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Delito de Opinião

Aldeias com histórias: Fonte Arcada

Ana CB, 22.12.23

Talvez por ter nascido em Lisboa e vivido quase sempre nos seus arredores, durante boa parte da minha vida não senti grande apetência específica por visitar as nossas (ou quaisquer outras) aldeias. Os meus pais não eram lisboetas, mas nem eles nem os meus avós tinham casas na “terra”, pelo que até à idade adulta apenas fiz esporádicas visitas a uma ou outra morada de primos afastados que viviam em ambientes mais rurais, e que nada me diziam. Foi só quando passei a viajar com regularidade por Portugal que comecei a descobrir o encanto de algumas localidades mais pequenas. Ainda assim, são poucas as que me conquistam logo nos primeiros instantes. Fonte Arcada, de que vos vou falar agora, é uma delas.

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Ergue-se sobre a margem esquerda da Barragem de Vilar, que represa o rio Távora e é a maior barragem do distrito de Viseu. Esta localização privilegiada faz com que um dos maiores atributos de Fonte Arcada seja a fabulosa paisagem que dela se avista – ter um manto de água como cenário de fundo é sempre uma percentagem de beleza garantida. Mas este atributo é relativamente recente, pois a barragem só foi construída em 1965 e a história de Fonte Arcada vem de muitos séculos antes, ao que parece pelo menos desde a época da ocupação sueva ou visigótica. Com efeito, a fonte de mergulho que encontramos no lugar da Cova da Moura e dá nome à aldeia – por ter a forma de um arco ogival – data dos séculos XIII ou XIV, mas supõe-se que terá origens mais remotas, uma vez que nas suas proximidades passava uma via romana. Hoje, não fosse o letreiro e a protecção de vidro, não lhe atribuiríamos grande importância, pois os nossos olhos são atraídos para a fonte e o tanque mais recentes de onde corre a água, à distância de uns quantos degraus. A água é a mesma, mas o aparato é maior. Como é de bom-tom em qualquer aldeia vetusta e com pergaminhos, uma lenda associa esta fonte secular a uma jovem moura que ali se escondeu, chorosa, guardando um fabuloso tesouro. A ela se refere o Abade Vasco Moreira na sua obra “Terras da Beira – Cernancelhe e seu Alfoz” O imaginário português é fértil em lendas que envolvem mouras belas e infelizes …

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A aldeia é mencionada no século X no testamento de D. Flâmula Rodrigues, sobrinha da famosa Condessa Mumadona Dias (que fundou o Castelo de Guimarães), mas comprovadamente marcado na História é o foral que foi concedido a Fonte Arcada em 1193 por D. Sancha Vermuiz e a elevou a Vila e Concelho. Datará desta altura a construção da igreja, um edifício simples em granito que ainda mantém na sua porta principal o arco de volta perfeita característico do estilo românico, apesar das renovações de que foi alvo ao longo do tempo: no século XVI, quando lhe foram acrescentadas as capelas laterais, em finais do século XVII com a criação do retábulo-mor em talha dourada, e mais recentemente em 1978.

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Muito do casario de Fonte Arcada já é moderno e está pintado de branco, mas a pedra ainda reina. Apesar de ter visitado a aldeia num dia gélido de Inverno, o sol baixo da tarde já avançada quebrava a frieza do granito, que aqui já é amarelado por natureza, matizando-o de tons alaranjados. Espalhando-se por duas encostas suaves e um ligeiro vale entre elas, com ruas estreitas de traçado irregular, a aldeia torna-se aconchegante. Alguns pormenores das habitações denunciam as suas raízes medievais: varandas de madeira avançando sobre a rua, que contrastam com outras em pedra, e pisos inferiores das casas com grandes portadas, denotando as suas anteriores funções de curral ou armazém. Na orla da aldeia as casas são novas, mas no núcleo, tal como sucede na grande maioria das nossas aldeias mais remotas, há várias que estão em ruínas ou em vias disso. Talvez por serem acatitadas e sem terreno à volta, as pessoas parecem preferir construir de raiz a recuperar o que já existe, e assim vão decaindo algumas destas casas mais típicas e originais.

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Um edifício chama a atenção pelo seu ar robusto e maciço, quase de fortaleza. É o Paço da Loba, erguido a mando de Fernão Sanches, filho bastardo de D. Dinis e senhor destas terras no século XIII. O nome vem-lhe das duas imagens talhadas em granito que se encontram por cima da porta, por se assemelharem à cabeça de um lobo.

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Em 1400 D. João I doou Fonte Arcada a Gonçalo Vasques Coutinho, 2º Conde de Marialva. Fez parte da herança até ao 4º Conde e Meirinho-Mor do reino, D. Francisco Coutinho, que não teve descendência masculina. À filha, D. Guiomar Coutinho, em carta de 18 de Junho de 1504 D. Manuel I permitiu que herdasse o património dos seus pais, o que fez dela uma das mais ricas e cobiçadas herdeiras em Portugal, com um rendimento de cerca de 14 mil cruzados. Talvez por isso o rei tivesse achado boa ideia combinar desde cedo, com o Conde, o casamento de D. Guiomar com o seu filho D. Fernando. A boda só teve lugar em 1530, já no reinado de D. João III, pois entretanto a perspectiva deste matrimónio tinha sido contestada por D. João de Lencastre, Marquês de Torres Novas, que defendia ter casado em segredo com D. Guiomar. Sobre este conflito (que durou nove anos…!) escreveram vários cronistas, e foi à volta dele que Camilo Castelo Branco urdiu a trama da sua obra “O Marquês de Torres Novas”. Dos dois filhos do casal, um morreu à nascença e a outra aos três anos de idade, em 1534, o ano em que D. Guiomar e D. Fernando também faleceram, pondo assim um fim trágico ao Condado de Marialva. Consta que D. Fernando se terá refugiado, desgostoso, pouco tempo antes da sua morte, em Fonte Arcada, precisamente no Paço da Loba.

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Outro marco importante neste mesmo século foi a concessão de um foral manuelino em 1514, devidamente assinalado pelo pelourinho em granito que sobreviveu até aos nossos dias, agora quase “abafado” pelas construções que o rodeiam. Fica na minúscula Praça Pádua Correia e, apesar do seu aspecto geral muito simples, tem quase cinco metros de altura e uma base octogonal com sete degraus.

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Mas foi no século XVII que a localidade conheceu os seus tempos mais prósperos ao ser qualificada como Viscondado, que D. Pedro II atribuiu a Pedro Jacques de Magalhães, herói da Guerra da Restauração. São desta época as casas solarengas mais bonitas que existem em Fonte Arcada. Num dos extremos do largo a que chamam da Igreja, o Solar dos Condes da Azenha é uma dessas casas, facilmente identificável pelas armas afixadas em alto-relevo no seu pórtico (que está a precisar de obras urgentes de manutenção).

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Outra destas grandes mansões é o Solar dos Gouveias, mais conhecido por Casa dos Brigadeiros porque os varões da família desempenharam sempre altos cargos militares. Situado numa rua que desemboca ao lado da igreja, tem um muro alto e longo com variados elementos decorativos que causam grande impacto visual. É bem óbvia a importância que este edifício teve e continua a ter na aldeia.

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Fonte Arcada é palco de uma das maiores romarias do concelho de Sernancelhe, que tem lugar no terceiro domingo de Páscoa. A ela ocorrem habitualmente milhares de pessoas para participarem na procissão em honra da Senhora da Saúde. O Santuário ocupa o topo de uma colina, miradouro de onde se avista toda a aldeia até ao Távora. A capela branca e simples, que terá as suas origens em finais do século XVIII ou inícios do seguinte, está situada no centro de um enorme terreiro que inclui parque de merendas e um coreto. A procissão sai da igreja de Fonte Arcada com os andores (que antigamente eram puxados ladeira acima por carros de bois) a serem rebocados por tractores – excepto o que transporta a Senhora, pois este continua a ser carregado em ombros. O passo é marcado pelos bombos dos Zés-pereira e pelos sons de uma banda de música. A festa prolonga-se por uma semana com uma feira montada na avenida paralela à capela.

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Com a tarde a chegar ao fim, subi ao cerro do Castelo, que na verdade não tem castelo nenhum mas sim uma torre sineira. A Torre do Relógio é o ex libris de Fonte Arcada, e parece pairar sobre ela. Não é grande nem vistosa, mas atrai o olhar desde longe. À falta de adjectivo melhor, só posso dizer que é “diferente”, e imprime à aldeia um cunho muito particular e original. Terá servido desde o século XVI como local de vigia, e o seu sino ressoava umas vezes como aviso à população, outras como convocatória de assembleias. Na parede frontal tem degraus e uma porta descentrada, noutra parede há uma minúscula janelinha quadrada, no cimo o campanário com o sino, que agora cumpre a função de relógio, e uma cornija com gárgulas de canhão. Nada mais tem, e nada mais faz falta.

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É aqui o melhor sítio para ver o sol a recolher-se para lá das águas calmas da barragem, rodeada de oliveiras e campos de cultivo. Caudas de fumo saíam das chaminés, uma leve neblina alastrava sobre o vale como um véu fino, os raios de sol imprimiam auréolas vermelhas à terra castanha, em contraste com o céu ainda muito azul típico dos nossos dias frios de Inverno. O final perfeito para uma visita a esta aldeia memorável.

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(Adaptado de um post no blogue Viajar Porque Sim)

Fim de semana (13)

Pedro Correia, 18.12.21

 

Dois ou três anos antes da pandemia, comecei a ganhar gosto pela cozinha. Não enquanto apreciador de petiscos, pois sempre cultivei essa faceta, mas enquanto cozinheiro. Gosto aliás da palavra cozinheiro, agora tão em desuso porque os profissionais do ramo preferem intitular-se "chefes", com a palavra escrita à francesa para parecer très bien. Alguns fazem-no só para esmifrarem os clientes com maior requinte. 

Com os sucessivos confinamentos e as acrescidas dificuldades em abastecer-nos de comida já confeccionada fora de portas, intensifiquei o meu gosto pela culinária. Gosto de frequentar mercados, gosto de procurar receitas, gosto de planificar ementas, gosto de reunir os ingredientes, gosto de estar perto do fogão. 

Como já tinha anotado aqui, passei a cozinhar quase todos os dias. E - sem falsas modéstias - prefiro comer aquilo que cozinho. Reduzi drasticamente as minhas idas a restaurantes e, quando os frequento, não têm sido raras as vezes em que dou por mim a pensar que sou capaz de fazer melhor.

Pelo que verifico nas minhas navegações internéticas, comer com critério e bom gosto é hábito em desuso. Falei aqui em tempos de umas dondocas que aterraram num restaurante lisboeta especializado em comida goesa para «ficarem a conhecer» enquanto rejeitavam tudo quanto fosse picante. Acabaram a comer bife com batatas fritas.

Lembro-me sempre delas quando tropeço nos imbecis que vão pavonear-se no Tripadvisor comentando os bitoques demasiado bem passados ou as alheiras com batatas fritas em óleo de duvidosa qualidade que acabaram de manducar numa baiuca qualquer, armados em gourmets de fancaria. Sem perceberem que apenas exibem ignorância: quem abanca num restaurante para mastigar bitoque ou alheira - aquilo a que costumo chamar "comida de taxista" - é porque nem isso sabe preparar em casa. 

 

Chega outro sábado, é tempo de adquirir víveres e planificar os dias gastronómicos que vão seguir-se. Hoje irei experimentar frango no forno com canela e limão. Não há semana em que não experimente pelo menos uma receita nova: faz parte dos meus pequenos truques para colorir o quotidiano.

Nos próximos dias irei repetir algumas destas que agora partilho convosco. Com votos de boa semana pré-natalícia. Bom apetite!

 

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          Arroz de cabrito                                                              Raia alhada

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                                             Bife de atum com pimentos, tomate e batatas salteadas

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      Fettuccine all'arrabbiata                                                  Arroz de chouriço

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            Frango na púcara com cenouras e ervilhas                 Espetadas de salmão com grão-de-bico

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                                Fusilli com tiras da vazia, cogumelos laminados, tomate seco e manjericão

Fim de semana (12)

Pedro Correia, 12.12.21

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Confesso: andava há muito tempo com vontade de voltar a Óbidos. Ainda bem que o fiz, num destes fins de semana, ainda antes das previsíveis enchentes de Natal - embora nos tempos actuais nada seja previsível. A "vila-presépio", como lhe chamam justamente nesta quadra, engalanou-se a preceito para receber os forasteiros. 

Merece que a desvendem, seja em que época do ano for. Para quem vive na zona de Lisboa os acessos são fáceis, ali pela A8, entre o Bombarral e as Caldas: cerca de uma hora de viagem.

Devo dizer que foi uma visita que nunca me decepcionou. Aqui há sempre um recanto a descobrir, uma perspectiva diferente a vislumbrar, um novo fragmento de paisagem urbana ou rural que observamos pela primeira vez. Casario envolto em estética muito própria, exibindo uma atmosfera de burgo medieval retocado por séculos de sereno embelezamento. Um panorama deslumbrante, a perder de vista, quando subimos às ameias do castelo.

 

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Vale a pena vir pelo conjunto do património histórico. Com destaque para a Igreja de Santa Maria, edificada no século XVI, na bela praça que lhe recebeu o nome. O chafariz da Vila, mandado construir por D. Catarina, rainha-regente durante a infância de D. Sebastião. Os majestosos solares, como os do Aboins ou os dos Brito Pegado. Ou os antigos paços do concelho, transformados em museu.

Vale a pena vir também pelos livros. Há sedutoras livrarias em Óbidos, que alguns conhecem só pelos chocolates ou pela ginjinha, ignorando que serve de palco a um festival literário com reputação internacional. A paixão pelos "papéis pintados com tinta", como lhes chamava Fernando Pessoa, é tanta que aqui existe até um hotel forrado a livros de lés a lés, além de um restaurante igualmente coberto de lombadas. The Literary Man, o primeiro. The History Man, o segundo. Pena os nomes "amaricanos": ninguém parece desprezar tanto a língua portuguesa como os próprios portugueses, sobretudo os mais letrados.

 

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Foi no Homem da História que almoçámos. Tem uma acolhedora esplanada na Praça de Santa Maria e um vasto espaço interior, mas pedimos para nos instalarem a mesa no jardim traseiro para melhor desfrutar o sol. Foi lá que saboreámos com todo o vagar do mundo a raia frita com arroz de grelos e o polvo salteado com migas e feijão, devidamente acompanhados de um fresco branco da região Oeste.

A "vila-presépio" está bem e recomenda-se. Com um encanto que jamais passa de moda. 

 

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Fim de semana (11)

Pedro Correia, 21.11.21

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«A lógica pode de facto ser inabalável, mas não pode resistir a um homem determinado a viver."

Franz Kafka, O Processo

 

Pode ser visitada na Cordoaria Nacional (Avenida da Índia, Lisboa). É uma das melhores exposições do ano na capital. Com trabalhos visuais de todo o tipo - desenho, gravura, escultura, filme, fotografia - de Ai Weiwei, o mais célebre artista chinês contemporâneo. Perseguido, preso, diabolizado e expulso pela ditadura chinesa, de que é firme opositor. Nestes dias de exílio forçado, sem perspectiva de regresso, radicou-se no Alentejo, onde se sente como nunca se sentiu no seu país: cidadão livre.

Esta exposição é um grito de revolta contra a tirania de Pequim. E contra todos os sistemas totalitários. Com remadores de galés retratados em cerâmica. Quadros de repressão que podem aplicar-se a diversas latitudes, inspirados na estética da banda desenhada. A reprodução espantosamente realista da cela onde ele próprio esteve detido e foi submetido a duros interrogatórios só por querer dar livre expressão ao seu talento fora do cânone  definido pelo partido único que governa a China desde 1949.

 

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Filho do grande poeta Ai Qing, censurado e torturado durante a chamada "Revolução Cultural", nas décadas de 60 e 70, declara-se artista de dimensão política, assumido opositor ao regime comunista. Nasceu em 1958 e passou cinco anos com a família num campo de trabalhos forçados - facto que o marcou para sempre. E bem se reflecte no seu trabalho, eloquente grito de revolta contra a opressão, simbolizado na frase de Kafka citada acima e destacada na exposição. «A arte salvou-me da crueldade da vida», confessou numa entrevista recente.

Ai Weiwei, até domingo que vem na Cordoaria, bem merece uma visita. Ter escolhido Portugal para viver é motivo de orgulho para todos nós.

 

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Fim de semana (10)

Pedro Correia, 14.11.21

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O dia pode estar cheio de sol, as praias circundantes podem estar cheias de gente, mas aqui respira-se tranquilidade e silêncio. A entrada é gratuita, o acesso é fácil, mas quase não se encontra ninguém no Forte de Santo António da Barra, edificado no final do século XVI para reforçar o sistema defensivo da foz do Tejo. Chegou a albergar uma guarnição de 46 militares, que foi diminuindo com o correr do tempo, acompanhando a perda do poder de fogo das peças de artilharia aqui instaladas.

Danificado pelo terramoto de 1755, foi sendo alvo de sucessivas obras de recuperação. Em 1889 ficou ao serviço da Guarda Fiscal e a partir de 1915 - durante um século exacto - acolheu o campo de férias do Instituto Feminino de Educação e Trabalho de Odivelas. Já estava classificado como monumento de interesse público, desde 1977, quando ficou vago, há quase sete anos.

Visitaram-no pessoas célebres, não apenas nacionais como estrangeiras. Sobretudo desde 1950, quando o núcleo central destas instalações passou a ser escolhido por Salazar para residência temporária, durante parte do Verão. No início de Agosto de 1968, aqui ocorreu a queda da cadeira que em definitivo o impossibilitou de continuar no poder, a partir do mês seguinte.

É um cenário cinematográfico. De uma beleza ímpar pelo panorama que se desfruta - da barra do maior rio ibérico até ao extremo da baía de Cascais, com a margem sul a rasgar-se no horizonte. Os terraços estendem-se sobre o azul oceânico. Mas é tudo o que aqui existe: muralhas, paredes históricas, paisagem inesquecível. Tudo o resto - na posse do Ministério da Defesa - acabou destruído ou retirado sabe-se lá para onde. O forte foi pilhado, danificado, vandalizado antes de ser confiado à Câmara de Cascais, que o tem reabilitado desde 2018 - há muitas fotos que documentam o estado de destruição a que chegou.

Aqui poderia instalar-se um núcleo museológico, com visitas guiadas: mal ou bem, uma parte da História portuguesa teve estas paredes agora solitárias por testemunhas. Talvez venha a ocorrer. Para já, o esforço da recuperação continua. Já basta para recomendar uma visita. O forte fica junto à estrada marginal, em São João do Estoril. Lá dentro, parece que o tempo parou.

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Fim de semana (9)

Pedro Correia, 24.10.21

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É um passeio diferente. Aproveitando este prolongamento de Verão de que temos beneficiado e a bela paisagem que se rasga aos nossos olhos ali onde o Tejo desagua no vasto Atlântico. Um passeio fluvial e marítimo em simultâneo. A rondar o histórico baluarte do Bugio, ali erigido no século XVII por ordem de D. João IV, aproveitando um banco de areia existente na barra do rio, no quadro mais vasto das fortificações implantadas na zona de Lisboa - e de que a mais emblemática é a Torre de Belém.

Reza a tradição que o Forte de São Lourenço do Bugio foi inspirado no majestoso castelo de Santo Ângelo, em Roma, situado junto à Cidade do Vaticano.

No topo da fortaleza circular, que já serviu de caserna e presídio, existe um farol igualmente muito antigo, que até à década de 80 exigia presença humana em permanência. Hoje a iluminação está automatizada e é alimentada por energia solar, mantendo-se o seu papel vital no apoio à navegação.

Noutros tempos, em certas épocas do ano, o Forte era procurado em épocas de maior assoreamento do Tejo, sobretudo por residentes da Cova do Vapor, que assistiam à missa na capela setecentista lá existente e agora virtualmente abandonada. Tudo mudou: hoje só elementos da Marinha, em regra, têm autorização para ali desembarcar.

Infelizmente, por isso só é possível rondar o ilhéu - e não desembarcar. Assim se desperdiça um lugar de inegável valor histórico e cultural hoje sob a tutela de várias entidades. Incluindo a Direcção de Faróis, a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e a Administração do Porto de Lisboa, além de duas câmaras municipais - a de Almada e a de Oeiras.

Seria muito útil a abertura do local a deslocações periódicas - desde o âmbito escolar às visitas turísticas. Enquanto isso não acontece, podemos sempre fazer o que já fiz: contornar o ilhéu e contemplar Lisboa vista dali. É um panorama único. Vale a pena embarcar: é uma pequena viagem que perdura na memória.

Fim de semana (8)

Pedro Correia, 29.08.21

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Desta vez a sugestão é em Lisboa. Na Feira do Livro, que decorre até 12 de Setembro. Pelo passeio, pela possibilidade de adquirirmos livros a bom preço, pelo inesperado reencontro com gente amiga (voltou a acontecer-me sexta-feira, dia da inauguração) e pelo magnífico panorama que desfrutamos lá do alto. Uma das mais soberbas vistas da cidade, captada do miradouro do Parque Eduardo VII, projectado em 1940 pelo arquitecto Francisco Keil do Amaral, a quem a capital portuguesa tanto deve.

Nesta minha primeira incursão trouxe de lá três livros. Da Relógio d' Água, ainda uma das melhores editoras portuguesas, um clássico da ficção narrativa do século XX: A Morte de Virgílio, de Hermann Broch. No pavilhão da Alfaguara, outra das minhas preferidas, comprei O Barulho das Coisas ao Cair, romance do colombianao Juan Gabriel Vásquez. E na volta que dei pelos alfarrabistas encontrei Os Desertores - primeira edição (1960) do romance de Augusto Abelaira. Com autógrafo do autor em forma de dedicatória - por apenas 7,5 euros.

Qualquer deles a ler em breve. Mas hei-de voltar à Feira - mesmo com o sacrifício de andar lá de máscara. Gosto de tradições e de rituais. Deambular pelo Parque, com milhares de livros em redor, é um prazer que todos os anos se renova.

Fim de semana (7)

Pedro Correia, 22.08.21

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Casa onde esteve a Rainha D. Amélia em 5 de Outubro de 1910

 

A menos de 50 quilómetros de Lisboa, numa distância facilmente percorrida pela A8 e pela A21, a Ericeira é uma excelente alternativa à generalidade das praias algarvias por esta altura. Tem mais espaço, menos gente, muito menos confusão e proporciona férias mais em conta. Com uma gastronomia baseada no que o mar oferece - peixe e marisco para qualquer paladar. E uma deslumbrante orla de praias, entre a linha costeira de Torres Vedras (a norte) e de Sintra (a sul). 

Possui personalidade muito própria. Não se confunde com Mafra, sede do concelho, nem pretende rivalizar com ela, sabendo-se com atributos únicos. Faz questão em manter-se vila contrariando a moda, numa época em que quase todas as vilas ambicionam ser cidades. Cultiva ritos e tradições. Orgulha-se de ter sido a última povoação que abrigou a família real antes de rumar ao exílio, a 5 de Outubro de 1910. 

Mantém o seu ritmo muito próprio e uma original relação com o clima. Sabe que ali o vento costuma soprar de norte e adapta-se à circunstância. Não estranha que surjam neblinas matinais, com a certeza de que o sol abrirá após o meio-dia e haverá belas tardes de praia em perspectiva.

Enquanto esperamos, petiscamos. Algo com sabor a mar. E desejamos que estes dias durem para sempre.

Fotos minhas

Fim de semana (6)

Pedro Correia, 08.08.21

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Palácio e jardins de Monserrate: o esplendor do romantismo em Portugal

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Edifício do século XIX foi restaurado, integrando paisagem cultural de Sintra

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No frondoso parque há espécies oriundas de todas as partes do globo

 

A beleza de Sintra é inesgotável. Sinto isso sempre que lá vou. Nunca há dois dias iguais quando a visitamos. Desde logo por ser uma das povoações portuguesas mais bem enquadradas no sempre renovado espectáculo da natureza. 

Agora que os dias são grandes e as vagas turísticas continuam diminutas, é a ocasião ideal para lá voltarmos em romagem. Porque em Sintra há sempre algo mais para ver. O deslumbrante Parque de Monserrate, por exemplo. Tudo começou no século XVI, com uma ermida que ali havia. Depois tornou-se quinta com sucessivos proprietários ou arrendatários - um deles, no final do século XVIII, foi o escritor inglês William Beckford. Byron também passou por lá. Mas o apogeu de Monserrate ocorreu a partir de 1846, quando foi adquirida por outro súbdito da Rainha: Francis Cook, comerciante e coleccionador de arte. É dele a iniciativa de ali erguer o actual palácio de inspiração gótica, indiana e mourisca. E também de ali instalar um vasto jardim povoado de espécies exóticas, das mais diversas proveniências. Esplendor máximo do romantismo em Portugal. 

O palácio foi adquirido em 1949 pelo Estado e todo o conjunto integra a paisagem cultural de Sintra, declarada em 1995 património da humanidade pela Unesco. Isto não evitou a degradação do edifício, que permaneceu encerrado ao público durante muitos anos. Felizmente restaurado e novamente aberto aos visitantes, é uma jóia arquitectónica ali à nossa espera - com vistas deslumbrantes, seja qual for o ângulo. Além do frondoso parque onde podemos deambular durante horas. Recarregando baterias, em busca de inspiração seja para o que for. Se não a acharmos aqui, não a encontramos em parte alguma.

Fim de semana (5)

Pedro Correia, 25.07.21

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O parque de Sete Rios é um dos mais belos espaços verdes de Lisboa

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Aldeia dos Macacos, celebrizada no filme A Canção de Lisboa

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Hora da sesta no jardim zoológico: podemos apadrinhar um destes animais

 

Estamos no centro de Lisboa, mas ninguém diria. É um grande parque verde povoado de 300 espécies animais. Parece cenário de filme. E já foi mesmo: basta lembrarmos A Canção de Lisboa, aqui filmada por Cottinelli Telmo, com Beatriz Costa, Vasco Santana e António Silva à frente de um excepcional elenco.

Fundado em 1884, o Jardim Zoológico de Lisboa está muito bem conservado, quase a meio deste seu segundo século de existência. Acabou a era em que enfiavam bichos em jaulas: agora estão em espaços muito mais amplos e arejados que reproduzem na medida do possível os seus habitats naturais. A grande maioria destes dois mil animais já nasceu em cativeiro. Podemos apadrinhar qualquer deles. Há intercâmbios constantes entre zoológicos de outros países para evitar os riscos da endogamia.

Se há passeio recomendável na capital, é precisamente aqui. Para miúdos e graúdos. Recordo as primeiras vezes que visitei este jardim, ainda em criança, e a sensação de deslumbramento que senti ao observar ao vivo tantos animais que só costumava ver na televisão. O tempo passa, mas esta sensação nunca se perde. E é com gosto redobrado que confirmo como o Zoo de Lisboa se adapta aos novos tempos, continuando a seduzir os visitantes. Que são poucos, devido à pandemia que de tudo nos afasta - do parque de Sete Rios também. Não deixemos que ela nos vença: há que sair de casa, há que passear, há que evitar os comportamentos fóbicos induzidos pelas notícias e lutar contra o medo. 

Fim de semana (4)

Pedro Correia, 18.07.21

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Até à década de 30, Monsanto era assim: sem uma árvore

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Duarte Pacheco: mãos à obra, dando o exemplo

 

Muitos lisboetas desconhecem em absoluto a sua cidade. Deviam aproveitar estes meses de Verão para conhecê-la melhor. Uma sugestão: passarem uma manhã ou uma tarde na Serra de Monsanto. Podemos todos orgulhar-nos dela: é o primeiro parque florestal certificado da Europa - o maior do continente e o segundo maior do mundo.

Com apenas 230 metros de altitude, ocupa uma área de cerca de mil hectares. Ao contrário do que muitos imaginam, nem sempre foi assim. A intervenção em Monsanto - visionária, como noutras áreas da sua acção enquanto presidente da Câmara de Lisboa e ministro das Obras Públicas - coube a Duarte Pacheco (1900-1943), vai fazer nove décadas. E é recordada numa interessante exposição, no Centro de Interpretação de Monsanto. Que bem merece uma visita.

Há menos de um século, a serra sobranceira a Lisboa - hoje o grande pulmão da capital portuguesa - estava praticamente despida. Tudo quanto lá vemos agora resultou do esforço humano, a partir do final da década de 30. Com a participação de diversos voluntários, a quem se deve a plantação de milhares de árvores. Muitos ignoram tudo isto. Desconhecem também que Monsanto, através dos séculos, sofreu inúmeros episódios de vulcanismo. Nos dias que correm é um paraíso, cheio de espécies vegetais. E animais também: raposas, toupeiras, ouriços-cacheiros, esquilos, coelhos bravos, ginetas, corujas, estorninhos, gaios, cegonhas. Um verdadeiro zoológico ao ar livre.

Fim de semana (3)

Pedro Correia, 11.07.21

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Há praias da minha infância a que regresso sempre com gosto. Umas mais longe de Lisboa, outras bastante mais perto. Entre estas, nunca desperdiço uma oportunidade de rumar à Praia das Maçãs. Mesmo no auge do Verão, o sol aqui não nos agride com calor excessivo. Também não costumo encontrar nestas paragens as tradicionais enchentes que contaminam outras rotas balneares.

Mergulho, por aqui, não apenas no mar. Mas também à mesa, no acolhedor Neptuno que jamais nos desilude. Almoço tardio com a praia a nossos pés e as vagas oceânicas lá mais adiante. Almoço sem pressas nem relógio nem testes nem certificados nem notícias do desgoverno. 

Depois há que regressar a Sintra. Mas não por asfalto: vamos no velho eléctrico, inaugurado em 1904. Quarenta e cinco minutos de deslumbrante trajecto entre o Atlântico e a histórica vila imortalizada por Eça e Byron. Banzão, Colares, Galamares, serra acima até à Estefânia. Outra maneira - mais calma, mais pausada - de contemplar estas paisagens. Que bem merecem ser visitadas: são um bálsamo para a vista e para o espírito.

Fim de semana (2)

Pedro Correia, 04.07.21

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Sou, como o Francisco José Viegas, capaz de contemplar árvores durante horas, esquecido da passagem do tempo. Daí gostar tanto de regressar ao Jardim Botânico Tropical de Belém - também conhecido por Jardim Colonial ou Jardim do Ultramar. É um dos mais desconhecidos de Lisboa, ignorado pela esmagadora maioria dos habitantes da capital. Com araucárias, casuarinas, cedros do Líbano, palmeiras mexicanas, tipuanas, dragoeiros e a mais extraordinária árvore da borracha que já vi.

Há também por lá patos, gansos e pavões - dizem-me que certos ramos familiares destas aves vivem ali há décadas. O que ajuda a explicar por que motivo são tão sociáveis. Nenhuma se afasta quando nos aproximamos. E é um espectáculo vê-las, a meio da tarde, à espera que os tratadores as alimentem. Aguardam pacientemente, em fila indiana, quando a hora se aproxima. Dando lições de civismo aos seres humanos.

A norte, o jardim detém-se no Palácio dos Condes da Calheta, infelizmente encerrado. A nascente, confina com o Palácio de Belém. Após ter recebido obras, reabriu há uns tempos e bem merece uma visita. Nem parece que estamos em Lisboa: eis-nos isolados do bulício da cidade naqueles sete hectares onde parece que o tempo parou.

Fim de semana (1)

Pedro Correia, 27.06.21

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Sintra, mais deslumbrante que nunca. E, por estes dias, com um número quase residual de turistas - algo impensável há ano e meio, inimaginável em pleno Verão.

Vale a pena visitá-la com vagar, aproveitando o espaço disponível: quando lá vamos, ficamos sempre a ganhar. Em conhecimento histórico, em fruição da beleza natural e arquitectónica, em pausa na rotina quotidiana.

Se algo de bom nos trouxe o coronavírus foi isto: podermos desfrutar recantos do País que antes pareciam reservados a hordas forasteiras. Valha-nos isto. Aproveitemos enquanto dura.