem contas de mercearia e de extorquirem o devido e o indevido aos contribuintes, sabem para que serve a máquina fiscal e se têm a noção do que é um contribuinte. Eu duvido.