25 Maravilhas - XIV
Biblioteca Nacional de Helsinquia, Finlandia
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Biblioteca Nacional de Helsinquia, Finlandia
A Finlândia ingressou hoje, formalmente, como 31.º membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Vladimir Putin, que não queria mais forças da NATO nas imediações do seu país, vê agora uma nação que partilha 1340 quilómetros de fronteira com a Federação Russa aderir à Aliança Atlântica com o apoio de 80% dos finlandeses. Duplicou, portanto, a área limítrofe entre os dois blocos: agora estende-se por 2500 quilómetros.
Consequência directa - mais uma - da brutal invasão da Ucrânia, a 24 de Fevereiro de 2022. Terá sido uma brilhante jogada estratégica, mas não de Moscovo. Putin, que aprecia praticar hóquei sobre o gelo, não revela o menor talento para os sofisticados lances de xadrez.
O PCP arrogou-se ontem o direito de desautorizar os legítimos órgãos políticos da Finlândia e da Suécia. Em Maio, os dois países nórdicos decidiram solicitar a adesão à NATO, no pleno exercício da sua soberania. Em consequência directa da agressão da Rússia de Putin à Ucrânia iniciada a 24 de Fevereiro.
Para que a adesão se concretize, tem de ser ratificada pelos parlamentos dos 30 Estados membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Portugal foi um dos últimos a fazê-lo, algo lamentável: só faltam Eslováquia, Hungria e Turquia.
Muito pior - embora nada surpreendente - foi ver o partido da foice e do martelo atrever-se a contestar tal adesão na Assembleia da República para de novo se ajoelhar perante o ditador russo, saudoso do tempo da URSS, quando orava virado para Moscovo.
A líder parlamentar do PCP rejeitou categoricamente a integração daqueles dois países na NATO, organização a que Portugal pertence, argumentando que isso «aumentará a tensão» na Europa. Uma vez mais, sem um sussurro de condenação das atrocidades russas nestes mais de duzentos dias de invasão da Ucrânia.
Pelo contrário, Paula Santos mencionou o «processo de alargamento da NATO para Leste» como causa imediata da guerra. Coincidindo com a narrativa oficial do Kremlin.
A ratificação passou no hemiciclo, com o apoio da esmagadora maioria dos deputados, merecendo o voto favorável de seis partidos ali representados: PS, PSD, Chega, IL, PAN e Livre.
Mas o PCP não ficou sozinho: foi acompanhado no voto contra pelo Bloco de Esquerda, que desta vez deixou cair a máscara.
«A história da NATO é uma história de guerra e da agressão contra os povos», bradou a deputada bloquista Joana Mortágua. Falando, também ela, como se Portugal não integrasse esta organização. E fazendo coro natural com Mariana Mortágua, sua irmã gémea e parceira de bancada parlamentar.
Lembro que em Fevereiro, na SIC-N, Mariana rendeu-se de tal maneira às posições russas que chegou a justificar a iminente agressão à Ucrânia, ainda antes de se consumar, porque Putin estaria a «sentir o seu espaço vital a ser ameaçado» - argumento similar ao das hordas nazis na invasão da Polónia que originou a II Guerra Mundial.
A posterior retórica desalinhada do BE foi meramente táctica, como a votação de ontem confirmou. No momento da verdade, comunistas e bloquistas convergiram no chocante desrespeito pela autodeterminação da Finlândia e da Suécia.
Gostaria de saber como reagiriam se deputados destes países, adoptando a mesma lógica, colidissem com decisões soberanas do parlamento português.
Dois Estados europeus puseram de parte a histórica neutralidade que cultivavam. Suécia e Finlândia assinaram acordos de defesa com o Governo britânico, levando Boris Johnson a viajar ontem a Copenhaga e Helsínquia para esse efeito. Passam a ficar sob a protecção do Reino Unido, potência nuclear e membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ninguém duvida: trata-se de uma etapa que antecede a próxima adesão daqueles países à Aliança Atlântica.
É uma consequência inevitável da agressão de Putin à Ucrânia, iniciada a 24 de Fevereiro sob a delirante alegação de que a Rússia estava a ser «cercada pela NATO». Acontece que a Ucrânia não é nem nunca foi membro desta organização. Se o paranóico tirano de Moscovo já sentia uma absurda sensação de cerco, imagine-se como será a partir de agora, com mais um país vizinho integrado na Aliança Atlântica: a Finlândia tem uma extensa fronteira de 1340 km com a Rússia e 900 mil reservistas prontos para serem mobillizados em caso de confronto militar.
Nada disto era sequer imaginável no início deste ano.
Em Fevereiro, uma sondagem divulgada pela televisão estatal finlandesa Yle revelava algo inédito. Havia enfim maioria de opiniões favoráveis à integração do país na NATO: 53% disseram que sim, 28% recusaram tal cenário. Em Março, a percentagem subiu para 62%, enquanto as recusas caíam para 16%. Agora, a diferença torna-se esmagadora: 76% dos interrogados pelo mesmo canal televisivo declaram-se a favor da adesão, com apenas 12% a rejeitá-la.
Eis outra «conquista» de Putin, que vai somando derrotas em todos os campos: político, militar, estratégico, diplomático, económico, financeiro, comunicacional, reputacional. No 78.º dia da agressão do Kremlin à martirizada Ucrânia, renova-se um antigo preceito moral: o crime não compensa. Mesmo quando é cometido ao som dos tambores de guerra.
O Presidente da República, Cavaco Silva, queria que Portugal seguisse o bom exemplo finlandês. Pedro Reis, aquele guru que foi presidente da AICEP e entretanto se mudou para o BCP Capital, dizia que a Finlândia é um país "que teve que sair de situações complicadas e reconstruiu uma economia e atingiu patamares de sofisticação que são uma referência para o que p[o]demos fazer em Portugal". Três anos depois de ter reconstruído a economia e atingido esses "patamares de sofisticação", a Finlândia está à beira da saída do Euro, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros diz que nunca deviam ter entrado nesse clube, a União Europeia aponta o país como aquele que será o mais fraco em 2017, com um crescimento que será, vergonhosamente, metade do grego, e o seu governo prepara-se para, "à boa maneira socialista", distribuir dinheiro pelo povo, em cacau sonante: 800 Euros por mês a cada cidadão. Para quem tanto criticava as políticas sociais da esquerda e a política de distribuição de rendimentos a "ociosos", não há nada como ver estes exemplos que nos chegam do conservadorismo liberal, nacionalista e xenófobo.
Como há dias dizia o Presidente da República, "a realidade acaba sempre por derrotar a ideologia". E a estupidez, acrescento eu.
Alexander Stubb, o ministro das Finanças finlandês, esteve em destaque durante a sequência de reuniões do Eurogrupo sobre a questão grega. Interventivo, adepto do Twitter, sem papas na língua a reflectir as reservas dos seus concidadãos (diz-se, ainda assim, ter sido bastante mais comedido nas declarações em inglês do que nas que emitiu em finlandês), merece-me esta nota por algo que pouca atenção despertou em Portugal.
Cai-Göran Alexander Stubb foi deputado ao Parlamento Europeu entre 2004 e 2008, ministro dos negócios estrangeiros entre 2008 e 2011 e ministro dos assuntos europeus e do comércio externo entre 2011 e 2014. Em Junho desse ano, Jyrki Katainen, líder do partido de Stubb e primeiro-ministro, demitiu-se. Stubb assumiu ambos os cargos. Nas eleições de Maio último, o seu partido obteve apenas o segundo lugar no número de votos e o terceiro no número de assentos no Parlamento. Na sequência das negociações que se seguiram para a formação do governo, Stubb transitou do lugar de primeiro-ministro para o de ministro das finanças.
Não estou a ver um político português fazer algo similar. Aceitar este tipo de «despromoção» num país em que até se tornou regra a demissão do líder do principal partido derrotado. Sinais de falta de maturidade democrática, dirão alguns. Certo. Mas não apenas dos políticos e não apenas «democrática»; também «social». O líder derrotado demite-se e nunca faria o que Stubb fez por muito mais do que vaidade pessoal ou crença genuína de ser essa a melhor solução para o país. Fá-lo também porque, de outro modo, perderia o respeito dos portugueses. E isto permite extrapolar para áreas que não a da política. Permite compreender como Passos está certo ao salientar o estigma que, em Portugal, tende a cair sobre os desempregados (sobre quem perde o emprego). Os portugueses gostam de discursos empolgados acerca de respeito e de solidariedade, oferecem empenhadamente um quilo de arroz ou de massa nas campanhas do Banco Alimentar contra a Fome mas, raspada a camada superficial de verniz, estão longe de constituir uma sociedade respeitadora do esforço, do risco pessoal e da consequência mais negativa destes: o ocasional insucesso.
A Finlândia é um país com cerca de 57% do PIB em despesa pública. Nos tempos que correm, pouquíssimas economias suportam valores destes (a Alemanha anda nos 44%, a Holanda nos 46%, a Suécia nos 50%), ainda por cima quando acabaram de sofrer golpes significativos (por exemplo: as sanções à Rússia fizeram cair as exportações, a Nokia entrou em queda e a sua divisão de telemóveis é hoje da Microsoft). Apesar disto, o défice público finlandês tem-se mantido abaixo dos 3%, a dívida pública está razoavelmente controlada (em 2014 deverá ter ficado em torno dos 60%) e os números do desemprego, não sendo brilhantes, não podem ainda ser considerados catastróficos (abaixo de 9%). Também o nível de poupança dos finlandeses (cerca de 19,5% do PIB) é razoável, apesar de ter vindo a descer. (Em Portugal, o trajecto é o inverso: a poupança subiu de 9% do PIB em 2009/10 para mais de 15% em 2014.) Ou seja: a Finlândia tem margem para reformas e, mais coligação, menos coligação decorrente das eleições de ontem, provavelmente os finlandeses tratarão de as implementar, como fizeram no início da década de 1990. Em Portugal, com um sistema político menos fragmentado, elas têm-se revelado impossíveis - algo que não deixará de irritar os finlandeses, se alguma vez voltarem a ter de enviar dinheiro para cá.
Quando esta manhã dei comigo a olhar para o resultado das eleições na Finlândia, país que vai a caminho do quarto ano de recessão, cujo rating baixou, que tem assistido a um aumento dos custos do trabalho, a uma diminuição da sua população e ao esvaziamento de algumas empresas-bandeira, não tendo uma pesada herança socialista, só pensei o que faria o nosso Presidente da República se fosse o Presidente da Finlândia. Recorde-se que a Finlândia tem um sistema parlamentar unicameral, que a sua Constituição foi revista em 2000, que também aí vigora a representação proporcional com recurso ao método de Hondt e que o partido mais votado nas eleições obteve 21,1% dos sufrágios válidos, correspondentes a 49 deputados num Parlamento de 200.
Se em Portugal há quem diga que o país é ingovernável sem um entendimento entre os principais partidos, e se o Presidente da República não está disposto a dar posse a um governo minoritário, que diriam da nossa democracia se acontecesse verificar-se entre nós uma situação idêntica à da Finlândia, com um sistema multipartidário bastante fragmentado e onde se prevê que as negociações para a formação do próximo governo durem várias semanas?
Para os que apregoavam o exemplo nórdico, à direita, e se preocupavam tanto em ter sempre um orçamento aprovado a tempo e horas, num país arrumadinho e obediente, às direitas, os resultados das eleições finlandesas e a abertura de mais uma frente de incerteza na Europa deveria ser motivo de preocupação. Não é por nada, mas uma situação destas é cada vez mais um cenário possível em Portugal para depois do Verão.
Para Cavaco Silva, que teimosamente recusou antecipar as eleições para se proteger da borrasca, seria um final de segundo mandato em grande, antes de ir tratar dos medronheiros. Um final em beleza a coroar a sua brilhante passagem por Belém.